Acessibilidade / Reportar erro

Constituição de Comunidades de Práticas Locais e o Ambiente de Aprendizagem da Modelagem Matemática: algumas relações

Constitution of Local Communities of Practice and the Learning Environment of Mathematical Modeling: some relations

Resumo

Neste artigo identificamos algumas potencialidades do ambiente de aprendizagem da Modelagem Matemática, na constituição de uma Comunidade de Prática Local (LCoP). O estudo foi desenvolvido no âmbito da pesquisa qualitativa, com base em um episódio de sala de aula, suscitado pela Modelagem Matemática, em que as ações desenvolvidas por professor e alunos, são analisadas segundo as características da constituição de uma LCoP. Os resultados obtidos evidenciam algumas características próprias do ambiente de aprendizagem da Modelagem Matemática, tais como o estudo matemático de um tema com referência na realidade; a participação dos alunos nos processos de problematização, investigação e seus envolvimentos no ambiente de aprendizagem e a construção de espaços de interações, que fundamentam o desenvolvimento de ações concernentes à constituição de LCoP's.

Palavras-chave:
Comunidade de Prática Local; Modelagem Matemática; Ambiente de Aprendizagem; Aprendizagem Situada

Abstract

This paper presents the potentialities of the learning environment of Mathematical Modeling in the constitution of a Local Community of Practice (LCoP). The study was developed in the context of qualitative research, based on a classroom episode, raised by Mathematical Modeling, in which the actions developed by teacher and students are analyzed according to the characteristics of the formation of an LCoP. The results show some typical characteristics of the learning environment of Mathematical Modeling, such as the mathematical study of a subject with reference in the reality; the performance of the students in the process of questioning, investigation and their engagement in the learning environment; and the construction of spaces for interactions, which underlie the development of actions concerning the constitution of LCoP.

Key-words:
Local Community of Practice; Mathematical Modeling; Learning Environment; Situated Learning

1 Introdução

As necessidades atuais para a formação humana e social dos sujeitos requerem uma compreensão da aprendizagem escolar como um processo que ultrapassa a percepção de conhecimento enquanto uma elaboração estritamente interna ao sujeito. Este entendimento acerca do desenvolvimento dos indivíduos, condizente à corrente de teorias críticas de ensino, considera as estruturas sociais como contraditórias e flexíveis, pois são compreendidas a partir da contextualização histórica e social. Ademais, este entendimento embasa documentos orientadores para a Educação Básica no Brasil, tais como os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN (BRASIL, 2008BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília. MEC, 2008.).

Na perspectiva dos pressupostos orientados pelos PCN, a teoria da Aprendizagem Situada, sistematizada por Lave e Wenger (1991)LAVE, J.; WENGER, E. Situated Learning: Legitimate Peripheral Participation. Cambridge: Cambridge University Press, 1991., proporciona uma ferramenta analítica para a compreensão da aprendizagem da Matemática. Para os autores, o conhecimento é construído a partir de interações entre as pessoas e o mundo e ocorre por meio da participação dos indivíduos em ambientes de aprendizagem específicos, denominados de Comunidades de Prática (CoPs). Desta forma, a constituição de uma CoP é condição intrínseca para que a aprendizagem ocorra.

No âmbito escolar, considerando as especificidades deste ambiente, também pode-se conceber a ideia da constituição de CoP's. Winbourne e Watson (1998)WINBOURNE, P.; WATSON, A. Participating in Learning Mathematics Througt Shared Local Practices in the Classrooms. In: Watson, A. (Ed.). Situated Cognition and the Learning of Mathematics, Oxford: Centre for Mathematics Education Research of the University of Oxford, 1998. p. 93-104. denominam tais comunidades de Comunidades de Prática Locais (LCoP's) e apresentam seis características para sua constituição em uma aula de Matemática. Neste ambiente, a aprendizagem é compreendida como uma experiência social, relacionada à capacidade de negociar novos significados. Desta forma, o caráter de situatividade da aprendizagem, associa-se à negociabilidade dos significados em relação à atividade em que as pessoas estão envolvidas.

Ainda, quanto à Matemática, os PCN sugerem algumas formas orientadoras de ensino no âmbito escolar, de forma a promover um processo de aprendizagem que satisfaça os pressupostos apontados anteriormente. Dentre estas alternativas está a Modelagem Matemática, que constitui uma possibilidade para a intervenção do estudante nos problemas reais do meio em que vive; o que contribui para sua formação crítica, pois permite a compreensão e análises de fenômenos cotidianos, não necessariamente matemáticos, por meio do ferramental matemático.

Tais orientações vão ao encontro dos resultados da pesquisa realizada por Boaler (2001)BOALER, J. Mathematics from Another World: Traditional Communities and the Alienation of Learners. Journal of Mathematical Behavior, Stanford, v. 18 n. 4, p. 379-397, agosto, 2001.. Conforme indicam seus estudos, alunos que passam por experiências com Modelagem Matemática, no decorrer da escolaridade, não só têm bons resultados em provas do tipo classificatórias, como percebem a relação da Matemática com as situações cotidianas, e usamna como ferramenta na resolução de problemas diários. Neste sentido, a autora conclui que a teoria da Aprendizagem Situada, tanto tem oferecido um novo olhar sobre o desenvolvimento e o uso do conhecimento pelo aluno, quanto tem enfatizando o uso da Modelagem Matemática como meio de promover este processo de aprendizagem.

Braz (2014)BRAZ, B. C. Contribuições da Modelagem Matemática na constituição de Comunidades de Prática Locais: Um estudo com alunos do Curso de Formação de Docentes. 2014, 185 f. Dissertação (Mestrado em Educação para o Ensino de Ciências e Matemática) – Pós graduação em Educação para a Ciência e a Matemática – Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2014. com o objetivo de investigar como o desenvolvimento de atividades de Modelagem Matemática contribui com o processo de constituição de LCoP's, evidenciou ações mobilizadas pelos alunos, que proporcionaram um contexto rico para a constituição de práticas matemáticas e extramatemáticas partilhadas nesse ambiente. Na pesquisa citada, algumas características se destacaram e indicaram aproximações entre a constituição do ambiente de aprendizagem da Modelagem Matemática, tal como caracterizado por Barbosa (2001BARBOSA, J. C. Modelagem Matemática: concepções e experiências de futuros professores. 2001. 253 f. Tese (Doutorado em Educação Matemática) – Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2001., 2003BARBOSA, J. C. Modelagem Matemática e a Perspectiva Sócio-crítica. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 2., 2003, SANTOS. Anais…São Paulo: SBEM, 2003. 1 CD-ROM., 2007BARBOSA, J. C. A prática dos alunos no ambiente de Modelagem Matemática: o esboço de um framework. In: BARBOSA, J. C.; CALDEIRA, A. D.; ARAÚJO, J. L. (Ed.). Modelagem Matemática na Educação Matemática Brasileira: pesquisas e práticas educacionais. Recife, Brasil: SBEM, 2007. P. 161-174.), e a constituição de uma LCoP.

Este artigo tem como objetivo apresentar uma análise das possíveis relações que são estabelecidas entre a constituição de uma LCoP e o ambiente de aprendizagem da Modelagem Matemática. Para tanto, caracterizamos o ambiente de aprendizagem da Modelagem, e fazemos alusão a episódios de sala de aula, a fim de indicar os aspectos constituintes desse ambiente que são consonantes às características definidoras de uma LCoP.

As discussões oriundas desta investigação poderão subsidiar os professores quanto às possibilidades e direcionamentos para o desenvolvimento de atividades de Modelagem que proporcionam um ambiente rico para a aprendizagem situada da Matemática.

2 Comunidades de Prática Locais

Numa visão sociocultural, o processo de aprendizagem pode ser compreendido como inerente ao contexto social em que é desenvolvido, e o conhecimento compartilhado entre membros de uma comunidade em que as pessoas participam (MATOS, 2000MATOS, J. F. Aprendizagem e Prática Social: Contributos para a Construção de Ferramentas de Análise da Aprendizagem Matemática Escolar. In J. P. Ponte; L. Serrazina (Eds), Educação Matemática em Portugal, Espanha e Itália, p. 65-94. Lisboa: SEM-SPCE, 2000.). Esta noção de aprendizagem, como algo que é situado e construído socialmente, traz potencialidades em relação às maneiras como a aprendizagem de Matemática escolar é compreendida (Ibidem).

Lave e Wenger (1991)LAVE, J.; WENGER, E. Situated Learning: Legitimate Peripheral Participation. Cambridge: Cambridge University Press, 1991., sem o objetivo de substituir as teorias de aprendizagem existentes, sistematizaram uma maneira de conceber o processo de aprendizagem na perspectiva social. De acordo com Frade (2003)FRADE, C. Componentes Tácitos e Explícitos do Conhecimento Matemático de Áreas e Medidas. 2003. 241 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2003., para Lave e Wenger (1991)LAVE, J.; WENGER, E. Situated Learning: Legitimate Peripheral Participation. Cambridge: Cambridge University Press, 1991. os conhecimentos dos indivíduos são construídos de forma particular por meio de experiências situadas. Neste sentido, o conhecimento é resultante das relações entre as pessoas, na atividade, e com o mundo social (MATOS, 2000MATOS, J. F. Aprendizagem e Prática Social: Contributos para a Construção de Ferramentas de Análise da Aprendizagem Matemática Escolar. In J. P. Ponte; L. Serrazina (Eds), Educação Matemática em Portugal, Espanha e Itália, p. 65-94. Lisboa: SEM-SPCE, 2000.; FRADE, 2003FRADE, C. Componentes Tácitos e Explícitos do Conhecimento Matemático de Áreas e Medidas. 2003. 241 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2003.). O ponto de partida para a análise da aprendizagem é a prática social, desenvolvida pelos sujeitos por meio das suas participações em ambientes específicos, denominados de Comunidades de Prática.

Para os autores, pertencer a uma CoP é uma condição intrínseca à existência de conhecimento e implica a participação num sistema de atividades acerca do qual os participantes partilham compreensões sobre o que fazem e sobre o que isso significa nas suas vidas e comunidades (LAVE; WENGER, 1991LAVE, J.; WENGER, E. Situated Learning: Legitimate Peripheral Participation. Cambridge: Cambridge University Press, 1991., p. 98).

Embora os conceitos que constituam o termo Comunidade de Prática sugiram interpretações variadas, uma CoP diferencia-se fundamentalmente de outras estruturas como as organizações, equipes ou mesmo comunidades (KRAINER, 2003KRAINER, K. Teams, Communities & networks. Journal of Mathematics Teacher Educacion, Netherlands, v. 6, n. 2, p. 93-105, jun. 2003.), pois estas outras podem não ser constituídas por participantes que têm objetivos comuns, ou que negociam significados; ou seja, estruturas organizacionais sem uma prática comum que as sustente.

A fim de distinguir uma CoP de outras estruturas que possam ser tratadas como tal, sem abordá-la por meio de uma definição limitada, Wenger (1998)WENGER, E. Communities of Practice: Learning, Meaning, And Identity. New York: Cambridge University Press, 1998. diferencia três elementos bases que a constituem e a definem: um domínio de conhecimentos que sustenta a comunidade e constitui a base das ações de seus membros; uma comunidade de pessoas preocupadas com este domínio, que evolui com a comunidade; e uma prática que define os participantes desta comunidade.

Neste sentido, em uma CoP a prática será sempre social. Matos (1999) assinala que mesmo as ações realizadas individualmente têm caráter social, a partir do momento em que estamos interagindo com idéias que foram codificadas socialmente por outras pessoas. Na leitura de um livro, por exemplo, o livro será o mediador da relação entre autor e leitor. De acordo com o autor, quando o leitor lê e atribui significado ao que lê, pode-se dizer que existe um partilhamento de significados. Assim, pode-se reconhecer a prática social, pois se tratam de significados que são partilhados por um dado grupo social.

A prática social enquanto fonte de coerência de uma comunidade, é construída a partir de três elementos, como aponta Wenger (1998)WENGER, E. Communities of Practice: Learning, Meaning, And Identity. New York: Cambridge University Press, 1998.: o engajamento mútuo que envolve o fazer as coisas juntos, manter a comunidade e o envolvimento em relações complexas; o empreendimento articulado que envolve a responsabilidade mútua pelos empreendimentos negociados pelas pessoas; e o repertório partilhado que abarca todo o material, discursos, conceitos que são produzidos ou adotados pela comunidade no curso da sua existência. Estes elementos, quando articulados, permitem a compreensão do processo de constituição de uma CoP, por meio da participação dos sujeitos envolvidos.

Esta teoria foi sistematizada por Lave e Wenger (1991)LAVE, J.; WENGER, E. Situated Learning: Legitimate Peripheral Participation. Cambridge: Cambridge University Press, 1991. com referência em comunidades que não as escolares, como a de alfaiates, marinheiros, dentre outras. Por outro lado, os mesmos autores afirmam ser potencialmente útil se pensar a aprendizagem escolar sob esta ótica. Diante disso, diversos autores têm procurado interpretar a noção de CoP e as implicações da sua constituição nas aulas de Matemática; dentre eles Matos (2000)MATOS, J. F. Aprendizagem e Prática Social: Contributos para a Construção de Ferramentas de Análise da Aprendizagem Matemática Escolar. In J. P. Ponte; L. Serrazina (Eds), Educação Matemática em Portugal, Espanha e Itália, p. 65-94. Lisboa: SEM-SPCE, 2000., Boaler (2001)BOALER, J. Mathematics from Another World: Traditional Communities and the Alienation of Learners. Journal of Mathematical Behavior, Stanford, v. 18 n. 4, p. 379-397, agosto, 2001., Winbourne e Watson (1998)WINBOURNE, P.; WATSON, A. Participating in Learning Mathematics Througt Shared Local Practices in the Classrooms. In: Watson, A. (Ed.). Situated Cognition and the Learning of Mathematics, Oxford: Centre for Mathematics Education Research of the University of Oxford, 1998. p. 93-104., David e Watson (2008)DAVID, M. S.; WATSON, A. Participating in what? Using Situated Cognition Theory to illuminate differences in classroom. In: WATSON, A., WINBOURNE, P. (Ed.). New directions for situated cognition in Mathematics Education. Melbourne: Springer, 2008, p. 31-57., Winbourne (2008)WINBOURNE, P. Looking For Learning In Practice: How Can This Inform Teaching. In: New directions for situated cognition in Mathematics education. Melbourne: Springer, 2008, p. 79-102. e Frade (2003)FRADE, C. Componentes Tácitos e Explícitos do Conhecimento Matemático de Áreas e Medidas. 2003. 241 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2003..

Não se pode ignorar o fato de que as pesquisas que conduziram ao esquema conceitual desta teoria de aprendizagem tenham se dado em contextos com características diferentes das de uma escola. Por outro lado, de acordo com Boylan (2005)BOYLAN, M. School classrooms: Communities of Practice or Ecologies of Practices? In: Socio-Cultural Theory in Educational Research, 1th, 2005, Manchester University UK, proceedings… Manchester University UK, 2005. Disponível em: <http://orgs.man.ac.uk/ projects/include/experiment/mark_boylan.pdf>. Acesso em: 01 maio 2013.
http://orgs.man.ac.uk/projects/include/e...
, o foco na análise da evolução de uma CoP e nas trajetórias construídas pelos membros dela, permitem uma ferramenta para a análise da aprendizagem escolar da Matemática, pois como a teoria da Aprendizagem Situada constitui uma teoria generalizada de aprendizagem, torna-se aplicável a diferentes contextos, incluindo os escolares.

Boylan (2005)BOYLAN, M. School classrooms: Communities of Practice or Ecologies of Practices? In: Socio-Cultural Theory in Educational Research, 1th, 2005, Manchester University UK, proceedings… Manchester University UK, 2005. Disponível em: <http://orgs.man.ac.uk/ projects/include/experiment/mark_boylan.pdf>. Acesso em: 01 maio 2013.
http://orgs.man.ac.uk/projects/include/e...
, numa análise das práticas escolares, reconheceu que os conceitos analíticos desenvolvidos em relação à constituição de CoP's são um meio importante para investigar as formas de pertencimento e participação na Matemática escolar. Entretanto, sugere que as aulas de Matemática da escola geralmente não constituem CoP's.

Outros educadores matemáticos também reconheceram as particularidades do ambiente escolar em relação a outros, em que as CoP's possam desenvolver-se, e analisaram as potencialidades e restrições deste conceito na aula de Matemática; dentre eles Winbourne e Watson (1998)WINBOURNE, P.; WATSON, A. Participating in Learning Mathematics Througt Shared Local Practices in the Classrooms. In: Watson, A. (Ed.). Situated Cognition and the Learning of Mathematics, Oxford: Centre for Mathematics Education Research of the University of Oxford, 1998. p. 93-104. e David e Watson (2008)DAVID, M. S.; WATSON, A. Participating in what? Using Situated Cognition Theory to illuminate differences in classroom. In: WATSON, A., WINBOURNE, P. (Ed.). New directions for situated cognition in Mathematics Education. Melbourne: Springer, 2008, p. 31-57.. Tais pesquisadores assumem as características específicas do ambiente da sala de aula e denominam as CoP's formadas nas aulas de Matemática de Comunidades de Prática Locais, pois diferenciam-se de outras CoP's, por suas delimitações de espaço e tempo de duração em função das práticas da escola e da sala de aula.

Winbourne e Watson (1998)WINBOURNE, P.; WATSON, A. Participating in Learning Mathematics Througt Shared Local Practices in the Classrooms. In: Watson, A. (Ed.). Situated Cognition and the Learning of Mathematics, Oxford: Centre for Mathematics Education Research of the University of Oxford, 1998. p. 93-104. com base nos estudos de Jean Lave, desenvolveram uma perspectiva teórica para descrever o ensino e a aprendizagem da Matemática na sala de aula, segundo a constituição de uma CoP. A partir da análise de aulas de Matemática e das características definidoras de uma CoP, apresentaram características necessárias para a constituição de uma LCoP durante a aula:

  1. Os alunos verem-se a si próprios, funcionando matematicamente e para esses alunos fazer sentido ‘o ser matemático’ como uma parte essencial de quem são naquela aula;

  2. através das atividades e papéis assumidos há reconhecimento público do desenvolvimento da competência naquela aula;

  3. os alunos se veem a trabalhar conjuntamente, com um propósito, para conseguirem um entendimento comum;

  4. existem modos partilhados de comportamento, linguagem, hábitos, valores e uso de ferramentas;

  5. a aula é, essencialmente, constituída por participação ativa dos alunos e professor;

  6. os alunos e o professor podem ver-se engajados na mesma atividade. (WATSON; WINBORNE, 1998, p. 103).

Winbourne e Watson (1998)WINBOURNE, P.; WATSON, A. Participating in Learning Mathematics Througt Shared Local Practices in the Classrooms. In: Watson, A. (Ed.). Situated Cognition and the Learning of Mathematics, Oxford: Centre for Mathematics Education Research of the University of Oxford, 1998. p. 93-104., e posteriormente David e Watson (2008)DAVID, M. S.; WATSON, A. Participating in what? Using Situated Cognition Theory to illuminate differences in classroom. In: WATSON, A., WINBOURNE, P. (Ed.). New directions for situated cognition in Mathematics Education. Melbourne: Springer, 2008, p. 31-57., utilizaram as características apresentadas a fim de analisarem se as práticas construídas em determinadas aulas de Matemática permitiram a constituição de LCoP. Em ambos os casos, as aulas analisadas foram ministradas por professores que não eram os pesquisadores e sem a intenção de constituir uma LCoP.

Em relação às intencionalidades de professor e alunos e a constituição de CoP's no ambiente da sala de aula, Matos (2000)MATOS, J. F. Aprendizagem e Prática Social: Contributos para a Construção de Ferramentas de Análise da Aprendizagem Matemática Escolar. In J. P. Ponte; L. Serrazina (Eds), Educação Matemática em Portugal, Espanha e Itália, p. 65-94. Lisboa: SEM-SPCE, 2000. afirma que os autores não consideraram as principais críticas que podem ser feitas à interpretação da atividade Matemática escolar como participação em CoP's. De acordo com o autor, Jean Lave evidencia que o princípio básico para a participação em CoP's, é a voluntariedade inicial do sujeito. Nesse contexto, inferimos que o ambiente de aprendizagem da Modelagem Matemática, por suas características, acena possiblidades para moderar tal impasse. Nos últimos anos, pesquisas como as apresentadas por Burak (2004)BURAK, D. Modelagem Matemática e a Sala de Aula. In: I EPMEM -Encontro Paranaense da Modelagem Na Educação Matemática, 1., 2004, Londrina. Anais… Londrina: I EPMEM, 2004. CDROM., Jacobini (2004)JACOBINI, O. R. A Modelagem Matemática como Instrumento de Ação Política na Sala de Aula. 2004. 225 f. Tese (Doutorado em Educação Matemática) – Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2004., Bassanezi (2002)BASSANEZI, R. C. Ensino-aprendizagem com modelagem matemática: uma nova estratégia. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2002., Borba (1987)BORBA, M. C. Um estudo de etnomatemática: sua incorporação na elaboração de uma proposta pedagógica para o “Núcleo-escola” da Favela da Vila Nogueira – São Quirino. 1987. 256 f. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática) – Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 1987., Meyer, Caldeira e Malheiros (2011)MEYER, J. F. C. A.; CALDEIRA, A. D.; MALHEIROS A. P. S. Modelagem em Educação Matemática. Belo Horizonte: Autêntica, 2011., dentre outras, têm ressaltado aspectos referentes à participação voluntária dos alunos em atividades de Modelagem Matemática, em decorrência de motivos como, por exemplo, dos seus interesses pelo estudo das situações-problema propostas.

3 O ambiente de aprendizagem da Modelagem Matemática

No que concerne à Modelagem, no âmbito da Educação Matemática, encontramos uma multiplicidade de descrições relacionadas às suas práticas na sala de aula. Neste sentido, faz-se necessário esclarecer a concepção de Modelagem Matemática aqui adotada, considerando suas implicações nos direcionamentos didáticos da atividade.

Na literatura nacional, por exemplo, Tambarussi e Kluber (2014)TAMBARUSSI, C. M; KLÜBER, T.E. Focos da pesquisa stricto sensu em Modelagem Matemática na Educação Matemática brasileira: considerações e reflexões. Educação Matemática e Pesquisa. São Paulo, v.16, n.1, p. 209-225. 2014. identificaram diferentes concepções de Modelagem Matemática na Educação Matemática. Cada uma destas formas de se entender o direcionamento de atividades de Modelagem pode implicar em diferentes configurações de ações, de alunos e professor, no seu desenvolvimento. Sendo assim, diferentes ambientes de aprendizagem podem ser gerados.

O conceito de ambiente de aprendizagem é utilizado por Skovsmose (2000)SKOVSMOSE, O. Cenários de investigação. Boletim de Educação Matemática, Rio Claro, vol 13, n. 14, p. 66-91. 2000. para distinguir as condições nas quais o aluno é envolvido, a fim de desenvolver determinadas atividades. Desta forma, os ambientes de aprendizagem gerados distinguem-se entre si de acordo com os direcionamentos dados pelo professor, as ações dos alunos, os objetivos propostos para as atividades, e em termos de possibilidades apresentadas pelas atividades em relação ao desenvolvimento de potencialidades de seus agentes (FRANCHI, 2007FRANCHI, R. H. O. L. Ambientes de aprendizagem fundamentados na Modelagem Matemática e na Informática como possibilidades para a Educação Matemática. In: BARBOSA, J. C.; CALDEIRA, A. D.; ARAÚJO, J. L. (Ed.). Modelagem Matemática na Educação Matemática Brasileira: pesquisas e práticas educacionais. Recife, Brasil: SBEM, 2007. p. 177-193.).

As práticas da sala de aula são analisadas por Skovsmose (2000)SKOVSMOSE, O. Cenários de investigação. Boletim de Educação Matemática, Rio Claro, vol 13, n. 14, p. 66-91. 2000. com base em dois paradigmas: exercícios e cenários para investigação; e pautadas em três referências: matemática pura, semi-realidade e realidade. Cada referência traz intrinsecamente a ela, objetivos e motivos para as ações, como a discussão de conceitos matemáticos, produção de significados, dentre outros.

Segundo Barbosa (2003)BARBOSA, J. C. Modelagem Matemática e a Perspectiva Sócio-crítica. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 2., 2003, SANTOS. Anais…São Paulo: SBEM, 2003. 1 CD-ROM., alguns autores consideram situações fictícias (simulações) no âmbito da Modelagem. Com relação às referências descritas por Skovsmose (2000)SKOVSMOSE, O. Cenários de investigação. Boletim de Educação Matemática, Rio Claro, vol 13, n. 14, p. 66-91. 2000., nas quais se desenvolvem os ambientes de aprendizagem, poderíamos falar num ambiente de aprendizagem construído com referência na semi-realidade.

Barbosa (2001BARBOSA, J. C. Modelagem Matemática: concepções e experiências de futuros professores. 2001. 253 f. Tese (Doutorado em Educação Matemática) – Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2001., 2003BARBOSA, J. C. Modelagem Matemática e a Perspectiva Sócio-crítica. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 2., 2003, SANTOS. Anais…São Paulo: SBEM, 2003. 1 CD-ROM., 2007BARBOSA, J. C. A prática dos alunos no ambiente de Modelagem Matemática: o esboço de um framework. In: BARBOSA, J. C.; CALDEIRA, A. D.; ARAÚJO, J. L. (Ed.). Modelagem Matemática na Educação Matemática Brasileira: pesquisas e práticas educacionais. Recife, Brasil: SBEM, 2007. P. 161-174.), no entanto, não considera situações fictícias como geradoras do ambiente de aprendizagem da Modelagem Matemática. De acordo com o autor, a Modelagem pode ser compreendida como um ambiente de aprendizagem, pautado nos processos de problematização e investigação de situações com referência na realidade, por meio do ferramental matemático. Este ambiente é caracterizado em termos do contexto em que tais atividades são desenvolvidas, a escola; em relação à natureza destas atividades, investigativas; e considerando-se os domínios de conhecimento que ela envolve, Matemática e outros contextos reais (BARBOSA, 2003BARBOSA, J. C. Modelagem Matemática e a Perspectiva Sócio-crítica. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 2., 2003, SANTOS. Anais…São Paulo: SBEM, 2003. 1 CD-ROM.).

O ambiente de aprendizagem da Modelagem tal como discutido por Barbosa (2001)BARBOSA, J. C. Modelagem Matemática: concepções e experiências de futuros professores. 2001. 253 f. Tese (Doutorado em Educação Matemática) – Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2001. pauta-se em dois conceitos fundamentais: problematização e investigação. A fim de elucidar ambos os conceitos, Barbosa (2001)BARBOSA, J. C. Modelagem Matemática: concepções e experiências de futuros professores. 2001. 253 f. Tese (Doutorado em Educação Matemática) – Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2001. respalda-se no que chama de indagação. De acordo com o autor, indagar é uma atitude que permeia todo o processo de resolução e que não se limita à explicitação do problema, pois se faz por meio da investigação de uma situação.

No processo de investigação, estão embutidas a busca, a seleção, a organização e a manipulação de informações relevantes para o estudo de um problema. Já o processo de problematização, se refere à ação de criar perguntas e/ou problemas. Estes dois processos acontecem com referência numa situação cujo domínio não é o da Matemática.

A partir do momento em que os alunos assumem a responsabilidade pelos processos de exploração e explicação, o cenário de investigação constitui-se um ambiente de aprendizagem, em que os alunos são responsáveis por seu desenvolvimento. Neste sentido, o que pode constituir-se como um cenário de investigação para um grupo de alunos “pode não representar um convite para outro grupo de alunos” (SKOVSMOSE, 2000SKOVSMOSE, O. Cenários de investigação. Boletim de Educação Matemática, Rio Claro, vol 13, n. 14, p. 66-91. 2000., p. 21).

O convite, ao qual Skovsmose (2000)SKOVSMOSE, O. Cenários de investigação. Boletim de Educação Matemática, Rio Claro, vol 13, n. 14, p. 66-91. 2000. faz referência, é considerado por Barbosa (2001)BARBOSA, J. C. Modelagem Matemática: concepções e experiências de futuros professores. 2001. 253 f. Tese (Doutorado em Educação Matemática) – Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2001. ao delimitar o ambiente de aprendizagem da Modelagem Matemática. De acordo com o autor, o ambiente de aprendizagem organizado pelo professor é posto aos alunos na forma de convite. Esses convites podem ou não serem aceitos no decorrer da atividade, ocasionando implicações nas formas de envolvimento dos alunos. Na medida em que seus interesses convergem para os desse ambiente, o engajamento do aluno na atividade pode ser favorecido.

Possivelmente no âmbito da sala de aula, devido às exigências curriculares e práticas escolares, mesmo que alguns alunos não aceitem o convite para a Modelagem, ainda assim a atividade poderá ser desenvolvida. Nesse caso, algumas consequências podem ser geradas: estes alunos podem interessar-se pela atividade e engajarem-se nela, conforme seus interesses se depararem com os da atividade desenvolvida; ou os alunos podem não interessar-se em nenhum momento pela atividade, fazendo com que ela se torne uma atividade Matemática tradicional, para este aluno, conforme os caminhos seguidos. Esta questão, do interesse em atividades de Modelagem Matemática, tem sido foco de diversas pesquisas como as de Hermínio (2009)HERMINIO, M. H. G. B. O processo de escolha dos temas dos projetos de modelagem. 2009. 146 f. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática) – Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2009., Hermínio e Borba (2010)HERMINIO, M. H. G. B.; BORBA, M. C. A Noção de Interesse em Projetos de Modelagem Matemática. Educação Matemática Pesquisa, São Paulo, v. 12, n. 1, p.111-127, 2010., Soares e Borba (2012)SOARES, D. S.; BORBA, M. C. O interesse de alunos de biologia pela análise de um fenômeno biológico e seu modelo matemático. In: V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 5., Petrópolis, Anais…Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil, 2012. CDROM., dentre outras.

Ainda que sempre pautado no cenário para investigação e com referência na realidade, os ambientes de aprendizagem da Modelagem Matemática podem diferenciar-se quanto à sua organização na sala de aula. Independente da sua forma de organização, Barbosa (2007)BARBOSA, J. C. A prática dos alunos no ambiente de Modelagem Matemática: o esboço de um framework. In: BARBOSA, J. C.; CALDEIRA, A. D.; ARAÚJO, J. L. (Ed.). Modelagem Matemática na Educação Matemática Brasileira: pesquisas e práticas educacionais. Recife, Brasil: SBEM, 2007. P. 161-174. toma o indivíduo como foco do processo e analisa as práticas discursivas e negociações que emergem a partir do encontro entre professor e alunos. Este encontro gera o que o autor denomina de espaços de interações. Considerar as práticas discursivas como unidade de análise do processo tem implicações importantes, pois não se sabe a priori quais ações serão tomadas pelos alunos e pelo professor.

As discussões as quais Barbosa (2007)BARBOSA, J. C. A prática dos alunos no ambiente de Modelagem Matemática: o esboço de um framework. In: BARBOSA, J. C.; CALDEIRA, A. D.; ARAÚJO, J. L. (Ed.). Modelagem Matemática na Educação Matemática Brasileira: pesquisas e práticas educacionais. Recife, Brasil: SBEM, 2007. P. 161-174. faz referência são caracterizadas para identificar as rotas de Modelagem dos alunos. O conceito de rota de Modelagem é usado para denotar os processos empreendidos pelos alunos no ambiente de Modelagem. O autor distingue quatro tipos de discussões identificadas neste ambiente: técnicas – discussões em que hipóteses que servirão de subsídio para analisar a situação de estudo são construídas; matemáticas – se referem a aspectos da matemática pura; reflexivas – remete às análises dos resultados obtidos retomando as hipóteses iniciais; e paralelas – não se referem à construção de um modelo matemático, mas refletem de alguma forma sobre o tema estudado. As três primeiras discussões são aquelas relacionadas à construção de um modelo matemático; entendendo como modelo matemático qualquer tipo de representação matemática da situação de estudo.

De acordo com o autor, esta forma de entendimento do ambiente de aprendizagem da Modelagem, coloca foco nas práticas dos alunos, elege os espaços de interações como unidade de análise e atribui aos tipos de discussões os subsídios encontrados pelos alunos, no encontro com outros alunos e professor, para a constituição das rotas de Modelagem.

4 Percurso teórico metodológico da pesquisa

De acordo com o objetivo desse estudo e as características que ele assume, tal investigação insere-se no campo da pesquisa qualitativa. Nesse sentido, enfatizamos os procedimentos de descrição do processo de desenvolvimento do estudo, embasados nos pressupostos teóricos adotados, admitimos a interferência subjetiva na pesquisa e buscamos compreensões interpretativas para a interrogação formulada, sem nos preocuparmos com a quantificação dos resultados obtidos (BOGDAN; BIKLEN, 1994BOGDAN, R. C.; BIKLEN, S. K. Investigação Qualitativa em Educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Tradução de Maria João Alvarez, Sara Bahia dos Santos e Telmo Mourinho Baptista. Portugal: Porto Editora, 1994.).

Neste texto, utilizamos os resultados obtidos a partir do desenvolvimento de uma atividade de Modelagem Matemática, por uma turma composta por 12 alunos de um terceiro ano de um curso de Formação de Docentes da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental, em nível médio, de uma escola pública da região centro-oeste do Paraná. Tais resultados inserem-se numa pesquisa mais ampla acerca das possibilidades de constituição de uma LCoP em atividades de Modelagem (BRAZ, 2014BRAZ, B. C. Contribuições da Modelagem Matemática na constituição de Comunidades de Prática Locais: Um estudo com alunos do Curso de Formação de Docentes. 2014, 185 f. Dissertação (Mestrado em Educação para o Ensino de Ciências e Matemática) – Pós graduação em Educação para a Ciência e a Matemática – Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2014.).

A atividade apresentada refere-se à segunda situação estudada pela turma em questão. Optamos por não abordar os resultados obtidos na primeira atividade realizada, porque embora traços das características referentes à constituição de LCoP pudessem ser observados em ações isoladas dos alunos, o desenvolvimento desta atividade foi marcado pela dependência da turma quanto aos direcionamentos da professora, possivelmente por ter se constituído uma situação nova para os estudantes habituados aos moldes de aulas pautadas no paradigma do exercício. Neste sentido, as discussões mantidas nas aulas não embasaram justificativas para afirmar que todas as características concernentes à constituição de uma LCoP se fizeram presentes nas ações da turma.

A atividade discutida teve duração de 7 horas-aula (cerca de 5 horas e 50 minutos). Os 11 alunos participantes desta atividade (cujos nomes atribuídos são fictícios) foram divididos em três grupos – G1, G2, G3 – assim constituídos: G1) Matias, Rosana, Rogério, Antônio; G2) Natany, Paola, Lúcio, Leda; G3)Ana, Raiane e Aline.

Os dados foram coletados no primeiro semestre do ano de 2013 a partir da gravação das aulas em áudio e vídeo. As discussões mantidas nas aulas foram transcritas e somadas aos registros escritos dos alunos constituíram o material analisado.

4.1 Interpretação das características para a constituição de LCoP's

Para este estudo, baseamo-nos nas seis características propostas por Winbourne e Watson (1998)WINBOURNE, P.; WATSON, A. Participating in Learning Mathematics Througt Shared Local Practices in the Classrooms. In: Watson, A. (Ed.). Situated Cognition and the Learning of Mathematics, Oxford: Centre for Mathematics Education Research of the University of Oxford, 1998. p. 93-104. para identificarmos, a partir das ações dos alunos no desenvolvimento de atividades de Modelagem, a constituição de uma LCoP. Para tanto, fez-se necessário uma análise interpretativa de tais características, com base nas idéias de Lave e Wenger (1991)LAVE, J.; WENGER, E. Situated Learning: Legitimate Peripheral Participation. Cambridge: Cambridge University Press, 1991., Wenger (1998)WENGER, E. Communities of Practice: Learning, Meaning, And Identity. New York: Cambridge University Press, 1998. e David e Watson (2008)DAVID, M. S.; WATSON, A. Participating in what? Using Situated Cognition Theory to illuminate differences in classroom. In: WATSON, A., WINBOURNE, P. (Ed.). New directions for situated cognition in Mathematics Education. Melbourne: Springer, 2008, p. 31-57., segundo as práticas dos alunos, que subsidiam uma CoP.

No Quadro 01, apresentamos os aspectos considerados com relação à análise da existência de cada uma das seis características apontadas por Winbourne e Watson (1998)WINBOURNE, P.; WATSON, A. Participating in Learning Mathematics Througt Shared Local Practices in the Classrooms. In: Watson, A. (Ed.). Situated Cognition and the Learning of Mathematics, Oxford: Centre for Mathematics Education Research of the University of Oxford, 1998. p. 93-104..

Quadro 01
Aspectos considerados como ferramenta de análise da constituição de LCoP

Após a realização das atividades, entrevistas semi-estruturadas foram realizadas individualmente com os alunos a fim de identificar, principalmente: suas impressões quanto à própria participação; suas impressões quanto à participação dos colegas de grupo. Estas entrevistas possibilitaram-nos identificar como as características 1 e 2, concernentes à constituição de uma LCoP, se fizerem presentes nas aulas. Além disso, embora as ações dos alunos pudessem embasar nossas análises quanto a tais aspectos, elas não eram suficientes, por não representarem a opinião dos participantes.

5 O desenvolvimento das atividades pelos alunos

O tema motivador da atividade de Modelagem Matemática foi o desenvolvimento dos bebês, escolhido pela turma em aulas anteriores. Raiane justificou esta escolha afirmando que este é um assunto cujo estudo lhes seria útil, considerando que o curso lhes possibilita a atuação na Educação Infantil. Alguns alunos também se manifestaram quanto ao tipo de estudo que gostariam de fazer: “O desenvolvimento desde a gestação”(Antônio – gravação em áudio e vídeo da aula, 2013); “O desenvolvimento no sentido de toda a parte estrutural do corpo da criança […]” (Rosana – gravação em áudio e vídeo da aula, 2013).

A partir destes apontamentos, discussões paralelas foram geradas na turma, que levantou questões acerca da interferência dos partos prematuros, a influência da estatura dos pais, ausência de amamentação materna, dentre outros fatores que poderiam interferir no padrão de desenvolvimento dos bebês. Neste momento, Antônio conduziu prioritariamente as discussões, pois por ser um aluno com idade superior aos dos outros, e já ter filhos, foi reconhecido como alguém com propriedade para discutir o tema.

Nesta discussão inicial, um texto informativo, cujo tema central era o desenvolvimento dos bebês, foi disponibilizado à turma. A partir da leitura conjunta do texto, Raiane afirmou: “Eu acho que o que ficaria melhor seria o desenvolvimento do crescimento (altura) e do peso, a quantidade que ela engorda” (gravação em áudio e vídeo da aula, 2013). Como o texto fazia alusão a uma tabela de referência acerca do crescimento dos bebês quanto às variáveis citadas, disponibilizou-se a Tabela 01:

Tabela 01
Faixa de peso e estatura mais comuns, por idade e sexo.

Ao analisarem a tabela, surgiram falas como: “É só uma referência, porque tem outras coisas que têm que contar […] se a criança não nasce preparada, a tabela não encaixa” (Antônio – gravação em áudio e vídeo da aula, 2013). Diante dessa discussão e das experiências compartilhadas entre a turma, a seguinte questão foi elaborada: Considerando a tabela de referência, como podemos analisar o desenvolvimento de um bebê ao longo dos dois primeiros anos de vida?

Na sequência, a turma foi divida em grupos a fim de facilitar tanto a análise das ações dos alunos quanto suas participações. De acordo com Matos (2003)MATOS, J. F. Educação Matemática como Fenómeno Emergente: Desafios e Perspectivas Possíveis. Conferência Paralela apresentada In: Conferência Interamericana de Educação Matemática, 11., FURB: Universidade Regional de Blumenau, Santa Catarina, 2003. Anais… CDROM., se uma comunidade atinge uma dimensão muito grande pode inibir a participação dos seus membros.

A partir dessa discussão inicial, os grupos formularam hipóteses e os procedimentos matemáticos a serem seguidos, como: i) estabelecer as variáveis consideradas no estudo; ii) estimar o aumento médio de peso da criança no decorrer do primeiro ano de vida; iii) descrever uma função que representasse a situação de estudo; iv) analisar os resultados obtidos.

Tais ações correspondem à característica 5 da constituição de uma LCoP, pois tanto o tema da atividade proposta quanto a delimitação do estudo, foram determinados pela turma com referência na problematização mais ampla, realizada pela professora. Neste sentido, a aula não foi constituída a partir da adoção de uma prática determinada pela professora ou pelos alunos, mas de ações e direcionamentos delineados por ambos.

Outro aspecto a ser ressaltado é que, nesta discussão inicial os grupos mostraram-se interessados pelo estudo da situação-problema apresentada, ao passo que participaram das discussões geradas no ambiente de aprendizagem em constituição. Estas ações, assim como as indicadas nas páginas seguintes, evidenciam o aceite do convite para a Modelagem no decorrer de toda a atividade. Em tempo, tais ações evidenciam engajamento da professora e dos alunos, o que favoreceu a organização dos empreendimentos articulados acerca da situação proposta.

A existência de engajamento de professor e alunos numa mesma atividade, no entanto, não pressupõe ações e relações homogêneas entre os alunos e/ou grupos. Neste caso, cada grupo determinou caminhos específicos que diferenciaram-se entre si quanto aos processos matemáticos utilizados em cada etapa estabelecida e quanto às formas de organização interna aos grupos, que definiram diferentes formas de participação e reconhecimento dos seus integrantes. Tais encaminhamentos definiram, em cada grupo, um repertório partilhado entre os alunos, característica 4 acerca da constituição de LCoP, e diferentes formas de reconhecimento dos outros membros e de si mesmos como participantes da atividade.

Vejamos como o processo de análise da situação-problema influenciou a constituição das características 1, 2, 3 e 4, em cada grupo:

Grupo 1: Matias, Rosana, Rogério e Antônio

A estratégia traçada por G1 consistiu em estudar o crescimento dos meninos no decorrer do primeiro ano de vida e, a partir da descrição de um modelo matemático, prever o crescimento desta criança durante o segundo ano de vida.

Antônio: E o que é pra fazer? Analisar? Analisar o quê?

Matias: A gente analisa, logo no início, a criança, ela cresce mais rápido né, olha lá. Menino

com peso de 3,4 kg, tá com 50 centímetros. Aí quando ela pega 4,2 kg, ela vai pra 55 centímetros, já aumentou 5 centímetros.

Antônio: O peso cresce, a altura cresce […] o que você tá fazendo?

Matias:Uma relação de quanto ele cresceu mês a mês. Sabe o que eu tô fazendo, Antônio, pra ter uma base? Assim, vê com quanto ela nasceu, com 3,4 (kg)1 1 Usaremos parênteses simples para indicarmos hipóteses e/ou complementações do que ouvimos e parênteses duplos para inserirmos comentários das autoras. , no outro mês ela vai pra 4,2 (kg). Nesse tempo qual que foi o desenvolvimento? Quanto ela pesou a mais? […] Você entendeu né? (G1 – gravação em áudio e vídeo da aula, 2013).

Este excerto refere-se a uma discussão técnica mantida pelo grupo. A partir das ideias apresentadas aqui, Matias conduziu G1 a descrever a situação por meio de uma função afim: “Gente, o próximo passo é montar uma função […] Eu não sei como criar, mas a gente tem que montar. Aqui a gente colocou a idade e o peso, então tem que por as duas coisas” (Matias/G1 – gravação em áudio e vídeo da aula, 2013).

Por meio da descrição da função afim, G1 calculou os pesos de um bebê para as idades de 0 a 20 meses, representou os dados graficamente, concluindo que o aumento médio de peso de um menino nos primeiros dois anos de vida, é de aproximadamente 400 gramas por mês. O grupo afirmou que este conhecimento é útil aos pais e professores, que atuam na Educação Infantil.

Este processo não foi rápido, pois Rosana e Antônio, no primeiro momento, apresentaram dificuldades quanto aos processos matemáticos envolvidos, exigindo auxílio da professora e de Matias. Nas aulas posteriores, entretanto, observou-se que Rosana assumiu a responsabilidade pela condução de discussões de cunho matemático.

Desde o primeiro momento, Rogério, Matias, Rosana e Antônio compartilharam um modo de organização das tarefas de forma que todos participassem das discussões. Cada um analisou individualmente a situação e depois discutiram conjuntamente até entrarem num consenso. Neste processo, Rogério participou pouco das negociações do grupo, entretanto partilhou das discussões mantidas no grupo, registrando-as em seu caderno e acompanhando os processos determinados pelos colegas. G1 compartilhou um modo de organização que permitiu a negociação e interação entre os membros nas etapas realizadas.

Os registros escritos da atividade foram socializados e discutidos dentro do grupo, o que indica que este construiu um repertório que foi compartilhado entre seus membros. Esse processo de construção do repertório conduziu ao reconhecimento mútuo das participações dos integrantes do grupo e ao próprio reconhecimento dos alunos por suas participações naquela atividade: “No meu grupo a participação foi muito boa. Não tinha como não participar. E teve uma união entre nós. E outra, eu peguei pessoas que gostam de Matemática. O Rogério, o Matias… pra mim foi bem, porque como eu não vou bem, com eles acabou eu caminhando junto” (Antônio/G1 – entrevista, 2013). A fala de Antônio indica que Rogério e Matias tiveram suas participações reconhecidas devido à condução matemática do estudo. Antônio por sua vez, teve sua participação reconhecida pelas discussões paralelas e técnicas das quais participou.

Grupo 2: Natany, Lúcio, Paola e Leda

O grupo G2 estudou o aumento médio do peso em relação à idade, para as meninas. Para tanto, os alunos calcularam a média das variações de peso ao longo dos 12 primeiros meses de vida da criança do sexo feminino.

Natany: Se somar tudo e dividir por 12?

Professora: Assim você vai ter uma média do aumento de peso.

Natany: dá 6 ((600 gramas)).

Leda:Então ela cresce 600 gramas por mês. (G2 – gravação em áudio e vídeo da aula, 2013).

Com isso, G2 determinou a taxa de variação da função e, por meio de um sistema de equações, calculou o coeficiente linear da função. Esta ação foi conduzida essencialmente por Natany: “a gente escolhe dois pontos daqui (Tabela 01), pra analisar” (Natany/G2 – gravação em áudio e vídeo da aula, 2013). Natany assumiu a responsabilidade por esta ação e orientou o grupo, explicando como e por que usar o sistema de equações. A discussão acerca do significado dos coeficientes da função foi orientada pela professora, quando os alunos mostraram dúvidas.

O grupo G2 assumiu uma forma de organização dinâmica, em que todas as ações, desde a definição da representação dos registros até a definição das etapas do estudo, foram negociadas pelo grupo. Os registros, apresentados na Figura 1, constituem parte do repertório construído e partilhado por G2.

Figura 01
Parte dos processos percorridos por G2 na atividade proposta.

Em G2, a forma de reconhecimento da participação dos seus membros, foi mais homogênea que em G1, visto que não houve destaques quanto à forma de participação (nas discussões técnicas, matemáticas ou reflexivas). Natany, no entanto, foi reconhecida como líder no grupo por ter tomado iniciativas no processo de estudo da situação: “As pessoas ajudaram, faziam as coisas, interessadas em desenvolver. Todo mundo participou então ajudou muito. […] A Natany liderou mais. Ela gostava de comandar. Ela gosta de liderar, é o jeito dela” (Lúcio/G2 – entrevista, 2013).

Grupo 3: Ana, Raiane e Aline

Em G3, ainda que Aline orientasse seu grupo quanto à atividade proposta, esta aluna não teve sua participação reconhecida por Ana e Raiane. A discussão interna no grupo iniciou-se com Ana convidando Aline a sentar-se mais próxima a ela e Raiane. Esta solicitação de Ana foi repetida várias vezes. Este pode ter sido um dos fatores que contribuíram para que Ana e Raiane não reconhecessem a participação de Aline, embora esta aluna colaborasse com o grupo. A discussão em G3 se iniciou da seguinte maneira:

Ana: Aline, chega aqui mais perto.

Raiane: Eu sei que envolve cálculo, agora o resto. Como que faz isso?

Aline: Não é de fazer, é de analisar.

Raiane: Eu sei, alguma idéia?

Aline: Você vai comparar, nos primeiros meses, quanto que ela vai crescer, quanto que ela vai pesar? Você pode ver que ali no começo (nos primeiros meses) ela tem muito mais crescimento em peso e altura.

Professora: e aí gente, como vamos estudar essa situação?

Aline:[…] mas aqui temos que considerar a idade e o peso.(G3 – gravação em áudio e vídeo da aula, 2013).

Raiane e Ana concordaram com Aline, porém foi Raiane quem traçou a estratégia e determinou as variáveis que seriam consideradas no estudo. De acordo com a aluna, inicialmente o grupo deveria entender como se dá o aumento de peso dos meninos no decorrer do primeiro ano de vida e, a partir disso, entender como se dá esse aumento no segundo ano.

Embora Aline participasse das discussões, Raiane pareceu ganhar maior reconhecimento das colegas por viabilizar matematicamente a interpretação sugerida por Aline. Além disso, Aline foi solicitada pelas colegas na maioria das vezes para efetuar cálculos, enquanto que as outras duas discutiam aspectos técnicos e reflexivos da atividade.

Este posicionamento de Ana e Raiane pareceu mostrar que as duas se reconheceram, como matematicamente competentes naquela aula, mas não reconheceram em Aline uma participante ativa como as duas. Isto pode ser evidenciado com algumas afirmações de Ana e Raiane, na entrevista, quando as alunas disseram: “ah, ela contribuiu na hora de formar os gráficos, era o conteúdo que ela mais gostava, que ela sabia. Eu e a Raiane contribuímos e discutimos mais” (Ana/G3 – entrevista, 2013); “A participação da Aline nem sempre foi boa que nem a minha e da Ana, porque ela ficava dispersa na aula, nas atividades… a gente não” (Raiane/G3 – entrevista, 2013). Aline, por outro lado, reconheceu-se como funcionando matematicamente naquelas aulas: “Minha participação ajudou o grupo analisar a situação” (Aline/G3 – entrevista, 2013).

Em uma CoP, as relações não são sempre harmoniosas e alguns membros podem ter acesso à participação plena, dificultado por outros membros (WENGER, 1998WENGER, E. Communities of Practice: Learning, Meaning, And Identity. New York: Cambridge University Press, 1998.); o que aconteceu com Aline, nesta atividade.

6 A constituição da LCoP no ambiente de aprendizagem da Modelagem Matemática

No Quadro 02, apresentamos uma síntese das ações exercidas pelos alunos na atividade de Modelagem Matemática, que evidenciam a constituição de uma LCoP em cada um dos três grupos formados. Para tanto, retomamos algumas considerações realizadas na seção anterior e agregamos afirmações de alguns alunos, obtidas na entrevista final realizada.

Quadro 02
Síntese das ações da turma na atividade de Modelagem, quanto ao processo de constituição de LCoP.

As ações desenvolvidas são analisadas no âmbito global da sala de aula e as diferenciações entre os grupos são realizadas especialmente quanto às características 1 e 2, que se referem às formas de reconhecimento das participações entre os alunos. Isto porque, as formas de organização e as relações mantidas em cada grupo, influenciaram diretamente a forma como ambas as características se fizeram presentes na atividade de Modelagem.

A síntese apresentada no Quadro 02possibilitou-nos identificar algumas características do ambiente de aprendizagem da Modelagem Matemática, presentes na atividade desenvolvida, que embasaram a constituição de uma LCoP.

Dentre tais características, destacamos a qualidade e diversidade das discussões que emergiram no ambiente de aprendizagem constituído. Os debates gerados durante a atividade e a forma de condução da professora, valorizando os aspectos extramatemáticos, permitiram que outros tipos de discussões, como as técnicas, paralelas e reflexivas, fossem valorizados tanto quanto as matemáticas, o que favoreceu uma mudança em relação à aula pautada no paradigma do exercício.

Antônio por exemplo, que apresentou dificuldade quanto aos aspectos matemáticos do estudo, teve sua participação reconhecida por si mesmo e pelos colegas. Zawojewski, Lesh, e English (2003)ZAWOJWSKI, J.; LESH, R.; English, L. A models and modelling perspective on small group learning activity. In: LESH, R.; DOERR, H. (Ed.). Beyond constructivism: Models and modeling perspectives on mathematics problem solving, learning and teaching. Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum Associates, p. 337-358, 2003. salientam que, no desenvolvimento de aulas pautadas na Modelagem, com alunos trabalhando em grupos, estudantes normalmente não reconhecidos como líderes nas aulas de Matemática podem ser reconhecidos como tal. No caso da constituição de uma LCoP, este fato foi fundamental para garantir a participação plena de alunos como Antônio e Rosana na atividade.

Ademais, como os grupos valorizaram outras dimensões do estudo, para além da matemática, passaram a trabalhar num mesmo domínio de conhecimentos que o da professora; ou seja, professora e alunos engajaram-se numa mesma atividade e com os mesmos objetivos. Isso foi possível porque a prática da aula foi construída por participação ativa de todos os membros envolvidos naquelas aulas. Neste sentido, não identificamos ações criadas por determinados participantes e adotadas pelos demais, sem um processo de negociação. Processo este, intrínseco aos ambientes de aprendizagem pautados nos cenários de investigação, nos quais a pergunta “o que acontece se…” (SKOVSMOSE, 2000SKOVSMOSE, O. Cenários de investigação. Boletim de Educação Matemática, Rio Claro, vol 13, n. 14, p. 66-91. 2000., p. 73) faz parte do repertório do professor e dos alunos.

7 Considerações finais

Esta pesquisa teve como objetivo identificar algumas potencialidades do ambiente de aprendizagem da Modelagem Matemática na constituição de uma LCoP.

As análises realizadas, a partir de episódios de uma atividade de Modelagem realizada na sala de aula, evidenciaram características próprias do ambiente de aprendizagem da Modelagem Matemática, que fundamentaram o desenvolvimento de ações concernentes à constituição de LCoP, como: a escolha de um tema motivador cujo domínio não é a Matemática e com referência em uma situação real; a participação dos alunos nos processos de problematização e definição de estratégias determinadas para o estudo (investigação); as possibilidades de interseção de práticas matemáticas escolares e extraescolares nas aulas de Matemática e a pluralidade de tipos de discussões possibilitadas pela situação de estudo, conforme evidenciado no Quadro 02.

A escolha do tema da atividade pelos alunos gerou consequências positivas no que concerne à constituição de uma LCoP, pois tanto conduziu à construção de uma prática de aula pautada nas ações de alunos e professora, em detrimento da adoção de uma prática balizada por ações individuais, quanto favoreceu o engajamento dos estudantes. Neste sentido, as características 5 e 6, referentes à constituição de LCoP's puderam ser favorecidas. Isto porque, na medida em que uma prática é construída a partir da negociação entre alunos e professora, um domínio de conhecimentos que sustenta tais práticas é constituído. Esta forma de organização da aula de Matemática a distancia daquelas tradicionais, em que uma prática é construída pelo professor e adotada pelos alunos.

Ainda, o estudo de um tema com referência na realidade vivenciada pelos alunos envolvidos, por meio do ferramental matemático, permitiu que uma variedade de tipos de discussões fosse gerada, coordenando tanto suas rotas de Modelagem, quanto suas formas de acesso à participação e inserção na prática da aula de Matemática. Antônio, por exemplo, teve sua participação reconhecida pelos colegas por discutir com propriedade o tema da atividade proposta. Esta diversidade de discussões pode não ser possibilitada em qualquer ambiente de aprendizagem, por exemplo, naqueles pautados no paradigma do exercício, ou com referência na Matemática pura. Neste estudo, esta pluralidade de possibilidades para inserção dos alunos foi essencial para que as características 1 e 2, referentes ao reconhecimento de si mesmos como matematicamente competentes e o reconhecimento público entre os estudantes, se dessem de forma positiva.

Estes reconhecimentos se deram, ainda, em consequência da participação dos alunos na definição das estratégias usadas no estudo. Ainda que negociada pela turma, a estratégia de estudo seguida por cada grupo apresentou especificidades quanto às formas de organização e conteúdos matemáticos utilizados, suscitadas pela negociação mantida internamente a ele. Neste sentido, identificamos em cada grupo um repertório compartilhado por seus membros, que é fruto dos empreendimentos articulados tanto no âmbito da turma quanto das ações internas a cada grupo.

A existência de repertório partilhado e de empreendimentos articulados (características 4 e 6 da constituição de LCoP, respectivamente) só puderam ser identificadas com a constituição do ambiente de aprendizagem da Modelagem Matemática, ou seja, a partir do aceite dos alunos ao convite para a Modelagem. Este aceite, no decorrer de toda a atividade, contribuiu com o engajamento dos alunos em estudar a situação proposta conjuntamente; desta forma um domínio de conhecimentos, característica 3 referente à LCoP, constituído pela atividade de Modelagem, garantiu um mesmo embasamento para as ações desenvolvidas pela professora e pelos alunos.

É importante ressaltarmos que os aspectos concernentes ao ambiente da Modelagem Matemática, presentes neste texto, como o aceite ao convite para a Modelagem, a escolha do tema da atividade pelos alunos, a referência deste tema na realidade, vêm sendo discutidos em pesquisas realizadas em Modelagem, no âmbito da Educação Matemática, como já citado no texto.

Esta pesquisa contribui para este debate buscando provocar uma discussão acerca das relações entre o ambiente de aprendizagem da Modelagem Matemática e a aprendizagem como participação social, em práticas negociadas numa comunidade.

  • 1
    Usaremos parênteses simples para indicarmos hipóteses e/ou complementações do que ouvimos e parênteses duplos para inserirmos comentários das autoras.

Agradecimentos

Agradecemos à CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – pelo apoio financeiro que subsidiou a pesquisa.

Referências

  • BARBOSA, J. C. Modelagem Matemática: concepções e experiências de futuros professores 2001. 253 f. Tese (Doutorado em Educação Matemática) – Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2001.
  • BARBOSA, J. C. Modelagem Matemática e a Perspectiva Sócio-crítica. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 2., 2003, SANTOS. Anais…São Paulo: SBEM, 2003. 1 CD-ROM.
  • BARBOSA, J. C. A prática dos alunos no ambiente de Modelagem Matemática: o esboço de um framework. In: BARBOSA, J. C.; CALDEIRA, A. D.; ARAÚJO, J. L. (Ed.). Modelagem Matemática na Educação Matemática Brasileira: pesquisas e práticas educacionais. Recife, Brasil: SBEM, 2007. P. 161-174.
  • BASSANEZI, R. C. Ensino-aprendizagem com modelagem matemática: uma nova estratégia. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2002.
  • BOALER, J. Mathematics from Another World: Traditional Communities and the Alienation of Learners. Journal of Mathematical Behavior, Stanford, v. 18 n. 4, p. 379-397, agosto, 2001.
  • BOGDAN, R. C.; BIKLEN, S. K. Investigação Qualitativa em Educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Tradução de Maria João Alvarez, Sara Bahia dos Santos e Telmo Mourinho Baptista. Portugal: Porto Editora, 1994.
  • BORBA, M. C. Um estudo de etnomatemática: sua incorporação na elaboração de uma proposta pedagógica para o “Núcleo-escola” da Favela da Vila Nogueira – São Quirino. 1987. 256 f. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática) – Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 1987.
  • BOYLAN, M. School classrooms: Communities of Practice or Ecologies of Practices? In: Socio-Cultural Theory in Educational Research, 1th, 2005, Manchester University UK, proceedings… Manchester University UK, 2005. Disponível em: <http://orgs.man.ac.uk/ projects/include/experiment/mark_boylan.pdf>. Acesso em: 01 maio 2013.
    » http://orgs.man.ac.uk/projects/include/experiment/mark_boylan.pdf
  • BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília. MEC, 2008.
  • BRAZ, B. C. Contribuições da Modelagem Matemática na constituição de Comunidades de Prática Locais: Um estudo com alunos do Curso de Formação de Docentes. 2014, 185 f. Dissertação (Mestrado em Educação para o Ensino de Ciências e Matemática) – Pós graduação em Educação para a Ciência e a Matemática – Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2014.
  • BRAZ, B. C.; KATO, L. A. O processo de constituição de comunidades de Prática Locais no ambiente da Modelagem Matemática. In: X EPREM – Encontro Paranaense de Educação Matemática, 2014, Campo Mourão. Anais… Campo Mourão: X EPREM, 2014. CD-ROM.
  • BURAK, D. Modelagem Matemática e a Sala de Aula. In: I EPMEM -Encontro Paranaense da Modelagem Na Educação Matemática, 1., 2004, Londrina. Anais… Londrina: I EPMEM, 2004. CDROM.
  • DAVID, M. S.; WATSON, A. Participating in what? Using Situated Cognition Theory to illuminate differences in classroom. In: WATSON, A., WINBOURNE, P. (Ed.). New directions for situated cognition in Mathematics Education. Melbourne: Springer, 2008, p. 31-57.
  • FRADE, C. Componentes Tácitos e Explícitos do Conhecimento Matemático de Áreas e Medidas 2003. 241 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2003.
  • FRANCHI, R. H. O. L. Ambientes de aprendizagem fundamentados na Modelagem Matemática e na Informática como possibilidades para a Educação Matemática. In: BARBOSA, J. C.; CALDEIRA, A. D.; ARAÚJO, J. L. (Ed.). Modelagem Matemática na Educação Matemática Brasileira: pesquisas e práticas educacionais. Recife, Brasil: SBEM, 2007. p. 177-193.
  • HERMINIO, M. H. G. B. O processo de escolha dos temas dos projetos de modelagem. 2009. 146 f. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática) – Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2009.
  • HERMINIO, M. H. G. B.; BORBA, M. C. A Noção de Interesse em Projetos de Modelagem Matemática. Educação Matemática Pesquisa, São Paulo, v. 12, n. 1, p.111-127, 2010.
  • JACOBINI, O. R. A Modelagem Matemática como Instrumento de Ação Política na Sala de Aula. 2004. 225 f. Tese (Doutorado em Educação Matemática) – Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2004.
  • KRAINER, K. Teams, Communities & networks. Journal of Mathematics Teacher Educacion, Netherlands, v. 6, n. 2, p. 93-105, jun. 2003.
  • LAVE, J.; WENGER, E. Situated Learning: Legitimate Peripheral Participation. Cambridge: Cambridge University Press, 1991.
  • MATOS, J. F. Aprendizagem e Prática Social: Contributos para a Construção de Ferramentas de Análise da Aprendizagem Matemática Escolar. In J. P. Ponte; L. Serrazina (Eds), Educação Matemática em Portugal, Espanha e Itália, p. 65-94. Lisboa: SEM-SPCE, 2000.
  • MATOS, J. F. Educação Matemática como Fenómeno Emergente: Desafios e Perspectivas Possíveis. Conferência Paralela apresentada In: Conferência Interamericana de Educação Matemática, 11., FURB: Universidade Regional de Blumenau, Santa Catarina, 2003. Anais… CDROM.
  • MEYER, J. F. C. A.; CALDEIRA, A. D.; MALHEIROS A. P. S. Modelagem em Educação Matemática Belo Horizonte: Autêntica, 2011.
  • SKOVSMOSE, O. Cenários de investigação. Boletim de Educação Matemática, Rio Claro, vol 13, n. 14, p. 66-91. 2000.
  • SOARES, D. S.; BORBA, M. C. O interesse de alunos de biologia pela análise de um fenômeno biológico e seu modelo matemático. In: V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 5., Petrópolis, Anais…Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil, 2012. CDROM.
  • TAMBARUSSI, C. M; KLÜBER, T.E. Focos da pesquisa stricto sensu em Modelagem Matemática na Educação Matemática brasileira: considerações e reflexões. Educação Matemática e Pesquisa. São Paulo, v.16, n.1, p. 209-225. 2014.
  • WENGER, E. Communities of Practice: Learning, Meaning, And Identity. New York: Cambridge University Press, 1998.
  • WINBOURNE, P.; WATSON, A. Participating in Learning Mathematics Througt Shared Local Practices in the Classrooms. In: Watson, A. (Ed.). Situated Cognition and the Learning of Mathematics, Oxford: Centre for Mathematics Education Research of the University of Oxford, 1998. p. 93-104.
  • WINBOURNE, P. Looking For Learning In Practice: How Can This Inform Teaching. In: New directions for situated cognition in Mathematics education. Melbourne: Springer, 2008, p. 79-102.
  • ZAWOJWSKI, J.; LESH, R.; English, L. A models and modelling perspective on small group learning activity. In: LESH, R.; DOERR, H. (Ed.). Beyond constructivism: Models and modeling perspectives on mathematics problem solving, learning and teaching. Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum Associates, p. 337-358, 2003.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2015

Histórico

  • Recebido
    Jun 2014
  • Aceito
    Nov 2014
UNESP - Universidade Estadual Paulista, Pró-Reitoria de Pesquisa, Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática Avenida 24-A, 1515, Caixa Postal 178, 13506-900 Rio Claro - SP Brasil - Rio Claro - SP - Brazil
E-mail: bolema.contato@gmail.com