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Extensões de Conhecimentos na Construção da Compreensão de Numeral Decimal* Uma versão preliminar deste artigo foi apresentada no 28° Seminário de Investigação em Educação Matemática (APM, 2017).

Knowledge Extensions in the Construction of Decimal Numbers Understanding

Resumo

Numa perspectiva de desenvolvimento numérico em que o conceito de número é ampliado à medida que diferentes conjuntos numéricos são abordados, é natural que os alunos recorram aos conhecimentos que têm e os estendam aos novos conjuntos, o que nem sempre conduz a conclusões corretas. Neste sentido, este artigo tem como objetivo compreender que potencialidades têm situações que sugerem extensões de conhecimentos incorretas como meio para promover a construção da compreensão de numeral decimal. Apresentamos parte de um estudo que segue a modalidade de Investigação Baseada em Design, tendo sido realizada uma experiência de ensino onde participaram 25 alunos e a professora titular, no 3° e 4° ano de escolaridade. Neste texto, são analisadas as discussões entre quatro alunos, organizados em pares, em torno de tarefas centradas em três extensões de conhecimentos incorretas. Os resultados evidenciam que as situações propostas promovem o recurso a justificações e contraexemplos, desenvolvendo assim o raciocínio matemático. Os resultados revelam também potencialidades para a construção da compreensão de numeral decimal, nomeadamente a nível da mobilização de modelos, conceitualização da unidade e da compreensão do valor de posição dos algarismos no numeral decimal, em particular de zero.

Palavras-chave:
Números Racionais; Numerais Decimais; Extensões de Conhecimentos

Abstract

Considering a perspective of numerical development where the concept of number is expanded as different number sets are approached, it's only natural that pupils rely on their knowledge and extend them to the new sets, which does not always lead to correct conclusions. Hence, in this paper we aim to understand the potential of situations that suggest incorrect knowledge extensions as a means to promote the construction of decimal number understanding. Part of a broader study that follows a Design Based Research is reported, within which a teaching experiment was carried out with 25 students and their teacher, in 3rd and 4th grades. In this paper, we analyze the discussions among four students, organized in pairs, regarding tasks that promoted the discussion of three common incorrect knowledge extensions. The results evidence that the proposed situations promote the use of justifications and counterexamples, developing mathematical reasoning. The results also reveal the potential to build decimal number understanding, namely in models use, unit conceptualization, and place value concept, in particular zero.

Keywords:
Rational Numbers; Decimal Numbers; Knowledge Extensions

1 Introdução

Na literatura encontramos vários estudos que identificam dificuldades reveladas pelos alunos ao trabalhar com números racionais1 1 Números racionais não negativos. na sua representação decimal, muitas vezes associadas à influência de conhecimentos prévios dos números inteiros2 2 Ao longo deste artigo, sempre que nos referimos a “números inteiros” estaremos a considerar números inteiros não negativos. (e.g., DURKIN; RITTLE-JOHNSON, 2015DURKIN, K.; RITTLE-JOHNSON, B. Diagnosing misconceptions: Revealing changing decimal fraction knowledge. Learning and Instruction, United Kingdom, v. 37, p. 21-29, set. 2015.; RESNICK et al., 1989RESNICK, L. B. et al. Conceptual bases of arithmetic errors: The case of decimal fractions. Journal for Research in Mathematics Education, Reston, VA, v. 20, n. 1, p. 8-27, jan. 1989.; STEINLE; STACEY, 2003STEINLE, V.; STACEY, K. Grade-related trends in the prevalence and persistence of decimal misconceptions. In: CONFERENCE OF THE INTERNATIONAL GROUP FOR THE PSYCHOLOGY OF MATHEMATICS EDUCATION, 27., 2003, Honolulu. Proceedings of the 2003 joint meeting of PME and PME-NA, v. 4. Honolulu: PME, 2003, p. 259-266.) e que podem persistir até à vida adulta (e.g., VAMVAKOUSSI; VAN DOOREN; VERSCHAFFEL, 2012VAMVAKOUSSI, X.; VAN DOOREN, W.; VERSCHAFFEL, L. Naturally biased? In: search for reaction time evidence for a natural number bias in adults. The Journal of Mathematical Behavior, USA, v. 31, n. 3, p. 344-355, set. 2012.), o que é revelador da importância da compreensão de numeral decimal3 3 O termo “numeral decimal” é aqui utilizado para identificar números racionais não negativos escritos de acordo com o sistema de numeração decimal, utilizando vírgula ou ponto. .

Ao invés de considerarmos estas dificuldades como um fim em si mesmas ou resultado entendido como praticamente inevitável da aprendizagem de números racionais na representação decimal, encaramo-las como evidências de um processo de mudança da conceitualização de número. É natural que os alunos comecem por estender os seus conhecimentos, associados aos números inteiros, para lidar com números pertencentes a um conjunto numérico até então desconhecido. O seu entendimento de número transforma-se e amplia-se à medida que se confrontam com novas questões, provocadas pelo novo conjunto numérico (SWAN, 2001SWAN, M. Dealing with misconceptions in mathematics. In: Gates, P. (Ed.). Issues in Mathematics Teaching. London: Routledge/Falmer, 2001. p. 147-165.). Assumimos neste estudo a perspectiva de que o desenvolvimento da compreensão de número racional ocorre na continuidade do desenvolvimento da compreensão de número inteiro, através do reconhecimento das características que se mantêm e das que se alteram entre os dois conjuntos numéricos (SIEGLER; THOMPSON; SCHNEIDER, 2011SIEGLER, R. S.; THOMPSON, C. A.; SCHNEIDER, M. An integrated theory of whole number and fractions development. Cognitive Psychology, USA, v. 62, n. 4, p. 273-296, jun. 2011.).

Assim, acreditamos que o recurso a situações que podem conduzir a conclusões incorretas, devido ao uso do que neste artigo se designa por extensões de conhecimentos incorretas, pode promover o desenvolvimento da compreensão de numeral decimal, uma vez que apela precisamente ao reconhecimento de diferenças e semelhanças entre números inteiros e números racionais. Ao focar-se a discussão em extensões de conhecimentos, habitualmente realizadas pelos alunos e amplamente identificadas na literatura, criam-se também oportunidades para que os alunos confrontem as suas próprias interpretações com as que estão em discussão (SWAN, 2001SWAN, M. Dealing with misconceptions in mathematics. In: Gates, P. (Ed.). Issues in Mathematics Teaching. London: Routledge/Falmer, 2001. p. 147-165.).

Evidências de estudos realizados com alunos a partir do 6° ano (ADAMS et al., 2014ADAMS, D. et al. Using erroneous examples to improve mathematics learning with a web-based tutoring system. Computers in Human Behavior, United Kingdom, v. 36, p. 401-411, jul. 2014.; DURKIN; RITTLE-JOHNSON, 2012DURKIN, K.; RITTLE-JOHNSON, B. The effectiveness of using incorrect examples to support learning about decimal magnitude. Learning and Instruction, United Kingdom, v. 22, p. 206-214, nov. 2012.; HUANG; LIU; SHIU, 2008HUANG, T. H.; LIU, Y. C.; SHIU, C. Y. Construction of an online learning system for decimal numbers through the use of cognitive conflict strategy. Computers & Education, United Kingdom, v. 50, n. 1, p. 61-76, jan. 2008.; TSOVALTZI et al., 2010TSOVALTZI, D. et al. Learning from erroneous examples: when and how do students benefit from them? In: CONFERENCE ON TECHNOLOGY ENHANCED LEARNING, SUSTAINING TEL: FROM INNOVATION TO LEARNING AND PRACTICE, 5., 2010, Barcelona. Proceedings of the 5th European Conference on Technology Enhanced Learning, Sustaining TEL: From Innovation to Learning and Practice. Barcelona, 2010. p. 357-373.) reforçam o contributo que um trabalho em torno da análise de situações que envolvem extensões de conhecimentos incorretas pode ter. Não só apontam evidências de melhoria no desempenho dos alunos no que se refere ao trabalho com frações e com numerais decimais, mas também indicam menor incidência da realização de extensões incorretas pelos alunos (ADAMS et al., 2014ADAMS, D. et al. Using erroneous examples to improve mathematics learning with a web-based tutoring system. Computers in Human Behavior, United Kingdom, v. 36, p. 401-411, jul. 2014.). Contudo, para além destas investigações terem sido realizadas com alunos mais velhos, o fato de serem maioritariamente estudos longitudinais, não permite elaborar sobre quais ideias relativas aos números racionais foram, especificamente, desenvolvidas ou para as quais o contributo deste tipo de trabalho foi importante.

Assim, com este artigo procuramos compreender que potencialidades têm situações que sugerem extensões de conhecimentos incorretas como meio para promover a construção da compreensão de numeral decimal.

2 Extensões de conhecimentos na aprendizagem de numerais decimais

Na investigação, as extensões de conhecimentos que podem induzir a conclusões incorretas são habitualmente designadas por misconceptions ou, em português, concepções errôneas. Contudo, este termo não nos parece o que melhor define o nosso entendimento do que são estas extensões de conhecimentos. Confrey (1991)CONFREY, J. Learning to listen: a student’s understanding of powers of ten. In: E. VON GLASERSFELD (Ed.). Radical constructivism in mathematics education. Dordrecht, The Netherlands: Kluwer, 1991. p. 111-138. refere que ao usar este termo não estamos a considerar a perspectiva do aluno, cuja ideia é efetivamente válida nas situações que lhe são familiares. Para além disso, a palavra misconception ou a expressão concepção errônea parece delinear uma barreira entre o certo e o errado, subentendendo-se a noção de que se trata de algo a evitar (SWAN, 2001SWAN, M. Dealing with misconceptions in mathematics. In: Gates, P. (Ed.). Issues in Mathematics Teaching. London: Routledge/Falmer, 2001. p. 147-165.). Outra expressão também presente na literatura é a de concepções alternativas, mas esta parece surgir em oposição a concepções normais ou à concepção que é culturalmente aceite, parecendo de algum modo reduzir a importância do desenvolvimento de determinado conceito por parte do aluno, que não deixa de ser devidamente fundamentado e conectado com várias ideias (CONFREY, 1991CONFREY, J. Learning to listen: a student’s understanding of powers of ten. In: E. VON GLASERSFELD (Ed.). Radical constructivism in mathematics education. Dordrecht, The Netherlands: Kluwer, 1991. p. 111-138.; SWAN, 2001SWAN, M. Dealing with misconceptions in mathematics. In: Gates, P. (Ed.). Issues in Mathematics Teaching. London: Routledge/Falmer, 2001. p. 147-165.).

Neste estudo, entendemos extensões de conhecimentos como evidências de generalizações locais feitas pelos alunos, válidas em determinado domínio e que podem não o ser quando aplicadas a domínios mais amplos (SWAN, 2001SWAN, M. Dealing with misconceptions in mathematics. In: Gates, P. (Ed.). Issues in Mathematics Teaching. London: Routledge/Falmer, 2001. p. 147-165.), podendo, por isso, levar a conclusões incorretas. As extensões refletem assim a mudança gradual que caracteriza a ampliação da conceitualização de número. O conceito de número, anteriormente revestido das características dos números inteiros, é transformado através de um processo de distinção entre o que são as características comuns a qualquer número (pertencente ao conjunto dos números reais) e o que são as características que apenas se verificam em determinado conjunto numérico (SIEGLER; THOMPSON; SCHNEIDER, 2011SIEGLER, R. S.; THOMPSON, C. A.; SCHNEIDER, M. An integrated theory of whole number and fractions development. Cognitive Psychology, USA, v. 62, n. 4, p. 273-296, jun. 2011.).

A perspectiva assumida neste estudo tem subjacente a noção de que um conceito está em constante mudança e evolução (SWAN, 2001SWAN, M. Dealing with misconceptions in mathematics. In: Gates, P. (Ed.). Issues in Mathematics Teaching. London: Routledge/Falmer, 2001. p. 147-165.). Ao entrar no conjunto dos números racionais, alguns conceitos até então abordados no conjunto dos números inteiros, são agora ampliados e enriquecidos, noção basilar da teoria integrada do desenvolvimento numérico proposta por Siegler, Thompson e Schneider (2011)SIEGLER, R. S.; THOMPSON, C. A.; SCHNEIDER, M. An integrated theory of whole number and fractions development. Cognitive Psychology, USA, v. 62, n. 4, p. 273-296, jun. 2011.. Estes autores defendem que, no cerne do desenvolvimento numérico, está a compreensão de grandeza numérica (SIEGLER; BRAITHWAITE, 2017SIEGLER, R. S.; BRAITHWAITE, D., W. Numerical development. Annual Review of Psychology, USA, v. 68, p. 187-213. 2017.), salientando assim a continuidade entre o desenvolvimento do conhecimento relativo a números inteiros e a números racionais. Siegler, Thompson e Schneider (2011)SIEGLER, R. S.; THOMPSON, C. A.; SCHNEIDER, M. An integrated theory of whole number and fractions development. Cognitive Psychology, USA, v. 62, n. 4, p. 273-296, jun. 2011. referem que faz parte do desenvolvimento da compreensão de número tanto o reconhecimento das características que se salientam no conjunto dos números inteiros, como a existência de um único sucessor, a possibilidade da contagem ou o efeito das operações, bem como o reconhecimento das características que são comuns entre diferentes conjuntos numéricos.

Na literatura, encontramos vários estudos que identificam extensões de conhecimentos dos alunos, principalmente as que estão associadas às características que são específicas do conjunto dos números inteiros, mas que são estendidas ao conjunto dos números racionais, induzindo, por isso, a respostas incorretas. Ao invés de se considerar estas extensões de conhecimentos como obstáculos a evitar, estas devem ser intencionalmente chamadas e tornadas explícitas de modo a serem discutidas pelos alunos, promovendo assim uma aprendizagem com compreensão (SWAN, 2001SWAN, M. Dealing with misconceptions in mathematics. In: Gates, P. (Ed.). Issues in Mathematics Teaching. London: Routledge/Falmer, 2001. p. 147-165.).

Estendendo determinadas formas de perceber a grandeza de um número, comum aos números reais (SIEGLER; THOMPSON; SCHNEIDER, 2011SIEGLER, R. S.; THOMPSON, C. A.; SCHNEIDER, M. An integrated theory of whole number and fractions development. Cognitive Psychology, USA, v. 62, n. 4, p. 273-296, jun. 2011.), através de conjuntos numéricos diferentes, nem sempre resulta em respostas corretas. Neste estudo iremos considerar três extensões de conhecimentos largamente utilizadas por alunos de diferentes faixas etárias (e.g., DESMET; GRÉGOIRE; MUSSOLIN, 2010DESMET, L.; GRÉGOIRE, J.; MUSSOLIN, C. Developmental changes in the comparison of decimal fractions. Learning and Instruction, United Kingdom, v. 20, p. 521-532, 2010.; RESNICK et al., 1989RESNICK, L. B. et al. Conceptual bases of arithmetic errors: The case of decimal fractions. Journal for Research in Mathematics Education, Reston, VA, v. 20, n. 1, p. 8-27, jan. 1989.; STEINLE; STACEY, 1998STEINLE, V.; STACEY, K. The incidence of misconceptions of decimal notation amongst students in Grades 5 to 10. In: CONFERENCE OF THE MATHEMATICS EDUCATION RESEARCH GROUP OF AUSTRALASIA, 21., 1998, Brisbane. Proceedings of the 21st Annual Conference of the Mathematics Education Research Group of Australasia. Brisbane: MERGA, 1998. p. 548-555.), designadas aqui por: (i) mais algarismos, maior grandeza; (ii) zero mais à esquerda; e (iii) mais algarismos, menor grandeza.

Ao usar a extensão mais algarismos, maior grandeza, os alunos estendem aos numerais decimais a característica específica dos números inteiros de que quanto maior o número de dígitos que compõe o numeral decimal, maior será a grandeza do número representado (DURKIN; RITTLE-JONHSON, 2015DURKIN, K.; RITTLE-JOHNSON, B. Diagnosing misconceptions: Revealing changing decimal fraction knowledge. Learning and Instruction, United Kingdom, v. 37, p. 21-29, set. 2015.; RESNICK et al., 1989RESNICK, L. B. et al. Conceptual bases of arithmetic errors: The case of decimal fractions. Journal for Research in Mathematics Education, Reston, VA, v. 20, n. 1, p. 8-27, jan. 1989.; STEINLE; STACEY, 1998STEINLE, V.; STACEY, K. The incidence of misconceptions of decimal notation amongst students in Grades 5 to 10. In: CONFERENCE OF THE MATHEMATICS EDUCATION RESEARCH GROUP OF AUSTRALASIA, 21., 1998, Brisbane. Proceedings of the 21st Annual Conference of the Mathematics Education Research Group of Australasia. Brisbane: MERGA, 1998. p. 548-555.; TIAN; SIEGLER, 2017TIAN, J.; SIEGLER, R. S. Which type of rational numbers should students learn first?. Educational Psychology Review, USA, p. 1-22, jul. 2017.), por exemplo, o número expresso por 0,15 é entendido como superior a 0,3 uma vez que 15 é superior a 3.

A extensão zero mais à esquerda diz respeito às situações em que os alunos não atribuem qualquer valor a zero quando ocupa a posição mais à esquerda da parte não inteira do numeral decimal, por exemplo, 0,03 é entendido como igual a 0,3. Esta extensão resulta da mobilização do conhecimento de que, no conjunto dos números inteiros, o zero quando colocado na ordem mais à esquerda não altera a grandeza do número representado, podendo por isso ser retirado sem alterar o valor do número (DURKIN; RITTLE-JOHNSON, 2015DURKIN, K.; RITTLE-JOHNSON, B. Diagnosing misconceptions: Revealing changing decimal fraction knowledge. Learning and Instruction, United Kingdom, v. 37, p. 21-29, set. 2015.; RESNICK et al., 1989RESNICK, L. B. et al. Conceptual bases of arithmetic errors: The case of decimal fractions. Journal for Research in Mathematics Education, Reston, VA, v. 20, n. 1, p. 8-27, jan. 1989.).

Por fim, usando a extensão mais algarismos, menor grandeza, os alunos consideram que quanto maior for o número de algarismos que constituem o numeral decimal, menor será a grandeza do número representado. Por exemplo, os alunos consideram que 0,586 representa um número menor que 0,4 porque um numeral com milésimas será menor do que um numeral com décimas, pois as milésimas correspondem a partes mais pequenas da unidade do que as décimas.

Esta extensão é por vezes associada aos conhecimentos relativos a frações, uma vez que frações com denominadores maiores representam partes menores do que frações com denominadores menores, e com igual numerador (DURKIN; RITTLE-JOHNSON, 2015DURKIN, K.; RITTLE-JOHNSON, B. Diagnosing misconceptions: Revealing changing decimal fraction knowledge. Learning and Instruction, United Kingdom, v. 37, p. 21-29, set. 2015.; RESNICK et al., 1989RESNICK, L. B. et al. Conceptual bases of arithmetic errors: The case of decimal fractions. Journal for Research in Mathematics Education, Reston, VA, v. 20, n. 1, p. 8-27, jan. 1989.). Contudo, neste artigo não a relacionamos exclusivamente a conhecimentos relativos a fração, uma vez que nos parece estar também associada à compreensão da estrutura decimal, subjacente aos números inteiros e agora estendida ao conjunto dos números racionais na sua representação decimal. A associação de menor grandeza a numerais com mais algarismos quando comparados a numerais com menor número de algarismos, parece revelar a compreensão de que cada algarismo representa uma parte menor do que o algarismo posicionado à sua esquerda, ou seja, revela evidências de compreensão do valor de posição.

Deste modo, consideramos que a extensão mais algarismos, menor grandeza é de natureza diferente das duas primeiras extensões referidas. Ao utilizarem esta extensão os alunos não estão apenas a aplicar aos numerais decimais o que reconhecem ser válido nos números inteiros, estão a evidenciar que o seu conceito de número está a alterar-se. Deste modo, interpretamo-la como evidência de desenvolvimento da compreensão de numeral decimal (DURKIN; RITTLE-JOHNSON, 2015DURKIN, K.; RITTLE-JOHNSON, B. Diagnosing misconceptions: Revealing changing decimal fraction knowledge. Learning and Instruction, United Kingdom, v. 37, p. 21-29, set. 2015.).

Situações que sugerem extensões de conhecimentos traduzem oportunidades para compreender o olhar dos alunos sobre os números, podendo também ser facilitadoras da aprendizagem. O recurso a este tipo de situações pode promover o envolvimento dos alunos em processos de reflexão e descoberta matemática, levando-os a encarar de modo construtivo a dúvida e o conflito e, igualmente importante, provoca a necessidade de justificarem a sua atividade matemática (BORASI, 1994BORASI, R. Capitalizing on errors as “springboards for inquiry”: a teaching experiment. Journal for Research in Mathematics Education, Reston, VA, v. 25, n. 2, p. 166-208, mar. 1994.; CONFREY, 1991CONFREY, J. Learning to listen: a student’s understanding of powers of ten. In: E. VON GLASERSFELD (Ed.). Radical constructivism in mathematics education. Dordrecht, The Netherlands: Kluwer, 1991. p. 111-138.). Para além de justificarem as suas próprias ideias, os alunos procuram justificar respostas que não são as suas, identificando os motivos que as tornam corretas ou incorretas (SIEGLER, 2002SIEGLER, R. S. Microgenetic studies of self-explanation. In: GARNOTT, N.; PARZIALE, J. (Ed.). Microdevelopment: A process-oriented perspective for studying development and learning. Cambridge, MA: Cambridge University Press, 2002. p. 31-58.).

Deste modo, o trabalho em torno de situações que sugerem extensões de conhecimentos reveste-se de grande importância também para o desenvolvimento do raciocínio matemático. O processo de análise e/ou refutação de determinada extensão de conhecimentos, procurando compreender por que motivo não é válida na situação em que se apresenta, pode constituir-se como uma introdução a processos de raciocínio mais complexos e levar ao recurso de contraexemplos (LANNIN; ELLIS; ELLIOTT, 2011LANNIN, J.; ELLIS, A. B.; ELLIOTT, R. Developing essential understanding of mathematical reasoning: Pre-K-Grade 8. 1. ed. Reston, VA: NCTM, 2011.; NCTM, 2000NATIONAL COUNCIL OF TEACHERS OF MATHEMATICS. Principles and standards for school mathematics. 1. ed. Reston, VA: NCTM, 2000. 466 p.). O envolvimento dos alunos nestes processos pode ainda levar ao desenvolvimento de justificações cada vez mais consistentes, promovendo a sua compreensão de determinadas ideias matemáticas, podendo ter potencialidades a nível da construção de novas ideias (WHITENACK; YACKEL, 2008WHITENACK, J.; YACKEL, E. Construindo argumentações matemáticas nos primeiros anos: A importância de explicar e justificar ideias. Educação e Matemática, Lisboa: APM, v. 100, p. 85-88. nov./dez. 2008.).

3 Metodologia

Neste artigo reportamos parte de um estudo mais amplo que segue a modalidade de Investigação Baseada em Design (IBD) (PONTE et al., 2016PONTE, J. P. et al. Investigação baseada em design para compreender e melhorar as práticas educativas. Quadrante, Lisboa: APM, v. 25, n. 2, p. 77 -98, dez. 2016.). Especificamente, segue-se um tipo de IBD que é designado por Cobb, Jackson e Dunlap (2016)COBB, P.; JACKSON, K.; DUNLAP, C. Design research: an analysis and critique. In: ENGLISH, L. D.; KIRSHNER, D. (Ed.). Handbook of International Research in Mathematics Education. New York: Ed. Routledge, 2016. p. 481-503. como classroom design study, uma vez que é uma investigação centrada nos processos de aprendizagem de um conteúdo específico, no contexto de sala de aula.

Partindo da revisão de literatura, foram elaborados seis princípios de design, que orientaram a conjectura e os recursos da experiência de ensino: 1) usar tarefas cujo contexto apele ao uso de numerais decimais, nomeadamente nos seus significados de medida e parte-todo; 2) promover transformações entre numeral decimal e outras representações, enfatizando as suas relações; 3) promover o uso de representações que possam ser transformadas em modelos para pensar sobre numerais decimais; 4) apoiar o uso de conhecimentos prévios; 5) promover a discussão de extensões de conhecimentos (que norteia as tarefas que serão foco de análise neste texto); e 6) estabelecer um ambiente de sala de aula onde os alunos são encorajados e se sintam confiantes em partilhar e discutir as suas ideias matemáticas.

A experiência de ensino foi realizada no 3° ano4 4 Alunos, em média, com 8 anos de idade. (ano letivo de 2013/2014) e 4.° ano, no ano letivo seguinte. Os participantes foram os 25 alunos de uma turma de uma escola, em Lisboa, a professora e a investigadora (primeira autora). Em conjunto com a professora foram selecionados quatro alunos para uma recolha e análise de dados mais detalhadas. Esta seleção teve por base: (i) igual número de meninas e meninos; (ii) resultados medianos no estudo diagnóstico realizado anteriormente; (iii) comunicação oral mediana; e (iv) desempenho acadêmico em Matemática de nível “Médio”. Neste texto, a análise é centrada no trabalho realizado por estes quatro alunos que constituíram o grupo foco, aqui denominados por Bárbara, Rute, André e Dinis.

As tarefas foram resolvidas em aulas de 90 minutos, uma vez por semana, num total de 16 semanas nos dois anos letivos. As principais fontes de dados são as gravações em vídeo e áudio das aulas, os registros realizados pelos alunos e as notas de campo da investigadora.

A análise assume duas dimensões: o modo como os alunos discutiram as questões apresentadas considerando os indicadores do Quadro 1, particularmente centrados no raciocínio matemático (LANNIN; ELLIS; ELLIOTT, 2011LANNIN, J.; ELLIS, A. B.; ELLIOTT, R. Developing essential understanding of mathematical reasoning: Pre-K-Grade 8. 1. ed. Reston, VA: NCTM, 2011.; SIEGLER; THOMPSON; SCHNEIDER, 2011SIEGLER, R. S.; THOMPSON, C. A.; SCHNEIDER, M. An integrated theory of whole number and fractions development. Cognitive Psychology, USA, v. 62, n. 4, p. 273-296, jun. 2011.; WHITENACK; YACKEL, 2008WHITENACK, J.; YACKEL, E. Construindo argumentações matemáticas nos primeiros anos: A importância de explicar e justificar ideias. Educação e Matemática, Lisboa: APM, v. 100, p. 85-88. nov./dez. 2008.); e a identificação das ideias-chave relativas à compreensão de numeral decimal que daí emergiram.

Quadro 1
Indicadores para a análise do uso e discussão de extensões de conhecimentos no trabalho com numerais decimais.

Analisamos três episódios de sala de aula relevantes para a discussão das três extensões de conhecimentos identificadas anteriormente: os dois primeiros episódios ocorreram no 3° ano e o último, no 4° ano. Os alunos trabalharam em pares cuja constituição foi mudando.

4 Episódios da sala de aula

Episódio 1 – Localização de números na reta numérica (3.° ano)

Esta foi a primeira tarefa centrada intencionalmente na extensão zero mais à esquerda. É identificada a posição do número representado por 12,05 na reta numérica com uma seta, sendo apenas visível o traço correspondente à localização do número. Foi pedido que os alunos discutissem se o número em questão se tratava de 12,05 ou 12,5 (Figura 1).

Figura 1
Questão 1 da tarefa “Localização de números na reta numérica”5 5 Tarefa adaptada de BROCARDO, J., DELGADO, C., MENDES, F. (2010). Números e Operações: 1.° Ano. Lisboa: DGIDC. Disponível em: http://hdl.handle.net/10400.26/5144. .

Rute e Bárbara começaram por considerar que o algarismo zero, em 12,05, não assumia valor, admitindo que ambos os numerais apresentados representavam o mesmo número. Recordaram uma tarefa realizada anteriormente, onde era pedido que assinalassem diferentes numerais decimais numa reta graduada em décimas. Entre estes encontravam-se numerais como 0,75, que tinham que ser marcados no espaço compreendido entre décimas. Ao recordar a tarefa, Rute centrou a atenção na parte não inteira dos numerais:

Rute:
Isto é o que a Marta diz, que é doze vírgula cinco. Doze unidades e cinco décimas. Só que eu acho que ele é que tem razão, zero vírgula cinco [referindo-se a 12,05] é metade. Então estamos a falar metade de um quadrado, não é da unidade toda. Por isso é que eu acho que é da unidade.
Bárbara:
Ah, sim! Pensamos em dez, zero vírgula cinco é metade. Metade de dez é como se fosse cinco, então é metade. E aqui, é metade deste, é metade do doze com metade do doze vírgula um. Então, mas isto também é metade de dez

(Fonte: Gravação de áudio referente à pesquisa, 2014)

Rute concluiu que a parte não inteira de 12,05 representava a metade de algo menor que a unidade, que designou por “metade de um quadrado”, ou seja, metade do espaço compreendido entre duas décimas. A aluna reforçou que 0,05 em 12,05 representava metade de algo que “não é da unidade toda”, evidenciando uma mudança entre considerar a unidade como a medida compreendida entre 12 e 13, para considerar a unidade como a décima.

Bárbara tentou seguir a explicação da colega, contudo, não identificou que a extensão zero mais à esquerda não era válida nesta situação:

Rute:
Eu acho que ele é que tem razão.
Investigadora:
Porquê?
Rute:
Zero vírgula cinco e zero vírgula cinco de um quadradinho
Bárbara:
Porque zero vírgula cinco é metade e isto está entre este e este
Rute:
É como se isto fosse dez! O quadradinho é como se fosse dez.
Bárbara:
Mas também cinco… também é… o zero não vale nada, então é
Rute:
Espera, espera!

(Fonte: Gravação de áudio referente à pesquisa, 2014)

Bárbara verbalizou que “o zero não vale nada” e ficou confusa, mas registrou o mesmo que a colega. Já Rute referiu que “o quadradinho é como se fosse dez”, porém a aluna não elaborou porque considerava que o espaço correspondente a uma décima podia ser igualado a dez, sem elaborar também a qual unidade estava se referindo ao dizer “dez”. Provavelmente terá usado 10 porque reconheceu que 0,5 significava metade, logo 0,05 (05) será a metade de 10 (0,10). Na sua resposta escrita (Figura 2), recorreu à transformação de unidades para justificar que o número assinalado era 12,05 (dito por Luís). Seguindo a sua justificação, 0,05 equivalia a meio retângulo, sendo que um retângulo equivalia a 10 (centésimas).

Figura 2
Registro de Rute na Questão 1 da tarefa “Localização de números na reta numérica”.

Também Dinis e André começaram por concordar que o número assinalado na reta seria 12,5. Ambos pareciam associar a noção de “metade” à parte não inteira dos numerais, no entanto, interpretaram essa metade de modo bastante diferente:

Dinis:
Então, mas o zero vírgula cinco (em 12,05) não representa um meio?
André:
Sim, mas também é um meio de doze.
Dinis:
“Na”, “na”. O zero vírgula cinco (em 12,05) é o mesmo que zero vírgula cinquenta (acentua a palavra cinquenta).
André:
Sim, isto também… Acho que isto é igual.

André:
Doze vírgula cinco, acho que deve ser doze e meio! Doze e meio não é?
Dinis:
Olha, pensa, pensa… Não… Isto está aqui (aponta na direção da seta), se fosse doze e meio, era aqui (aponta para a localização de 12,5), porque isto [12,05] representa zero vírgula cinquenta, é a mesma coisa.

(Fonte: Gravação de áudio/vídeo referente à pesquisa, 2014).

André não pareceu ter reconhecido a diferença entre 12,05 e 12,5, relacionando ambos à posição de 12,5 na reta. Ao referir que “zero vírgula cinco é metade do número inteiro”, e tendo em conta como continua o seu discurso, André não lhe estava a associar o significado de operador, mas sim a noção de que ambos os números podiam ser localizados no meio do espaço compreendido entre 12 e 13.

Dinis interpretou os numerais de modo diferente. Pareceu reconhecer diferença entre eles: associou à posição assinalada pela seta (12,05) o número 12,5, interpretando a parte não inteira como um meio, e transformou o número 12,05 no numeral que considerava equivalente, 12,50, referindo que este estaria posicionado na localização de 12,5 na reta. Dinis pareceu distinguir a posição entre 12,5 e 12,50 (número transformado por si), baseando-se na comparação entre 5 e 50, 12,5 como metade de um espaço menor, a décima, e 12,50 como metade de um espaço maior, a unidade. Dinis pareceu considerar que o zero na ordem mais à esquerda da parte não inteira do numeral, não tem qualquer efeito na grandeza do número, mas que, quando colocado mais à direita, aumenta a grandeza do número representado.

O par não chegou a acordo e decidiram avançar para a segunda questão desta tarefa. Quando procuravam registar que número estaria na reta na posição de 10,5, na segunda questão, André estabeleceu uma relação com a primeira questão que retomou rapidamente:

André:
Não! É o Luís que tem razão! (12,05) É o Luís que tem razão! Olha aqui! Olha aqui! Meio, é no meio! Olha, acho que é mesmo o Luís!
Dinis:
Olha que eu acho que é mesmo o Luís.
André:
Agora com este exercício é que eu acho que é mesmo o Luís. Bem me parecia que era o Luís… Eu também pensava que eram os dois, estava confuso

(Fonte: Gravação de áudio referente à pesquisa, 2014).

O registro de 10,5 parece ter levado André a reconhecer que o zero situado na ordem mais à esquerda da parte não inteira de um número assume também um valor de posição. No entanto, não verbalizou o que considerava ser o papel do zero em 12,05, explicando:

André:
Porque… Sei lá, porque zero vírgula cinco é um meio da unidade.
Dinis:
Pois, mas é um meio da unidade. Um meio da unidade é aqui. (aponta para a posição de 12,5 na reta)
André:
Um meio da unidade, ali… (aponta para uma décima)
Dinis:
Eh pá, vou fazer a minha.
André:
Eu sei que é o Luís, só que não sei muito bem explicar.

(Fonte: Gravação de áudio referente à pesquisa, 2014).

Quando André diz “… porque zero vírgula cinco é um meio da unidade” estava a referir-se a zero vírgula zero cinco e por “… um meio da unidade” estava a interpretar a décima como unidade de referência. André usou o termo unidade, com um significado distinto de Dinis, que a interpretou como 1 e, por isso, acabaram por apresentar respostas diferentes.

No seu registro escrito, na Figura 3, André parece ignorar o zero e procura explicitar entre parênteses a relação que encontrou.

Figura 3
Registro de André na Questão 1 da tarefa “Localização de números na reta numérica”

O aluno registou 0,5 (modo como interpretou a parte não inteira de 12,05) que entende como um meio de uma décima. Representou, entre parênteses, uma das divisões da reta correspondente a uma décima, marcando com um traço mais carregado o meio desse espaço.

Dinis parece ignorar o papel do zero e registrou que a parte não inteira de 12,05 representava metade, associando-a a metade de uma unidade, ou seja, à posição de 12,5 na reta (que assumiu ser 12,50). Assim, registrou que o numeral assinalado pela reta seria 12,5.

No momento de discussão coletiva e com o objetivo de focar intencionalmente a resposta de Dinis, a investigadora questionou os alunos da turma se 12,05 e 12,50 poderiam considerar-se representações equivalentes de um mesmo número. Vários alunos responderam que não e Jorge explicou o motivo:

Jorge:
Porque doze vírgula zero cinco, o zero representa que não há nenhum tracinho pequenino.
I:
Exato. E cada tracinho pequenino equivale a quanto?
Jorge:
Equivale a uma décima.

Jorge:
E o cinco representa a metade desse tracinho.

(Fonte: Gravação de vídeo referente à pesquisa, 2014).

O modelo da reta assumiu um papel central na atribuição de significado a 12,05 e 12,50. Jorge recorreu à reta para indicar que o zero, em 12,05, representava a ausência de décimas, que descreveu como “tracinho pequenino”. Referiu ainda que cinco representa “metade desse tracinho”, ou seja, metade do espaço compreendido entre duas décimas.

Na análise deste episódio foi possível identificar que os alunos, numa fase inicial, realizaram a extensão de conhecimentos zero mais à esquerda, realçando o modelo da reta para dar significado à parte não inteira de ambos os numerais decimais. Ao identificarem a extensão zero mais à esquerda como não válida nesta situação e ao justificarem porquê, revelaram uma mudança na conceitualização da unidade, uma vez que esta deixou de ser considerada 1 para passar a ser considerada 0,1; e na compreensão do valor de posição de zero.

Episódio 2 – Provas e toalhas (3.° ano)

Numa das questões da tarefa apresentou-se uma situação de comparação de numerais decimais, que procurava promover a discussão da extensão mais algarismos, maior grandeza. Era colocada a seguinte questão “Será 0,67 maior que 0,9? Discute esta questão com o teu colega e registra as vossas ideias.”

Esta tarefa surgiu no seguimento de outras duas que envolviam a representação da grelha 10 × 10 (que surgiu a primeira vez associada ao contexto de toalhas) e que foi bastante valorizada ao longo da experiência de ensino, tendo sido planejadas situações que permitissem aos alunos transformar esta representação num modelo para pensar nos numerais decimais. Por este motivo, era pedido não só que os alunos discutissem cada comparação, mas também que recorressem à grelha 1010 para complementar as suas respostas.

Dinis, que trabalhou com André, referiu de imediato que 0,9 seria superior dizendo “Zero vírgula nove, porque zero nove é igual a zero vírgula noventa!”. Dinis parece fazer uso do conhecimento de que o zero colocado na ordem mais à direita na parte não inteira do numeral não altera o valor do número e acrescenta um zero a 0,9. Deste modo, e estando agora a parte não inteira de ambos os numerais com o mesmo número de algarismos, parece comparar estas partes como números inteiros (90 > 67).

Ao aproximar-se do par, a investigadora perguntou a Dinis por que 0,9 era igual a 0,90, mas foi André quem respondeu:

André:
Então porque se nós… por exemplo, temos aqui unidades divididas em cem partes iguais (referindo-se à grelha 10×10).

André:
Ora, um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove (conta nove colunas na grelha). Até aqui. Até aqui pintámos noventa quadradinhos porque… uma décima vale dez.

(Fonte: Gravação de áudio referente à pesquisa, 2014)

André justificou a equivalência entre os numerais 0,9 e 0,90 mobilizando o modelo 10x10 de modo a mostrar que 0,9 são nove colunas que, por sua vez correspondem, a noventa quadrículas, ou seja, a 90 centésimas. André usou o modelo para mostrar a Dinis e à investigadora a equivalência entre 0,9 e 0,90 e não para perceber se de fato os numerais eram equivalentes. Acrescentou ainda que “uma décima vale dez” o que revela que André parecia reconhecer que uma décima é dez vezes superior a uma centésima.

Dinis foi acompanhando o que o colega dizia, contribuindo com exclamações como “Dez vezes nove!” para justificar que 9 décimas são 90 centésimas. Na resposta escrita foi esta a justificação que ambos apresentaram, registrando “É 0,9 porque 0,9 é igual a 0,90 ou seja 0,67 é menor do que 0,9 (0,90)” (produção de um aluno referente à pesquisa, 2014).

No outro par, Bárbara e Rute referiram que 0,9 seria maior que 0,67:

Rute:
Eu acho que zero vírgula nove é maior do que zero vírgula sessenta e sete porque zero vírgula sessenta e sete ou sessenta e sete centésimas, só tem centésimas. Nove décimas tem nove déci… tem nove décimas.
Bárbara:
Agora sou eu, eu acho que zero vírgula sessenta e sete é maior… é menor (corrige) do que zero vírgula nove porque zero vírgula nove é o mesmo que nove décimas, e sessenta… e zero vírgula sessenta e sete é o mesmo que zero vírgula… é o mesmo que sessenta e sete centésimas. E nove décimas é maior do que centésimas, pois se está a dividir em partes maiores.
Rute:
como o número sessenta e sete centésimas só tem centésimas e zero vírgula nove
Bárbara:
São décimas! E décima é uma unidade maior do que centésimas! Por isso, este [0,9] é maior.

(Fonte: Gravação de áudio referente à pesquisa, 2014)

As alunas parecem concordar no modo como justificaram que 0,9 representa um número superior a 0,67. Ambas interpretaram que a décima representava uma parte maior da unidade quando comparada com a centésima, tal como Bárbara referiu “E décima é uma unidade maior do que centésimas”.

De seguida, quando a Professora se aproximou deste par, Rute referiu:

Rute:
Eu acho que zero vírgula… que nove décimas é maior do que sessenta e sete centésimas porque sessenta e sete centésimas só tem centésimas e não tem décimas como nove décimas.

(Fonte: Gravação de áudio referente à pesquisa, 2014).

Surgiu aqui uma outra interpretação, que 0,67 não tem décimas, só centésimas, o que reflete que o conhecimento relativo ao valor de posição, no caso dos numerais decimais, estava em evidente desenvolvimento. Ambas recorreram a esta justificação como resposta a esta questão (Figura 4).

Figura 4
Registro de Bárbara na Questão 2 da tarefa “Provas e toalhas”

As alunas revelaram a extensão mais algarismos, menor grandeza, associando menor grandeza a numerais com mais algarismos, uma vez que a unidade se encontrava dividida num maior número de partes, logo, menor seria o valor de cada uma dessas partes.

Na discussão em coletivo, propôs-se que os alunos indicassem que numeral representava o maior número: 0,581 ou 0,45. Rute e Bárbara tornaram a apresentar uma justificação semelhante à que tinha surgido durante o trabalho em pares:

Rute:
Eu acho que é quarenta … quarenta e cinco cen…tésimas, quarenta e cinco centésimas porque… está dividido em menos partes…

Bárbara:
Porque quarenta e cinco centésimas está dividido em… menos partes e essas partes são maiores do que… as outras.

(Fonte: Gravação de áudio referente à pesquisa, 2014).

Outros colegas da turma concordaram com esta justificação. Por exemplo, Jorge acrescentou que “As quinhentas e oitenta e uma milésimas estão divididas em mais partes, portanto, uma parte daquelas vale menos que uma parte das quarenta e cinco” (gravação de vídeo referente à pesquisa, 2014). Tendo em conta este tipo de justificação, claramente relacionada com a extensão mais algarismos, menor grandeza, a investigadora pediu que recorressem ao modelo da grelha 10×10 para representarem os numerais. De imediato, Jorge corrigiu a sua resposta inicial:

Jorge:
Eu já percebi o meu erro é porque é o quinhentos e oitenta e um que é maior, são menos… as partes valem menos, mas são mais!

(Fonte: Gravação de vídeo referente à pesquisa, 2014).

Este aluno reconheceu que uma milésima é menor do que uma centésima ou do que uma décima, e acrescentou “as partes valem menos, mas são mais”, justificando que 0,581 teria que ser superior a 0,45. De seguida, Rute e Bárbara que parecem ter compreendido a justificação do colega, alteraram também a sua resposta, usando a mesma justificação.

Destacamos na análise deste episódio a discussão da extensão mais algarismos, menor grandeza, que surgiu no par Rute e Bárbara. Ao justificar qual o numeral que representava o número de maior grandeza, as alunas evidenciaram a importante relação que estabeleceram entre a unidade e cada uma das suas partes: quanto maior for o número de partes em que a unidade se encontra dividida, menor será o seu tamanho. Contudo, um olhar centrado apenas no número de algarismos dos numerais não garantiu uma comparação correta. O recurso ao modelo da grelha 10×10 parece ter sido facilitador da compreensão desse aspecto, particularmente considerando um caso que se constituiu como contraexemplo.

Destacamos ainda a mobilização desse modelo, agora como modelo para pensar sobre os numerais, sem ser necessário a sua utilização efetiva, por André e Dinis. Os alunos recorreram ao modelo para justificar a partição de 9 décimas em 90 centésimas.

Episódio 3 – Quem tem razão? (4.° ano)

Analisamos o trabalho dos alunos relativamente à segunda questão da tarefa proposta (ver Figura 5), resolvida no 4° ano. Foi apresentada uma tarefa resolvida por um aluno fictício que consistia em circular o numeral que representava o maior número entre cada par de numerais apresentado. Apresentou-se também uma afirmação, incorreta, centrada na possibilidade de se comparar a grandeza de numerais decimais pelo número de algarismos, estando aqui destacada a extensão mais algarismos, maior grandeza. A terceira comparação encontrava-se intencionalmente incorreta e envolvia também a extensão zero mais à esquerda. Era pedido que os alunos justificassem se concordavam ou não com a resolução e afirmação apresentadas.

Figura 5
Questão 2 da tarefa “Quem tem razão?”

André começou por considerar que todas as comparações apresentadas se encontravam incorretas. O seu colega Dinis referiu que a comparação entre 0,62 e 0,913 estava correta e ambos focaram a sua atenção neste par de numerais:

André:
Então olha uma coisa, isto [0,913] são milésimas! Milésimas é menor do que as centésimas!
Dinis:
Então e se fosse para as milésimas pomos aqui um zero (0,620), não é?

André:
Não! Mas… continua, mas ele pensou este [0,913] como é maior do que este [0,62], este [0,913] teria que ser o maior, mas…
Dinis:
Esse [0,913] é o maior!
André:
Não, porque este tem três milésimas! Ele deve ter feito assim…
Dinis:
Então, isso nós podemos pôr este [0,62] em milésimas! Pomos um zero!
André:
Se eu tapasse o zero ficava este [0,913] o maior, mas como ele não pode tapar o zero, este [0,62] é maior! Porque os sessenta e dois… e novecentos e treze… o novecentos e treze é maior, é verdade, mas sessenta e dois tem centésimas e este tem milésimas, ou seja, que é uma unidade atrás.

(Fonte: Gravação de áudio referente à pesquisa, 2015)

Dinis justificou que 0,913 era maior que 0,62 transformando este último numa forma equivalente (0,620), usando assim a milésima como unidade. Por outro lado, André pareceu revelar a extensão mais algarismos, menor grandeza. Começou por dizer que se tapasse o zero em 0,620, 0,913 seria superior. Embora tenha referido “tapar o zero”, André considerou 0,620 e comparou as partes não inteiras como número inteiros (913 > 620). Contudo, de seguida acrescentou “como ele não pode tapar o zero”, parecendo considerar que o numeral 0,62 seria diferente de 0,620, e afirmou que 0,62 expressaria um número superior a 0,913 uma vez que este último tem milésimas e “milésimas é menor que centésimas”.

Sem chegarem a acordo, André decidiu colocar sobre cada algarismo da parte não inteira dos numerais a primeira letra da ordem a que pertenciam para os comparar e continuou a dizer que 0,62 seria maior. Dinis tentou ajudar o colega usando uma analogia:

Dinis:
Isto é como se tu estivesses a comparar as unidades hum… de metros para hectómetros. Quanto é que é?
André:
Mas a gente não está a falar em metros nem hectómetros!
Dinis:
Eu sei, mas é… pensas na mesma coisa.
André:
Não! Não concordo porque temos o trinta e sete… vírgula duzentos e sessenta e cinco. O último número dele é o cinco e é as milésimas… então… Este [37,18] só tem centésimas e os números com as centésimas são maiores do que os das milésimas. Então…
Dinis:
Não são, não!

(Fonte: Gravação de áudio referente à pesquisa, 2015)

Dinis recorreu a unidades de medida de comprimento para ajudar André a perceber que ao mudar a unidade não estava a alterar a grandeza do número. André usou a primeira comparação apresentada (37,265 e 37,18) e voltou a usar a extensão mais algarismos, menor grandeza, referindo “os números com as centésimas são maiores do que os das milésimas”.

Dinis procurou um contraexemplo para apresentar a André e recordou-se da comparação entre 0,5 e 0,089 feita por um colega num momento anterior de discussão coletiva. Contudo, percebeu que não era adequado e a investigadora, que se encontrava junto do par, propôs a comparação entre 0,3 e 0,489. André referiu “Mas, mas as décimas… como as décimas é uma unidade maior do que as milésimas, eu penso que este [0,3] é maior” (gravação áudio referente à pesquisa, 2015).

A investigadora pediu a André que tentasse representar ambos os números na grelha 10 × 100 (explorada anteriormente). Foi ao mobilizar o modelo para representar os números que André percebeu que 0,489 seria superior a 0,3 (Figura 6).

Figura 6
Representação de 0,3 e 0,489 na grelha 10x100, realizada por André na Questão 2 da tarefa “Quem tem razão?”.

Após este momento, André não utilizou a extensão mais algarismos, menor valor, passando a transformar os numerais em formas equivalentes usando uma unidade comum. Por fim, ambos discordaram da afirmação apresentando um contraexemplo. André recorreu ao mesmo dado por um colega anteriormente e depois por Dinis (0,5 e 0,089). Já Dinis recorreu à comparação apresentada no enunciado (125,3 e 125,05) que, por se encontrar incorreta, já se constituiu como um contraexemplo. O aluno justificou a incorreção na comparação transformando as partes não inteiras dos numerais usando a milésima como unidade comum.

Rute e Bárbara concordaram que o numeral circulado na terceira comparação não era o que representava o número de maior grandeza. Rute, que liderou o trabalho no par, fez uma leitura dos últimos numerais apresentados, revelando que usou de imediato uma unidade comum para os comparar:

Rute:
Este está mal… Porque cento e vinte e cinco unidades e cinco centésimas…
Bárbara:
Sim…
Rute:
É menor do que cento e vinte e cinco unidades e trinta (acentua a palavra “trinta”)…

(Fonte: Gravação de áudio referente à pesquisa, 2015).

Apesar de não usar a unidade “centésima” ao ler 125,3, esta parece estar subjacente à leitura que fez. Rute acrescentou ainda “… porque trinta é igual a três colunas” e elabora:

Rute:
Porque… se pensarmos em três colunas… Imagina agora que são três colunas, está bem? Se tivessem todas dez… imagina que é dez, está bem? (desenha na folha). Imagina, isto é dez, isto já é dez, aqui. Ficava dez. Isto era vinte, isto era trinta.
Bárbara:
Exatamente.

(Fonte: Gravação de áudio referente à pesquisa, 2015).

Rute mobilizou a grelha 10×10 como modelo para pensar sobre 125,3 enquanto 125,30. A colega Bárbara pareceu concordar com Rute. Ao discutirem como poderiam escrever a resposta, Rute procurou um contraexemplo para justificar a incorreção da afirmação apresentada no enunciado:

Rute:
Mete zero vírgula cinco.
Bárbara:
Zero vírgula cinco (registra).
Rute:
E zero vírgula… setenta e cinco.

Bárbara:
Comparando… não, calma…
Rute:
Não! E zero vírgula zero (acentua) setenta e cinco!

(Fonte: Gravação de áudio referente à pesquisa, 2015).

De seguida, registrou por escrito a sua resposta que se apresenta na Figura 7:

Figura 7
Registro de Rute na Questão 2 da tarefa “Quem tem razão?”

O uso deste contraexemplo em particular evidencia também um domínio do papel do zero, fundamental para o reconhecimento da diferença entre os dois numerais selecionados por Rute como contraexemplo.

A questão analisada neste último episódio parece ter provocado a procura de analogias e contraexemplos por parte dos alunos. Os alunos mobilizaram modelos quer para conseguir representar e comparar numerais, quer como meio de justificar as suas respostas, sem os usarem. O uso de contraexemplos revela não só a capacidade de justificar o motivo da extensão mais algarismos, maior grandeza ser incorreta nesta situação, mas também como os próprios numerais selecionados evidenciam o domínio relativamente ao valor de posição assumido por zero na parte não inteira de numerais decimais.

5 Considerações finais

Neste artigo procuramos compreender que potencialidades têm situações que sugerem extensões de conhecimentos incorretas como meio para promover a construção da compreensão de numeral decimal. Através da análise dos três episódios concluímos que, tal como fora antecipado, o uso de situações centradas em extensões de conhecimentos incorretas pode promover o desenvolvimento do raciocínio matemático dos alunos. O envolvimento dos alunos na verificação de cada situação de modo a poderem posicionar-se relativamente ao que era apresentado provocou o recurso a justificações, tal como mencionado por Borasi (1994)BORASI, R. Capitalizing on errors as “springboards for inquiry”: a teaching experiment. Journal for Research in Mathematics Education, Reston, VA, v. 25, n. 2, p. 166-208, mar. 1994.. A procura do motivo pelo qual uma extensão não era válida, quer a que era evidenciada na tarefa proposta, quer a usada por um colega, influenciou também o recurso a contraexemplos (LANNIN; ELLIS; ELLIOTT, 2011LANNIN, J.; ELLIS, A. B.; ELLIOTT, R. Developing essential understanding of mathematical reasoning: Pre-K-Grade 8. 1. ed. Reston, VA: NCTM, 2011.), evidente no terceiro episódio.

Salientamos a importância da interação entre professor-aluno e aluno-aluno enquanto geradora de conflitos inter e intrapessoais (SWAN, 2001SWAN, M. Dealing with misconceptions in mathematics. In: Gates, P. (Ed.). Issues in Mathematics Teaching. London: Routledge/Falmer, 2001. p. 147-165.). A interação professor-aluno foi essencial para, por exemplo, criar o conflito resultante do uso da extensão mais algarismos, menor grandeza, mas também para auxiliar a reflexão dos alunos através da sugestão do recurso a modelos que possibilitassem pensar sobre os numerais.

Por se ter valorizado um trabalho em pares, as interações aluno-aluno desencadearam também situações de conflito, evidente nas situações em que os alunos discordaram dos colegas ou procuraram questioná-los sobre as suas ideias, como Dinis tentou fazer no terceiro episódio, ao procurar um contraexemplo da ideia de André. Deste modo, parece-nos importante sublinhar que um dos aspectos que confere grande potencial ao uso deste tipo de situações para a aprendizagem dos alunos é a interação entre os elementos da turma, que vai além da simples validação das respostas dos alunos (DURKIN; RITTLE-JOHNSON, 2012DURKIN, K.; RITTLE-JOHNSON, B. The effectiveness of using incorrect examples to support learning about decimal magnitude. Learning and Instruction, United Kingdom, v. 22, p. 206-214, nov. 2012.; TSOVALTZI et al., 2010TSOVALTZI, D. et al. Learning from erroneous examples: when and how do students benefit from them? In: CONFERENCE ON TECHNOLOGY ENHANCED LEARNING, SUSTAINING TEL: FROM INNOVATION TO LEARNING AND PRACTICE, 5., 2010, Barcelona. Proceedings of the 5th European Conference on Technology Enhanced Learning, Sustaining TEL: From Innovation to Learning and Practice. Barcelona, 2010. p. 357-373.).

Através da análise das justificações apresentadas pelos alunos, bem como dos contraexemplos usados, identificamos potencialidades do uso deste tipo de situações para o desenvolvimento de ideias relativas aos números racionais na representação decimal, em particular a nível da (i) mobilização de modelos para pensar sobre numerais decimais; (ii) conceitualização da unidade relativamente à unidade de referência considerada, à transformação de unidades (em especial partição de unidades, ou seja, divisão de uma unidade em unidades mais pequenas) e ainda à relação entre a unidade e as partes; e (iii) compreensão do valor de posição dos algarismos constituintes da parte não inteira de decimais, em particular do algarismo zero, situado em diferentes posições.

Considerando as três extensões aqui focadas, os resultados confirmam que o uso deste tipo de situações promove a ampliação do conceito de número, tal como entendida por Siegler, Thompson e Schneider (2011)SIEGLER, R. S.; THOMPSON, C. A.; SCHNEIDER, M. An integrated theory of whole number and fractions development. Cognitive Psychology, USA, v. 62, n. 4, p. 273-296, jun. 2011., uma vez que a discussão das diferentes situações pelos alunos promoveu o reconhecimento de características que são (i) salientes nos números inteiros, como a percepção da grandeza através do número de algarismos e papel do zero quando posicionado mais à esquerda; (ii) salientes nos numerais decimais, como a identificação da unidade de referência; e (iii) comuns a ambos os conjuntos, como a estrutura decimal e o papel que o zero assume no sistema de numeração decimal, ou ainda a possibilidade de ordenar e representar os números em modelos como a reta ou as grelhas 10×10 e 10×100.

Concluímos reforçando a perspectiva de que as extensões de conhecimentos incorretas são parte integrante da aprendizagem e reveladoras do processo de transformação do próprio conceito de número dos alunos e, por isso, a sua discussão tem um papel central na construção da compreensão de numeral decimal.

  • Uma versão preliminar deste artigo foi apresentada no 28° Seminário de Investigação em Educação Matemática (APM, 2017).
  • 1
    Números racionais não negativos.
  • 2
    Ao longo deste artigo, sempre que nos referimos a “números inteiros” estaremos a considerar números inteiros não negativos.
  • 3
    O termo “numeral decimal” é aqui utilizado para identificar números racionais não negativos escritos de acordo com o sistema de numeração decimal, utilizando vírgula ou ponto.
  • 4
    Alunos, em média, com 8 anos de idade.
  • 5
    Tarefa adaptada de BROCARDO, J., DELGADO, C., MENDES, F. (2010)BROCARDO, J., DELGADO, C., MENDES, F. Números e Operações: 1.° Ano. Lisboa: DGIDC. 2010.. Números e Operações: 1.° Ano. Lisboa: DGIDC. Disponível em: http://hdl.handle.net/10400.26/5144.

Agradecimentos

Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e Tecnologia através de uma bolsa concedida à primeira autora (SFRH/BD/108341/2015).

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2018

Histórico

  • Recebido
    15 Set 2017
  • Aceito
    21 Fev 2018
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