Acessibilidade / Reportar erro

O Ensino de Números Irracionais na Educação Básica e na Licenciatura em Matemática: um círculo vicioso está em curso?

The Teaching of Irrational Numbers in Basic Education and in Mathematics Teacher Education: a vicious circle is underway?

Resumo

Este artigo reflete sobre a falta de articulação entre o ensino dos números irracionais na Educação Básica e na formação inicial de professores de Matemática. Na Educação Básica, argumenta-se que o assunto é tratado com superficialidade e pouco aprofundamento conceitual, basicamente por meio de exemplos, enquanto, na formação inicial do professor de Matemática, ainda prevalece uma abordagem formalista desse tema, o que não capacita o futuro professor para ensinar números irracionais na Educação Básica. O resultado desse descompasso entre a licenciatura e a Educação Básica pode provocar uma dupla descontinuidade no ensino, como Felix Klein apontou há mais de um século. No caso dos números irracionais, mais especificamente, esse descompasso pode provocar a formação de um círculo vicioso: o professor sai da universidade sem uma formação adequada para abordar o assunto na Educação Básica, fazendo com que seus alunos cheguem até a universidade sem uma imagem adequada de número irracional, e o ciclo se repete.

Palavras-chave:
Números Irracionais; Ensino de Matemática; Matemática no Ensino Superior

Abstract

This article presents a reflection about the lack of articulation between the teaching of irrational numbers in Basic Education and in the initial mathematics teacher education. In basic education, the subject is treated with superficiality and little conceptual deepening, basically by way of examples, while in the mathematics teacher initial formation, there is the prevalence of the formalist approach to irrational numbers, which does not enable the future teacher to teach the subject in basic education. Felix Klein had already pointed out the result of this break between undergraduate and basic education in mathematics over a century ago - there is a double discontinuity in teaching. In the case of irrational numbers, more specifically, this mismatch can provoke a vicious cycle: the teacher leaves the university without adequate formation to address the subject in Basic Education, causing the students to reach the university without an adequate image of the irrational number, and the cycle repeats itself.

Keywords:
Irrational Numbers; Mathematics Teaching; Mathematics in Higher Education

1 Introdução

Números irracionais é um conteúdo presente em todas as etapas de ensino, desde a Educação Básica até o Ensino Superior, principalmente nos cursos de Matemática e Engenharia. De modo mais específico, está presente em livros didáticos, livros técnicos, documentos oficiais, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática (3.° e 4.° ciclos do Ensino Fundamental). Brasília: MEC/SEF, 1998., 2000BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio - Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias. Brasília: Ministério da Educação, 2000.), Base Nacional Curricular Comum – BNCC (BRASIL, 2017BRASIL. Base Nacional Curricular Comum. MEC/Consed/Undime. Brasília: Ministério da Educação, 2017.), matrizes de referência para o Sistema de Avaliação da Educação Básica - SAEB (BRASIL, 2008BRASIL. Plano de Desenvolvimento da Educação: SAEB, Ensino Médio, matrizes de referência, tópicos descritores. Brasília: MEC/SEB, 2008a.), Prova Brasil (BRASIL, 2011BRASIL. Matriz de Referência Prova Brasil - Matemática – 8.ᵃ série do Ensino Fundamental. Brasília: Inep, 2011.) e matrizes de referência para o Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM (BRASIL, 2009BRASIL. Matriz de Referência para o ENEM 2009. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2009.). No meio acadêmico, a preocupação com questões relacionadas ao ensino e à aprendizagem desses números tem sido objeto de trabalhos publicados em anais de congressos, revistas científicas e pesquisas de mestrado e/ou doutorado, tanto no Brasil, quanto em outros países.

No Brasil, surgiram trabalhos em nível de mestrado/doutorado relacionados ao ensino e à aprendizagem dos números irracionais desde a segunda metade da década de 1990 (SOARES; FERREIRA; MOREIRA, 1999SOARES, Eliana Farias; FERREIRA, Maria Cristina Costa; MOREIRA, Plinio Cavalcanti. Números reais: concepções dos licenciandos e formação matemática na licenciatura. Zetetiké, Campinas, v. 7, n. 12, p. 95-117, 1999.). Os resultados dessas pesquisas, incluindo as pesquisas estrangeiras, apontam dificuldades e/ou insuficiências relacionadas principalmente a três aspectos: conhecimentos de professores e alunos sobre o tema (DIAS, 2002DIAS, Marisa da Silva. Reta real: conceito imagem e conceito definição. 2002. 107 f. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática) - Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2002.; FISCHBEIN; JEHIAM; COHEN, 1995FISCHBEIN, Efraim; JEHIAM, Ruth; COHEN, Dorit. The concept of irrational numbers in high-school students and prospective teachers. Educational Studies in Mathematics, Heidelberg, n. 29, p. 29-44, 1995.; IGLIORI; SILVA, 1998IGLIORI, Sonia Barbosa Camargo; SILVA, Benedito Antonio da. Conhecimentos das concepções prévias de estudantes sobre números reais: um suporte para melhoria do ensino-aprendizagem. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 21., 1998, Caxambu. Anais… Caxambu: Anped, 1998, p. 1-20.; REZENDE, 2003REZENDE, Wanderley Moura. O ensino de Cálculo: dificuldades de natureza epistemológica. 2003. 468 f. Tese (Doutorado em Ensino de Ciências e Matemática) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003.; SILVA; PENTEADO, 2009SILVA, Benedito Antonio da; PENTEADO, Cristina Berndt. Fundamentos dos números reais: concepções de professores e viabilidade de início do estudo da densidade no Ensino Médio. Educação Matemática em Pesquisa, São Paulo, v. 11, n. 2, p. 351-371, 2009.); tratamento dado ao tema pelos livros didáticos (LIMA, 2001LIMA, Elon Lages (Ed.). Exame de textos: análise de livros de matemática para o Ensino Médio. Rio de Janeiro: VITAE/IMPA/SBM, 2001.; POMMER, 2012POMMER, Wagner Marcelo. A construção de significados dos números irracionais no ensino básico: uma proposta de abordagem envolvendo os eixos constituintes dos Números Reais. 2012. 246 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade de São Paulo, 2012.; SOUTO, 2010SOUTO, Alexandre Machado. Análise dos conceitos de número irracional e número real em livros didáticos da Educação Básica. 2010. 106 f. f. Dissertação (Mestrado em Ensino de Matemática) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010.); e formação de professores de Matemática (MOREIRA; FERREIRA, 2012MOREIRA, Plínio Cavalcanti; FERREIRA, Maria Cristina Costa. O que é número real? Os números reais na formação do professor de matemática. In: CURY, Helena Noronha; VIANNA, Carlos Roberto (Org.). Formação do professor de matemática: reflexões e propostas. Santa Cruz do Sul: IPR, 2012. p. 49-94.; SIROTIC; ZAZKIS, 2007SIROTIC, Natasa; ZAZKIS, Rina. Irrational numbers: the gap between formal and intuitive knowledge. Educational Studies in Mathematics, Heidelberg, v. 65, n. 1, p. 49-76, 2007.; SOARES; FERREIRA; MOREIRA, 1999SOARES, Eliana Farias; FERREIRA, Maria Cristina Costa; MOREIRA, Plinio Cavalcanti. Números reais: concepções dos licenciandos e formação matemática na licenciatura. Zetetiké, Campinas, v. 7, n. 12, p. 95-117, 1999.; ZAZKIS; SIROTIC, 2004ZAZKIS, Rina; SIROTIC, Natasa. Making sense of irrational numbers: focusing on representation. In: 28TH CONFERENCE OF THE INTERNATIONAL GROUP FOR THE PSYCHOLOGY OF MATHEMATICS EDUCATION. 28., 2004, Bergen. Anais… Bergen: Bergen University College, 2004. p. 497-504.). As dificuldades e/ou insuficiências relacionadas ao ensino e à aprendizagem de números irracionais relatadas por essas pesquisas fazem-nos pensar que o assunto é atual e relevante, justificando a realização deste artigo, que se originou de nossa tese de doutorado (BROETTO, 2016BROETTO, Geraldo. O ensino de números irracionais para alunos ingressantes da licenciatura em matemática, 2016. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2016.).

Neste trabalho, refletimos a respeito da possibilidade de formação de um círculo vicioso no ensino de números irracionais envolvendo a Educação Básica e os cursos de formação de professores de Matemática. Argumentamos que os números irracionais não são tratados de forma apropriada no Ensino Fundamental e Médio e, como resultado disso, o egresso da Educação Básica entra na licenciatura em Matemática sem desenvolver uma conceituação adequada de números irracionais. No Ensino Superior, o excesso de formalismo também não capacita o futuro professor de Matemática para ensinar números irracionais na Educação Básica, o que vai refletir na manutenção das dificuldades dos alunos da Educação Básica, fechando o círculo. A seguir, esclarecemos cada etapa desse processo.

2 Na Educação Básica

Segundo orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN para o Ensino Fundamental (BRASIL, 1998BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática (3.° e 4.° ciclos do Ensino Fundamental). Brasília: MEC/SEF, 1998.), os números irracionais devem ser abordados no 4.° ciclo dessa etapa, o que hoje equivale ao 8.° ou 9.° ano. A importância dos números irracionais, segundo esse documento, deve-se ao seu potencial para uma discussão referente à ampliação da noção de número e para o despertar da curiosidade dos alunos sobre questões relacionadas ao infinito. Em relação à abordagem dos números irracionais, os PCN (BRASIL, 1998BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática (3.° e 4.° ciclos do Ensino Fundamental). Brasília: MEC/SEF, 1998.) sugerem não seguir por um caminho formal, evitar a associação com radicais, discutir sobre a notação decimal infinita e não periódica e a aproximação por números racionais, além de discutir a necessidade e as consequências do arredondamento de um número com infinitas casas decimais.

Além das recomendações dos PCN (BRASIL, 1998BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática (3.° e 4.° ciclos do Ensino Fundamental). Brasília: MEC/SEF, 1998.), encontramos referência direta aos números irracionais na Base Nacional Curricular Comum - BNCC (BRASIL, 2016BRASIL. Base Nacional Curricular Comum. 2.ᵃ versão. MEC/Consed/Undime. Brasília: Ministério da Educação, 2016., 2017BRASIL. Base Nacional Curricular Comum. MEC/Consed/Undime. Brasília: Ministério da Educação, 2017.). Nesses documentos, alguns pontos convergem em relação aos PCN (BRASIL, 1998BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática (3.° e 4.° ciclos do Ensino Fundamental). Brasília: MEC/SEF, 1998.), como a apresentação de situações em que os racionais são insuficientes para resolver problemas de medida, fazendo surgir a necessidade de ampliar o campo numérico. Na segunda versão da BNCC (BRASIL, 2016BRASIL. Base Nacional Curricular Comum. 2.ᵃ versão. MEC/Consed/Undime. Brasília: Ministério da Educação, 2016.), havia um alerta sobre o cuidado ao apresentar o número π como a razão entre comprimento e diâmetro de uma circunferência (conforme veremos posteriormente). Também na segunda versão, o documento apontava que não se deve fazer uma construção conceitual dos números irracionais, pois os estudantes do 9.° ano ainda não têm maturidade para tal.

Por se tratar de recomendações de cunho geral, a questão central relativa aos PCN ou à BNCC que permanece para o professor é como colocá-las em prática. Como veremos adiante, a formação matemática oferecida ao aluno de licenciatura é, por via de regra, voltada para a Matemática pura. Desse modo, sem uma formação direcionada para a Matemática escolar, aquela que é trabalhada na Educação Básica, o professor recém-formado provavelmente terá dúvidas de como abordar os números irracionais nesse nível de ensino.

Ele sabe que não poderá tratar os números reais da forma como aprendeu na universidade, nem fazer a construção dos números reais a partir dos números racionais, tampouco realizar muitas demonstrações, por exemplo, de que π é irracional. Por isso, talvez a principal opção de muitos professores – por ser a menos arriscada – seja trabalhar apenas com exemplos. Essa opção coincide com a proposta defendida por Felix Klein na primeira metade do século XX:

Uma teoria exata dos números irracionais é dificilmente adaptável para o interesse e o poder de compreensão da maioria dos pupilos. O pupilo usualmente ficará contente com resultados de exatidão limitada. Ele ficará admirado com uma aproximação 1/1000 mm e não exigirá uma exatidão ilimitada. Para a maioria dos pupilos será suficiente se o número irracional for entendido em termos gerais por meio de exemplos, e isso é o que usualmente é feito (KLEIN, 1932KLEIN, Felix. Elementary mathematics from an advanced standpoint. Londres: Macmillian and Co. Ltd., 1932., p. 37, tradução nossa).

Evidentemente, essa opção passa ao largo de importantes discussões conceituais dos números irracionais, mas essa também é a opção de muitos livros didáticos de Matemática, conforme mostram as pesquisas de Lima (2001)LIMA, Elon Lages (Ed.). Exame de textos: análise de livros de matemática para o Ensino Médio. Rio de Janeiro: VITAE/IMPA/SBM, 2001., Nakamura (2008)NAKAMURA, Keiji. Conjunto dos números irracionais: a trajetória de um conteúdo não incorporado às práticas escolares. 2008. 128 f. Dissertação (Mestrado em Ensino de Matemática) - Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2008. e Souto (2010)SOUTO, Alexandre Machado. Análise dos conceitos de número irracional e número real em livros didáticos da Educação Básica. 2010. 106 f. f. Dissertação (Mestrado em Ensino de Matemática) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010.. Para Nakamura (2008)NAKAMURA, Keiji. Conjunto dos números irracionais: a trajetória de um conteúdo não incorporado às práticas escolares. 2008. 128 f. Dissertação (Mestrado em Ensino de Matemática) - Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2008., que analisou nove coleções de livros do Ensino Fundamental das décadas de 1970, 1990 e 2000, o traço comum quanto à abordagem dos números irracionais ao longo desse período foi a superficialidade, em contraste com um trabalho mais consistente relativo aos números naturais, inteiros e racionais.

Para Souto (2010)SOUTO, Alexandre Machado. Análise dos conceitos de número irracional e número real em livros didáticos da Educação Básica. 2010. 106 f. f. Dissertação (Mestrado em Ensino de Matemática) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010., que analisou 14 volumes da década de 2000, dos quais nove eram para o Ensino Fundamental e cinco para o Médio, os livros privilegiam definições baseadas na representação decimal, tarefas envolvendo classificação como racional e irracional, determinação de frações geratrizes, registros de representação simbólico-algébrica e notas históricas destacando nomes e datas. Lima (2001)LIMA, Elon Lages (Ed.). Exame de textos: análise de livros de matemática para o Ensino Médio. Rio de Janeiro: VITAE/IMPA/SBM, 2001., que analisou 12 coleções para o Ensino Médio, salienta que, em geral, a apresentação desse assunto no livro é obscura e não há menção a medidas, o que “deseduca e mistifica” (p. 463), como por exemplo: "2=1,414 … é irracional porque não é uma decimal periódica. Quem garante isso? Ou então: a < b quando b está à direita de a na reta. Como saber então se 10 < π ou não?” (p. 463). Todos os autores apresentados anteriormente concordam que os principais problemas dos livros se referem à parte conceitual do assunto, com ausência total ou superficialidade na abordagem de questões como segmentos incomensuráveis e representação decimal. Segundo os autores, as atividades propostas são quase, em sua totalidade, de natureza mecânica, o que não favorece a compreensão.

Como exemplo dessas práticas, trazemos Imenes e Lellis (2012)IMENES, Luiz Márcio; LELLIS, Marcelo. Matemática. 9.° ano. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2012. que apresentam as dízimas periódicas como resultado da divisão de inteiros, para, em seguida, apresentar as dízimas não periódicas como números que não são racionais. Na sequência, os números irracionais são definidos como aqueles que não podem ser gerados pela divisão de números inteiros. Os exemplos oferecidos são 0,202002000200002 …, 2 e π. Na tentativa de contribuir para a construção do conceito e criar uma alternativa à simples apresentação de exemplos, alguns autores lançam mão de certos procedimentos (Figura 1) para atribuir significado à representação decimal dos números irracionais – um tema reconhecidamente importante e apontado pelos PCN como um dos focos do ensino dos números irracionais.

Figura 1
A suposta irracionalidade de 2

De acordo com nossas experiências como docentes em Matemática e pesquisadores em Educação Matemática, a ideia apresentada na Figura 1 por Dante (2005)DANTE, Luiz Roberto. Tudo é matemática. 8.ᵃ série. São Paulo: Ática, 2005. não é um caso isolado, é muito frequente nos livros didáticos da Educação Básica e utilizada por diversos autores. Apresenta-se 2 como um número irracional e por meio da calculadora ou de procedimento semelhante ao exibido na Figura 1, conclui-se que a sua representação decimal será infinita e não periódica. Em seguida, são propostos exercícios de classificação (Figura 2), e isso será, quando muito, tudo que os alunos terão aprendido a respeito dos números irracionais.

Figura 2
Exemplos de exercícios com números irracionais

Entendemos que esse tipo de sequência didática pode ser utilizado, por exemplo, quando se deseja obter uma aproximação racional de um número irracional. Porém, ainda que se argumente que os procedimentos apresentados em Dante (2005)DANTE, Luiz Roberto. Tudo é matemática. 8.ᵃ série. São Paulo: Ática, 2005. e Imenes e Lellis (2012)IMENES, Luiz Márcio; LELLIS, Marcelo. Matemática. 9.° ano. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2012. sejam as únicas opções possíveis de realizar no Ensino Fundamental, é preciso ter em mente os prejuízos que eles podem causar em termos tanto conceituais quanto práticos. Em termos conceituais, eles criam uma espécie de circularidade: um número é irracional porque é dízima não periódica e é dízima não periódica porque é irracional. Isso gera um tipo de conhecimento pouco valoroso, pois, como não faz ligações com outros conceitos matemáticos, tende a ser volátil1 1 Referimo-nos aqui especificamente ao modelo de imagem conceitual desenvolvido por David Tall e Shlomo Vinner (TALL; VINNER, 1981). Trata-se de um modelo para a estrutura cognitiva responsável pela aquisição e pela manipulação dos conceitos, construída ao longo do tempo por meio de experiências variadas, podendo mudar à medida que o indivíduo encontra novos estímulos e amadurecimento. A aprendizagem tem maiores chances de se tornar efetiva e duradoura quanto maior é a variedade de relações, figuras mentais e procedimentos referentes a um determinado conceito, principalmente aquelas que estabelecem ligações com outros conceitos. Para mais detalhes sobre a imagem conceitual, direcionamos o leitor para Broetto (2016). . Em termos práticos, o fato de o período não ter aparecido até a segunda casa decimal não garante que 2 será um número irracional, pois existem números cuja dízima periódica só se revela após várias casas decimais.

Todavia, a ideia apresentada na Figura 1 pode legitimar uma prática que observamos em nossa pesquisa (BROETTO, 2016BROETTO, Geraldo. O ensino de números irracionais para alunos ingressantes da licenciatura em matemática, 2016. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2016.). Uma parte dos sujeitos classificou as frações 314, 227 e 1323 como números irracionais, utilizando como justificativa o não aparecimento de uma dízima periódica após a realização da divisão. Evidentemente esses números são racionais, porém apresentam dízimas periódicas com seis ou mais algarismos, o que dificultou a sua observação pelos sujeitos. Muitos desses alunos eram recém-chegados do Ensino Médio, o que evidencia a existência de lacunas na construção do conceito de número irracional na Educação Básica. Outras pesquisas também apontam essas lacunas, tanto no que se refere a alunos recém-ingressados na licenciatura, quanto a alunos concluintes (BOFF, 2006BOFF, Daiane Scopel. A construção dos números reais na escola básica. 2006. 254 f. Dissertação (Mestrado em Ensino de Matemática) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006.; IGLIORI; SILVA, 1998IGLIORI, Sonia Barbosa Camargo; SILVA, Benedito Antonio da. Conhecimentos das concepções prévias de estudantes sobre números reais: um suporte para melhoria do ensino-aprendizagem. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 21., 1998, Caxambu. Anais… Caxambu: Anped, 1998, p. 1-20.; MELO, 1999MELO, Severino Barros de. A compreensão do conceito de número irracional: uma radiografia do problema e uso da história como uma alternativa de superação. 1999. 222 f. Dissertação (Mestrado em Educação nas Ciências) - Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife, 1999.; PENTEADO, 2004PENTEADO, Cristina Berndt. Concepções de professores do Ensino Médio relativas à densidade do conjunto dos números reais e suas reações frente a procedimentos para a abordagem desta propriedade. 2004. 247 f. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática) - Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2004.).

No Ensino Médio, um procedimento que se apresenta como alternativa ao que discutimos anteriormente é começar com uma demonstração de que 2 não é racional (existem diversas provas algébricas e geométricas desse fato, com diversos graus de rigor matemático) e, a partir daí, concluir que a representação decimal desse número deve ser infinita e não periódica, pois caso contrário, isto é, se fosse finita ou periódica, tratar-se-ia de um número racional. Dessa maneira, o procedimento de Dante (2005)DANTE, Luiz Roberto. Tudo é matemática. 8.ᵃ série. São Paulo: Ática, 2005. adquire um novo sentido, pois o estudante passa a entender por que a representação decimal de 2 deverá ser infinita e não periódica. Essa é basicamente a ideia defendida por Elon Lages Lima no trecho a seguir.

Examinando o desenvolvimento decimal de um número, nunca podemos garantir que ele seja irracional. Mesmo o número π, que o livro diz ter sido calculado com 1 bilhão de casas decimais (na verdade já são 5 bilhões), poderia ser racional, com um período muito grande. Aqui poderia ser feito um breve comentário sobre o método matemático. Um raciocínio simples mostra que não existem p, q ∈ ℤ tais que p2 = 2q2, logo 2 não é racional. Daí decorre que a expressão 1,414213… não é periódica. Este é o verdadeiro argumento. O argumento contrário não é válido (LIMA, 2001LIMA, Elon Lages (Ed.). Exame de textos: análise de livros de matemática para o Ensino Médio. Rio de Janeiro: VITAE/IMPA/SBM, 2001., p. 269).

É evidente que essa proposta alternativa, que chamaremos de proposta de Lima (2001)LIMA, Elon Lages (Ed.). Exame de textos: análise de livros de matemática para o Ensino Médio. Rio de Janeiro: VITAE/IMPA/SBM, 2001., também apresenta suas limitações. Alguns pontos importantes não foram enfrentados, por exemplo, por que um número que não é racional é necessariamente irracional? O que seria de fato uma representação infinita e não periódica? Isso existe mesmo? Isso é um número? Além dessas limitações, a proposta de Lima (2001)LIMA, Elon Lages (Ed.). Exame de textos: análise de livros de matemática para o Ensino Médio. Rio de Janeiro: VITAE/IMPA/SBM, 2001. tem outra peculiaridade. Para produzir resultados satisfatórios, demanda uma preparação prévia dos alunos para que construam um conhecimento sólido de como e por que as dízimas periódicas são geradas. Nos livros didáticos, aprende-se a passar de fração para dízima periódica e vice-versa: tendo a fração, basta dividir para obter a dízima; tendo a dízima, aplica-se algum procedimento ou fórmula para encontrar a fração geratriz, como este conhecido método:

A geratriz de uma dízima periódica composta é a fração cujo numerador é a parte inteira acrescida da parte não-periódica e de um período, menos a parte nãoperiódica, e cujo denominador é formado por tantos noves quantos são os algarismos do período, seguidos de tantos zeros quantos são os algarismos da parte nãoperiódica (LIMA et al., 1996LIMA, Elon Lages et al. A matemática do Ensino Médio. vol. 1. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Matemática, 1996., p. 64).

Entendemos que o conhecimento não pode restringir-se a tais procedimentos que, apesar de importantes, são puramente técnicos. Tais algoritmos não contribuem para a construção de um conceito sólido de número racional e posteriormente de número irracional, porquanto não estabelecem relações fortes de causa e efeito. Em Broetto e Santos-Wagner (2017)BROETTO, Geraldo; SANTOS-WAGNER, Vânia Maria Pereira dos. Um modelo para analisar a imagem do conceito de estudantes universitários: o caso dos números irracionais. Vidya, Santa Maria, v. 37, n. 2, p. 335-354, jul./dez., 2017., mostramos o caso de uma aluna que pensava que frações podem gerar dízimas tanto periódicas, quanto não periódicas e, dependendo se detectava ou não a dízima periódica, classificava a fração como número racional ou irracional, conforme transcrição a seguir:

Se ele estiver em fração, se o resultado dele não der exato, exato assim, der uma dízima não periódica, ele é irracional. Números irracionais podem ser escritos através de raiz, né? Se não forem quadrados perfeitos. Não sei, π é um número irracional, mas eu não sei te explicar, definir (BROETTO; SANTOS-WAGNER, 2017BROETTO, Geraldo; SANTOS-WAGNER, Vânia Maria Pereira dos. Um modelo para analisar a imagem do conceito de estudantes universitários: o caso dos números irracionais. Vidya, Santa Maria, v. 37, n. 2, p. 335-354, jul./dez., 2017., p. 77).

Em uma pesquisa realizada com 46 licenciandos em Matemática canadenses, Zazkis e Sirotic (2004)ZAZKIS, Rina; SIROTIC, Natasa. Making sense of irrational numbers: focusing on representation. In: 28TH CONFERENCE OF THE INTERNATIONAL GROUP FOR THE PSYCHOLOGY OF MATHEMATICS EDUCATION. 28., 2004, Bergen. Anais… Bergen: Bergen University College, 2004. p. 497-504. obtiveram casos semelhantes de classificação de frações como números irracionais. As pesquisadoras observaram que as respostas dos estudantes dependiam, em grande parte, da representação utilizada – fracionária ou decimal – e do que essas representações, chamadas de transparentes ou opacas, mostravam ou escondiam. Concluíram que uma das fontes desse erro se devia a dois fatores inter-relacionados: aplicação incorreta ou incompleta da definição e o não entendimento da relação entre as frações e suas representações decimais. A respeito do uso da definição, concordamos com as autoras:

Um possível obstáculo para o entendimento dos estudantes é a equivalência de duas definições de números irracionais dadas na matemática escolar – a não existência de uma representação a/b onde a é inteiro e b é um inteiro não nulo e a representação decimal infinita e não periódica – não é reconhecida (ZAZKIS; SIROTIC, 2004ZAZKIS, Rina; SIROTIC, Natasa. Making sense of irrational numbers: focusing on representation. In: 28TH CONFERENCE OF THE INTERNATIONAL GROUP FOR THE PSYCHOLOGY OF MATHEMATICS EDUCATION. 28., 2004, Bergen. Anais… Bergen: Bergen University College, 2004. p. 497-504., p. 503, tradução nossa).

No que diz respeito à relação entre as frações e sua representação decimal, nossa postura é que ela precisa ser trabalhada melhor, seja no Ensino Fundamental, seja no Ensino Médio. Os dados das pesquisas que apontamos, tanto brasileiras quanto estrangeiras, reforçam nosso entendimento de que o fato de uma divisão de inteiros gerar necessariamente uma dízima periódica não é uma questão óbvia para os estudantes, inclusive para os licenciandos. Por conta disso, essa questão não deve ser tratada de forma aligeirada.

Em nossa pesquisa (BROETTO, 2016BROETTO, Geraldo. O ensino de números irracionais para alunos ingressantes da licenciatura em matemática, 2016. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2016.), propusemos uma atividade no sentido de permitir que os sujeitos entendessem a íntima relação entre as dízimas periódicas e a representação de um número como um quociente de números inteiros. A atividade solicitava aos participantes que realizassem divisões pelo método longo (ou método da chave) – procedimento largamente conhecido e ensinado nas escolas – e algumas perguntas direcionavam para a observação do fato de que o denominador de uma fração mn limitava as possibilidades de restos parciais da divisão (n possibilidades), o que acarretava uma decimal finita ou dízima periódica, com os restos parciais repetindo-se em uma sequência (Figura 3, à esquerda). Na Figura 3 à direita, há um exercício em um livro didático que também aborda a relação entre a divisão de inteiros e a geração da dízima periódica.

Figura 3
Atividade que dá sentido à definição de número racional.

Além do trabalho com a representação decimal dos racionais, um importante contraponto para evitar que o estudante associe número irracional às raízes – conforme sugerido pelos PCN – é o número π. De fato, diversos livros apresentam esse número como um exemplo de número irracional, porém, a abordagem de π é uma questão mais delicada. De acordo com os PCN (BRASIL, 1998BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática (3.° e 4.° ciclos do Ensino Fundamental). Brasília: MEC/SEF, 1998.):

Outro irracional que pode ser explorado no quarto ciclo é o número π . De longa história e de ocorrência muito frequente na matemática, o número π nessa fase do aprendizado aparece como a razão entre o comprimento de uma circunferência e o seu diâmetro. Essa razão, sabe-se, não depende do tamanho da circunferência em virtude do fato de que duas circunferências quaisquer são figuras semelhantes (BRASIL, 1998BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática (3.° e 4.° ciclos do Ensino Fundamental). Brasília: MEC/SEF, 1998., p. 106).

A leitura desse trecho pode suscitar que sejam propostas atividades com objetos circulares para ensinar a respeito de π. De fato, encontramos tais atividades em um livro didático, conforme mostra a Figura 4. Todavia, é preciso ter consciência de que, tanto com uma moeda, quanto com uma lata de refrigerante, o resultado de cada uma dessas experiências será um número racional.

Figura 4
Exemplo de abordagem de π em livros didáticos

O que se pretende mostrar com a realização desses tipos de experiências – que a razão entre o comprimento e o diâmetro de objetos circulares é uma constante irracional – traz consigo duas dificuldades intrínsecas: a primeira é mostrar que se trata de uma constante, pois a medida obtida para cada objeto utilizado é ligeiramente diferente; a segunda é mostrar que se obtém um número irracional, já que qualquer instrumento de medida sempre fornecerá um número racional para o comprimento e o diâmetro dos objetos, obtendo-se assim um quociente de números racionais, que é um número racional. Os PCN alertam sobre essa dificuldade, de acordo com o trecho transcrito a seguir:

Deve-se estar atento para o fato de que o trabalho com as medições pode se tornar um obstáculo para o aluno aceitar a irracionalidade do quociente entre o comprimento da circunferência e seu diâmetro, uma vez que ele já sabe que as medições envolvem apenas números racionais (BRASIL, 1998BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática (3.° e 4.° ciclos do Ensino Fundamental). Brasília: MEC/SEF, 1998., p. 107).

Porém, a solução encontrada para essa situação pode camuflar todas essas dificuldades. Em referência ao experimento proposto na Figura 4, os autores prosseguem:

Nos dois exemplos, ao dividir o comprimento da circunferência pela medida do diâmetro (na mesma unidade), encontramos sempre um número maior do que 3 (aproximadamente 3,14). Pode-se verificar que esse fato acontece para qualquer circunferência, ou seja, dividindo-se a medida do comprimento de uma circunferência pela medida do seu diâmetro, obtém-se sempre o mesmo valor. Esse valor constante representa um número muito importante em matemática, o número pi, representado pela letra grega π. Então, comprimento da circunferênciamedida do diâmetro=πeπ=3,14159265… Por ser um número irracional, nas aplicações utilizamos uma aproximação do valor de π, em geral 3,14 (GIOVANNI JR.; CASTRUCCI, 2009GIOVANNI JR., Jose Ruy; CASTRUCCI, Benedicto. A conquista da Matemática. 8.° ano. São Paulo: FTD, 2009., p. 26–27).

Outro problema que pode decorrer desse tipo de abordagem empírica do número π e se estende aos números irracionais de forma geral é a questão da coerência com a definição proposta. As definições mais frequentes para os números irracionais na Educação Básica são estas: 1) números que não podem ser escritos/representados como razão de dois números inteiros; e 2) números cuja representação decimal é infinita e não periódica. Se a definição 1 é utilizada, π pode ser considerado irracional se foi obtido por meio da razão de duas medidas racionais, como na experiência com a moeda ou com a lata de refrigerante? (Figura 4). Por outro lado, se a definição 2 é empregada, como se espera obter π da razão de duas decimais finitas? Não defendemos aqui que tais experimentos não sejam realizados, apenas chamamos a atenção para o cuidado que se deve ter com eles, suas limitações e implicações na construção do conceito de número irracional.

3 Na formação do professor de Matemática

Na graduação em Matemática, os números irracionais aparecem, via de regra, nas disciplinas de Cálculo Diferencial e Integral e na disciplina de Análise. Nas primeiras, o contato com esse tema é secundário e quase sempre indireto, porque o objetivo dessas disciplinas é estudar conceitos novos como limites, derivadas e integrais. Além disso, muitos professores partem do pressuposto de que seus alunos já sabem o que é um número real e, consequentemente, o que é um número irracional. Nas palavras de Souto (2010)SOUTO, Alexandre Machado. Análise dos conceitos de número irracional e número real em livros didáticos da Educação Básica. 2010. 106 f. f. Dissertação (Mestrado em Ensino de Matemática) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010.,

Nos cursos universitários de matemática, em particular nos cursos de licenciatura, a abordagem das disciplinas iniciais de Cálculo parece ser baseada na suposição de que os alunos dominam certas questões, tais como: a estrutura algébrica dos reais (como o fato das operações estarem bem definidas); a estrutura topológica dos reais (como a propriedade de completude da reta); a ideia intuitiva de limite de funções (p. 17).

Em disciplinas avançadas, como Análise Real ou Fundamentos de Análise, os números irracionais podem aparecer como parte de um contexto maior, a formalização (ou construção) dos números reais, que é fundamental para “apresentar os tópicos do Cálculo Diferencial e Integral de uma forma logicamente bem organizada” (ÁVILA, 2006ÁVILA, Geraldo. Análise matemática para licenciatura. 3. ed. São Paulo: Edgard Blücher, 2006., p. 1). Dito de outra forma, algumas propriedades ou teoremas que não foram demonstrados rigorosamente no Cálculo Diferencial e Integral assim o serão na Análise Real. Em nossa experiência como docentes em departamentos de Matemática, vemos que o tratamento formal que é conferido à disciplina Análise pode ter uma relação direta com a formação do professor que leciona essa disciplina – em geral, são bacharéis em Matemática com mestrado e/ou doutorado em Matemática pura.

Os professores de Análise costumam seguir o foco dos livros dedicados a essa disciplina que geralmente privilegiam a questão das estruturas matemáticas. Nesse tipo de abordagem, os números reais frequentemente são apresentados como um corpo ordenado completo (MOREIRA; DAVID, 2010MOREIRA, Plínio Cavalcanti; DAVID, Maria Manuela. A formação matemática do professor: licenciatura e prática docente escolar. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.; MOREIRA, 2004MOREIRA, Plinio Cavalcanti. O conhecimento matemático do professor: formação na licenciatura e prática docente na escola básica. 2004. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2004.; PASQUINI, 2007PASQUINI, Regina Célia Guapo. Um tratamento para os números reais via medição de segmentos: uma proposta, uma investigação. 2007. 209 f. Tese (Doutorado em Educação Matemática) - Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2007.; SILVA, 2011SILVA, Ana Lúcia Vaz. Números reais no Ensino Médio: identificando e possibilitando imagens conceituais. 2011. 340 f. Tese (Doutorado em Ciências Humanas – Educação) - Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, 2011.). Trata-se de uma estrutura formal munida de duas operações, adição e multiplicação, a qual satisfaz a uma lista de propriedades. Nessa abordagem, conhecida como formalista, a questão ontológica fica em segundo plano, já que a questão central não é o que são os números reais, mas como os objetos do corpo ordenado completo se relacionam.

Para matemáticos e educadores matemáticos, a disciplina Análise é importante para a formação do professor de Matemática, pois

(…) traz ao licenciando uma fundamentação necessária a uma visão aprofundada do conhecimento matemático que se estuda na Educação Básica. Este conhecimento é necessário para que o futuro professor possa perceber problemas epistemológicos importantes nas abordagens usuais dadas a conceitos como números racionais e irracionais, sequências, funções, continuidade, entre outros. Permitiria ao futuro professor discutir de modo mais amplo o conhecimento que irá lecionar. Atuaria também na fundamentação da ênfase (maior ou menor) a ser dada ao ensino de certos tópicos (MOREIRA; CURY; VIANNA, 2016MOREIRA, Plínio Cavalcanti; CURY, Helena Noronha; VIANNA, Carlos Roberto. Por que Análise Real na licenciatura? Bolema, Rio Claro, v. 30, n. 55, p. 515-534, 2016., p. 526).

Professores e futuros professores de Matemática também explicitaram ideias bastante semelhantes a essa nas pesquisas de Gomes et al. (2015)GOMES, Danilo Olímpio et al. Quatro ou mais pontos de vista sobre o ensino de Análise matemática. Bolema, Rio Claro, v. 29, n. 53, p. 1242-1267, 2015. e Zazkis e Leikin (2010)ZAZKIS, Rina.; LEIKIN, Roza. Advanced mathematical knowledge in teaching practice: perceptions of secondary mathematics teachers. Mathematical thinking and learning, Mahwah, NJ, v. 12, n. 4, p. 263-281, 2010.. Os participantes dessas pesquisas entendem que conhecimentos avançados como os da Análise dão confiança e segurança para a atuação do professor na Educação Básica. Porém, em Zazkis e Leikin (2010)ZAZKIS, Rina.; LEIKIN, Roza. Advanced mathematical knowledge in teaching practice: perceptions of secondary mathematics teachers. Mathematical thinking and learning, Mahwah, NJ, v. 12, n. 4, p. 263-281, 2010., os professores não conseguiram dar exemplos concretos de como os conhecimentos adquiridos na disciplina Análise seriam aplicados na Educação Básica.

Pensamos que isso reforça a ideia de que futuros professores de Matemática, tanto licenciandos, quanto bacharéis, também precisam conhecer os números reais de outra forma. Os licenciandos, por uma razão óbvia, atuarão diretamente na escola e terão de ensinar esse conteúdo. Os bacharéis, por sua vez, também precisam conhecer como o número irracional é tratado na Educação Básica, pois é muito comum que eles se tornem professores universitários, portanto, formadores de professores de Matemática.

Em ambos os casos, a ligação da formação de professores com o Ensino Básico é essencial. Existem diferenças importantes entre o que é um número real na Educação Básica e o que se discute na formação de professores. Na Educação Básica, “número real é número, extensão dos números naturais; não é corte de Dedekind, classe de equivalência, ou sequência de intervalos” (MOREIRA; FERREIRA, 2012MOREIRA, Plínio Cavalcanti; FERREIRA, Maria Cristina Costa. O que é número real? Os números reais na formação do professor de matemática. In: CURY, Helena Noronha; VIANNA, Carlos Roberto (Org.). Formação do professor de matemática: reflexões e propostas. Santa Cruz do Sul: IPR, 2012. p. 49-94., p. 53). Para Moreira e David (2010)MOREIRA, Plínio Cavalcanti; DAVID, Maria Manuela. A formação matemática do professor: licenciatura e prática docente escolar. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.,

É fundamental conceber o número real como número, o que faz uma grande diferença, porque, na escola, a ideia de número já possui uma história de elaboração e reelaboração. No processo de ensino-aprendizagem escolar essa história vem se desenvolvendo a partir do trabalho com os naturais e passa pelos inteiros, pelos racionais até chegar aos reais. Ao longo dela, o aluno se vê na condição de reelaborar esquemas cognitivos para, a cada etapa, acomodar a nova noção de número (p. 80).

Ou seja, na Educação Básica, cada nova reelaboração da noção de número tem o sentido de superar as limitações da noção anterior de número. Em particular, “o conjunto dos números reais é constituído para dar solução aos problemas vistos como insuperáveis no âmbito dos números racionais. A estrutura de corpo ordenado completo é estabelecida a posteriori” (MOREIRA; DAVID, 2010MOREIRA, Plínio Cavalcanti; DAVID, Maria Manuela. A formação matemática do professor: licenciatura e prática docente escolar. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2010., p. 81, grifo dos autores).

Abordagens formalistas como ilustradas anteriormente seguem por um caminho completamente diferente, já que postulam a existência de uma estrutura chamada corpo ordenado completo a priori e identificam o conjunto dos números reais com essa estrutura. Trata-se de uma “inversão de rota que entra em conflito com o processo que se desenvolve na escola” (MOREIRA; DAVID, 2010MOREIRA, Plínio Cavalcanti; DAVID, Maria Manuela. A formação matemática do professor: licenciatura e prática docente escolar. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2010., p. 81). Na Educação Básica, os números irracionais também desempenham um papel central na constituição dos números reais, afinal,

Como seria possível passar dos racionais aos reais sem descrever o conjunto dos números irracionais? Os irracionais são parte do sistema numérico, sem os quais o conceito de número real é incompleto. Basta descuidar-se dos irracionais, e todo o sistema desmorona (FISCHBEIN; JEHIAM; COHEN, 1995FISCHBEIN, Efraim; JEHIAM, Ruth; COHEN, Dorit. The concept of irrational numbers in high-school students and prospective teachers. Educational Studies in Mathematics, Heidelberg, n. 29, p. 29-44, 1995., p. 30, tradução nossa).

A despeito da importância dos irracionais como elo com os números reais ou como sustentação de todo o sistema numérico, isso dependerá do terreno que estamos pisando. De fato, para a Matemática escolar, uma vez estabelecido o conjunto dos números racionais, é preciso ter um motivo para ampliar mais uma vez o conceito de número. A insuficiência dos racionais para realizar a medida de um segmento qualquer a partir de uma unidade de medida preestabelecida, como a constatação da incomensurabilidade da diagonal de um quadrado em relação ao lado, justifica a ampliação do campo numérico.

Dessa forma, podemos pensar que os números irracionais são uma ponte que liga os números racionais aos números reais. Na Academia, o elo entre racionais e reais são os cortes de Dedekind ou as sequências de Cauchy, e a metáfora da ponte é desnecessária, já que os números reais são construídos a partir dos números racionais sem que seja preciso mencionar os números irracionais. Para o enfoque formalista da Análise, essa discussão não faz sentido, porque “os irracionais não são os (novos) entes que serão acrescentados aos (conhecidos) racionais para a obtenção dos reais. Eles são simplesmente os reais que não são racionais” (MOREIRA; DAVID, 2010MOREIRA, Plínio Cavalcanti; DAVID, Maria Manuela. A formação matemática do professor: licenciatura e prática docente escolar. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2010., p. 90). Talvez, por conta disso, a incomensurabilidade seja um assunto ausente em muitos livros de Análise Real (MOREIRA; DAVID, 2010MOREIRA, Plínio Cavalcanti; DAVID, Maria Manuela. A formação matemática do professor: licenciatura e prática docente escolar. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.).

Nesse sentido, Bortolossi (2017)BORTOLOSSI, Humberto José. A formação nas universidades do professor de matemática para a escola básica: o que é realmente preciso e prioritário? In: COLÓQUIO DO INSTITUTO DE MATEMÁTICA E ESTATÍSTICA DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE, 2017. Niterói. Anais… Niterói, 2017. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=FSzSetkZLq0>. Acesso em: dezembro de 2017.
https://www.youtube.com/watch?v=FSzSetkZ...
sugere uma reflexão sobre o que realmente é preciso e prioritário na formação do professor de Matemática. Concordamos com ele que continuamos, ainda nos dias de hoje, repetindo uma prática já apontada por Felix Klein em 1908. Nas universidades, onde em geral se formam os professores de Matemática, olha-se mais para frente do que para trás, isto é, o tratamento que é dado ao conhecimento matemático está mais focado na Pós-Graduação do que na Educação Básica. Como um exemplo, é comum que nos cursos de licenciatura e bacharelado em Matemática sejam feitas generalizações do conceito da área de uma região simplesmente conexa D como DdA, mas não é comum que se discuta por que a área de um triângulo de base b e altura h é bh. Isso vale também para os números irracionais, quando estes são definidos como cortes de Dedekind ou limites de sequências de Cauchy, uma linguagem característica da Matemática acadêmica, mas que não é apropriada à Educação Básica.

Além da pouca importância dada pela abordagem formalista ao significado dos números reais e, consequentemente, dos números irracionais, uma prática comum nos cursos de formação de professores, principalmente em disciplinas como Cálculo e Análise, é apresentar os conceitos exclusivamente por meio de definições e demonstrações de teoremas. Essa método também é percebido pelos licenciandos como sem sentido quando pensam na sua futura atuação na Educação Básica (GOMES et al., 2015GOMES, Danilo Olímpio et al. Quatro ou mais pontos de vista sobre o ensino de Análise matemática. Bolema, Rio Claro, v. 29, n. 53, p. 1242-1267, 2015.). Essa prática costuma fundamentarse em um pensamento que, ao apresentar uma definição correta e precisa, esse é o melhor, senão o único caminho para apreender o conceito. De acordo com Soares, Ferreira e Moreira (1999)SOARES, Eliana Farias; FERREIRA, Maria Cristina Costa; MOREIRA, Plinio Cavalcanti. Números reais: concepções dos licenciandos e formação matemática na licenciatura. Zetetiké, Campinas, v. 7, n. 12, p. 95-117, 1999.:

É ingenuidade acreditar que os alunos vão abandonar suas imagens construídas ao longo da vida escolar, para substituí-las de imediato por uma definição formalmente correta apresentada pelo professor de um curso de Análise na universidade. De um modo geral, ao serem expostos a uma abordagem formal dos números reais, sem conexão com suas imagens intuitivas, os estudantes acrescentarão novas imagens dos irracionais/reais ao seu mosaico de imagens, muitas delas conflitantes, lançando mão de uma ou de outra conforme as situações se apresentam (p. 97).

A formalização e utilização dos conceitos matemáticos por meio de suas definições são características importantes da Matemática do Ensino Superior. Porém, conforme destacado na citação anterior, trabalhar apenas com as definições não é suficiente. Nesse ponto, reforçamos novamente a importância dos exemplos e contraexemplos para o enriquecimento das imagens conceituais de número irracional, por meio dos quais o estudante estabelece relações com o que já conhece do assunto, podendo construir, formular ou reformular seu conhecimento.

Se os números irracionais forem tratados nos cursos de formação de professores de Matemática da forma como descrevemos anteriormente, da maneira formalista, existirá a possibilidade de o egresso não agregar condições para ensinar números irracionais/reais no Ensino Básico. A nosso ver, é preciso incorporar as peculiaridades da Matemática escolar referentes a esse tema na formação dos professores, na qual “a organização dos saberes precisa se dar a partir de uma perspectiva pedagógica e não apenas lógica” (MOREIRA; FERREIRA, 2012MOREIRA, Plínio Cavalcanti; FERREIRA, Maria Cristina Costa. O que é número real? Os números reais na formação do professor de matemática. In: CURY, Helena Noronha; VIANNA, Carlos Roberto (Org.). Formação do professor de matemática: reflexões e propostas. Santa Cruz do Sul: IPR, 2012. p. 49-94., p. 56).

Há quase trinta anos, Lee Shulman já alertava sobre a insuficiência do conhecimento dos conteúdos para a formação docente. Shulman (1986)SHULMAN, Lee S. Those who understand: knowledge growth in teaching. Educational Researcher, Thousand Oaks, v. 15, n. 2, p. 4-14, 1986. afirma que também é preciso um conhecimento pedagógico do conteúdo que se pretende ensinar, além de um conhecimento curricular. Para os tópicos mais frequentemente ensinados em uma determinada área, Shulman (1986)SHULMAN, Lee S. Those who understand: knowledge growth in teaching. Educational Researcher, Thousand Oaks, v. 15, n. 2, p. 4-14, 1986. inclui como parte do conhecimento pedagógico do conteúdo as formas mais úteis de representação daquelas ideias, as mais poderosas analogias, ilustrações, exemplos, explicações e demonstrações. E como não existe uma forma infalível de ensinar, Shulman (1986)SHULMAN, Lee S. Those who understand: knowledge growth in teaching. Educational Researcher, Thousand Oaks, v. 15, n. 2, p. 4-14, 1986. recomenda que o professor deve possuir um “verdadeiro arsenal” (p. 9) de formas de representar e formular um assunto, derivado de pesquisas ou da prática que o tornem compreensível para outras pessoas.

Pelo que foi visto anteriormente, uma abordagem formalista dos números irracionais/reais não é capaz de fornecer ao futuro professor o arsenal mencionado em Shulman (1986)SHULMAN, Lee S. Those who understand: knowledge growth in teaching. Educational Researcher, Thousand Oaks, v. 15, n. 2, p. 4-14, 1986.. Ou seja, se não houver espaço na licenciatura para a discussão das peculiaridades de ensinar conjuntos numéricos na Educação Básica, o recém-formado professor poderá ver-se em apuros quando efetivamente tiver que fazê-lo. Ele rapidamente perceberá, se já não o fez durante a sua formação, que uma abordagem formalista/axiomática não fornece o suporte necessário para enfrentar os desafios da prática em sala de aula na Educação Básica. Nesse caso, o professor pode recorrer às suas memórias de quando estudou o assunto na Educação Básica, ou pode buscar refúgio no livro didático.

Geralmente, o professor recém-formado chega à escola com uma bagagem de conteúdo muito formal, que é indispensável, mas não é suficiente, visto que não possui uma prática de ensino que tenha abordagens adequadas e necessárias para o dia a dia da sala de aula. Em consequência, muitos professores seguem as orientações dos livros didáticos, sem aprofundamentos e complementações (SILVA, 2011SILVA, Ana Lúcia Vaz. Números reais no Ensino Médio: identificando e possibilitando imagens conceituais. 2011. 340 f. Tese (Doutorado em Ciências Humanas – Educação) - Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, 2011., p. 72).

Essa descontinuidade entre a Educação Básica e o Ensino Superior, segundo Klein (1932)KLEIN, Felix. Elementary mathematics from an advanced standpoint. Londres: Macmillian and Co. Ltd., 1932., ocorre porque só recentemente – ele escreveu isso em 1908 – os professores universitários começaram a se preocupar com o Ensino Básico. O resultado desse longo período de isolamento ainda pode ser observado no Ensino Superior nos dias de hoje – inclusive nos cursos de licenciatura em Matemática, como apontou Bortolossi (2017)BORTOLOSSI, Humberto José. A formação nas universidades do professor de matemática para a escola básica: o que é realmente preciso e prioritário? In: COLÓQUIO DO INSTITUTO DE MATEMÁTICA E ESTATÍSTICA DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE, 2017. Niterói. Anais… Niterói, 2017. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=FSzSetkZLq0>. Acesso em: dezembro de 2017.
https://www.youtube.com/watch?v=FSzSetkZ...
– e os futuros professores ainda vivenciam a dupla ruptura apontada por Felix Klein.

O jovem estudante universitário é confrontado com problemas que em nada se referem às coisas com as quais fora confrontado na escola. Naturalmente ele esquece essas coisas rapidamente e completamente. Quando, ao final do curso, ele se torna um professor, é esperado dele que ensine a matemática elementar da forma tradicional e pedante e, como não foi capacitado para discernir alguma conexão entre a matemática escolar e a da universidade, ele rapidamente retorna à forma de ensinar consagrada pelo tempo, e seus estudos universitários permanecem apenas como uma memória mais ou menos agradável que não têm influência em sua forma de ensinar (KLEIN, 1932KLEIN, Felix. Elementary mathematics from an advanced standpoint. Londres: Macmillian and Co. Ltd., 1932., p. 1, tradução nossa).

Ilustramos a seguir os argumentos que apresentamos anteriormente, sintetizados no que chamaremos de círculo vicioso do ensino dos números irracionais (Figura 5), que articula as ideias de Souto (2010)SOUTO, Alexandre Machado. Análise dos conceitos de número irracional e número real em livros didáticos da Educação Básica. 2010. 106 f. f. Dissertação (Mestrado em Ensino de Matemática) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010., Klein (1932)KLEIN, Felix. Elementary mathematics from an advanced standpoint. Londres: Macmillian and Co. Ltd., 1932., Moreira e Ferreira (2012)MOREIRA, Plínio Cavalcanti; FERREIRA, Maria Cristina Costa. O que é número real? Os números reais na formação do professor de matemática. In: CURY, Helena Noronha; VIANNA, Carlos Roberto (Org.). Formação do professor de matemática: reflexões e propostas. Santa Cruz do Sul: IPR, 2012. p. 49-94., Moreira e David (2010)MOREIRA, Plínio Cavalcanti; DAVID, Maria Manuela. A formação matemática do professor: licenciatura e prática docente escolar. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2010., Soares, Ferreira e Moreira (1999)SOARES, Eliana Farias; FERREIRA, Maria Cristina Costa; MOREIRA, Plinio Cavalcanti. Números reais: concepções dos licenciandos e formação matemática na licenciatura. Zetetiké, Campinas, v. 7, n. 12, p. 95-117, 1999. e de nossa pesquisa de doutorado (BROETTO, 2016BROETTO, Geraldo. O ensino de números irracionais para alunos ingressantes da licenciatura em matemática, 2016. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2016.).

Figura 5
Círculo vicioso do ensino de números irracionais

Em síntese, a Figura 5 mostra que o futuro professor, ao se defrontar com uma abordagem formal da Matemática na universidade – e isso inclui os números irracionais –, rompe com a Matemática que aprendeu na Educação Básica; uma vez na escola, no início do seu exercício profissional, perceberá que a abordagem formal da Matemática não é adequada para os alunos, provocando a segunda ruptura, desta vez com a Matemática da universidade. O resultado disso é que os alunos ingressam nos cursos de formação de professores com uma imagem conceitual insuficiente dos números irracionais, conforme pudemos constatar em nosso trabalho (BROETTO, 2016BROETTO, Geraldo. O ensino de números irracionais para alunos ingressantes da licenciatura em matemática, 2016. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2016.), fechando o círculo.

4 Conclusão

Números irracionais é um assunto importante tratado da Educação Básica ao Ensino Superior. Porém, vimos que transitar entre esses mundos pode ser uma tarefa desafiadora para os atores envolvidos nesse processo. Isso se deve, em parte, a uma grande disparidade do tratamento dispensado ao assunto na formação do professor de Matemática e na Educação Básica.

Na Educação Básica, o desafio é tratar de um assunto complexo que envolve ideias complexas como o infinito de uma forma acessível para os alunos. Vimos tanto a maneira como alguns livros didáticos encaram esse desafio, quanto as consequências de abordagens superficiais que não contribuem para a construção do conceito de número irracional. Consideramos que os apontamentos dos PCN (BRASIL, 1998BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática (3.° e 4.° ciclos do Ensino Fundamental). Brasília: MEC/SEF, 1998.) e BNCC (BRASIL, 2016BRASIL. Base Nacional Curricular Comum. 2.ᵃ versão. MEC/Consed/Undime. Brasília: Ministério da Educação, 2016.; 2017BRASIL. Base Nacional Curricular Comum. MEC/Consed/Undime. Brasília: Ministério da Educação, 2017.), relativos ao contato com os números irracionais, ainda constituem grandes desafios no que concerne ao entendimento da ampliação da noção de número e ao despertar da curiosidade dos alunos sobre questões relacionadas ao infinito.

Na licenciatura e, principalmente, no bacharelado em Matemática, o caminho adotado para o tratamento dos conceitos, entre os quais o de número irracional, é frequentemente o caminho do formalismo matemático. É natural que se almeje, nesse nível de ensino, que o futuro professor entenda os conceitos matemáticos com maior profundidade do que é feito na Educação Básica. Porém, quando essa via formal não estabelece conexões com o significado de número real da Matemática escolar, o resultado é que, como apontam diversas pesquisas, o professor recém-formado não sai da universidade preparado para ensinar números irracionais na Educação Básica (MOREIRA; FERREIRA, 2012MOREIRA, Plínio Cavalcanti; FERREIRA, Maria Cristina Costa. O que é número real? Os números reais na formação do professor de matemática. In: CURY, Helena Noronha; VIANNA, Carlos Roberto (Org.). Formação do professor de matemática: reflexões e propostas. Santa Cruz do Sul: IPR, 2012. p. 49-94.; MOREIRA; DAVID, 2010MOREIRA, Plínio Cavalcanti; DAVID, Maria Manuela. A formação matemática do professor: licenciatura e prática docente escolar. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.; SOARES; FERREIRA; MOREIRA, 1999SOARES, Eliana Farias; FERREIRA, Maria Cristina Costa; MOREIRA, Plinio Cavalcanti. Números reais: concepções dos licenciandos e formação matemática na licenciatura. Zetetiké, Campinas, v. 7, n. 12, p. 95-117, 1999.). Ou seja, quando o licenciando se torna professor, ele vai para a escola e acaba mantendo o círculo vicioso (Figura 5). Uma proposta para romper com esse círculo aparece em Soares, Ferreira e Moreira (1999)SOARES, Eliana Farias; FERREIRA, Maria Cristina Costa; MOREIRA, Plinio Cavalcanti. Números reais: concepções dos licenciandos e formação matemática na licenciatura. Zetetiké, Campinas, v. 7, n. 12, p. 95-117, 1999., sintetizada no seguinte trecho:

Uma nova abordagem dos sistemas numéricos deve ser construída especificamente voltada para a formação de professores. Tal abordagem teria que partir fundamentalmente da problematização das representações conceituais já existentes entre os licenciandos e chegar a uma visão global do conjunto ℝ que efetivamente instrumentalize para o ensino (p. 95).

Com base na proposta de Soares, Ferreira e Moreira (1999)SOARES, Eliana Farias; FERREIRA, Maria Cristina Costa; MOREIRA, Plinio Cavalcanti. Números reais: concepções dos licenciandos e formação matemática na licenciatura. Zetetiké, Campinas, v. 7, n. 12, p. 95-117, 1999. e em todos os argumentos que trouxemos anteriormente, entendemos que as peculiaridades da Matemática escolar precisam fazer parte do currículo da licenciatura em Matemática, principalmente no que se refere ao ensino dos números reais/irracionais na Educação Básica.

Contudo, já são 20 anos desde o trabalho de Soares, Ferreira e Moreira (1999)SOARES, Eliana Farias; FERREIRA, Maria Cristina Costa; MOREIRA, Plinio Cavalcanti. Números reais: concepções dos licenciandos e formação matemática na licenciatura. Zetetiké, Campinas, v. 7, n. 12, p. 95-117, 1999. e a proposta de uma nova abordagem dos sistemas numéricos específica para a formação de professores, e alguns questionamentos continuam presentes: quais avanços foram alcançados? O que se realizou concretamente para resolver o problema? O ensino de Análise está cristalizado e pouco mudou em relação à sua implantação na década de 1970, como observaram Gomes et al. (2015)GOMES, Danilo Olímpio et al. Quatro ou mais pontos de vista sobre o ensino de Análise matemática. Bolema, Rio Claro, v. 29, n. 53, p. 1242-1267, 2015.?

Identificamos um movimento que, embora ainda pareça incipiente, tem potencial para se multiplicar pelos cursos de licenciatura do país. Trata-se de uma proposta do professor Sílvio César Otero-Garcia para um curso de Análise que discute sua relação com a Matemática escolar, que é oferecido no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP – campus Campos do Jordão) (GOMES et al., 2015GOMES, Danilo Olímpio et al. Quatro ou mais pontos de vista sobre o ensino de Análise matemática. Bolema, Rio Claro, v. 29, n. 53, p. 1242-1267, 2015.). Na UFMG, também existe uma disciplina na licenciatura em Matemática chamada Números na Educação Básica (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS, Sd). São ações importantes que precisam multiplicar-se e serem testadas com um público maior, formando um corpo de dados consistente para atrair mais pesquisadores, professores e formadores de professores para participar do debate e produzir novas pesquisas sobre o tema.

  • 1
    Referimo-nos aqui especificamente ao modelo de imagem conceitual desenvolvido por David Tall e Shlomo Vinner (TALL; VINNER, 1981TALL, David; VINNER, Shlomo. Concept image and concept definition in mathematics with particular reference to limits and continuity. Educational Studies in Mathematics, Heidelberg, v. 12, p. 151 – 169, 1981.). Trata-se de um modelo para a estrutura cognitiva responsável pela aquisição e pela manipulação dos conceitos, construída ao longo do tempo por meio de experiências variadas, podendo mudar à medida que o indivíduo encontra novos estímulos e amadurecimento. A aprendizagem tem maiores chances de se tornar efetiva e duradoura quanto maior é a variedade de relações, figuras mentais e procedimentos referentes a um determinado conceito, principalmente aquelas que estabelecem ligações com outros conceitos. Para mais detalhes sobre a imagem conceitual, direcionamos o leitor para Broetto (2016)BROETTO, Geraldo. O ensino de números irracionais para alunos ingressantes da licenciatura em matemática, 2016. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2016..

Referências

  • ÁVILA, Geraldo. Análise matemática para licenciatura 3. ed. São Paulo: Edgard Blücher, 2006.
  • BOFF, Daiane Scopel. A construção dos números reais na escola básica 2006. 254 f. Dissertação (Mestrado em Ensino de Matemática) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006.
  • BORTOLOSSI, Humberto José. A formação nas universidades do professor de matemática para a escola básica: o que é realmente preciso e prioritário? In: COLÓQUIO DO INSTITUTO DE MATEMÁTICA E ESTATÍSTICA DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE, 2017. Niterói. Anais… Niterói, 2017. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=FSzSetkZLq0>. Acesso em: dezembro de 2017.
    » https://www.youtube.com/watch?v=FSzSetkZLq0
  • BRASIL. Base Nacional Curricular Comum MEC/Consed/Undime. Brasília: Ministério da Educação, 2017.
  • BRASIL. Base Nacional Curricular Comum 2.ᵃ versão. MEC/Consed/Undime. Brasília: Ministério da Educação, 2016.
  • BRASIL. Matriz de Referência Prova Brasil - Matemática – 8.ᵃ série do Ensino Fundamental. Brasília: Inep, 2011.
  • BRASIL. Matriz de Referência para o ENEM 2009 Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2009.
  • BRASIL. Plano de Desenvolvimento da Educação: SAEB, Ensino Médio, matrizes de referência, tópicos descritores. Brasília: MEC/SEB, 2008a.
  • BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio - Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias. Brasília: Ministério da Educação, 2000.
  • BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática (3.° e 4.° ciclos do Ensino Fundamental). Brasília: MEC/SEF, 1998.
  • BROETTO, Geraldo. O ensino de números irracionais para alunos ingressantes da licenciatura em matemática, 2016. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2016.
  • BROETTO, Geraldo; SANTOS-WAGNER, Vânia Maria Pereira dos. Um modelo para analisar a imagem do conceito de estudantes universitários: o caso dos números irracionais. Vidya, Santa Maria, v. 37, n. 2, p. 335-354, jul./dez., 2017.
  • DANTE, Luiz Roberto. Tudo é matemática 8.ᵃ série. São Paulo: Ática, 2005.
  • DIAS, Marisa da Silva. Reta real: conceito imagem e conceito definição. 2002. 107 f. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática) - Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2002.
  • FISCHBEIN, Efraim; JEHIAM, Ruth; COHEN, Dorit. The concept of irrational numbers in high-school students and prospective teachers. Educational Studies in Mathematics, Heidelberg, n. 29, p. 29-44, 1995.
  • GIOVANNI JR., Jose Ruy; CASTRUCCI, Benedicto. A conquista da Matemática 8.° ano. São Paulo: FTD, 2009.
  • GOMES, Danilo Olímpio et al. Quatro ou mais pontos de vista sobre o ensino de Análise matemática. Bolema, Rio Claro, v. 29, n. 53, p. 1242-1267, 2015.
  • IGLIORI, Sonia Barbosa Camargo; SILVA, Benedito Antonio da. Conhecimentos das concepções prévias de estudantes sobre números reais: um suporte para melhoria do ensino-aprendizagem. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 21., 1998, Caxambu. Anais… Caxambu: Anped, 1998, p. 1-20.
  • IMENES, Luiz Márcio; LELLIS, Marcelo. Matemática 9.° ano. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2012.
  • KLEIN, Felix. Elementary mathematics from an advanced standpoint Londres: Macmillian and Co. Ltd., 1932.
  • LIMA, Elon Lages (Ed.). Exame de textos: análise de livros de matemática para o Ensino Médio. Rio de Janeiro: VITAE/IMPA/SBM, 2001.
  • LIMA, Elon Lages et al. A matemática do Ensino Médio vol. 1. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Matemática, 1996.
  • MELO, Severino Barros de. A compreensão do conceito de número irracional: uma radiografia do problema e uso da história como uma alternativa de superação. 1999. 222 f. Dissertação (Mestrado em Educação nas Ciências) - Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife, 1999.
  • MOREIRA, Plinio Cavalcanti. O conhecimento matemático do professor: formação na licenciatura e prática docente na escola básica. 2004. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2004.
  • MOREIRA, Plínio Cavalcanti; DAVID, Maria Manuela. A formação matemática do professor: licenciatura e prática docente escolar. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.
  • MOREIRA, Plínio Cavalcanti; FERREIRA, Maria Cristina Costa. O que é número real? Os números reais na formação do professor de matemática. In: CURY, Helena Noronha; VIANNA, Carlos Roberto (Org.). Formação do professor de matemática: reflexões e propostas. Santa Cruz do Sul: IPR, 2012. p. 49-94.
  • MOREIRA, Plínio Cavalcanti; CURY, Helena Noronha; VIANNA, Carlos Roberto. Por que Análise Real na licenciatura? Bolema, Rio Claro, v. 30, n. 55, p. 515-534, 2016.
  • NAKAMURA, Keiji. Conjunto dos números irracionais: a trajetória de um conteúdo não incorporado às práticas escolares. 2008. 128 f. Dissertação (Mestrado em Ensino de Matemática) - Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2008.
  • PAIVA, Manoel. Matemática vol. 1. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2013.
  • PASQUINI, Regina Célia Guapo. Um tratamento para os números reais via medição de segmentos: uma proposta, uma investigação. 2007. 209 f. Tese (Doutorado em Educação Matemática) - Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2007.
  • PENTEADO, Cristina Berndt. Concepções de professores do Ensino Médio relativas à densidade do conjunto dos números reais e suas reações frente a procedimentos para a abordagem desta propriedade 2004. 247 f. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática) - Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2004.
  • POMMER, Wagner Marcelo. A construção de significados dos números irracionais no ensino básico: uma proposta de abordagem envolvendo os eixos constituintes dos Números Reais. 2012. 246 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade de São Paulo, 2012.
  • REZENDE, Wanderley Moura. O ensino de Cálculo: dificuldades de natureza epistemológica. 2003. 468 f. Tese (Doutorado em Ensino de Ciências e Matemática) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003.
  • SHULMAN, Lee S. Those who understand: knowledge growth in teaching. Educational Researcher, Thousand Oaks, v. 15, n. 2, p. 4-14, 1986.
  • SILVA, Ana Lúcia Vaz. Números reais no Ensino Médio: identificando e possibilitando imagens conceituais. 2011. 340 f. Tese (Doutorado em Ciências Humanas – Educação) - Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, 2011.
  • SILVA, Benedito Antonio da; PENTEADO, Cristina Berndt. Fundamentos dos números reais: concepções de professores e viabilidade de início do estudo da densidade no Ensino Médio. Educação Matemática em Pesquisa, São Paulo, v. 11, n. 2, p. 351-371, 2009.
  • SILVA, Ezequiel Theodoro da. Livro didático: do ritual de passagem à ultrapassagem. Em aberto, Brasília, n. 69, p. 11-15, 1996.
  • SIROTIC, Natasa; ZAZKIS, Rina. Irrational numbers: the gap between formal and intuitive knowledge. Educational Studies in Mathematics, Heidelberg, v. 65, n. 1, p. 49-76, 2007.
  • SOARES, Eliana Farias; FERREIRA, Maria Cristina Costa; MOREIRA, Plinio Cavalcanti. Números reais: concepções dos licenciandos e formação matemática na licenciatura. Zetetiké, Campinas, v. 7, n. 12, p. 95-117, 1999.
  • SOUTO, Alexandre Machado. Análise dos conceitos de número irracional e número real em livros didáticos da Educação Básica 2010. 106 f. f. Dissertação (Mestrado em Ensino de Matemática) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010.
  • TALL, David; VINNER, Shlomo. Concept image and concept definition in mathematics with particular reference to limits and continuity. Educational Studies in Mathematics, Heidelberg, v. 12, p. 151 – 169, 1981.
  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS. Programa da disciplina “Números na Educação Básica” Instituto de Ciências Exatas, Departamento de Matemática. [Sd]. Disponível em: <http://www.mat.ufmg.br/gradmat/disciplinas/MAT049.html>. Acesso em: 06/04/2017.
    » http://www.mat.ufmg.br/gradmat/disciplinas/MAT049.html
  • ZAZKIS, Rina.; LEIKIN, Roza. Advanced mathematical knowledge in teaching practice: perceptions of secondary mathematics teachers. Mathematical thinking and learning, Mahwah, NJ, v. 12, n. 4, p. 263-281, 2010.
  • ZAZKIS, Rina; SIROTIC, Natasa. Making sense of irrational numbers: focusing on representation. In: 28TH CONFERENCE OF THE INTERNATIONAL GROUP FOR THE PSYCHOLOGY OF MATHEMATICS EDUCATION. 28., 2004, Bergen. Anais… Bergen: Bergen University College, 2004. p. 497-504.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Ago 2019
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2019

Histórico

  • Recebido
    18 Abr 2018
  • Aceito
    19 Nov 2018
UNESP - Universidade Estadual Paulista, Pró-Reitoria de Pesquisa, Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática Avenida 24-A, 1515, Caixa Postal 178, 13506-900 Rio Claro - SP Brasil - Rio Claro - SP - Brazil
E-mail: bolema.contato@gmail.com