Acessibilidade / Reportar erro

Movimento de Decolonialidade de Gênero nas Aulas de Matemática: o trabalho com Tecnologias Digitais (TD)

Gender Decoloniality Movement in Mathematics Classes: the work with Digital Technologies (DT)

Resumo

Investigamos de que modo problematizações podem emergir de uma prática pedagógica decolonial que utiliza memes misóginos e a reflexão matemática sobre questões de gênero, com recursos digitais, em uma aula de matemática do 1° ano do Ensino Médio. Partimos da concepção de gênero como uma forma de colonialidade. Nessa perspectiva, vamos ao encontro da decolonialidade que atua para desestabilizar a ideia colonial, percebendo a concepção de gênero pela necessidade de se questionar os padrões eurocêntricos. Assim, nesse estudo, o grupo de participantes resolveu atividades com memes e com Google Trends, discutindo aspectos relativos à concepção de gênero, principalmente, pela matemática. Buscamos, sob uma abordagem qualitativa, investigar por meio da matemática com Tecnologias Digitais (TD) uma prática que venha problematizar a concepção de gênero, promovendo a consciência de valores e dos direitos humanos. Nesse artigo, apresentamos um recorte da prática, a qual foi protagonizada por um grupo de estudantes. A problematização começou a ser constatada em um primeiro momento de atividades, pois a imagem que um aluno tinha da mulher continha traços da colonialidade, ou seja, traços de inferiorização, subalternização e invisibilidade da mulher. Mas, no decorrer da pesquisa, esse mesmo aluno demonstrou resistência à colonialidade, questionando, problematizando os padrões de beleza e comportamento feminino impostos pela sociedade. Por meio das práticas de propor um ambiente de discussão com memes e análise crítica dos gráficos gerados pelo Google Trends, as problematizações da concepção de gênero foram efetuadas de modo a tornarem-se potencializadas pela matemática com TD.

Palavras-chave:
Educação Matemática; Decolonialidade; Gráficos; Google Trends; Memes

Abstract

This research aims to investigate how problematizations can emerge from decolonial practice that uses misogynistic memes and mathematical reflection on gender issues with digital resources, in a mathematics class in the 1st year of high school. We apply theoretical lens which discuss the conception of gender as one of the faces of coloniality. In this perspective, we are going to meet the decoloniality that acts to destabilize the colonial idea, realizing the conception of gender by the need to question the Eurocentric standards. Thus, in this study, the participants solved activities with memes and Google Trends, in order to discuss aspects related to the conception of gender, mainly by mathematics. We seek to investigate under a qualitative approach the education in the research itself, through mathematics with Digital Technologies (DT), in order to understand possible practices that can problematize the conception of gender, so that awareness of values and human rights is promulgated from mathematics classes. In this article, we present the problematization regarding the understanding of gender conception in a section of the practice, which was carried out by a student group. The problematization was firstly considered during an activity, the image that one male student had of women contained traces of coloniality, that is, traces of inferiority, subordination and invisibility of women, on the part of men. However, during the research, this same student demonstrated resistance to coloniality, questioning, problematizing the standards of beauty and female behaviour imposed by society, through the practices of proposing discussion environments with memes and critical analysis of the graphics generated by Google Trends. Thus, the problematizations of the gender concept were took into consideration to become potentiated by mathematics with DT.

Keywords:
Mathematics Education; Decoloniality; Graphics; Google Trends; Memes

1 Insubordinando-se

D’Ambrosio (2014D’AMBROSIO, U. A Educação Matemática e o Estado do Mundo: desafios. Em Aberto, Brasília, v. 27, n. 91, p. 157-169, jan./jun. 2014., p. 160) revela:

[…] os pássaros vivendo em uma gaiola alimentam-se do que encontram na gaiola, voam só no espaço da gaiola, comunicam-se numa linguagem conhecida por eles, procriam e repetem-se e só veem e sentem o que as grades permitem. Não podem saber de que cor a gaiola é pintada por fora.

Para nós, essa citação resume na íntegra o que pretendemos com nossa pesquisa, quer seja, investigar como soltar “os pássaros”. Soltar de forma que eles não retornem à gaiola e consigam ver as cores dessa, assim como as do mundo. Dessa forma, buscamos investigar como educar matematicamente nossas estudantes sob uma perspectiva crítica e coerente com valores humanos, referentes à paz, à honestidade e à justiça, prezando pelo respeito mútuo e convivência com as diferenças.

Pretendemos investigar como fazer muitas de nossas estudantes saírem da gaiola do preconceito, de uma visão colonial de gênero, de uma perspectiva limitada e conteudista da matemática, a qual, a nosso ver, invisibiliza e menospreza segmentos sociais e suas formas de pensar matematicamente, privilegiando em contrapartida uma postura meritocrata, masculina e eurocêntrica. Diante disso, ressaltamos que nossa pesquisa contou com alunas e alunos, no entanto, adotamos uma forma de escrita que generalizará o grupo no feminino. Essa adoção é uma atitude política e de reflexão, pois, a nosso ver, fará com que “nossas leitoras” reflitam e se situem na dinâmica investigada nesse artigo. Ou seja, assumimos essa forma de escrita, pois, “[…] o reconhecimento da autonomia da forma – seus significados enquanto linguagem – se constituem não apenas opções estilísticas ou estéticas, mas são reflexos de visões de mundo subjetivas” (SOUZA et. al., 2016SOUZA, E. A.; OLIVEIRA, G. A. F.; MIRANDA, E. R.; COUTINHO, S. G.; FILHO, G. P.; WAECHTER, H. N. Alternativas Epistemológicas para o Design da Informação: a forma enquanto conteúdo. InfoDesign – Revista Brasileira de Design da Informação, São Paulo, v. 16, n. 2, p. 107 – 118, 2016., p. 115).

Nessa perspectiva, entendemos que precisamos assumir uma postura insurgente e resistir permanentemente a posturas machistas, racistas, homofóbicas, transfóbicas, ageístas, entre outras que possuem caráter preconceituoso e de subalternização. Precisamos nos colocar em atenção constante aos problemas historicamente vivenciados por minorias, assim como aqueles que se revelam dia a dia. Também temos problemas cotidianos em termos de ensino e de aprendizagem de matemática, os quais estão correlacionados, muitas vezes, com uma educação presa/condicionada a posturas radicais de visão de mundo, sustentadas pela colonialidade. Isto é,

[…] a colonialidade não está limitada a uma relação formal de poder entre povos ou nações, mas se refere a um padrão de poder que emergiu como resultado do colonialismo moderno, estando presente na forma como o trabalho, o conhecimento, a autoridade e as relações intersubjetivas se manifestam e se articulam entre si. […] a colonialidade, portanto, sobrevive ao colonialismo (PINTO, 2019PINTO, D. M. Experiências com Matemática(s) na Escola e na Formação Inicial de Professores: desvelando tensões em relações de colonialidade. 2019. Tese (Doutorado em Ensino e História da Matemática e da Física) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019., p. 26).

Assim, esse padrão de poder intersubjetivo faz com que ainda estejamos presas a gaiolas. Nossa sociedade, muitas vezes, permanece engaiolada e reforça posturas preconceituosas em relação à matemática, ao “ser”, ao pensar e ao saber-fazer, que lhes é garantida por uma repetição de atos de uma comunidade, de um grupo cultural, sem que haja entendimento dos valores e dos direitos humanos. Muitas vezes, repete estereótipos sem sair da gaiola, sem pensar, pois só vê o que foi adestrada a ver, só sente aquilo que as grades permitem. Logo, entendemos que cabe propormos práticas pedagógicas insurgentes de debate e conscientização de direitos humanos também nas aulas de matemática, de forma a evidenciarmos possíveis problematizações e investigar de que modo elas ocorrem, quanto à concepção de gênero, por exemplo, pois cabe também buscar realizar reflexões sobre perspectivas dicotomizadas, binárias e de diferença de poder no próprio binarismo, tentando problematizar essas questões.

Nesse sentido, atualmente no Brasil, a perspectiva política dicotomizada, por um lado, reforça ainda mais os estereótipos de gênero, por exemplo. Basta analisar revelações da atual ministra da “Mulher, Família e Direitos Humanos” quando afirma que “Menino veste azul e menina veste rosa”, revelando ser uma metáfora contra a suposta ideologia de gênero (MARTINS, 2019MARTINS, A.G. Menino Veste Azul e Menina Veste Rosa é Metáfora para Respeitar o que é Natural. 2019. Disponível em: https://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,menino-veste-azul-e-menina-veste-rosa-e-metafora-para-respeitar-o-que-e-natural-diz-secretaria,70002668135. Acesso em: 14 ago. 2019.
https://brasil.estadao.com.br/noticias/g...
). Ou seja, há uma invenção designada/nomeada como ideologia de gênero que sugere um sentido pejorativo ao que se entende por identidade de gênero (conceito estudado por exemplo por Butler (2020)BUTLER, J. Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade. Tradução de Renato Aguiar. 19. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2020.) e, mais que isso, busca por meio de ataques a movimento feministas e LGBTQIA+1 1 “LGBTQIA+ é o movimento político e social que defende a diversidade e busca mais representatividade e direitos para a comunidade. O seu nome demonstra a sua luta por mais igualdade e respeito à diversidade. Entenda o significado de cada letra da sigla LGBTQIA+. L = Lésbicas – São mulheres que sentem atração afetiva/sexual pelo mesmo gênero, ou seja, outras mulheres. G = Gays - São homens que sentem atração afetiva/sexual pelo mesmo gênero, ou seja, outros homens. B = Bissexuais – Diz respeito aos homens e mulheres que sentem atração afetivo/sexual pelos gêneros masculino e feminino. T = Transexuais – A transexualidade não se relaciona com a orientação sexual, mas se refere à identidade de gênero. Dessa forma, corresponde às pessoas que não se identificam com o gênero atribuído em seu nascimento. As travestis também são incluídas neste grupo. Porém, apesar de se identificarem com a identidade feminina constituem um terceiro gênero. Q = Queer – Pessoas com o gênero ‘Queer’ são aquelas que transitam entre as noções de gênero, como é o caso das drag queens. A teoria queer defende que a orientação sexual e identidade de gênero não são resultado da funcionalidade biológica, mas de uma construção social. I = Intersexo – A pessoa intersexo está entre o feminino e o masculino. As suas combinações biológicas e desenvolvimento corporal - cromossomos, genitais, hormônios, etc - não se enquadram na norma binária (masculino ou feminino). Assexual – Assexuais não sentem atração sexual por outras pessoas, independente do gênero. Existem diferentes níveis de assexualidade e é comum que estas pessoas não vejam as relações sexuais humanas como prioridade. + = O + é utilizado para incluir outros grupos e variações de sexualidade e gênero. Aqui são incluídos os pansexuais, por exemplo, que sentem atração por outras pessoas, independente do gênero” (SILVA, 2020). reforçar a dicotomia, a binaridade de gênero e a exclusão de tantos outros.

Logo, como afirma Walsh (2013WALSH, C. Lo Pedagógico y ló Decolonial: entretejiendo caminos. In: WALSH, C. (org.). Pedagogíasdecoloniales: prácticas insurgentes de resistir, (re)existir y (re)vivir. Quito: Abya Yala, 2013. p. 23-68., p. 23, tradução nossa), “Há alguns anos, o intelectual crítico de origem jamaicana Stuart Hall argumentou que os momentos políticos produzem movimentos teóricos”2 2 “Hace algunos años atrás, el intelectual crítico de origen jamaiquino Stuart Hall argumentó que los momentos políticos producen movimientos teóricos”. . Esse fato faz com que o nosso movimento teórico também esteja imbricado na conjuntura política em que vivemos. Assim, indagaremos como podemos marcar posição para que as diferenças sejam reconhecidas, assumidas e que não sirvam como forma de subjugar, menosprezar, desvalorizar e explorar o/a/e outro/outra/outre3 3 Conforme Guia para uma Linguagem Neutra (CASSIANO, 2019). . Investigaremos, nesse caso, como a matemática e as Tecnologias Digitais (TD), no caso, memes de internet e Google Trends, fontes de potencialização da constituição do conhecimento matemático (ROSA, 2018ROSA, M. Tessituras teórico-metodológicas em uma perspectiva investigativa na Educação Matemática: da construção da concepção de Cyberformação com professores de matemática a futuros horizontes. In: OLIVEIRA, A. M. P. de; ORTIGÃO, M. I. R. (Orgs.). Abordagens teóricas e metodológicas nas pesquisas em educação matemática. 1ed. Brasília: SBEM, 2018, p. 255-281. Disponível em: < http://www.sbembrasil.org.br/files/ebook_.pdf>. Acesso em: 08 jun. 2021.
http://www.sbembrasil.org.br/files/ebook...
), podem contribuir para problematizar a concepção de gênero e respeitar o/a/e próximo/próxima/próxime4 4 Cassiano (2019). em relação a essa concepção.

Faremos um recorte frente a identidades de gênero e focaremos nas situações que as mulheres passam. Discutiremos por meio de memes da internet, preconceituosos contra a mulher, e de recursos tecnológicos, o sentido atribuído à concepção de gênero pelas estudantes. Um meme da internet “[…] é uma unidade de informação (ideia, conceito ou crença), que se reproduz pela transmissão via Internet (e-mail, chat, fórum, redes sociais, etc.) na forma de um hiperlink, vídeo, imagem ou frase. Pode ser passado como uma cópia exata ou pode mudar e evoluir”5 5 “An internet meme is a unit of information (idea, concept or belief), which replicates by passing on via Internet (e-mail, chat, forum, social networks, etc.) in the shape of a hyper-link, video, image, or phrase. It can be passed on as an exact copy or can change and evolve”. (DÍAZ, 2013DÍAZ, C. C. M. Defining and Characterizing the Concept of Internet Meme. Revista CES Psicología, Medellín, v. 2, p. 82-104, 2013., p. 97, tradução nossa).

“Concepção”, por sua vez, é, nesse artigo, entendida como no “Dicionário Básico de Filosofia”, de Japiassú e Marcondes (2001JAPIASSÚ, H. MARCONDES, D. Dicionário Básico de Filosofia. 3. ed. Rio de janeiro: Jorge Zahar, 2001., p. 39), ou seja, “[…] operação pela qual o sujeito forma, a partir de uma experiência física, moral, psicológica ou social, a representação de um objetivo de pensamento ou conceito”. Assim, nossa pesquisa investiga em termos da pergunta diretriz: “De que modo problematizações podem emergir de uma prática pedagógica decolonial, que utiliza memes misóginos e a reflexão matemática sobre a concepção de gênero com recursos digitais, em uma aula de matemática do 1° ano do Ensino Médio?

Nos orientamos por essa questão uma vez que entendemos a aula de matemática e as práticas pedagógicas que nela ocorrem como movimentos de Educação Matemática, ou seja, meios de educar-se pela matemática ou educar-se matematicamente (ROSA, 2018ROSA, M. Tessituras teórico-metodológicas em uma perspectiva investigativa na Educação Matemática: da construção da concepção de Cyberformação com professores de matemática a futuros horizontes. In: OLIVEIRA, A. M. P. de; ORTIGÃO, M. I. R. (Orgs.). Abordagens teóricas e metodológicas nas pesquisas em educação matemática. 1ed. Brasília: SBEM, 2018, p. 255-281. Disponível em: < http://www.sbembrasil.org.br/files/ebook_.pdf>. Acesso em: 08 jun. 2021.
http://www.sbembrasil.org.br/files/ebook...
) e as Tecnologias Digitais (TD) como recursos que podem potencializar a constituição do conhecimento.

Consideramos que as TD, em especial as redes sociais digitais, são meios que podem favorecer a aproximação de pessoas de todo o mundo, no sentido comunicacional, constituindo-se também um espaço em que as suas usuárias compartilham pensamentos, opiniões, ideias e sentimentos, além de promover debates sobre diversos temas importantes e pertinentes da atualidade. Entretanto, não somos ingênuas frente a essa afirmação, pois reconhecemos que nessa perspectiva há também exclusão digital. As redes sociais aproximam muitas pessoas, mas essas aproximações não independem de quem está do outro lado do ecrã, na outra ponta dos diferentes fios da rede e nem das relações de poder subjacentes. As aproximações também estão condicionadas a perspectivas coloniais e precisamos inclusive problematizá-las.

Há, então, diversos debates efetuados nas redes sociais, entre eles, a questão do gênero, que, especificamente, na atual conjuntura política, no que se refere à imagem, ao lugar, à linguagem e ao espaço das diferenças, é evidenciada. Ou seja, a imagem da mulher, não se exime em absoluto desse debate. Segundo Meneses (2012)MENESES, C. S. Relações de Gênero na rede social: um olhar sobre o “Manual para entender as mulheres”. In: NOME DO EVENTO, 16., 2012, Rio de Janeiro. Anais […] Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2012. p. 2636 – 2654., ao assumirmos que “comunicação é poder”, percebemos que as falas que permeiam nas redes sociais trazem aspectos históricos, políticos e teóricos que estão enraizados em nossa cultura. Dentre esses aspectos, a autora destaca a imagem da mulher, sua fala e como ela se relaciona com a sociedade, mais particularmente com o homem. Essa imagem, muitas vezes é intrigantemente ressaltada em “memes” da internet. Esses, como mencionamos, são imagens ou vídeos que viralizam, ou seja, são compartilhados por um número grande de pessoas nas redes sociais, como o WhatsApp, Facebook ou Instagram.

Muitas vezes, então, a viralização do meme não se dá propriamente por causa do respeito aos valores e direitos humanos que sua imagem e/ou ideia subjacente manifesta. Ao contrário disso, o estereótipo da mulher que não sabe matemática, da mulher submissa e inferior ao homem, é tratado de maneira supostamente cômica e que repercute como ato de consolidação de um pensamento colonial, no caso, colonial de gênero. Nossa intenção é desvelar que, em contrapartida à colonialidade, está a decolonialidade, como um modo profícuo de se movimentar no sentido de “[…] um caminho de luta contínuo no qual se pode identificar, viabilizar e incentivar ‘lugares’ de exterioridade e construções alter-(n)ativas”6 6 “[…] un camino de lucha continuo en el cual se puede identificar, visibilizar y alentar ‘lugares’ de exterioridad y construcciones alter-(n)ativas”. (WALSH, 2013WALSH, C. Lo Pedagógico y ló Decolonial: entretejiendo caminos. In: WALSH, C. (org.). Pedagogíasdecoloniales: prácticas insurgentes de resistir, (re)existir y (re)vivir. Quito: Abya Yala, 2013. p. 23-68., p. 25, tradução nossa). Nessa perspectiva, assumimos juntamente com Gomes (2018GOMES, C. M. Gênero como Categoria de Análise Decolonial. Civitas, Porto Alegre, v. 18, n. 1, p. 65-82, jan.-abr. 2018., p. 66) que “A intenção do uso da categoria gênero no lugar da categoria sexo tem uma primeira função ou consequência de rejeitar a imposição por um determinismo biológico sobre o que seria ‘ser mulher’ e ‘ser homem’”.

Nesta pesquisa, então, buscamos discutir gênero como categoria de análise decolonial e sua implicação na Educação Matemática, por meio de atividades com memes, esses encontrados nas redes sociais, os quais abordam enunciados sobre gênero, assim como, refletir sobre fatos ligados à concepção de gênero em um determinado intervalo de tempo que podem ser graficados e analisados com o Google Trends. O Google Trends, conforme Santos (2018SANTOS, R. R. dos. Google Trends e Google Correlate: potencialidades para o ensino de matemática em turmas de 9° ano do Ensino Fundamental. 2018. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Licenciatura em Matemática) – Instituto de Matemática, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018., p.17),

[…] é um recurso gratuito disponibilizado pelo Google que permite acompanhar a evolução do número de buscas por uma determinada palavra-chave ou tópico ao longo do tempo. Ao pesquisar por uma palavra, o software mostra um gráfico em que o eixo horizontal representa o tempo, que pode ser pesquisado a partir de 2004, e o vertical que representa o volume de buscas.

Logo, as atividades matemáticas com o Google Trends foram utilizadas para que as estudantes analisassem buscas correlacionadas às temáticas gênero e matemática, com intuito de usar a própria matemática, em termos de análise dos gráficos, principalmente, em determinados períodos, correlacionando-os a fatos históricos, políticos e sociais. A intenção foi problematizar, gerar o debate, a reflexão e a ação em termos de identificação de valores e direitos humanos por parte da própria matemática.

Realizamos uma práxis propositiva, unindo matemática, Tecnologias Digitais e gênero, como uma ação que, segundo Pinto (2019PINTO, D. M. Experiências com Matemática(s) na Escola e na Formação Inicial de Professores: desvelando tensões em relações de colonialidade. 2019. Tese (Doutorado em Ensino e História da Matemática e da Física) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019., p. 35), “[…] entrelaça o pedagógico e o decolonial, baseada em práticas, estratégias e metodologias que se constroem na resistência, na oposição e na insurgência dentro de/para lutas sociais, políticas, ontológicas e epistêmicas de libertação”. Isso significa que, por meio da matemática e das TD, criamos uma práxis de insubordinação criativa, pois, de acordo com D’Ambrosio e Lopes (2015D’AMBROSIO, B. S.; LOPES, C. E. Insubordinação Criativa: um convite à reinvenção do educador matemático. Bolema, Rio Claro, v. 29, n. 51, p. 1-17, 2015. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-636X2015000100002&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 30 ago. 2017.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, p. 1), há “[…] a necessidade de a comunidade reinventar as práticas da Educação Matemática […] [isto é] atrever-se a criar e ousar na ação docente decorrente do desejo de promover uma aprendizagem na qual os estudantes atribuam significados ao conhecimento matemático”. No nosso caso, buscamos criar sentido respeitando valores e direitos humanos. Logo, passamos a dialogar com a teoria, de modo a sustentar nossa forma de insubordinação, em termos de escolhas metodológicas no trabalho com TD, assim como nossa concepção de gênero sustentada na perspectiva decolonial.

2 Teorizando-se

Iniciamos, seguindo o que Rosa (2017ROSA, M. Insubordinação Criativa e a Cyberformação com professores de Matemática: desvelando experiências estéticas por meio de tecnologias de Realidade Aumentada. Revista de Ensino de Ciências e Matemática, v. 8, n. 4, p. 157-173, 21 dez. 2017. Disponível em: <https://revistapos.cruzeirodosul.edu.br/index.php/rencima/article/view/1500>. Acesso em: 08 jun. 2021.
https://revistapos.cruzeirodosul.edu.br/...
, p. 159) revela ao afirmar que

[…] a pesquisa envolvendo tecnologias e Educação Matemática, cada vez mais, se torna necessária e abre possibilidades à subversividade responsável. É devido ao desenvolvimento das Tecnologias Digitais que pesquisas ligadas à Educação Matemática e que investigam o uso dessas, tornam-se frequentes. Isso acontece, pois essas tecnologias têm modificado a sociedade em quase todas as áreas e, sendo assim, o campo educacional não é exceção, muito pelo contrário, trata-se de uma área em que essas tecnologias apresentam um potencial considerável […].

Esse potencial liga-se ao que entendemos como característica proeminente dos recursos tecnológicos, a qual se desvela na ação desestruturante de práticas convencionais, cotidianas e rotineiras. Para nós, inserir interfaces tecnológicas no ambiente educacional matemático pode fornecer uma ampla gama de inquietações a serem analisadas, para que se possa ampliar e/ou potencializar o ensino e a aprendizagem de matemática, correlacionados com temáticas, as quais carecem, muitas vezes, de atenção depurada. Nesse sentido, buscamos, evidenciar problematizações, inclusive em relação às TD, pois é fundamental:

[…] questionar as formas como a matemática pode ser produzida na escola, quando se utiliza TD; enfatizar a humanidade e a incerteza da disciplina de Matemática e do uso de Tecnologias Digitais em sala de aula; posicionar tanto […] [as] alun[a]s como autor[a]s da matemática, quanto […] [as] professor[a]s como autor[a]s de práticas educativas […]; e desafiar os discursos discriminatórios […] em sala de aula (prática a ser orientada como insubordinação criativa) (ROSA, 2017ROSA, M. Insubordinação Criativa e a Cyberformação com professores de Matemática: desvelando experiências estéticas por meio de tecnologias de Realidade Aumentada. Revista de Ensino de Ciências e Matemática, v. 8, n. 4, p. 157-173, 21 dez. 2017. Disponível em: <https://revistapos.cruzeirodosul.edu.br/index.php/rencima/article/view/1500>. Acesso em: 08 jun. 2021.
https://revistapos.cruzeirodosul.edu.br/...
, p. 160-161).

A insubordinação criativa “[…] é um componente da tomada de decisão discricionária. Envolve não se curvar a diretrizes de ordens superiores e, mesmo, desobedecer a elas, se elas puderem prejudicar os professores e/ou alunos” (LOPES; PERES; GRANDO, 2017LOPES, C. E.; PERES G. J.; GRANDO R. C. Os Percursos da Insubordinação Criativa nas Pesquisas Socializadas no ICOCIME 1. REnCiMa, São Paulo, v. 8, n. 4, p. 1-4, 2017., p. 2). Logo, tomar uma postura decolonial em termos de gênero e usar justamente a matemática com Tecnologias Digitais para isso torna-se, para nós, uma atitude insubordinada criativamente. Isto é, mesmo que sejamos bombardeadas, não cabe os manifestos de diferenciação biológica de gênero, publicamente anunciados pelo governo e seus ministros responsáveis pelas pastas de Direitos Humanos e de Educação, se esses manifestos prejudicam estudantes que não querem ser tratadas como princesas e príncipes, que não querem usar azul ou rosa, respectivamente, cores imputadas à sexualidade biológica. Também, não cabe dizer que não podem ser tratadas como princesas e príncipes, respectivamente, porque são meninos e meninas e que a ordem “deveria” ser inversa, ou que, do mesmo modo, não podem usar azul porque são meninas e não podem usar rosa porque são meninos.

Nossa intenção é teoricamente buscar nessa pesquisa promulgar um ato de insubordinação criativa, evidenciar de que modo acontecem possíveis problematizações que venham a emergir da aula de matemática, pelo fato de entender como podemos atuar em uma perspectiva decolonial de gênero, trabalhando matematicamente com TD. Com isso, continuamos a discutir.

2.1 Gênero

Segundo Meyer (2004MEYER, D. E. Teorias e Políticas de Gênero: fragmentos históricos e desafios atuais. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, v. 57, n. 1, p. 13-8, jan./fev. 2004., p. 14), a constituição da concepção de gênero se deu devido a

[…] trajetória de institucionalização científica e acadêmica, as teorizações feministas também questionaram e abalaram, desde o início e de muitas formas, pressupostos básicos do paradigma de Ciência hegemônico, tais como a universalidade, a racionalidade, a neutralidade, a objetividade, a prerrogativa de definir ‘a’ verdade, a ascendência sobre qualquer outra forma de saber que não compartilhasse de tais requisitos, a suposição de uma essência humana – masculina e branca - centrada na razão, dentre muitos outros. Tais processos foram [são] permeados por confrontos e resistências tanto com aqueles e aquelas que continu[av]am utilizando e reforçando justificativas biológicas ou teológicas para as diferenças e desigualdades entre mulheres e homens, quanto com aqueles que, desde perspectivas marxistas, defendiam e defendem a centralidade da categoria de classe social para a compreensão das diferenças e desigualdades sociais.

E é nesse cenário de debates e confrontos que se fez necessário demonstrar que não são as características físicas e biológicas que estabelecem as diferenças entre mulheres e homens. Inclusive não é qualquer característica física ou biológica que determina qualquer gênero. Ou seja, a discussão de gênero perfaz questões que vão além de uma posição/imposição hegemônica, heteronormativa, masculina e branca. Para Meyer (2004)MEYER, D. E. Teorias e Políticas de Gênero: fragmentos históricos e desafios atuais. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, v. 57, n. 1, p. 13-8, jan./fev. 2004., a partir desses debates, algumas feministas e estudiosas anglo-saxãs passariam a utilizar, então, o termo Gender, “gênero” em língua portuguesa, no início dos anos 70. A autora ainda ressalta que o termo foi sendo incorporado gradativamente às diversas “[…] correntes feministas, nos planos acadêmicos e políticos, sendo necessário frisar que essas incorporações implicaram, também, em definições múltiplas e nem sempre convergentes para o termo” (MEYER, 2004MEYER, D. E. Teorias e Políticas de Gênero: fragmentos históricos e desafios atuais. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, v. 57, n. 1, p. 13-8, jan./fev. 2004., p. 14). Por mais que essas definições tivessem suas diferenças, todas convergiam em um ponto: que as diferenças e desigualdades entre homens e mulheres eram construídas social e culturalmente e não por meios biológicos. Além disso, com os estudos de Butler (2020BUTLER, J. Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade. Tradução de Renato Aguiar. 19. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2020., p. 190) entendemos que,

A tarefa de distinguir sexo de gênero torna-se dificílima uma vez que compreendamos que os significados com marca de gênero estruturam a hipótese e o raciocínio das pesquisas biomédicas que buscam estabelecer o “sexo” para nós como se fosse anterior aos significados culturais que adquire.

Isto deve ser uma luta constante e aberta para que admitamos que “A partir de uma análise política da heterossexualidade compulsória, tornou-se necessário questionar a construção do sexo como binário, como um binário hierárquico” (BUTLER, 2020BUTLER, J. Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade. Tradução de Renato Aguiar. 19. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2020., p. 254).

Nesse sentido, Meyer (2004)MEYER, D. E. Teorias e Políticas de Gênero: fragmentos históricos e desafios atuais. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, v. 57, n. 1, p. 13-8, jan./fev. 2004. já se direcionava às ideias da autora Joan Scott (1990)SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 5-22, jul./dez. 1990., a qual já abordava a gênese dos estudos de gênero. A autora traz o uso da palavra gênero “[…] como uma maneira de se referir à organização social da relação entre os sexos” (SCOTT, 1990SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 5-22, jul./dez. 1990., p. 72). Gênero, para Scott (1990) destaca as “construções sociais” e enfatiza o “[…] caráter fundamentalmente social das distinções fundadas sobre o sexo” (SCOTT, 1990SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 5-22, jul./dez. 1990., p. 72), sendo empregado no sentido de rejeitar o determinismo biológico, além de destacar o “[…] aspecto relacional das definições da feminidade” (SCOTT, 1990SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 5-22, jul./dez. 1990., p. 72). Desta forma, o termo foi empregado para “[…] introduzir uma noção relacional em nosso vocabulário de análise”, uma vez que os estudos feministas estavam centralizados apenas nas mulheres. Porém não se pode compreender de maneira isolada qualquer um dos sexos, visto que “[…] homens e mulheres eram definidos em termos recíprocos” (SCOTT, 1990SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 5-22, jul./dez. 1990., p. 72).

Avançando nessa perceptiva, Butler (2020BUTLER, J. Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade. Tradução de Renato Aguiar. 19. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2020., p. 234) nos revela:

Essa produção disciplinar de gênero leva a efeito uma falsa estabilização do gênero, no interesse da construção e regulação heterossexuais da sexualidade no domínio do reprodutor. A construção da coerência oculta as descontinuidades do gênero, que grassam nos contextos heterossexuais, bissexuais, gays e lésbicos, nos quais o gênero não decorre necessariamente do sexo, e o desejo, ou a sexualidade em geral, não parece decorrer do gênero – nos quais, a rigor, nenhuma dessas dimensões da corporeidade significante expressa ou reflete outra.

Significa que já são vistos avanços teóricos relativos à superação da binaridade de gênero, embora haja críticas e reconhecimentos ao movimento feminista. As críticas se instalam na reprodução e reforço da binaridade por esse movimento, assim como, os reconhecimentos se configuram nas lutas contrárias e denúncias em relação à demarcação de poder por parte dos homens frente a essa binaridade.

Em Scott (1990)SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 5-22, jul./dez. 1990. entendemos que há a proposição de que o termo gênero poderia se desenvolver como uma categoria de análise, escrevendo não somente uma nova história das mulheres, mas também dos homens, visto que não se trata de dois universos separados. Nessa ocasião, é admirável a luta evidenciada em termos de superação da opressão sofrida. A autora afirma que, ao utilizarmos o termo gênero como substituto para o termo mulheres, essa substituição possibilita uma vantagem deste termo possuir uma significação mais neutra e mais objetiva do que o termo “mulheres”. Seu uso “[…] não implica necessariamente uma tomada de posições sobre a desigualdade ou o poder, nem tão pouco a parte lesada (e até invisível)” (SCOTT, 1990SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 5-22, jul./dez. 1990., p. 75).

Ainda, devemos destacar que o termo gênero, nesse período histórico, além de ser um substituto para o termo mulheres, já avança e precisa avançar ainda mais em termos de concepção, pois, segundo Louro (2008LOURO, G. L. Gênero e Sexualidade: pedagogias contemporâneas. Pro-Posição, v.19, n. 2, p. 17-23, maio/ago. 2008., p. 21):

No terreno dos gêneros e da sexualidade, o grande desafio, hoje, parece não ser apenas aceitar que as posições se tenham multiplicado, então, que é impossível lidar com elas a partir de esquemas binários (masculino/feminino, heterossexual/homossexual). O desafio maior talvez seja admitir que as fronteiras sexuais e de gênero vêm sendo constantemente atravessadas e o que é ainda mais complicado admitir que o lugar social no qual alguns sujeitos vivem é exatamente a fronteira. A posição de ambiguidade entre as identidades de gênero e/ou sexuais é o lugar que alguns escolheram para viver.

Ler e pensar o texto de Joan Scott, em 2020, significa se propor a refletir sobre suas ideias trinta anos depois de sua publicação. Ou seja, cabe levar em consideração seus estudos posteriores, os quais nos fornecem uma forma de reflexão que vai além de considerar gênero sendo baseado nas diferenças percebidas entre os sexos (SCOTT, 1990SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 5-22, jul./dez. 1990.). Isto, então, é o que Gomes (2018GOMES, C. M. Gênero como Categoria de Análise Decolonial. Civitas, Porto Alegre, v. 18, n. 1, p. 65-82, jan.-abr. 2018.) nos propõe em Gênero como categoria de análise decolonial. A autora afirma:

No marco da decolonialidade, o desfazimento da binaridade humanos/não-humanos se torna essencial e corpo, sexo, gênero e raça são categorias fundamentais para realizar esse procedimento e para, inclusive, ler como atribuímos sentido a homem e mulher não apenas dentro do sistema sexo/gênero, mas em um sistema de colonialidade que articula os três marcadores para dar diferentes sentidos aos corpos que categoriza (GOMES, 2018GOMES, C. M. Gênero como Categoria de Análise Decolonial. Civitas, Porto Alegre, v. 18, n. 1, p. 65-82, jan.-abr. 2018., p. 67).

Nesse sentido, a intenção é problematizar ainda mais essa concepção de que o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais (SCOTT, 1990SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 5-22, jul./dez. 1990.). Portanto, realizar problematizações significa se lançar a sua compreensão de forma que:

Usar o gênero como categoria de análise é compreender que este funciona como um desestabilizador de conceitos como mulher, homem, sexo e mesmo corpo. Adotar uma posição essencialista ou firmada no sexo como categoria fixa não se alinharia com o que se propõe quando se diz gênero como categoria de análise. Sua crítica é a de que com o gênero sendo utilizado como um conceito ou um instrumento para explicar as relações entre homens e mulheres – gênero como relação socialmente construída e sexo como atributo natural – ocorreu o contrário do que se pretendia: homem e mulher continuaram a ser identificados como realidades dadas e fixas e apenas as “relações” estabelecidas entre estes seriam mutáveis ou capazes de serem transformadas. Gênero seria um conceito, uma categoria de análise, submetido, portanto, à reconstrução, discussão, problematização (GOMES, 2018GOMES, C. M. Gênero como Categoria de Análise Decolonial. Civitas, Porto Alegre, v. 18, n. 1, p. 65-82, jan.-abr. 2018., p. 68).

Quando gênero é empregado como categoria, isso ainda poderá nos permitir colocar em foco o sujeito como cultural, social, histórico, político e de direito. Entretanto, esse pensamento ainda se resume à posição da mulher, não levando em consideração raça e classe. Ou seja, é percebido historicamente que houve um reforço da ideia binária e colonial de forma hegemônica, uma vez que há estudos de povos indígenas na América Latina em épocas passadas que apresentam uma maior transitoriedade das posições de gênero, uma relativa igualdade nesses povos, presumindo que houve uma captura de posições duais ou múltiplas de gênero desses povos pela violência colonial sofrida (GOMES, 2018GOMES, C. M. Gênero como Categoria de Análise Decolonial. Civitas, Porto Alegre, v. 18, n. 1, p. 65-82, jan.-abr. 2018.).

Assim, “[…] esse uso do gênero como categoria de análise é aqui submetido a uma virada decolonial” (GOMES, 2018GOMES, C. M. Gênero como Categoria de Análise Decolonial. Civitas, Porto Alegre, v. 18, n. 1, p. 65-82, jan.-abr. 2018., p. 65) ou seja, mais do que pensar no sujeito que é oprimido por ambas as categorias, de raça, classe e gênero, faz-se necessário “[…] analisar como essas categorias de opressão funcionam criando experiências diferentes, trata-se de analisar como essas categorias juntas, trabalhando em redes, são ao mesmo tempo causa e efeito da criação dos conceitos umas das outras” (GOMES, 2018GOMES, C. M. Gênero como Categoria de Análise Decolonial. Civitas, Porto Alegre, v. 18, n. 1, p. 65-82, jan.-abr. 2018., p. 71).

Nossa posição nesse artigo é a de não redução do gênero ao sexo biológico, também em termos decoloniais, implicando na quebra da binaridade. No entanto, sabemos que a trajetória para essa posição não é simples, não acontece de um dia para outro. Logo, apostamos na desconstrução de estereótipos, na reflexão sobre as relações de poder em uma perspectiva colonial, para que assim seja possível problematizar essas relações decolonialmente. Passamos, então, a discutir decolonialidade e, especificamente, o que viemos discutir em termos de práxis propositiva, a decolonialidade de gênero.

2.2 Colonialidade como pressuposto à Decolonialidade

Assumindo inicialmente que “O colonialismo é uma forma de imposição de autoridade de uma cultura sobre outra. Ele pode acontecer de forma forçada, com a utilização de poderio militar ou por outros meios como a linguagem e a arte” (ARAÚJO, 2019ARAÚJO, F. Colonialismo. 2019. Disponível em: https://www.infoescola.com/historia/colonialismo/. Acesso em: 15 ago. 2019.
https://www.infoescola.com/historia/colo...
, n.p., grifo do autor), partimos para o que Maldonado-Torres (2007)MALDONADO-TORRES, N. Sobre la Colonialidad del Ser: contribuciones al desarrollo de un concepto. In: CASTRO-GÓMEZ, S.; GROSFOGUEL, R. (Coords.). El Giro Decolonial: reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá: Siglo del Hombre Editores/Instituto Pensar, 2007. p. 127-167. estabelece. Ou seja, esse autor destaca uma diferenciação entre a colonialidade e o colonialismo, com a colonialidade sendo uma consequência do colonialismo, e a primeira delas fazendo-se presente na forma como “[…] o trabalho, o conhecimento, a autoridade e as relações intersubjetivas se manifestam e se articulam entre si” (PINTO, 2019PINTO, D. M. Experiências com Matemática(s) na Escola e na Formação Inicial de Professores: desvelando tensões em relações de colonialidade. 2019. Tese (Doutorado em Ensino e História da Matemática e da Física) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019., p. 26). Assim, ressalta o autor, a colonialidade sobrevive ao colonialismo, pois está enraizada na forma de pensar, no comportamento e nas preferências da sociedade moderna.

A colonialidade opera, conforme revela Walsh (2008)WALSH, C. Interculturalidad, Plurinacionalidad y Decolonialidad: las insurgencias político- epistémicas de refundar el Estado. Tabula Rasa, Bogotá, v. 9, n. 9, p. 131-152, jul./dez. 2008., em quatro eixos entrelaçados, os quais não se exaurem, pois há outros eixos e manifestações da colonialidade sendo discutidos e evidenciados atualmente, inclusive o de colonialidade de gênero que trataremos nesse estudo.

De antemão, são os seguintes eixos em que a colonialidade concentra seu poder: colonialidade do poder, colonialidade do saber, colonialidade do ser e colonialidade da natureza e da vida em si. Quijano (2000)QUIJANO, A. Colonialidad del poder, eurocentrismo y América Latina. In: LANDER, E. (Ed.). Lacolonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales. Perspectivas Latinoamericanas. Buenos Aires: CLACSO, 2000. p. 201-246. entende a colonialidade do poder como, especificamente, a dominação e a exploração adquirem forma na constituição do sistema de poder mundial. Assim, a colonialidade do poder, segundo o autor, refere-se a um sistema que classifica a população do mundo em relação à raça (a racialização das relações entre colonizadores e colonizados), estabelecendo também uma hierarquia que configura um novo sistema de exploração, articulando nessa estrutura, todas as formas de controle eurocêntrico do trabalho em torno da soberania do capital, no qual o trabalho está racializado. Assim, “[…] a colonialidade do poder manifesta-se a serviço da criação de novos mapas do mundo, sob o ponto de vista dos colonizadores, configurando uma geografia esboçada à luz de uma lógica capitalista-global” (PINTO, 2019PINTO, D. M. Experiências com Matemática(s) na Escola e na Formação Inicial de Professores: desvelando tensões em relações de colonialidade. 2019. Tese (Doutorado em Ensino e História da Matemática e da Física) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019., p. 27).

A colonialidade do saber é entendida por Walsh (2008)WALSH, C. Interculturalidad, Plurinacionalidad y Decolonialidad: las insurgencias político- epistémicas de refundar el Estado. Tabula Rasa, Bogotá, v. 9, n. 9, p. 131-152, jul./dez. 2008. como o “[…] posicionamento do eurocentrismo que toma como perspectiva um conhecimento branco e europeu, que desconsidera a existência de outras formas de conhecimento e racionalidade epistêmicas diferentes dessa”7 7 “[…] el posicionamiento del eurocentrismo como la perspectiva única del conocimiento, la que descarta la existencia y viabilidad de otras racionalidades epistémicas y otros conocimientos que no sean los de los hombres blancos europeos o europeizados”. (WALSH, 2008WALSH, C. Interculturalidad, Plurinacionalidad y Decolonialidad: las insurgencias político- epistémicas de refundar el Estado. Tabula Rasa, Bogotá, v. 9, n. 9, p. 131-152, jul./dez. 2008., p. 137, tradução nossa). Isto é, à colonialidade do saber se atribui à invisibilização e a inferiorização de uma multiplicidade de conhecimentos que não se encaixam nos modelos de produção de conhecimento ocidental. Além da invisibilização, a colonialidade do saber pode ser identificada na forma de apropriação cultural, mediante a estereotipação dos conhecimentos e da cultura do colonizado, estereótipos usados para reproduzir um discurso de que o que se produz como civilizado é superior, reforçando também a colonialidade de poder, baseada na dominação racial.

Para Maldonado-Torres (2007)MALDONADO-TORRES, N. Sobre la Colonialidad del Ser: contribuciones al desarrollo de un concepto. In: CASTRO-GÓMEZ, S.; GROSFOGUEL, R. (Coords.). El Giro Decolonial: reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá: Siglo del Hombre Editores/Instituto Pensar, 2007. p. 127-167., colonialidade do ser refere-se, então, à vivência da colonização e seu impacto na linguagem. Ou seja, “[…] o surgimento do conceito ‘colonialidade do ser’ responde, então, à necessidade de esclarecer a questão sobre os efeitos da colonialidade na experiência vivida, e não apenas nas mentes dos sujeitos subordinados”8 8 “El surgimiento del concepto “colonialidad del ser” responde, pues, a la necesidad de aclarar la pregunta sobre los efectos de la colonialidad en la experiencia vivida, y no sólo en la mente de sujetos subalternos”. (MALDONADO-TORRES, 2007MALDONADO-TORRES, N. Sobre la Colonialidad del Ser: contribuciones al desarrollo de un concepto. In: CASTRO-GÓMEZ, S.; GROSFOGUEL, R. (Coords.). El Giro Decolonial: reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá: Siglo del Hombre Editores/Instituto Pensar, 2007. p. 127-167., p. 130, tradução nossa). Walsh (2008)WALSH, C. Interculturalidad, Plurinacionalidad y Decolonialidad: las insurgencias político- epistémicas de refundar el Estado. Tabula Rasa, Bogotá, v. 9, n. 9, p. 131-152, jul./dez. 2008. afirma ainda que a colonialidade do ser refere-se à “[…] inferiorização, subalternização e desumanização”9 9 “[…] inferiorización, subordinación y deshumanización”. (WALSH, 2008WALSH, C. Interculturalidad, Plurinacionalidad y Decolonialidad: las insurgencias político- epistémicas de refundar el Estado. Tabula Rasa, Bogotá, v. 9, n. 9, p. 131-152, jul./dez. 2008., p. 138, tradução nossa) do sujeito e de suas capacidades cognitivas. Assim, a colonialidade do ser é uma manifestação da colonialidade do poder e envolve as experiências ontológicas vividas pelos sujeitos da colonialidade, por conta de sua cor ou suas raízes. Portanto, a colonialidade do ser remete-nos à perspectiva ontológica da colonialidade, principalmente, quando poder e pensamento se tornam mecanismos de exclusão.

A colonialidade da natureza e da vida em si é entendida por Walsh (2008)WALSH, C. Interculturalidad, Plurinacionalidad y Decolonialidad: las insurgencias político- epistémicas de refundar el Estado. Tabula Rasa, Bogotá, v. 9, n. 9, p. 131-152, jul./dez. 2008. como a “[…] divisão binária natureza/sociedade, descartando o mágico-espiritual-social, a relação milenar entre mundos biofísicos, humanos e espirituais, incluindo a dos ancestrais, a que dá sustentação aos sistemas integrais de vida e a humanidade mesma”10 10 “[…] la división binaria naturaleza/sociedad, descartando lo mágico-espiritual-social, la relación milenaria entre mundos biofísicos, humanos y espirituales, incluyendo el de los ancestros, la que da sustento a los sistemas integrales de vida y a la humanidad misma”. (WALSH, 2008WALSH, C. Interculturalidad, Plurinacionalidad y Decolonialidad: las insurgencias político- epistémicas de refundar el Estado. Tabula Rasa, Bogotá, v. 9, n. 9, p. 131-152, jul./dez. 2008., p. 138, tradução nossa). Entendemos essa colonialidade como a restrição da expressão do fenômeno do sagrado, que incide de maneira perversa, conforme a autora, em comunidades e movimentos ancestrais, cuja forma de pensar-agir, de conviver com o mundo é desqualificada.

Com isso, percebemos que a colonialidade da natureza e da vida em si, vista de forma interligada às demais, refere-se à consolidação do antropocentrismo reinante na vida em sociedade, na ciência e nos modos de produção. Ela parte da separação entre o mundo, natureza e cultura, empenhando-se em universalizar uma experiência específica (europeia moderna), negando a relação milenar e espiritual ao exaltar a ciência moderna.

Nesse ínterim, a teoria de Lugones (2014)LUGONES. Rumo a um Feminismo Decolonial. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 22, n. 3, p. 935-952, set./dez. 2014. parte desse entendimento e estruturação da colonialidade, sinalizando a centralidade da classificação racial da população na sociedade capitalista. Lugones (2014)LUGONES. Rumo a um Feminismo Decolonial. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 22, n. 3, p. 935-952, set./dez. 2014. avança e critica a limitação da discussão de Quijano (1995)QUIJANO, A. “Modernity, Identity, and Utopia in Latin America”. In: BEVERLEY, J.; ARONNA, M.; OVIEDO, J. (Eds.). The Postmodernism Debate in Latin America. Durham: Duke University Press, 1995. p. 201-216. sobre sexo e gênero, uma vez que o autor segue reproduzindo ideias com base no patriarcado, e não questiona a construção colonial moderna de gênero e sexualidade. Isto é, a composição de gênero de Quijano (1995)QUIJANO, A. “Modernity, Identity, and Utopia in Latin America”. In: BEVERLEY, J.; ARONNA, M.; OVIEDO, J. (Eds.). The Postmodernism Debate in Latin America. Durham: Duke University Press, 1995. p. 201-216. configurava-se apenas em uma perspectiva biológica. A aproximação com a forma de estruturação de colonialidade possibilitou à Lugones (2014)LUGONES. Rumo a um Feminismo Decolonial. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 22, n. 3, p. 935-952, set./dez. 2014. a construção do termo colonialidade de gênero, ampliando as formas até então consideradas (do poder, saber, ser e de natureza e da vida em si), buscando construir uma episteme feminista decolonial, uma vez que

[…] o decolonial - e a decolonialidade - não são novas abordagens nem categorias teórico-abstratas. Foram, da colonialização e da escravização, os eixos de luta dos povos sujeitos a esta violência estrutural, assumida como atitude, projeto e posicionamento - político, social e epistêmico - antes (e apesar) das estruturas, instituições e relações de sua subjugação. De fato, sua genealogia começa, mas, não termina aí (WALSH, 2008WALSH, C. Interculturalidad, Plurinacionalidad y Decolonialidad: las insurgencias político- epistémicas de refundar el Estado. Tabula Rasa, Bogotá, v. 9, n. 9, p. 131-152, jul./dez. 2008., p. 135).

Certamente, na atual conjuntura a decolonialidade como movimento não pode e não irá terminar por aí, pois seguimos a ideia de Freire (2004FREIRE, P. Pedagogia da Indignação. São Paulo: UNESP, 2004., p. 21) que revela que “A leitura crítica do mundo é um fazer pedagógico-político indicotomizável do fazer político-pedagógico, isto é, a ação política que envolve a organização de grupos e classes populares para intervir na reinvenção da sociedade”. Nessa perspectiva, não iremos parar por aí, uma vez que buscamos em nossa pesquisa, a qual envolve Educação Matemática, gênero e Tecnologias Digitais, fomentar de forma insubordinada, a decolonialidade de modo a buscar uma reinvenção social.

Entendemos ser possível promover o entendimento de que é viável se considerar a intersecção entre gênero, raça e sexualidade, não na perspectiva eurocêntrica de gênero, mas por meio da Interseccionalidade (AKOTIRENE, 2020AKOTIRENE, C. Interseccionalidade. Feminismos Plurais. São Paulo: Editora Jandaíra, 2020.), inclusive na aula de matemática. Para isso, então, também caberia analisar matematicamente essa intersecção, por exemplo, por meio da compreensão matemática dessa operação com conjuntos (intersecção), ou por meio de outras ferramentas matemáticas como a análise gráfica do crescimento e decréscimo dos intervalos de pesquisas sobre termos como gênero na internet.

Essa análise frente aos fatos históricos ocorridos em pontos críticos dos gráficos analisados e investigados pelos recursos tecnológicos, por exemplo, pode contribuir para a compreensão de motivos pelos quais o homem burguês europeu é tomado como sujeito adequado à “[…] vida pública e o governo, um ser de civilização, heterossexual, cristão, um ser de mente e razão” (LUGONES, 2014LUGONES. Rumo a um Feminismo Decolonial. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 22, n. 3, p. 935-952, set./dez. 2014., p. 936). Também, é possível problematizar, em contrapartida, a postura da mulher europeia burguesa que era vista como um ser passivo, puro, atado ao lar e a serviço do homem branco europeu burguês. Assim, buscaremos situar nossas alunas, de modo a refletirem sobre o que Lugones (2014)LUGONES. Rumo a um Feminismo Decolonial. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 22, n. 3, p. 935-952, set./dez. 2014. manifesta, isto é, que a imposição dessas categorias dicotômicas (homem/mulher) está entrelaçada com as historicidades das relações e, assim, incluir as relações íntimas - não apenas as relações sexuais, mas também as relações da vida social.

Não obstante, para nós, na atual conjuntura de nosso país, a matemática, as TD e a concepção de gênero devem ser problematizadas, trabalhadas e esclarecidas como meio de se respeitar os valores e os direitos humanos. Passamos, então, a manifestar como buscamos promover essas problematizações nessa investigação, cujo foco trata de um modo decolonial de entender gênero por meio da matemática com TD.

3 Investigando-se

Em termos metodológicos, interrogar “De que modo problematizações podem emergir de uma prática pedagógica decolonial, que utiliza memes misóginos e a reflexão matemática sobre a concepção de gênero com recursos digitais, em uma aula de matemática do 1° ano do Ensino Médio?” envolve o paradigma de pesquisa qualitativo.

Nesse sentido, investigar “de que modo” já nos remete ao qualitativo, à descoberta do que, à forma de se mostrar, de acontecer as descobertas de possíveis problematizações. Essas problematizações, de modo descritivo para serem percebidas, se apresentam em consonância com nossa postura política, já que nos assumindo pesquisadores que atuam em prol de uma posição teórica que venha a estabelecer uma resposta ao momento político atual, revelamos nossa intencionalidade.

Lançamo-nos ao desconhecido e almejamos resgatar à consciência o que podemos fazer para, no mínimo, equilibrar o possível sofrimento daquelas estudantes que são colonizadas devido ao seu gênero. No nosso caso, nos envolvemos, principalmente, com a contradição à ideia imposta de que mulher não sabe matemática, por exemplo. Entretanto esse estudo também nos faz pensar em outros gêneros igualmente menosprezados frente a uma postura colonizadora.

Nesse ínterim, em termos de pesquisa, já destacado em Rosa (2017ROSA, M. Insubordinação Criativa e a Cyberformação com professores de Matemática: desvelando experiências estéticas por meio de tecnologias de Realidade Aumentada. Revista de Ensino de Ciências e Matemática, v. 8, n. 4, p. 157-173, 21 dez. 2017. Disponível em: <https://revistapos.cruzeirodosul.edu.br/index.php/rencima/article/view/1500>. Acesso em: 08 jun. 2021.
https://revistapos.cruzeirodosul.edu.br/...
, p. 168) “[…] não são escolhas simples, não são quaisquer escolhas, mas aquelas que dependem das vivências, crenças e conhecimentos dos sujeitos envolvidos”. Logo, nossos procedimentos metodológicos foram realizados em uma escola pública da zona sul de Porto Alegre (RS), em um primeiro ano do Ensino Médio (EM) com cerca de 17 meninas e 20 meninos no total.

A professora (segunda autora desse artigo) assumiu o planejamento das atividades da pesquisa concomitantemente ao planejamento das próprias aulas, de forma a discutir gráficos, assim como analisá-los. Para tanto, no decorrer das aulas de matemática, houve um momento de convite à pesquisa, no qual a mesma foi explanada e a professora/pesquisadora explicou os objetivos e como aconteceria o processo, entregando os Termos de Consentimento e Assentimento. Ela explicou a todas as alunas como a pesquisa se daria, como os termos deveriam ser preenchidos e assinados por elas (Assentimento) e pelas suas responsáveis legais (Consentimento). Também, esclareceu quais eram os objetivos, a importância dos termos e que a participação na pesquisa era de caráter voluntário, sem qualquer obrigação ou valorização de qualquer estudante que participasse. Ressalta-se que, embora as atividades tenham ocorrido com as 37 alunas, somente 25 termos retornaram com as devidas assinaturas. Desses 25 retornos, 13 eram de meninos e 12 de meninas. Logo, os dados produzidos se referem a 25 estudantes.

A pesquisa, por meio de suas atividades, foi planejada para ocorrer em 10 aulas de cerca de 100 minutos cada, sendo divididas em dois momentos.

Quadro 1
Distribuição das aulas e momentos investigativos

O primeiro momento teve o objetivo de discutir a concepção de gênero das estudantes, envolvendo memes que abordam enunciados relativos a isso (Figura 1).

Figura 1
Atividade 1/ Meme 6 – “Poço dos desejos”

A seleção de memes ocorreu por meio da busca na internet (sites e redes sociais) daqueles que pudessem contribuir para a problematização de gênero na aula de forma a abranger a visão social da matemática vinculada ao gênero e também provocar a pesquisa de temáticas vinculadas, posteriormente, pelo Google Trends. Assim, essa busca se deu por memes que tivessem enunciados sobre mulheres, homens e matemática.

Classificamos os memes em duas categorias: 1) memes que envolvem enunciados sobre homens e mulheres em diferentes contextos e 2) memes que envolvem enunciados sobre homens e mulheres especificamente dentro do contexto da matemática e ciências exatas. A partir disso, selecionamos cinco memes que abordassem a primeira categoria e quatro memes que se referiam à segunda, sendo organizados para serem entregues/compartilhados via WhatsApp com as alunas. Para cada meme selecionado, em ambas as categorias, foram propostas algumas perguntas específicas a cada um deles, o que já pode ser observado na Figura 1.

Ao final da Atividade 1 com memes, a professora/pesquisadora e as alunas realizaram um debate sobre os memes vistos e selecionaram alguns termos que emergiram como proeminentes da discussão. Os termos escolhidos foram utilizados no segundo momento da proposta, o qual teve por objetivo a análise de gráficos matemáticos correlacionados com questões de gênero, de forma a pontuar máximos e mínimos e interpretar esses aspectos com o Google Trends (Atividade 2). As alunas realizaram uma busca por termos/assuntos e os compararam no Google Trends. A parte final do segundo momento foi, então, uma produção escrita argumentativa individual (Atividade 3), finalizando as práticas da pesquisa (Figura 2).

Figura 2
Atividade 2/Google Trends e Atividade 3/ Texto Dissertativo

A produção de dados para posterior análise se deu com todas as atividades com memes do primeiro momento, por meio das respostas dadas pelas alunas, bem como gravação em áudio. Para a gravação dos áudios foram utilizados os telefones celulares das alunas, as quais se sentaram em duplas na realização das atividades com memes. Foram utilizados, então, cerca de 12 telefones celulares. Ao final desse primeiro momento, as duplas enviaram as gravações dos áudios para a professora/pesquisadora via WhatsApp.

Além de novamente gravarem os áudios, as alunas também realizaram capturas de tela dos computadores em que estiveram trabalhando em todas as atividades do segundo momento. Para isso, foram utilizados cerca de 7 computadores para 7 grupos de alunas (na turma em geral) e 5 computadores específicos à pesquisa. Cada grupo continha em torno de 5 alunas. Ademais, dispomos da produção final da atividade dissertativa de modo individual. Também foi elaborado um caderno de campo, com observações que a professora/pesquisadora foi considerando serem relevantes para a análise, em termos do objetivo da pesquisa.

Com os procedimentos adotados realizamos um processo investigativo que assumiu uma proposta pedagógica insubordinada, pois essa busca problematizar a questão de gênero, ao invés de somente assumir uma perspectiva de meninos serem príncipes e meninas princesas, inclusive subalternas aos primeiros. Perspectiva que, infelizmente, é defendida por ministros atuais de Direitos Humanos e Educação. Logo, nos colocamos, por conseguinte, a apresentar nossa análise e resultados que tratam das problematizações que emergiram desse processo.

A análise se deu em um primeiro momento pela leitura/visualização de todos os dados e esse procedimento aconteceu em consonância com a leitura do diário de campo. Dessa forma, recortes de dados foram selecionados e transcritos, pois, sob uma visão interpretativa eram aqueles que respondiam à pergunta diretriz dessa pesquisa. Esses recortes, então, foram discutidos frente ao referencial teórico, constituindo-se, assim, nossa análise.

4 Decolonizando-se

O primeiro momento de pesquisa ocorreu na sala de aula da turma investigada, estendendo-se por quatro aulas de 100 minutos cada, nos dias 20/08/2019, 05/09/2019, 06/09/2019 e 12/09/2019. Nesse momento, as atividades versaram sobre a análise dos memes. Assim, trazemos nesse artigo, em um primeiro momento, recortes nos quais focamos as discussões geradas pela análise dos memes misóginos escolhidos, pois o contexto e a discussão trazem aspectos significativos para respondermos nossa pergunta. Vamos, então, analisar as concepções de gênero evidenciadas nessas discussões para, em seguida, indicar indícios de problematização de concepções emergentes e descrever como aconteceram. No segundo momento da pesquisa, com a discussão e análise dos gráficos gerados pelo Google Trends, há problematizações emergentes que se movimentam em termos de concepção de gênero, falas e posicionamentos, ou seja, exposição de ideias que favoreceram responder nossa pergunta de pesquisa.

Assim, durante as práticas realizadas com a turma do primeiro ano do Ensino Médio participantes desta pesquisa, então, o aluno T11 11 Utilizaremos a primeira letra dos nomes de cada estudante de forma a preservar suas identificações. demonstrava suas opiniões, pois, ao surgir alguma discussão, ele posicionava-se e argumentava com as colegas em relação ao seu ponto de vista. Em diversos momentos protagonizou debates com as colegas AG e MH em relação aos memes apresentados nas atividades, por vezes, concordando com as mensagens neles enunciadas. Apresentamos, então, os excertos da aluna MH e do aluno T em relação ao primeiro meme (Figura 3) da primeira atividade. Esse meme apresentava uma conversa entre dois homens sobre o que é ou não natural em uma mulher, como a maquiagem e a depilação.

Figura 3
Atividade 1/ Meme 1 – “Depilação”

Excerto 1: Mas isso é uma questão de gosto, né?

  • MH - Nossa, mas esse meme é muito machista. Como assim eles preferem uma mulher ao natural, mas querem que ela seja depilada.

  • T - Aaaah, mas isso é uma questão de gosto, né? Eu também não curto muito minas cheia de maquiagem, prefiro elas mais normal.

  • MH - Mas tipo os caras acham que mulher se depilar é natural, como se os pelos nas pessoas não fosse natural. Isso é muito machista, e tu também por pensar assim.

  • T - Não é machismo, é questão de gosto

  • (05/09/2019, 5° encontro, Áudio 1, 00:15:43 – 00: 16:20).

Analisando o diálogo do primeiro excerto, poderíamos dizer que o aluno T, ao falar “Não é machismo, é questão de gosto”, metaforicamente, poderia/deveria ter feito uma “leitura seletiva” ou “intepretação seletiva”, no sentido de ter focado na fala da personagem que afirmava “Apenas gostamos […]” ao invés de ter focado em “ao natural” e justificado que não era machismo a posição das personagens, mas, somente gosto. Entretanto, o aluno T, anteriormente, expressa que “Eu também não curto muito minas cheia de maquiagem, prefiro elas mais normal”, se coadunando ao que as personagens pensavam e de imediato deixando de achar que depilação é natural, normal, mas uma questão de gosto.

Isso se dá, segundo Maldonado-Torres (2007)MALDONADO-TORRES, N. Sobre la Colonialidad del Ser: contribuciones al desarrollo de un concepto. In: CASTRO-GÓMEZ, S.; GROSFOGUEL, R. (Coords.). El Giro Decolonial: reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá: Siglo del Hombre Editores/Instituto Pensar, 2007. p. 127-167., porque a colonialidade não está limitada a uma relação formal de poder em que apresenta/oficializa a depilação (retirada de pêlos) nas mulheres como algo “natural”, mas, se refere a um padrão de poder que emergiu como resultado do colonialismo moderno, estando presente na forma como, no caso, as relações intersubjetivas se manifestam e se articulam entre si. Maquiagem demais não é natural, mas, depilação é uma questão de gosto.

Nesse sentido, problematizando o próprio meme, a aluna MH, ao expressar “Mas tipo os caras acham que mulher se depilar é natural, como se os pelos nas pessoas não fossem natural”, entende que o “natural” do ser humano, entendido aqui em todos os seus gêneros, deve ser respeitado, mostrando que não há uma diferença no que é natural para a mulher e no que é natural para todas as pessoas. Isto é, esse modelo de pensamento que depende de um ‘sujeito’, conforme nos revela Gomes (2018GOMES, C. M. Gênero como Categoria de Análise Decolonial. Civitas, Porto Alegre, v. 18, n. 1, p. 65-82, jan.-abr. 2018.), é questionado pela aluna MH, não somente no intuito de que a universalização em torno do que serve para um ou para outro (no caso, mulher ou homem), mas porque o sujeito mulher não é mais percebido como imutável.

Lugones (2014)LUGONES. Rumo a um Feminismo Decolonial. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 22, n. 3, p. 935-952, set./dez. 2014. traz que a mulher, sendo considerada uma cópia do homem, está sujeita a modificações e mutações para que se encaixem nos padrões por eles definidos. Trazendo a resposta de T, percebemos a colonialidade de gênero que é estrutural, uma vez que o próprio “normal” da mulher passa a ser “sem pelos” como se a depilação fosse automática, genética, biológica, Ou seja, já se tornou “natural” o comportamento admitido no diálogo entre os dois homens do meme, estando eles apenas a falar de mulheres e de seus gostos, mesmo que a base para o não gostar de maquiagem seja o “natural”, enquanto o não “natural”, depilação, pode ser considerado. Ou seja, o que pode ou não pode para a mulher, cabe ao gosto do homem, mesmo sem padrão, pois são as modificações e mutações que se encaixam em seus padrões. A expressão da colonialidade, então, se revela no discurso de T a partir da fala de MH que analisa o meme, o qual problematiza o ato de “preferir o natural da mulher”, tomando-o como se a depilação fizesse parte desse ato.

Outro debate protagonizado por MH e T foi percebido em relação ao segundo meme da primeira atividade. O meme (Figura 4) naturaliza o comportamento de dominação e apropriação do corpo feminino, ao trazer três maneiras de se levar uma mulher para casa depois da festa (tomando uma conotação sexual por base), a primeira sendo um homem bonito, a segunda sendo um homem rico e a terceira usando clorofórmio, conforme segue.

Figura 4
Atividade 1/Meme 2 – “Levar a Mulher para a Casa”

Com base nesse meme, o excerto 2 foi recortado da discussão que emergiu com a análise das alunas, respondendo às perguntas da atividade para esse meme:

Excerto 2: Mas tem um monte de “minas” que são interesseiras

  • MH - Não é assim que funciona, as “minas” [garotas] não saem nas festas pedindo [perguntando] paras os “caras” [garotos] se são ricos né. O ser bonito eu até entendo. Mas, meu, não é assim que funciona.

  • T - Aaah, mas tem um monte de “minas” que são interesseiras, que só saem com os “cara” que tem dinheiro ou carro. Se o “cara” é pobre e legal elas nem querem saber, agora se o “cara” é rico e chato elas caem em cima do cara.

  • MH - Claro que existe gurias assim, mas não dá pra generalizar isso não, e outra coisa, tem “cara” que também é interesseiro. Que corre atrás das patricinhas [garotas que possuem um comportamento consumista, no sentido estético, principalmente].

  • T - Mas tem bem menos caras assim.

  • MH - Sem falar o absurdo que é levar uma “mina” para casa drogada, né? Isso é muito nojento e é crime

  • (05/09/2019, 5° encontro, Áudio 1, 00:22:51 – 00: 23:47).

No segundo excerto, percebemos uma disputa de ideias que visam generalizar uma situação. Enquanto T defende que são as mulheres as que mais se relacionam com homens por serem ricos e bonitos, ao afirmar ainda que existem “bem menos caras assim”, MH concorda que sim, existem mulheres que “são interesseiras”, mas que isso não justifica a generalização imposta por T, uma vez que ele revela um pouco sobre a imagem que possui da mulher, confirmando a visão do meme a respeito das mulheres serem “interesseiras”.

No entanto, a aluna MH nos dá a entender que existem tanto homens quanto mulheres “interesseiras”, isto é, não se pode compreender de maneira isolada qualquer um dos sexos, visto que “[…] homens e mulheres eram definidos em termos recíprocos” (SCOTT, 1990SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 5-22, jul./dez. 1990., p. 72) e vai além, afirmando que generalizar é um erro, o que sugere uma possível superação desses padrões. Não obstante, o não estranhamento de T em relação à 3ᵃ opção do meme (o uso do clorofórmio), nos mostra que o fato de uma mulher ser drogada em uma festa por um homem, para que o mesmo a leve para casa sem o seu consentimento, não lhe causa espanto como causou na aluna MH, conforme está expresso em sua última fala “Sem falar o absurdo que é levar uma mina para casa drogada, né? Isso é muito nojento e é crime”.

O acesso ao corpo feminino pelo homem, sem consentimento, parece ser natural para T, indo ao encontro do que Lugones (2014)LUGONES. Rumo a um Feminismo Decolonial. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 22, n. 3, p. 935-952, set./dez. 2014. apresenta, ao afirmar que a colonialidade produz relações de dominação, ou seja, no caso do meme apresentado, o homem domina a mulher enquanto a droga em uma festa com a finalidade de acessar seu corpo sem resistência. A postura de T reflete-se em sua resposta à pergunta número 4 da atividade com o meme (Figura 4) anteriormente referido: “Você concorda com a ideia central do meme? Por quê?” T - Sim, porque algumas mulheres preferem isso.

A partir desses dois excertos, que trazem diálogos entre a aluna MH e o aluno T, percebemos a diferença entre as opiniões em relação à imagem da mulher e do homem que pode refletir parte do que pode ser visto na sociedade. Apesar do debate realizado antes do preenchimento das respostas da atividade, o aluno T manteve sua visão generalizada sobre as mulheres serem interesseiras por preferirem homens que são bonitos e ricos ao escrever suas respostas. No entanto, conforme Lugones (2014)LUGONES. Rumo a um Feminismo Decolonial. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 22, n. 3, p. 935-952, set./dez. 2014. a resistência à colonialidade se faz em comunidade, pois é em comunidade que se torna possível o fazer, visto que não se faz com alguém e não de forma isolada. Diante disso, acreditamos que os debates promovidos pela aluna MH em confrontação ao dizeres do aluno T foi uma forma dela com e entre suas colegas resistir e lutar contra a colonialidade que impõe padrões.

Nesse ínterim, percebemos que o processo realizado no primeiro momento da pesquisa nos permitiu vislumbrar a posição colonial de gênero do grupo de estudantes por meio de seus posicionamentos. Desse modo, a prática discursiva e dialogada promulgada pelos memes que retratavam uma postura colonialista de gênero, em relação à mulher, nos possibilitou afirmar que atividades como essas permitem vislumbrar a concepção de gênero que cada estudante defende ou entende. Permite atribuirmos significado à operação pela qual cada sujeito formou até o momento, a partir de experiências físicas, morais, psicológicas ou sociais, a representação de um objetivo de pensamento ou conceito, no nosso caso, relativo a gênero. Assim, foi por meio de memes de internet (DÍAZ, 2013DÍAZ, C. C. M. Defining and Characterizing the Concept of Internet Meme. Revista CES Psicología, Medellín, v. 2, p. 82-104, 2013.) que conseguimos vislumbrar a representação e os sentidos dados pelas alunas investigadas ao que concebem ser e às posições que possuem com a relação social entendida como gênero.

Na sequência do Momento 1, a Atividade 2 iniciou com a familiarização com o Google Trends. Além disso, as alunas fizeram uma seleção de termos/assuntos que seriam pesquisados e comparados no recurso de busca do Google. Assim, os grupos analisaram os gráficos matemáticos correlacionados com questões de gênero dos termos/assuntos debatidos na atividade dos memes, de forma a pontuar máximos e mínimos e interpretar esses aspectos com o Google Trends (Aula do dia 27/09/2019).

Com os termos/assuntos selecionados pelo grande grupo após debate geral, cada grupo pôde investigar as buscas realizadas no Brasil no período de setembro de 2018 a setembro de 2019 (últimos 12 meses) e escolher quais termos comparar. Entre os grupos e, respectivamente as alunas da pesquisa (que entregaram os termos de assentimento e consentimento) e estiveram presentes nesse dia, estão: o Grupo 1, composto pelas alunas L, AN, H, D e o aluno P, que escolheu e comparou os termos “mulher na ciência” e “homem na ciência”; o Grupo 2, composto pelas alunas AG, MH e os alunos R e T, ficou com os termos “violência contra a mulher” e “violência contra o homem”; o Grupo 3, composto pelos alunos LO, Wa e as alunas M e Am, investigou os termos “feminismo” e “machismo”; e o Grupo 4, composto pelos alunos D, K, We e F, investigou “salário da mulher” e “salário do homem”.

Assim, ao realizar a procura e comparação dos termos/assuntos, a plataforma gerou gráficos em que o eixo horizontal representa o tempo e o vertical, o volume de buscas. Em seguida, as estudantes analisaram os gráficos gerados, respondendo as seguintes perguntas (Figura 2) da própria atividade gerada pela professora/pesquisadora: quais são as semelhanças e diferenças observadas nos gráficos? Algum dos gráficos possui pico(s)? Justifique. Quais intervalos dos gráficos apresenta maior crescimento? Ou decrescimento? Por quê? Qual é o intervalo de tempo em relação aos dois gráficos que apresenta maior diferença de crescimento? Justifique.

Figura 5
Gráfico de comparação violência contra o homem e violência contra a mulher12 12 Esse gráfico foi compartilhado pelo grupo com a professora/pesquisadora no momento da consulta.

Excerto 3: Aqui no Amapá é 100%.

  • R - Quais são as semelhanças e ou diferenças observadas nos gráficos? Algum dos gráficos possui pico(s)? Justifique.

  • A - A semelhança entre os dois gráficos é que os dois sobem e descem, mas o gráfico vermelho que é o da mulher, está tendo mais oscilações. Então essa é a diferença.

  • R - Quais intervalos dos gráficos apresenta maior crescimento/decrescimento/ constante? Por quê?

  • A - O gráfico da mulher cresce bem mais em todos os intervalos porque ele está em cima do azul que é o do homem. E o azul que o do homem decresce mais. Nenhum dos gráficos é constante, mas tipo o azul é o que oscila menos né?!

  • T - Então tipo, olhando aqui, tipo nos rankings aqui no Trends tipo, a violência é maior contra a mulher, mas também tem bastante contra o homem. Tipo tem violência contra os dois, mas é maior contra a mulher. Aqui no Amapá é 100%

  • (27/09/2019, 8° encontro, Áudio G2, 00:03:12 – 04:56).

Esse excerto mostra uma conversa do grupo sobre a diferença entre os gráficos dos dois termos pesquisados. O grupo estava buscando classificar o gráfico do termo “violência contra a mulher”, colocando-o como aquele que mais oscilava, enquanto o gráfico do termo “violência contra o homem” era um gráfico que não oscilava tanto, quando comparado ao da mulher. O aluno T, ao final do diálogo, conclui que há pesquisas na internet relativas às duas consultas realizadas (“violência contra a mulher” e “violência contra o homem”), porém o número de consultas pela “violência contra as mulheres”, no período consultado, é maior. Finaliza trazendo o estado que, naquele momento, era o que mais havia pesquisado o termo “violência contra a mulher” em relação ao termo “violência contra o homem”13 13 Esse dado é obtido no Google Trends, pois abaixo da consulta por país (no caso, o Brasil) aparece uma seção que é “Detalhamento comparado por sub-região” e nesse detalhamento aparecem os estados da nação em que os termos foram mais consultados no período investigado. .

Na sequência, o grupo começa a tentar justificar o motivo da diferença analisada. Assim, T interrompe a discussão trazendo informações coletadas em sua pesquisa na plataforma de busca do Google. T - Nossa, acabei de ler uma notícia14 14 Infelizmente, as estudantes não compartilharam todos os endereços pesquisados na internet. Devido a isso, não temos a postagem consultada pelo aluno T em relação a essa notícia. , um homem matou uma mulher porque se sentia intimidado por ela. Que loucura isso (Áudio G2, 27/09/2019).

O fato de T ter descoberto uma notícia em que um homem matou uma mulher por sentir-se intimidado por ela o espanta. Sua reação mostra que uma possível notícia em que um homem tenha matado uma mulher por sentir-se intimidado o afeta, mesmo que o seu traço seja o de generalizar as relações afetivas entre homens e mulheres, no que tange a justificar ações de homens contra o corpo feminino. Dessa forma, entendemos que o processo de pesquisa para explicar a oscilação leva T a entender de forma objetiva a história do Dia Internacional da Mulher, conforme trecho a seguir. T - Pois vi agora uma coisa aqui enquanto pesquisava, tinha uma fábrica onde só tinha mulher trabalhando, daí é isso que deu a revolução. Mas isso lá na época da guerra15 15 A informação trazida pelo aluno T tem sua origem no site da Nova Escola. Nesse site encontramos a história do dia internacional da mulher. Assim, conforme Nadal (2018, grifo da autora), “As histórias que remetem à criação do Dia Internacional da Mulher alimentam o imaginário de que a data teria surgido a partir de um incêndio em uma fábrica têxtil de Nova York em 1911, quando cerca de 130 operárias morreram carbonizadas. Sem dúvida, o incidente ocorrido em 25 de março daquele ano marcou a trajetória das lutas feministas ao longo do século 20, mas os eventos que levaram à criação da data são bem anteriores a este acontecimento. Desde o final do século 19, organizações femininas oriundas de movimentos operários protestavam em vários países da Europa e nos Estados Unidos. As jornadas de trabalho de aproximadamente 15 horas diárias e os salários medíocres introduzidos pela Revolução Industrial levaram as mulheres a greves para reivindicar melhores condições de trabalho e o fim do trabalho infantil, comum nas fábricas durante o período. O primeiro Dia Nacional da Mulher foi celebrado em maio de 1908 nos Estados Unidos, quando cerca de 1500 mulheres aderiram a uma manifestação em prol da igualdade econômica e política no país. No ano seguinte, o Partido Socialista dos EUA oficializou a data como sendo 28 de fevereiro, com um protesto que reuniu mais de 3 mil pessoas no centro de Nova York e culminou, em novembro de 1909, em uma longa greve têxtil que fechou quase 500 fábricas americanas. Em 1910, durante a II Conferência Internacional de Mulheres Socialistas na Dinamarca, uma resolução para a criação de uma data anual para a celebração dos direitos da mulher foi aprovada por mais de cem representantes de 17 países. O objetivo era honrar as lutas femininas e, assim, obter suporte para instituir o sufrágio universal em diversas nações. Com a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) eclodiram ainda mais protestos em todo o mundo. Mas foi em 8 de março de 1917 (23 de fevereiro no calendário Juliano, adotado pela Rússia até então), quando aproximadamente 90 mil operárias manifestaram-se contra o Czar Nicolau II, as más condições de trabalho, a fome e a participação russa na guerra - em um protesto conhecido como “Pão e Paz” – que a data consagrou-se, embora tenha sido oficializada como Dia Internacional da Mulher, apenas em 1921”. (Áudio G2, 27/09/2019). Nesse sentido, o fato de T juntamente com suas colegas pesquisarem dois termos como “violência contra a mulher” e “violência contra o homem”, gerando dois gráficos bastante diferentes e por elas notado, gerou uma grande discussão, pois, a partir do momento que elas tinham que justificar o porquê de um dos gráficos ser tão oscilante, fez com que o grupo tivesse que pesquisar notícias e informações que acabaram contribuindo no debate por elas realizado.

Assim, entendemos, aqui, que a plataforma Google Trends proporcionou e potencializou a prática realizada, uma vez que as Tecnologias Digitais (TD), nesse estudo, foram ao encontro do que Rosa Caldeira (2016) revelam ao afirmar que ser-pensar-saber-fazer-com-TD oportuniza a elaboração de conjecturas que possivelmente não se manifestariam sem as TD. Nessa perspectiva, vamos ao encontro destes autores quando afirmam que as TD, na produção de conhecimento, não são concebidas como ferramentas, “[…] pois elas não ocupam um papel de suplementação para o ser humano” (ROSA; CALDEIRA, 2018Rosa, M; Caldeira, J. P. S. Conexões Matemáticas entre Professores em Cyberformação Mobile: como se mostram? Bolema, Rio Claro, v. 32, n. 62, p. 1068-1091, 2018. DOI:10.1590/1980-4415v32n62a16
https://doi.org/10.1590/1980-4415v32n62a...
. p. 27), mas, estão presentes no movimento de constituição de conhecimento. Diante disso, o Google Trends, conforme nos revela Rosa (2018ROSA, M. Tessituras teórico-metodológicas em uma perspectiva investigativa na Educação Matemática: da construção da concepção de Cyberformação com professores de matemática a futuros horizontes. In: OLIVEIRA, A. M. P. de; ORTIGÃO, M. I. R. (Orgs.). Abordagens teóricas e metodológicas nas pesquisas em educação matemática. 1ed. Brasília: SBEM, 2018, p. 255-281. Disponível em: < http://www.sbembrasil.org.br/files/ebook_.pdf>. Acesso em: 08 jun. 2021.
http://www.sbembrasil.org.br/files/ebook...
), pode ser interpretado como uma janela, um portal para o conhecimento, um espelho que permite reflexões de distintas percepções de mundo, e nesse sentido, permitindo evidenciar as relações entre esses elementos: ‘ser’, o mundo cibernético e a constituição do conhecimento (ROSA; CALDEIRA, 2018Rosa, M; Caldeira, J. P. S. Conexões Matemáticas entre Professores em Cyberformação Mobile: como se mostram? Bolema, Rio Claro, v. 32, n. 62, p. 1068-1091, 2018. DOI:10.1590/1980-4415v32n62a16
https://doi.org/10.1590/1980-4415v32n62a...
). Nesse processo, esse foi mais um ato que possibilitou a T reflexão sobre o sentido dado a gênero e a manifestação de uma possível compreensão da concepção de gênero também em termos interseccionais (AKOTIRENE, 2020AKOTIRENE, C. Interseccionalidade. Feminismos Plurais. São Paulo: Editora Jandaíra, 2020.) ao escrever em termos de síntese que:

T - Era tudo relacionado à violência no Brasil, falavam também de como o homem tinha que ser e como a sociedade espera de um homem ser forte, não chorar, ser corajoso. Com a mulher é mesmo com o preconceito e sendo oprimida pela sociedade machista, e a sociedade machista de hoje espera que a mulher tem [sic] que ser magra, bonita e corpo escultural, mais[sic] a mulher negra que sofre mais e ganha menos do que a mulher branca que já ganha pouco e sofre ainda com o racismo. O assunto que mais me chamou atenção foi o índice de violência dos estados brasileiros, que a nossa sociedade brasileira é inteiramente machista e a violência aumentou muito nos últimos tempos. Homens e mulheres são tratados diferentes na sociedade e na escola, porque falam que homens podem fazer tudo, a mulher não pode fazer nada. O que pesquisamos tem haver[sic] com as nossas aulas porque começamos debatendo mais sobre esse assunto (Dados da pesquisa, 2019).

Ou seja, T ainda consegue problematizar a questão da mulher negra, ao afirmar “a mulher negra que sofre mais e ganha menos” de forma a dar indícios da problematização/tratamento do gênero em movimento, rumando a sua constituição como categoria de análise decolonial (GOMES, 2018GOMES, C. M. Gênero como Categoria de Análise Decolonial. Civitas, Porto Alegre, v. 18, n. 1, p. 65-82, jan.-abr. 2018.).

5 Generalizando-se

Como uma forma de protesto e crítica, apresentamos neste trabalho “generalizações” na escrita do coletivo dando ênfase ao gênero feminino. Trazemos essa crítica no intuito de possibilitar inquietações aos leitores e chamada de atenção/empoderamento às leitoras, pois, ao pensarmos na língua portuguesa, a presença do gênero neutro é quase inexistente, sempre dando enfoque ao gênero masculino, mesmo quando, por exemplo, nos referimos a um grupo de pessoas composto por mulheres e homens, nos referimos a esse grupo pelo pronome pessoal “eles”, mesmo se forem, a exemplo, cinco mulheres e um único homem.

Nosso intuito aqui não é de estabelecer uma superioridade do gênero feminino, mas o de provocar a reflexão, o de fazer-se questionar, de causar estranheza à forma de escrita. Logo, por que utilizar as palavras no gênero feminino é estranho enquanto no gênero masculino é “normal”? O possível incômodo com a escrita contribui para os resultados obtidos, principalmente, se o compararmos a algumas argumentações levantadas no processo. Nesse ínterim, o movimento das problematizações de T começa a ser constatado levando em consideração que, em um primeiro momento, durante as atividades dos memes, a imagem que esse aluno tinha da mulher continha traços da colonialidade, ou seja, traços de inferiorização, subalternização e invisibilidade da mulher, por parte do homem. Atos de um machismo estrutural vigente. No entanto, com o prosseguimento da pesquisa, no caso das atividades com memes e com o Google Trends, o aluno demonstrou resistência à colonialidade, questionando os padrões de beleza e comportamento feminino impostos pela sociedade, ressaltando, ainda, que mulheres negras sofrem ainda mais em função da sua cor.

Entendemos, então, que as práticas realizadas na pesquisa apontaram para um movimento de problematizações que rumaram para a compreensão da concepção de gênero como categoria de análise decolonial. Nesse sentido, ao sugerir essa movimentação analisada, em termos das problematizações emergentes sobre a concepção de gênero, assumimos que a Educação Matemática pôde e pode em um ambiente de sala de aula de matemática com Tecnologias Digitais promover muito mais do que a aprendizagem da matemática – pode sugerir, questionar e se posicionar frente à formação e possível transformação de uma sociedade, a qual se almeja que seja mais igualitária e mais equilibrada em relação ao respeito, aos direitos e aos deveres de e para todos/todas/todes16 16 Cassiano (2019). os/as/es cidadãos/cidadãs/cidadães.

Podemos, então, propor atividades que suscitem a expressão do sentido dado a gênero em sala de aula, como foi realizado com as atividades com memes. Por conseguinte, atividades com o Google Trends, por exemplo, que sugerem uma provocação à reflexão matemática, gerando debates e posicionamentos por parte de quem participa. Essas atividades foram válidas, então, no sentido de propor ambientes de discussão e problematização da concepção de gênero, potencializadas pelas Tecnologias Digitais e pela matemática, uma vez que as estudantes puderam pensar com os memes e com o Google Trends de forma a estabelecer sentidos às investigações correlacionadas à temática, por elas/eles/elus17 17 Cassiano (2019). realizadas.

  • 1
    “LGBTQIA+ é o movimento político e social que defende a diversidade e busca mais representatividade e direitos para a comunidade. O seu nome demonstra a sua luta por mais igualdade e respeito à diversidade. Entenda o significado de cada letra da sigla LGBTQIA+. L = Lésbicas – São mulheres que sentem atração afetiva/sexual pelo mesmo gênero, ou seja, outras mulheres. G = Gays - São homens que sentem atração afetiva/sexual pelo mesmo gênero, ou seja, outros homens. B = Bissexuais – Diz respeito aos homens e mulheres que sentem atração afetivo/sexual pelos gêneros masculino e feminino. T = Transexuais – A transexualidade não se relaciona com a orientação sexual, mas se refere à identidade de gênero. Dessa forma, corresponde às pessoas que não se identificam com o gênero atribuído em seu nascimento. As travestis também são incluídas neste grupo. Porém, apesar de se identificarem com a identidade feminina constituem um terceiro gênero. Q = Queer – Pessoas com o gênero ‘Queer’ são aquelas que transitam entre as noções de gênero, como é o caso das drag queens. A teoria queer defende que a orientação sexual e identidade de gênero não são resultado da funcionalidade biológica, mas de uma construção social. I = Intersexo – A pessoa intersexo está entre o feminino e o masculino. As suas combinações biológicas e desenvolvimento corporal - cromossomos, genitais, hormônios, etc - não se enquadram na norma binária (masculino ou feminino). Assexual – Assexuais não sentem atração sexual por outras pessoas, independente do gênero. Existem diferentes níveis de assexualidade e é comum que estas pessoas não vejam as relações sexuais humanas como prioridade. + = O + é utilizado para incluir outros grupos e variações de sexualidade e gênero. Aqui são incluídos os pansexuais, por exemplo, que sentem atração por outras pessoas, independente do gênero” (SILVA, 2020SILVA, G. Qual o Significado da Sigla LGBTQIA+? Entenda o significado de cada letra e a sua importância para o movimento. EducamaisBrasil. 2020. Disponível em: https://www.educamaisbrasil.com.br/educacao/dicas/qual-o-significado-da-sigla-lgbtqia. Acesso em: 03 mar. 2021.
    https://www.educamaisbrasil.com.br/educa...
    ).
  • 2
    Hace algunos años atrás, el intelectual crítico de origen jamaiquino Stuart Hall argumentó que los momentos políticos producen movimientos teóricos”.
  • 3
    Conforme Guia para uma Linguagem Neutra (CASSIANO, 2019CASSIANO, O. Guia para Linguagem Neutra (PT-BR): porque elus existem e você precisa saber! Medium. 2019. Disponível em: https://medium.com/guia-para-linguagem-neutra-pt-br/guia-para-linguagem-neutra-pt-br-f6d88311f92b. Acesso em: 11 abr. 2021.
    https://medium.com/guia-para-linguagem-n...
    ).
  • 4
    Cassiano (2019)CASSIANO, O. Guia para Linguagem Neutra (PT-BR): porque elus existem e você precisa saber! Medium. 2019. Disponível em: https://medium.com/guia-para-linguagem-neutra-pt-br/guia-para-linguagem-neutra-pt-br-f6d88311f92b. Acesso em: 11 abr. 2021.
    https://medium.com/guia-para-linguagem-n...
    .
  • 5
    An internet meme is a unit of information (idea, concept or belief), which replicates by passing on via Internet (e-mail, chat, forum, social networks, etc.) in the shape of a hyper-link, video, image, or phrase. It can be passed on as an exact copy or can change and evolve”.
  • 6
    […] un camino de lucha continuo en el cual se puede identificar, visibilizar y alentar ‘lugares’ de exterioridad y construcciones alter-(n)ativas”.
  • 7
    […] el posicionamiento del eurocentrismo como la perspectiva única del conocimiento, la que descarta la existencia y viabilidad de otras racionalidades epistémicas y otros conocimientos que no sean los de los hombres blancos europeos o europeizados”.
  • 8
    El surgimiento del conceptocolonialidad del serresponde, pues, a la necesidad de aclarar la pregunta sobre los efectos de la colonialidad en la experiencia vivida, y no sólo en la mente de sujetos subalternos”.
  • 9
    […] inferiorización, subordinación y deshumanización”.
  • 10
    […] la división binaria naturaleza/sociedad, descartando lo mágico-espiritual-social, la relación milenaria entre mundos biofísicos, humanos y espirituales, incluyendo el de los ancestros, la que da sustento a los sistemas integrales de vida y a la humanidad misma”.
  • 11
    Utilizaremos a primeira letra dos nomes de cada estudante de forma a preservar suas identificações.
  • 12
    Esse gráfico foi compartilhado pelo grupo com a professora/pesquisadora no momento da consulta.
  • 13
    Esse dado é obtido no Google Trends, pois abaixo da consulta por país (no caso, o Brasil) aparece uma seção que é “Detalhamento comparado por sub-região” e nesse detalhamento aparecem os estados da nação em que os termos foram mais consultados no período investigado.
  • 14
    Infelizmente, as estudantes não compartilharam todos os endereços pesquisados na internet. Devido a isso, não temos a postagem consultada pelo aluno T em relação a essa notícia.
  • 15
    A informação trazida pelo aluno T tem sua origem no site da Nova Escola. Nesse site encontramos a história do dia internacional da mulher. Assim, conforme Nadal (2018, grifo da autora), “As histórias que remetem à criação do Dia Internacional da Mulher alimentam o imaginário de que a data teria surgido a partir de um incêndio em uma fábrica têxtil de Nova York em 1911, quando cerca de 130 operárias morreram carbonizadas. Sem dúvida, o incidente ocorrido em 25 de março daquele ano marcou a trajetória das lutas feministas ao longo do século 20, mas os eventos que levaram à criação da data são bem anteriores a este acontecimento. Desde o final do século 19, organizações femininas oriundas de movimentos operários protestavam em vários países da Europa e nos Estados Unidos. As jornadas de trabalho de aproximadamente 15 horas diárias e os salários medíocres introduzidos pela Revolução Industrial levaram as mulheres a greves para reivindicar melhores condições de trabalho e o fim do trabalho infantil, comum nas fábricas durante o período. O primeiro Dia Nacional da Mulher foi celebrado em maio de 1908 nos Estados Unidos, quando cerca de 1500 mulheres aderiram a uma manifestação em prol da igualdade econômica e política no país. No ano seguinte, o Partido Socialista dos EUA oficializou a data como sendo 28 de fevereiro, com um protesto que reuniu mais de 3 mil pessoas no centro de Nova York e culminou, em novembro de 1909, em uma longa greve têxtil que fechou quase 500 fábricas americanas. Em 1910, durante a II Conferência Internacional de Mulheres Socialistas na Dinamarca, uma resolução para a criação de uma data anual para a celebração dos direitos da mulher foi aprovada por mais de cem representantes de 17 países. O objetivo era honrar as lutas femininas e, assim, obter suporte para instituir o sufrágio universal em diversas nações. Com a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) eclodiram ainda mais protestos em todo o mundo. Mas foi em 8 de março de 1917 (23 de fevereiro no calendário Juliano, adotado pela Rússia até então), quando aproximadamente 90 mil operárias manifestaram-se contra o Czar Nicolau II, as más condições de trabalho, a fome e a participação russa na guerra - em um protesto conhecido como “Pão e Paz” – que a data consagrou-se, embora tenha sido oficializada como Dia Internacional da Mulher, apenas em 1921”.
  • 16
    Cassiano (2019)CASSIANO, O. Guia para Linguagem Neutra (PT-BR): porque elus existem e você precisa saber! Medium. 2019. Disponível em: https://medium.com/guia-para-linguagem-neutra-pt-br/guia-para-linguagem-neutra-pt-br-f6d88311f92b. Acesso em: 11 abr. 2021.
    https://medium.com/guia-para-linguagem-n...
    .
  • 17
    Cassiano (2019)CASSIANO, O. Guia para Linguagem Neutra (PT-BR): porque elus existem e você precisa saber! Medium. 2019. Disponível em: https://medium.com/guia-para-linguagem-neutra-pt-br/guia-para-linguagem-neutra-pt-br-f6d88311f92b. Acesso em: 11 abr. 2021.
    https://medium.com/guia-para-linguagem-n...
    .

Referências

  • AKOTIRENE, C. Interseccionalidade. Feminismos Plurais. São Paulo: Editora Jandaíra, 2020.
  • ARAÚJO, F. Colonialismo 2019. Disponível em: https://www.infoescola.com/historia/colonialismo/ Acesso em: 15 ago. 2019.
    » https://www.infoescola.com/historia/colonialismo/
  • BUTLER, J. Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade. Tradução de Renato Aguiar. 19. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2020.
  • CASSIANO, O. Guia para Linguagem Neutra (PT-BR): porque elus existem e você precisa saber! Medium. 2019. Disponível em: https://medium.com/guia-para-linguagem-neutra-pt-br/guia-para-linguagem-neutra-pt-br-f6d88311f92b Acesso em: 11 abr. 2021.
    » https://medium.com/guia-para-linguagem-neutra-pt-br/guia-para-linguagem-neutra-pt-br-f6d88311f92b
  • D’AMBROSIO, U. A Educação Matemática e o Estado do Mundo: desafios. Em Aberto, Brasília, v. 27, n. 91, p. 157-169, jan./jun. 2014.
  • D’AMBROSIO, B. S.; LOPES, C. E. Insubordinação Criativa: um convite à reinvenção do educador matemático. Bolema, Rio Claro, v. 29, n. 51, p. 1-17, 2015. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-636X2015000100002&lng=en&nrm=iso Acesso em: 30 ago. 2017.
    » http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-636X2015000100002&lng=en&nrm=iso
  • DÍAZ, C. C. M. Defining and Characterizing the Concept of Internet Meme. Revista CES Psicología, Medellín, v. 2, p. 82-104, 2013.
  • FREIRE, P. Pedagogia da Indignação São Paulo: UNESP, 2004.
  • GOMES, C. M. Gênero como Categoria de Análise Decolonial. Civitas, Porto Alegre, v. 18, n. 1, p. 65-82, jan.-abr. 2018.
  • LOPES, C. E.; PERES G. J.; GRANDO R. C. Os Percursos da Insubordinação Criativa nas Pesquisas Socializadas no ICOCIME 1. REnCiMa, São Paulo, v. 8, n. 4, p. 1-4, 2017.
  • JAPIASSÚ, H. MARCONDES, D. Dicionário Básico de Filosofia 3. ed. Rio de janeiro: Jorge Zahar, 2001.
  • LOURO, G. L. Gênero e Sexualidade: pedagogias contemporâneas. Pro-Posição, v.19, n. 2, p. 17-23, maio/ago. 2008.
  • LUGONES. Rumo a um Feminismo Decolonial. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 22, n. 3, p. 935-952, set./dez. 2014.
  • MALDONADO-TORRES, N. Sobre la Colonialidad del Ser: contribuciones al desarrollo de un concepto. In: CASTRO-GÓMEZ, S.; GROSFOGUEL, R. (Coords.). El Giro Decolonial: reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá: Siglo del Hombre Editores/Instituto Pensar, 2007. p. 127-167.
  • MARTINS, A.G. Menino Veste Azul e Menina Veste Rosa é Metáfora para Respeitar o que é Natural. 2019. Disponível em: https://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,menino-veste-azul-e-menina-veste-rosa-e-metafora-para-respeitar-o-que-e-natural-diz-secretaria,70002668135. Acesso em: 14 ago. 2019.
    » https://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,menino-veste-azul-e-menina-veste-rosa-e-metafora-para-respeitar-o-que-e-natural-diz-secretaria
  • MENESES, C. S. Relações de Gênero na rede social: um olhar sobre o “Manual para entender as mulheres”. In: NOME DO EVENTO, 16., 2012, Rio de Janeiro. Anais […] Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2012. p. 2636 – 2654.
  • MEYER, D. E. Teorias e Políticas de Gênero: fragmentos históricos e desafios atuais. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, v. 57, n. 1, p. 13-8, jan./fev. 2004.
  • PINTO, D. M. Experiências com Matemática(s) na Escola e na Formação Inicial de Professores: desvelando tensões em relações de colonialidade. 2019. Tese (Doutorado em Ensino e História da Matemática e da Física) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019.
  • QUIJANO, A. Colonialidad del poder, eurocentrismo y América Latina. In: LANDER, E. (Ed.). Lacolonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales. Perspectivas Latinoamericanas. Buenos Aires: CLACSO, 2000. p. 201-246.
  • QUIJANO, A. “Modernity, Identity, and Utopia in Latin America”. In: BEVERLEY, J.; ARONNA, M.; OVIEDO, J. (Eds.). The Postmodernism Debate in Latin America. Durham: Duke University Press, 1995. p. 201-216.
  • ROSA, M. Tessituras teórico-metodológicas em uma perspectiva investigativa na Educação Matemática: da construção da concepção de Cyberformação com professores de matemática a futuros horizontes. In: OLIVEIRA, A. M. P. de; ORTIGÃO, M. I. R. (Orgs.). Abordagens teóricas e metodológicas nas pesquisas em educação matemática 1ed. Brasília: SBEM, 2018, p. 255-281. Disponível em: < http://www.sbembrasil.org.br/files/ebook_.pdf>. Acesso em: 08 jun. 2021.
    » http://www.sbembrasil.org.br/files/ebook_.pdf
  • ROSA, M. Insubordinação Criativa e a Cyberformação com professores de Matemática: desvelando experiências estéticas por meio de tecnologias de Realidade Aumentada. Revista de Ensino de Ciências e Matemática, v. 8, n. 4, p. 157-173, 21 dez. 2017. Disponível em: <https://revistapos.cruzeirodosul.edu.br/index.php/rencima/article/view/1500>. Acesso em: 08 jun. 2021.
    » https://revistapos.cruzeirodosul.edu.br/index.php/rencima/article/view/1500
  • Rosa, M; Caldeira, J. P. S. Conexões Matemáticas entre Professores em Cyberformação Mobile: como se mostram? Bolema, Rio Claro, v. 32, n. 62, p. 1068-1091, 2018. DOI:10.1590/1980-4415v32n62a16
    » https://doi.org/10.1590/1980-4415v32n62a16
  • SANTOS, R. R. dos. Google Trends e Google Correlate: potencialidades para o ensino de matemática em turmas de 9° ano do Ensino Fundamental. 2018. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Licenciatura em Matemática) – Instituto de Matemática, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018.
  • SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 5-22, jul./dez. 1990.
  • SILVA, G. Qual o Significado da Sigla LGBTQIA+? Entenda o significado de cada letra e a sua importância para o movimento. EducamaisBrasil. 2020. Disponível em: https://www.educamaisbrasil.com.br/educacao/dicas/qual-o-significado-da-sigla-lgbtqia Acesso em: 03 mar. 2021.
    » https://www.educamaisbrasil.com.br/educacao/dicas/qual-o-significado-da-sigla-lgbtqia
  • SOUZA, E. A.; OLIVEIRA, G. A. F.; MIRANDA, E. R.; COUTINHO, S. G.; FILHO, G. P.; WAECHTER, H. N. Alternativas Epistemológicas para o Design da Informação: a forma enquanto conteúdo. InfoDesign – Revista Brasileira de Design da Informação, São Paulo, v. 16, n. 2, p. 107 – 118, 2016.
  • WALSH, C. Interculturalidad, Plurinacionalidad y Decolonialidad: las insurgencias político- epistémicas de refundar el Estado. Tabula Rasa, Bogotá, v. 9, n. 9, p. 131-152, jul./dez. 2008.
  • WALSH, C. Lo Pedagógico y ló Decolonial: entretejiendo caminos. In: WALSH, C. (org.). Pedagogíasdecoloniales: prácticas insurgentes de resistir, (re)existir y (re)vivir. Quito: Abya Yala, 2013. p. 23-68.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    01 Nov 2020
  • Aceito
    19 Jul 2021
UNESP - Universidade Estadual Paulista, Pró-Reitoria de Pesquisa, Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática Avenida 24-A, 1515, Caixa Postal 178, 13506-900 Rio Claro - SP Brasil - Rio Claro - SP - Brazil
E-mail: bolema.contato@gmail.com