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A Base Nacional Comum Curricular e o Ensino de Matemática: flexibilização ou engessamento do currículo escolar

Common National Curricular Basis and the Teaching of Mathematics: flexibilization or plastering of the school curriculum

Resumo

Este artigo analisa o documento “Base Nacional Comum Curricular”, focando nos objetivos de aprendizagem dos conteúdos Álgebra e Funções para o Ensino Médio. Objetiva compreender o processo de elaboração da proposta que deverá se constituir como a base curricular do Ensino de Matemática nas escolas brasileiras. Dialogando com a ideia de tradição curricular e construção de identidade, problematiza a pertinência de uma base nacional comum, compreendendo-a com uma tradição curricular. Destaca os objetivos de aprendizagem propostos na primeira e na segunda versão do documento, salientando as contribuições e opiniões quanto à clareza, relevância e pertinência dos mesmos. Conclui evidenciando a existência de uma lacuna entre a proposta da Base Nacional e as práticas em Educação Matemática, atualmente presentes no currículo, como a Etnomatemática e a História da Matemática, duas abordagens teóricas e metodológicas que têm fecundado o ensino de Matemática na Escola Básica.

Palavras-chave:
Currículo de Matemática; Objetivos de Aprendizagem; Base Nacional Comum

Abstract

This article analyzes the Brazilian document “Common National Curricular Basis” focusing on high-school algebra and function learning. It aims at understanding the process of creating a new proposal to be constituted as curricular basis for mathematics teaching in Brazilian schools. Based on idea of curricular tradition and the construction of identity, the study questions the pertinence of a national curricular basis. It highlights the learning objectives in the first and second versions of the document, and stresses the contributions and opinions regarding clarity, relevance, and pertinence of each objective. It concludes by emphasizing the gaps between this proposal and the studies on mathematics education, mainly ethnomathematics and history of mathematics: two theoretical and methodological approaches that have fecundated the teaching practice.

Keywords:
Mathematics Curriculum; Learning Objectives; Common National Basis

1 Introdução

Este artigo apresenta uma análise dos textos preliminares do documento Base Nacional Comum Curricular - BNCC, relativo à Matemática para o Ensino Médio, conforme apresentado nas duas primeiras versões disponibilizadas para o debate e acolhimento das sugestões da sociedade. A primeira versão foi colocada para debate em outubro de 2015 e a segunda versão, em abril de 2016. Ambas as versões foram abertas ao acolhimento de críticas, sugestões e contribuições ao documento apresentado. Diante da amplitude da lista de “objetivos de aprendizagem” para o ensino de Matemática na escola de Nível Médio, apresentamos um recorte no texto, trazendo como foco os conteúdos de ensino que compõem o eixo “Álgebra e Funções”. Esse recorte deve-se, especialmente, por se constituírem conteúdos muito identificados com o currículo do Ensino Médio, além de serem temáticas muito relevantes para a formação matemática dos jovens, nesta etapa da escolarização. A análise aqui apresentada entrelaça aspectos históricos, filosóficos e epistemológicos, fios que compõem a tessitura do conhecimento matemático.

Elaborado por uma equipe de professores especialistas nas diversas áreas do conhecimento, a primeira versão do texto da BNCC foi colocada para discussão em outubro de 2015. O texto foi objeto de análise de professores, gestores de sistemas educacionais, pesquisadores do campo do currículo e comunidade acadêmica que se relaciona com o Ensino e a Educação. Além disso, muitas secretarias municipais e estaduais de Educação, em todo o Brasil, organizaram encontros com os professores da Educação Básica, oportunizando a discussão da proposta.

No âmbito da Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM), entidade que reúne um grande número de professores de Matemática da Escola Básica e pesquisadores em Educação Matemática, um debate mais amplo para discutir a primeira versão ocorreu durante o VI Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática (Sipem). Realizado no mês de novembro de 2015, em Pirinópolis/GO, a discussão da BNCC constou do Relatório Final do VI Sipem, destacando que:

Além de 12 horas de trabalho destinadas para os GT, houve um período para discussão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) com Ítalo Modesto Dutra, diretor de Currículos e Educação Integral do MEC. Os debates acerca do documento preliminar da BNCC tiveram como objetivo propulsionar a comunidade acadêmica ligada à Educação Matemática para oferecer sua contribuição no Portal da BNCC (SBEM, 2015SOCIEDADE BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA. Relatório do VI Seminário Interncacional de Educação matemática. Sociedade Brasileira de Educação Matemática. Pirinópolis-GO, 2015. Disponível em: <http://www.sbembrasil.org.br/sbembrasil/images/arquivos/relatorio_visipem.pdf>. Acesso em: 15 mar. /2016
http://www.sbembrasil.org.br/sbembrasil/...
).

O processo de consulta e debate também ocorreu em algumas regionais da SBEM, conforme informa os sites das mesmas. Assim, é possível afirmar que o processo de discussão da primeira versão do texto da BNCC contou, em certa medida, com a participação dos segmentos educacionais interessados na temática. No final do mês de abril de 2016 foi disponibilizada a segunda versão do documento, resultado do processo de discussão e sugestões acolhidas na etapa anterior.

Dessa forma, cotejamos as duas primeiras versões do texto da BNCC, analisando os objetivos de aprendizagem apresentados em ambos os textos. A análise estabelecida diz respeito ao processo de elaboração e consolidação dos objetivos de aprendizagem para o ensino da Matemática, na passagem do primeiro para o segundo texto, problematizando as possibilidades e limites da proposição de um currículo que se mostre flexível, aberto e que potencialize o professor e o aluno como protagonistas do processo de ensino e aprendizagem.

Nessa empreitada, dialogamos com Goodson (2010)GOODSON, I. F. Currículo: teoria e história. 9. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010. 140 p. e Silva (2005)SILVA, T. T. da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias de currículo. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. 156 p. no intuito de compreender aspectos históricos, filosóficos e epistemológicos que permeiam a construção de uma proposta curricular concebida na perspectiva de se constituir como “base” em todo o território nacional. No diálogo com esses pesquisadores nos apropriamos de suas abordagens de investigação sobre o currículo escolar.

Enquanto Goodson (2010)GOODSON, I. F. Currículo: teoria e história. 9. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010. 140 p. percorre o fio da história para explicar a elaboração e constituição dos currículos nacionais, Silva (2005)SILVA, T. T. da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias de currículo. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. 156 p. tece sua explicação levando em conta a constituição das identidades dos sujeitos. Goodson (2010)GOODSON, I. F. Currículo: teoria e história. 9. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010. 140 p. salienta que uma proposição curricular deve estabelecer uma orientação quanto aos objetivos de aprendizagem, processo que se dá a partir de um acúmulo de experiências curriculares desenvolvidas ao longo do tempo:

A elaboração do currículo pode ser considerada um processo pelo qual se inventa uma tradição. Com efeito, esta linguagem é com frequência empregada quando as ‘disciplinas tradicionais’ ou ‘matérias tradicionais’ são justapostas contra alguma inovação recente sobre temas integrados ou centralizados na criança (…) mas como acontece com toda tradição, não é algo pronto de uma vez por todas; é, antes, algo a ser defendido, onde, com o tempo, as mistificações tendem a se construir e reconstruir sempre de novo (GOODSON, 2010GOODSON, I. F. Currículo: teoria e história. 9. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010. 140 p., p. 78).

Apropriando-se dessa ideia de currículo como uma “tradição que se inventa”, estabelecemos um diálogo com a perspectiva que compreende o currículo como seleção de conhecimentos e saberes que possibilitam a “construção de identidades”, conforme salienta Silva (2005)SILVA, T. T. da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias de currículo. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. 156 p.:

Qual é o tipo de ser humano desejável para um determinado tipo de sociedade? Será a pessoa racional e ilustrada de um determinado ideal humanista de educação? Será a pessoas otimizadora e competitiva dos atuais modelos neoliberais de educação? Será a pessoa ajustada aos ideais de cidadania dos modernos estados-nação? Será a pessoa desconfiada e crítica dos arranjos sociais existentes preconizada nas teorias educacionais críticas? A cada um desses modelos de ser humano corresponderá um tipo de conhecimento, um tipo de currículo (SILVA, 2005SILVA, T. T. da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias de currículo. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. 156 p., p. 15).

Dessa maneira, até chegar à BNCC proposta em 2016, entendemos que dois movimentos curriculares estão inscritos nessa tradição de “fazer currículo”: as propostas curriculares elaboradas no contexto da década de 1970 e as propostas elaboradas após a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei 9.394/1996, atendendo a criação da escola de Ensino Médio.

Assim, percorremos o fio histórico em busca das marcas e indícios (Ginzburg, 1989GINZBURG, C. Mitos, emblemas e sinais: morfologia e história. 1. ed. São Paulo: Companhia das letras, 1989. 223 p.) que evidenciem as motivações e interesses implícitos numa proposição curricular elaborada num lugar e espaço situado no passado. Quanto ao documento da BNCC, fundamentamos nossa análise na perspectiva da pesquisa documental (Santos, 1999SANTOS, A. R. dos. Metodologia Científica: a construção do conhecimento. 1. ed. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 1999. 144 p.). Desse modo, cotejar os documentos da BNCC até aqui disponibilizados possibilitou lançar luz ao processo de sua elaboração, ao seu conteúdo e significado.

Primeiramente, remontamos ao final da década de 1990, elencando o documento orientador para o Ensino Médio denominado Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (BRASIL, 2000BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Brasília, 2000.), proposição que visava apontar uma direção para a organização curricular e as práticas pedagógicas do professor da última etapa da Escola Básica, em decorrência da extinção do antigo 2° Grau. Movimento associado à criação dos Parâmetros Curriculares, o Exame Nacional do Ensino Médio, em 1998, também induziu a organização do currículo escolar, agora via pressão do resultado do desempenho dos estudantes em cada unidade de ensino. Criado com o objetivo de avaliar o desempenho do estudante ao fim da Escola Básica, esta medida influenciou sobremaneira o currículo e as práticas pedagógicas do Ensino Médio.

Dando continuidade a política de orientação do currículo, a Resolução n° 2, de 30 de janeiro de 2012, estabeleceu outra organização curricular para o Ensino Médio (BRASIL, 2012BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO / CÂMARA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Resolução CNE/CEB n° 2, de 30 de janeiro de 2012, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio. Brasília, 2012.), articulando as disciplinas por áreas de conhecimento: Matemática, Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Linguagens.

Essa nova configuração, dando destaque à Matemática, nos leva a indagar sobre o papel que essa disciplina escolar representa na formação dos jovens. Esse destaque atribuído à Matemática evidencia a importância de problematizar o seu ensino e aprendizagem, indagando sobre o porquê da inclusão ou exclusão deste ou daquele conteúdo e, sobretudo, dos objetivos de aprendizagem propostos no ensino dessa disciplina.

Chegamos, assim, ao contexto atual da proposição da BNCC, entendendo que essa medida representa uma continuidade ao movimento de reformulação curricular do Ensino Médio iniciado em 1998 e levado adiante pelas políticas curriculares implementadas desde então, tendo culminância na Resolução n° 2 de 30 de janeiro de 2012 (BRASIL, 2012BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO / CÂMARA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Resolução CNE/CEB n° 2, de 30 de janeiro de 2012, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio. Brasília, 2012.).

Nessa perspectiva, inicialmente analisamos a primeira versão da BNCC, discorrendo sobre os dados quantitativos das contribuições e avaliações dos objetivos de aprendizagem propostos para o ensino de Álgebra e de Funções. Dando continuidade, fizemos uma análise dos objetivos apresentados na segunda versão, comparativamente ao apresentado na primeira versão. Em seguida, com referência à história, analisamos a Proposta Curricular de Matemática elaborada pela Secretaria de Estado da Educação do Espírito Santo - SEDU-ES, na década de 1970, destacando como o tema Álgebra e Funções foi proposto no currículo do antigo 2° grau. Por fim, à luz do contexto atual da Educação Matemática no Brasil, tecemos algumas considerações sobre esse processo de elaboração da BNCC.

2 A primeira versão do documento da BNCC

Conforme salientamos, a primeira versão foi colocada para discussão em outubro de 2015 e, nesse processo, o ponto central do debate girou em torno dos objetivos de aprendizagem, concebidos como “conhecimentos fundamentais” que visam assegurar o direito à aprendizagem de todos os jovens matriculados na escola de Ensino Médio:

A BNC é constituída pelos conhecimentos fundamentais aos quais todo/toda estudante brasileiro deve ter acesso para que seus direitos à Aprendizagem e ao Desenvolvimento sejam assegurados. Esses conhecimentos devem constituir a base comum do currículo de todas as escolas brasileiras, embora não sejam, eles próprios, a totalidade do currículo, mas parte dele. Deve-se acrescer à parte comum, a diversificada, a ser construída em diálogo com a primeira e com a realidade de cada sistema educacional sobre as experiências e conhecimentos que devem ser oferecidos aos estudantes e às estudantes ao longo de seu processo de escolarização (BRASIL, 2015BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Texto Preliminar do documento BNCC, 2015. Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br>. Acesso em: 26 jul. 2015.
http://basenacionalcomum.mec.gov.br...
, p. 13).

Na apresentação da BNCC, o texto faz a ressalva de não pretender se constituir como um documento acabado, mas como um apontamento para “sinalizar percursos de aprendizagem e desenvolvimento dos estudantes ao longo da Educação Básica” (BRASIL, 2015BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Texto Preliminar do documento BNCC, 2015. Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br>. Acesso em: 26 jul. 2015.
http://basenacionalcomum.mec.gov.br...
, p. 8), salientando os princípios que nortearam a elaboração desses objetivos. Em relação à Matemática, cabe observar-lhe o duplo papel desempenhado na organização curricular: constitui-se como área de conhecimento e como componente curricular, aspecto salientado no texto do documento da BNCC:

As áreas e componentes curriculares se articulam para promover a apropriação por crianças, jovens e adultos de diferentes linguagens e interpretar fenômenos e processos naturais, sociais e culturais, para enfrentar problemas práticos, para argumentar e tomar decisões, individual e coletivamente (BRASIL, 2015BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Texto Preliminar do documento BNCC, 2015. Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br>. Acesso em: 26 jul. 2015.
http://basenacionalcomum.mec.gov.br...
, p. 12).

Evidencia-se, assim, a importância do conhecimento matemático como linguagem que, em diálogo com outros conhecimentos, amplia a compreensão do homem em relação ao mundo físico e social, aspecto que permite a resolução de situações-problemas e transformação da realidade. Ao tratar da Matemática enquanto componente curricular, o documento BNCC apresenta sua estrutura em 5 eixos: Geometria, Grandezas e Medidas, Estatística e Probabilidade, Números e Operações, Álgebra e Funções.

Cotejando o texto do documento, nota-se o esboço de uma concepção crítica em relação ao conhecimento matemático, como por exemplo, ao afirmar que “a Matemática assume um papel fundamental para o pleno acesso dos sujeitos à cidadania” (BRASIL, 2015BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Texto Preliminar do documento BNCC, 2015. Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br>. Acesso em: 26 jul. 2015.
http://basenacionalcomum.mec.gov.br...
, p. 127). Numa perspectiva epistemológica, a abordagem histórico-cultural também é citada, como destaca que “o conhecimento matemático é fruto da busca, pelo ser humano, de respostas a problemas que a sociedade lhe apresenta em suas práticas sociais” (BRASIL, 2015BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Texto Preliminar do documento BNCC, 2015. Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br>. Acesso em: 26 jul. 2015.
http://basenacionalcomum.mec.gov.br...
, p. 127). A expressão “práticas sociais” aparece em outras partes do texto, no sentido de um conhecimento que nasce da atividade humana e, ao longo do tempo, passa a ser sistematizado como conhecimento científico:

Em primeiro lugar, é preciso valorizar todo o conhecimento que o/a estudante traz de suas práticas sociais cotidianas […] Além disso, para que o/a estudante tenha sucesso em Matemática, é preciso que ele/a atribua sentido para os conceitos aprendidos na escola. Esse processo demanda, muitas vezes, o recurso à contextualização dos problemas apresentados a ele/a. (BRASIL, 2015BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Texto Preliminar do documento BNCC, 2015. Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br>. Acesso em: 26 jul. 2015.
http://basenacionalcomum.mec.gov.br...
, p. 128).

Entretanto, a despeito das citações recortadas anteriormente, a perspectiva crítica não é aprofundada ao longo do texto, resvalando, em algumas partes, para uma concepção que se aproxima de um idealismo, conforme destacamos a seguir:

É preciso observar que os objetos matemáticos não são acessíveis diretamente. Em Matemática não podemos ver uma equação ou pesar um cubo. Os objetos matemáticos são entes abstratos que somente podem ser acessados por meio de suas representações (BRASIL, 2015BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Texto Preliminar do documento BNCC, 2015. Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br>. Acesso em: 26 jul. 2015.
http://basenacionalcomum.mec.gov.br...
, p. 128).

A partir do exposto, infere-se que o texto introdutório é perpassado por uma visão universalista e de totalidade do conhecimento matemático, constituindo-se uma ciência caracterizada pelo rigor e formalismo da linguagem, como indica o texto a seguir:

Assim, a aprendizagem em Matemática demanda a exploração de três momentos distintos e ordenados. No primeiro, o estudante deve FAZER MATEMÁTICA. Após, ele deve desenvolver REGISTROS DE REPRESENTAÇÕES PESSOAIS para, finalmente, apropriar-se dos REGISTROS FORMAIS (BRASIL, 2015BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Texto Preliminar do documento BNCC, 2015. Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br>. Acesso em: 26 jul. 2015.
http://basenacionalcomum.mec.gov.br...
, p. 129).

Ao cotejar os “objetivos gerais à Matemática”, nota-se um silêncio em relação a abordagem teórico-metodológica que destaque a história e a cultura como dimensões do conhecimento matemático capazes de orientar o ensino e a aprendizagem dessa disciplina. A única abordagem teórico-metodológica evidenciada é a que atribui o “fazer Matemática” à atividade de resolução de problemas.

O domínio da linguagem Matemática é salientado ao longo do texto, apontando o rigor e o formalismo simbólico como aprendizagem relevante ao longo do Ensino Médio. Além disso, valoriza-se a capacidade de raciocinar, comunicar e expressar o conhecimento matemático, evidenciando uma dimensão formativa associada ao campo da linguagem. No que diz respeito aos “objetivos gerais para Área de Matemática no Ensino Médio”, destacam- se alguns aspectos como: a importância em aplicar o conhecimento matemático; expressar e comunicar este saber; estabelecer relações com as outras áreas do conhecimento; desenvolver a autoconfiança ao lidar com a Matemática; usar criticamente a Matemática em diferentes práticas sociais e fenômenos naturais; recorrer às tecnologias digitais para descrever e representar matematicamente situações e fenômenos da realidade, em especial aqueles relacionados ao mundo do trabalho.

Aprofundando a discussão sobre a Matemática no Ensino Médio, o texto salienta a necessidade de promover a interdisciplinaridade, a contextualização e a aplicação do conhecimento matemático, tendo como base o cotidiano do estudante:

Assim, no processo de elaboração do currículo de Matemática do Ensino Médio, deve-se levar em conta a importância da contextualização, pois os conceitos e procedimentos matemáticos precisam ter significado para o/a estudante (…) o cotidiano pode ser considerado uma fonte rica de contextos, para ensinar e aprender Matemática (BRASIL, 2015BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Texto Preliminar do documento BNCC, 2015. Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br>. Acesso em: 26 jul. 2015.
http://basenacionalcomum.mec.gov.br...
, p. 149).

Conforme salientado acima, o documento atribui uma importância para contextualização, fazendo referência ao conhecimento matemático em sua dimensão histórica e cultural. Em seguida, o texto da BNCC apresenta alguns exemplos de como explorar algumas temáticas e conteúdos de ensino, a partir dos eixos propostos no documento. Nesse sentido, no que se refere às Funções, o texto afirma que:

O estudo de funções, por exemplo, deve priorizar aspectos relacionados à variação entre grandezas, permitindo que o/a estudante desenvolva efetivamente o pensamento funcional (BRASIL, 2015BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Texto Preliminar do documento BNCC, 2015. Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br>. Acesso em: 26 jul. 2015.
http://basenacionalcomum.mec.gov.br...
, p. 150).

Na primeira versão do documento, a argumentação em favor do ensino de Funções faz referência à importância que este conteúdo possui, salientando o desenvolvimento da capacidade de pensar e estabelecer relações quantitativas entre grandezas e variáveis. Isso fica mais detalhado com um exame nos Objetivos de Aprendizagem para os três anos do Ensino Médio. Ao todo foram apontados 13 objetivos de aprendizagem, sendo 6 para o 1° ano, 5 para o 2° ano e 2 para o 3° ano. Os objetivos propostos para o 1° ano iniciam ressaltando o conceito de Proporcionalidade, conteúdo curricular que compreende um campo conceitual amplo que vai do Ensino Fundamental até o Ensino Médio. Em seguida sugere uma perspectiva metodológica para a introdução ao ensino de Funções, a partir de ideias intuitivas e exploração da representação gráfica. Quanto aos modelos funcionais estudados no Ensino Médio, são sugeridos a Função Afim, a Função Linear e a Função Quadrática, descrevendo aspectos relacionados a esses conteúdos que devem ser explorados no ensino. Também destaca a necessidade de associar o conteúdo Progressão Aritmética ao estudo da Função Linear.

Juntamente com os demais eixos do currículo da disciplina de Matemática, os 13 objetivos de aprendizagem propostos para o eixo “Álgebra e Funções” foram objetos de uma análise crítica por parte dos professores de Matemática. Reunidos em grupo ou individualmente, eles levaram a proposição da BNCC para debate da comunidade acadêmica e professores da Escola Básica.

Para melhor compreender o processo participativo e ter uma dimensão do quantitativo das contribuições individuais e coletivas apresentadas à primeira versão, elencamos cada um dos objetivos de aprendizagem propostos para o eixo Álgebra e Funções. Pontuando cada um dos 13 objetivos, explicitamos os percentuais sobre as considerações e opiniões recolhidas quanto a clareza e a relevância de cada um, conforme pode ser observado no site http://basenacionalcomum.mec.gov.br/.

Quadro 1
Objetivos de Aprendizagem do eixo Álgebra e Funções para o 1° Ano

Os dados indicam que os seis objetivos de aprendizagem propostos para o 1° ano do Ensino Médio apresentaram um baixo índice de reprovação, sugerindo que aspectos como pertinência e clareza foram bem avaliados. Embora a ausência de dados qualitativos não permita uma análise mais aprofundada, os dados existentes sugerem uma aceitação desses objetivos. Dessa maneira, inferimos que essa aprovação pode ser atribuída a uma maior familiaridade e domínio por parte dos professores em relação à abordagem introdutória do ensino de Funções, como o conceito de Proporcionalidade e a Representação no plano cartesiano. Em consequência, o ensino da Função do 1° grau e tudo o que envolve sua aplicação também se torna mais familiar ao professor de Matemática. Vejamos como foram avaliados os objetivos propostos para o 2° ano, novamente recortando os aspectos quanto á pertinência e clareza dos mesmos.

Quadro 2
Objetivos de Aprendizagem do eixo Álgebra e Funções para o 2° Ano

Distintamente dos dados relativos aos objetivos do 1° ano, os cinco objetivos de aprendizagem elencados para o 2° ano apresentaram um elevado índice de opiniões que apontaram não haver “clareza” e “relevância” na propositura dos mesmos. Verificando a escrita de cada objetivo, inferimos que essa reprovação pode ser atribuída à presença de objetivos pouco comuns no currículo e no desenvolvimento do ensino de funções, como por exemplo, “associar sequências numéricas (PG) a funções exponenciais de domínio discreto” (BRASIL, 2015BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Texto Preliminar do documento BNCC, 2015. Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br>. Acesso em: 26 jul. 2015.
http://basenacionalcomum.mec.gov.br...
, p. 161), ou então, “reconhecer funções definidas por mais de uma sentença” (BRASIL, 2015BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Texto Preliminar do documento BNCC, 2015. Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br>. Acesso em: 26 jul. 2015.
http://basenacionalcomum.mec.gov.br...
, p. 161), ou mesmo o objetivo que aponta a necessidade do aluno em “compreender e descrever transformações que ocorrem na forma gráfica, ao se alterarem os parâmetros da forma algébrica de uma função” (BRASIL, 2015BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Texto Preliminar do documento BNCC, 2015. Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br>. Acesso em: 26 jul. 2015.
http://basenacionalcomum.mec.gov.br...
, p. 161). Quanto ao ensino de Sistemas Lineares, os dados indicam uma aceitação dos objetivos de aprendizagem para o ensino de Sistemas de três equações de 1° grau com três incógnitas, sugerindo a resolução pelo processo de escalonamento e substituição.

Vejamos como foram avaliados os objetivos propostos para o 3° ano, com recorte nos aspectos que salientam a pertinência e clareza dos mesmos.

Quadro 3
Objetivos de Aprendizagem do eixo Álgebra e Funções para o 3° Ano

Como se observa, os objetivos de aprendizagem propostos para o 3° ano do Ensino Médio também foram avaliados de forma negativa, comparando-se com as avaliações dos objetivos do 1° ano. Os dois objetivos de aprendizagem sugerem a aplicação do conceito de Funções em “situações reais”, fazendo uso (ou não) dos recursos digitais. Em consequência, observa-se uma dissociação entre uma dimensão teórica e uma prática, pois ao apontar a aplicação em “situações reais” no 3° ano, fica implícito que essa abordagem é dispensável nos 1° e 2° anos.

De modo geral, os dados indicam que à exceção da Função do 1° e 2° graus, os demais temas de ensino tiveram um alto índice (15% a 22%), somando-se os que consideram a falta de clareza, pouca pertinência e os que não opinaram. Curioso notar que a proposta deixa de lado o ensino de Matrizes e Determinantes, temas muito apropriados ao desenvolvimento de Sistemas lineares.

Do exposto, inferimos que as contribuições apresentadas na primeira versão proporcionaram uma sistematização e reorganização dos objetivos de aprendizagem que os agrupasse não mais entre os três anos do Ensino Médio, mas, por unidade curricular. Essa organização se aproxima do modo usualmente apresentado nas propostas curriculares e nos livros didáticos do Ensino Médio. O resultado foi apresentado na segunda versão da BNCC, disponibilizada para consulta no final do mês de abril de 2016.

3 A segunda versão do documento BNCC

Concluída a primeira etapa, a segunda versão do texto da BNCC trouxe algumas modificações em relação à primeira. Contudo, não há clareza sobre como se deu o acolhimento das propostas apresentadas nos fóruns de discussões. O relatório explicativo da 2a versão, disponibilizada para consulta em 28 de abril de 2016, informa que:

Até por serem muito alto os percentuais de concordância da versão preliminar dos objetivos de aprendizagem, quase sempre acima de 85%, e baixo os percentuais de propostas de exclusão de objetivos de aprendizagem, quase sempre inferior a 5%, ganha especial relevância os indicadores acima da média, funcionando como bons termómetros da existência de pontos mais controvertidos ou menos consensuais da proposta, ou simplesmente mal formulados (BRASIL, 2016BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Texto Preliminar da BNCC, 2016. Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br>. Acesso em: 25 abr. 2016.
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, p. 3).

Estabelecendo o recorte sobre o tema “álgebra e Funções”, verifica-se que os 13 objetivos de aprendizagem foram reduzidos a 10 e agrupados em cinco “unidades curriculares”, distribuídos ao longo das três séries do Ensino Médio. Para uma melhor compreensão, apresentamos os objetivos de aprendizagem, propostos na 2a versão, organizados em unidade curricular.

Quadro 4
Objetivos de Aprendizagem do eixo Álgebra e Funções na 2a versão

A organização por unidade curricular indica uma aproximação com o desenvolvimento curricular atualmente praticado no Ensino Médio, deixando ao professor o planejamento e distribuição dos temas ao longo dos três anos do Ensino Médio. A despeito dessa alteração, os objetivos de aprendizagem continuaram quase que os mesmos da versão inicial.

4 Revisitando o ensino de Álgebra e Funções numa proposta curricular da década de 1970

A reforma educacional ocorrida no início da década de 1970 desencadearia um movimento de elaboração curricular, visando atender ao estabelecido pela Lei 5.692/1971. Uma análise sobre como esse processo ocorreu é aqui exemplificado pela Proposta Curricular para o Ensino de 2° Grau, elaborada pela Secretaria de Estado de Educação do Espírito Santo no ano de 1974.

Com efeito, no contexto do crescimento econômico ocorrido ao final dos anos 1960 e início dos anos 1970, a elaboração de um novo currículo visava atender a demanda por qualificação profissional, requerido pela escola de 2° grau. Como recomendado em diversos manuais sobre currículo, a proposta curricular trazia em primeiro planos os “objetivos” de ensino, fio condutor que deveria orientar uma seleção de conteúdos a ensinar. Num segundo plano a proposta também trazia “sugestões” sobre como desenvolver o ensino e, assim, alcançar o objetivo proposto. O Quadro 5 mostra como eram os objetivos para o ensino de Funções, no currículo do 2° Grau.

Quadro 5
A Função do 1° grau na Proposta Curricular de 2° Grau SEDU/ES – 1974

Observa-se, no texto, uma ênfase no formalismo e rigor da linguagem matemática, aspecto salientado no desenvolvimento do tema a ser ensinado. O tema “Funções do 1° grau” e sua aplicação na resolução de problemas não é proposto, evidenciando o que Fiorentini (1995) denomina de retorno ao formalismo de Euclides, com o enfoque nas estruturas e linguagem formal da Matemática contemporânea.

Esse aspecto fica mais evidente nos objetivos apontados para o ensino da “Função quadrática”, conforme mostra o Quadro 6. Semelhantemente ao proposto para o ensino da Função do 1° grau, os objetivos/conteúdos/sugestões para o ensino da Função quadrática segue na linha do formalismo, com ênfase numa abordagem internalista da Matemática, ou seja, a “Matemática por ela mesma, auto-suficiente” (FIORENTINI, 1995, p. 14).

Quadro 6
A função quadrática na proposta curricular do 2° Grau SEDU/ES – 1974

5 Considerações finais

A análise sobre o processo de elaboração da Base Nacional Curricular Comum, conforme apresentado, nos permite tecer algumas considerações sobre o significado de uma proposta curricular concebida como “base nacional” e destinada ao Ensino Médio, etapa da escolarização básica que, por ser a última e com o fim de proporcionar a sólida formação dos jovens, encontra-se tencionada entre a formação para o mundo do trabalho ou preparação para o Ensino Superior. O Ensino Médio constitui, assim, um período da Educação Básica em busca de uma identidade, conforme atestam as várias reformas curriculares propostas nas duas últimas décadas. Esse tencionamento coloca em suspenso o resultado final do texto da BNCC, o que nos leva a indagar sobre os limites e as possibilidades de sua apropriação pelos sistemas educacionais e professores do Ensino Médio.

Conforme salientado ao longo do trabalho, constatamos que as políticas educacionais instituídas no Brasil, nas últimas décadas, têm se configurado em torno de ações que visam à organização sistêmica da Educação Básica, ação coordenada pelo Ministério da Educação. Em consequência, a proposição de uma BNCC insere-se no conjunto dessas ações, na perspectiva de configurar uma unidade conceptual ao currículo.

Compreendendo as diferentes etapas da escolarização da infância até a juventude, da Educação Infantil até o Ensino Médio, as orientações e diretrizes emanadas pelos gestores das políticas educacionais sinalizam uma perspectiva curricular ainda em construção. Dessa forma, pressupõe-se que uma BNCC faz-se necessário para dar continuidade ao já estabelecido, mas ainda incompleto, configurando unitariamente o currículo da Educação Básica. Nesse sentido, a análise do documento BNCC nos evidencia alguns aspectos que devem ser considerados, no atual contexto da educação brasileira.

Primeiramente, quanto à pertinência da proposição de um documento curricular, entendemos que uma prescrição se faz necessária para orientar o currículo. Contudo, reafirmamos a importância dessa elaboração curricular ser realizada a partir de uma construção social que incorpore as contribuições de pesquisadores e professores que atuam diretamente com o ensino e a educação, aspecto pouco claro no processo desenvolvido até a segunda versão do texto da BNCC. Dessa maneira, uma primeira observação a fazer é que o processo de discussão encaminhado pelo MEC não é claro em relação a esse aspecto, deixando dúvidas quanto ao acolhimento das sugestões apresentadas por professores e pesquisadores.

Uma segunda observação diz respeito ao silêncio do documento BNCC em relação aos aspectos teórico-metodológicos já consolidados no campo da Educação Matemática, mais especificamente, o que foi até aqui produzido no âmbito da Etnomatemática, da História da Matemática e da Modelagem Matemática. Essas abordagens teórico-metodológicas constituem, na atualidade, referências importantes para uma prática docente que leve em conta a diversidade e a pluralidade da escola pública brasileira.

Vimos, portanto, que tanto na primeira, quanto na segunda versão foi salientada a importância da Matemática como um conhecimento que nasce das práticas sociais, da relação do homem com o seu meio e da necessidade de resolver problemas postos em seu contexto de vida, valorizando o conhecimento que esta já possui ao ingressar na escola. Contudo, o texto não avança nessa perspectiva epistemológica. Como salientado anteriormente, na atualidade as pesquisas em Educação Matemática tem avançado em relação às abordagens metodológicas que permitem colocar, numa dimensão prática do ensino da Matemática, a perspectiva da Etnomatemática, da História da Matemática e da Modelagem, perspectivas que têm fecundado a prática de ensino de Matemática.

Em consequência, inferimos que os objetivos propostos para o ensino de “álgebra e Funções” no Ensino Médio circunscrevem a uma “tradição curricular” (Goodson, 2010GOODSON, I. F. Currículo: teoria e história. 9. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010. 140 p.), aspecto que, em parte, pode ser justificado pela predominância de um academicismo e um utilitarismo, dois fatores muito presentes na construção social do currículo. Conforme exposto, o movimento curricular que permeou as propostas para o ensino de Matemática nas últimas décadas vem acompanhado de uma tradição que se renova, de tempos em tempos, segundo o contexto social ao qual a tradição é invocada, visando a construção de sujeitos e identidades como eixos indutores dos objetivos de aprendizagem.

Do exposto, evidenciamos que a proposta da BNCC, tanto na primeira versão quanto na segunda versão, representa um retorno ao passado, tempos em que o currículo escolar se estabelecia como um modelo fixo, numa perspectiva de conceber a prática docente a partir das orientações emanadas por especialistas, ainda que envolvidos num aparente processo de discussão e debates com os professores.

Referências

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  • BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO/CÂMARA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Resolução n. 4 de 13 de julho de 2010, curriculares nacionais para a educação básica. Brasília, 2010.
  • BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio Brasília, 2000.
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    » http://www.sbembrasil.org.br/sbembrasil/images/arquivos/relatorio_visipem.pdf

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2017

Histórico

  • Recebido
    30 Jun 2016
  • Aceito
    13 Mar 2017
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