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Pluriforme e Multidirecional: relações de poder e a constituição de livros didáticos de Matemática

Pluriform e Multidirectional: power relations and the composition of Mathematics textbooks

Resumo

A partir de inspirações foucaultianas, objetivamos analisar e descrever neste artigo as formas multidirecionais das relações de poder no controle da conduta dos sujeitos, bem como o modo como os movimentos de contraconduta impõem resistências a esse controle, (re)configurando a rede que constitui o livro didático de Matemática. Por meio de uma proposta cartográfica, realizamos entrevistas semiestruturadas com diferentes personagens que atuam na rede de produção desses livros didáticos – autores, editores e designers –, além de pessoas que, por muitos anos, estiveram à frente do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e professores de Matemática da rede pública de ensino. Os resultados apontam a existência de relações de poder pluriformes e multidirecionais, em que autores, editores, grupos editoriais, PNLD e professores apresentam-se, ao mesmo tempo, como alvos e canais de transmissão do poder. De igual modo, observamos nos diferentes setores um movimento de contraconduta que tensiona, impõe outros caminhos e (re)configura a rede constitutiva do livro didático de Matemática

Palavras-chave:
Relações de Poder; Resistência; Livros de Matemática

Abstract

Based on Foucauldian inspirations, we aim to analyze and describe in this article the multidirectional forms of power relations in the control of subjects’ behavior, as well as the way in which counter conductive movements impose resistance to this control, (re) configuring the network that constitutes the Mathematics textbook. Through a cartographic proposal, we conducted semi-structured interviews with different characters who work in the production network of these didactic books – authors, editors, and designers – as well as people who, for many years, were at the forefront of the National Textbook Program) and public school mathematics teachers. The results point to the existence of pluriform and multidirectional power relations, in which authors, editors, editorial groups, PNLD, and teachers are both at the same time targets and channels for power transmission. Likewise, we observe in the different sectors a counter conductive movement that stresses, imposes other paths and (re) configures the constitutive network of the Mathematics textbook.

Keywords:
Power Relations; Resistance; Mathematical Books

1 Considerações iniciais

Talvez soe reducionista ou demasiado parcial pensar em poder a partir de uma perspectiva única. Por isso, situamos nesse artigo uma primeira associação possível sobre poder como algo ligado à força e/ou soberania, aos reis, heróis ou cavaleiros, entre outros personagens exaltados com fascínio em contos e epopeias ou nas produções hollywoodianas que dão brilho resplandecente ao suposto “detentor” do poder.

Ainda poderíamos pensar sobre poder sob a perspectiva de algumas linhas do marxismo, segundo o qual aquele é exercido pelo opressor, permitindo, por exemplo, que a burguesia explore a força de trabalho do proletariado, revertendo a seu favor o lucro gerado e regulando uma luta de classes, dividindo-as entre dominantes e dominados.

Diferentemente dessas linhas, optamos por uma leitura foucaultiana, para a qual “[…]o poder em seu exercício vai muito mais longe, passa por canais muito mais sutis, é muito mais ambíguo, porque cada um de nós é, no fundo, titular de um certo poder e, por isso, veicula o poder” (FOUCAULT, 1986FOUCAULT, M. A Arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense, 1986., p. 90).

Nessa perspectiva, todos somos, ao mesmo tempo, alvo e canal de transmissão do poder. Não há nele polaridades ou dualismos; o poder, por si só, não é bom ou mal, não está aqui ou ali. Não há o lugar do poder, uma vez que este tem na fluidez sua condição de existência: “[…] o poder não se dá, nem se troca, nem se retoma, […] ele se exerce e só existe em ato […]” (FOUCAULT, 2010FOUCAULT, M. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). 2. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010., p. 15).

A partir dessa perspectiva de poder, nos propomos a investigar “Como as relações de poder movimentam condutas e resistências no processo de produção de livros didáticos de Matemática?” Por meio desta, visamos analisar e descrever as formas de condução de condutas/resistências impostas a esse controle por sujeitos que atuam nessa rede.

2 Perspectiva teórico-metodológica

De acordo com Veyne, poder envolve a aptidão para conduzir o comportamento alheio, indicar seus passos, sem que para isso se recorra a ação física, “[…]há poder na família, entre dois amantes, no escritório, no ateliê e nas ruas de mão única[…]. Daí resulta que há liberdade em toda parte, uma vez que há poder em toda parte: contata-se que alguns se insurgem, enquanto outros se deixam levar” (VEYNE, 2011VEYNE, P. Foucault: Seu Pensamento, sua Pessoa. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2011., p. 167-168).

São essas formas de condução, bem como as resistências a elas impostas – que se fazem presentes por toda a rede de produção de livros didáticos de Matemática –, que buscamos compreender, cientes de que “[o] poder só se exerce sobre ‘sujeitos livres’, enquanto são ‘livres’ – entendendo-se por isso sujeitos individuais ou coletivos que têm diante de si um campo de possibilidades onde diversas condutas, diversas reações e diversos modos de comportamento podem acontecer” (FOUCAULT, 1995FOUCAULT, M. Sujeito e Poder. In: RABINOW, P.; DREYFUS H. Michel Foucault: uma trajetória filosófica para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995., p. 244).

Uma vez que se dá sobre sujeitos livres, fica explícito que o poder difere da violência, pois enquanto esta é da ordem da privação e imposição, o poder é da ordem da sedução e do governo, havendo espaços para resistências, insubordinações, insubmissões ou, nas palavras de Foucault (2008, p. 266), “[…] contraconduta, no sentido de luta contra os procedimentos postos em prática para conduzir os outros […].”.

Portanto, nossa proposta de analisar os mecanismos de poder não implica “[…] mostrar que o poder é ao mesmo tempo anônimo e sempre vencedor. Trata-se, ao contrário, de demarcar as posições e os modos de ação de cada um, as possibilidades de resistência e de contra-ataque de uns e de outros” (FOUCAULT, 1995FOUCAULT, M. Sujeito e Poder. In: RABINOW, P.; DREYFUS H. Michel Foucault: uma trajetória filosófica para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995., p. 12).

Assim, os parâmetros descritos por Foucault orientam nossa busca por analisar e descrever os modos como autores, editores, equipe do PNLD e professores de escolas públicas aliam-se entre si ou resistem às tentativas de condução, bem como os efeitos dessas ações sobre a constituição do livro didático de Matemática.

Nesse processo, optamos por praticar uma cartografia (DELEUZE; PARTNET, 1998DELEUZE, G.; PARNET, C. Diálogos. Tradução de Eloisa Araújo Ribeiro. São Paulo: Escuta, 1998.). Inspirados na Filosofia da Diferença, buscamos fugir de teorias e tecnicalidades que tomam como prontos sujeitos e objetos produzidos num terreno liso e bem delimitado e aceitamos o desafio de lidar com a instabilidade, com o desconhecido, e construir o caminho ao caminhar sobre diferentes domínios, abrindo-se ao novo e provocando com ele interlocuções. Forçamos nosso pensamento a atuar num ambiente de fronteiras diluídas e objetos indefinidos, onde os poderes fazem sentir suas forças, ao mesmo tempo em que permite perceber suas franjas, graus de abertura, pontos de escape que conduzem a outros saberes com os quais se enlaçam e se contaminam.

Em nossa pesquisa, entrelaçam-se saberes advindos da escola, dos processos de escolha do livro didático, da avaliação do PNLD, da relação autor-editor, da concorrência entre as editoras, enfim de um ambiente econômico-educacional, que se torna um amálgama de saberes que constituem o livro didático de Matemática.

A construção dos dados se dá a partir de treze entrevistas semiestruturadas e oito questionários aplicados a: quatro autores renomados no mercado de livros didáticos de Matemática; sete editores; uma coordenadora do departamento de design de um grande grupo editorial, três freelancers e três professoras de Matemática que atuam/atuaram em escolas públicas e particulares, além de ex-integrantes do PNLD – um coordenador técnico, um coordenador de área, uma coordenadora adjunta e um avaliador. Juntas, as entrevistas totalizam mais de 20h de gravação em áudio/vídeo que, após transcritas e reunidas aos questionários, somam 421 páginas de material de análise.

Nesse processo, questionamos os limites de nossa compreensão e aceitamos o desafio cartográfico de “[…]realizar uma reversão do sentido tradicional de método – não mais um caminhar para alcançar metas prefixadas (metá-hódos), mas o primado do caminhar que traça, no percurso, suas metas” (PASSOS; KASTRUP; ESCÓSSIA, 2014PASSOS, E.; KASTRUP, V.; ESCÓSSIA, L. Pistas do método da cartografia: pesquisa intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2014., p. 17). Desta forma, inspirados na pesquisa cartográfica, não definimos a priori todos os rumos da pesquisa. Uma leitura levou a outra, uma entrevista apontava noutra direção. Assumimos o desafio de sentir o terreno a ser cartografado, lidando com metas em contínua variação. Portanto, somente a partir da análise inicial dos dados é que definimos nosso enfoque e selecionamos para este artigo os recortes que entendemos mais potentes para os objetivos estabelecidos no percurso da pesquisa. Ressaltamos que, entre os entrevistados, apenas os autores e ex-integrantes do PNLD terão seus nomes revelados, já que concordaram com a divulgação, atestada pela assinatura de termo de cessão, enquanto os demais (editores, designers e professores) terão preservadas suas identidades por meio do uso de um pseudônimo.

Assim, compõem nossas análises as enunciações dos seguintes participantes: a) autores/nomes – Marcio Imenes (Imenes), Gelson Iezzi (Iezzi) e Kátia Stocco Smole (Smole); b) ex-integrantes do PNLD/nomes – João Bosco Pitombeira (Pitombeira), José Luiz Magalhães (Magalhães) e Marilena Bittar (Bittar); c) editores/pseudônimo – Maria Carol (Carol), Fabiana Rodrigues (Fabiana) e Pedro Junior (Pedro); d) professoras/pseudônimo – Paula Roberta (Roberta), Márcia Flores (Márcia) e Adriana Lima (Adriana), estas duas últimas entrevistadas conjuntamente.

3 Efeitos de um poder multidirecional: as tensões de um poder em fluxo

Situamos inicialmente o campo no qual se dão esses movimentos: o universo da produção didática no Brasil, cujas cifras movimentadas apenas no último triênio somam 3,5 bilhões de reais, dos quais 78% concentram-se nas mãos de apenas três grupos – Somos Educação, Santilhana e FTD –, fato que configura um oligopólio de livros didáticos no Brasil.

Decorre daí que, para que os grandes grupos se mantenham no topo, diferentes mecanismos de poder são mobilizados, constituindo um ambiente em que “[…]o mais forte canibaliza o mais fraco, enfim, você vai lá e compra outra editora simplesmente pelo fato de você eliminar um concorrente e potencializar uma obra do seu catálogo, não necessariamente porque você precisa de dinheiro pra produzir” (Pedro, em entrevista ao primeiro autor, 2016).

Aliam-se a essa busca pelo controle da produção didática outras estratégias que visam maximizar o poder dos grandes grupos, conforme relata Carol: “Por exemplo, a editora tem apenas uma coleção de Matemática e os autores dessa obra são um pouco mais tradicionais. Então, a editora gostaria de ter um autor diferente, em uma outra linha, a editora pode buscar autores de outra casa editorial […]” (Entrevista ao primeiro autor, 2016).

Há que considerar que tal prática configura uma estratégia de fragilização da equipe adversária e não envolve apenas o assédio a autores, mas também a outros profissionais, conforme enuncia Fabiana: “[…] isso é comum! Eu, estava numa editora, e já tinham me chamado duas vezes lá na (nome da editora) e eu não tinha aceitado, e dessa terceira vez eu resolvi aceitar” (Entrevista ao primeiro autor, 2018).

Destacamos tais fatos para ressaltar o quanto a capacidade financeira dos grandes grupos editoriais pode transparecer a ideia de que ocupam um lugar central de onde emana o poder, sendo seu capital a “pedra mágica” que lhes concede um “poder” ilimitado, que os torna inatingíveis; é esta compreensão que queremos colocar em xeque.

Veja-se ainda que, diante das gigantes empresas do ramo livreiro, uma leitura aligeirada do campo pode transparecer a ideia de que autores e editores são seres pequenos, obedientes e facilmente conduzíveis, um alvo fixo na mira de um suposto poder controlador concentrado nessas empresas.

Ora, se tomarmos como exemplo algumas situações específicas, isso se torna de fato evidente. Consideremos a afirmação de uma chefe de edição sobre uma das circunstâncias que culminam na dispensa de um autor: “[…]às vezes o autor não está vendendo. A produção de um livro é um processo muito caro, são muitas pessoas envolvidas. Tanto editorial, arte, revisão etc.; então, às vezes não compensa o quanto você gasta pra fazer um livro e o quanto ele te dá de retorno” (Carol, em entrevista ao primeiro autor, 2016).

Não há dúvidas de que o exemplo apresentado evidencia uma relação de poder, um controle da conduta do autor por parte dos grupos editoriais, à medida que cabe a este ajustar-se às demandas da empresa ou ser afastado por ela. Contudo, o que gostaríamos de destacar é que essas relações não são fixas, não possuem forma, muito menos direção única, conforme pode ser visto na afirmação de Imenes:

Têm editoras que chegam a ficar reféns de alguns autores. Esses autores são chamados de carro-chefe da editora. […] O autor que hoje tiver quarenta por cento [da vendagem], o dono da empresa beija o pé dele. O que ele pedir, o cara faz. Tudo o que o empresário não quer é que ele se encha e vá para uma outra editora depois que o contrato vencer, para a concorrência (Imenes em entrevista ao primeiro autor, 2016).

O recorte evidencia a ação de um poder que não é único, não possui sempre a mesma intensidade ou direção, mas é múltiplo, variável e flui na rede em via de mão dupla. Não há um centro, nem lugar privilegiado de onde emana o poder. Trata-se de um processo de lutas que tem como fator preponderante, para sua inteligibilidade, a análise de seus efeitos no campo social, induzindo sempre a estados localizáveis e instáveis. Maleável e autoajustável, o poder circula: “[…]está em toda parte, não porque englobe tudo, e sim porque provém de todos os lugares” (FOUCAULT, 1988FOUCAULT, M. História da Sexualidade I: a vontade de saber. 14. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1988., p. 89).

Admitindo-se que esteja compreendida essa relação de poder múltipla e reversível, uma pergunta que se pode fazer é: qual é a relação disso tudo com a constituição do livro didático de Matemática?

Para responder a tal questão, poderíamos elencar uma série de decorrências dos fatos citados, mas consideremos apenas duas: 1 – via de regra, o baixo número de vendas dos livros de Matemática ao Governo Federal vincula-se ao distanciamento entre a obra e aquilo que está na ordem do discurso, conforme já explicitamos em Santos e Silva (2019)SANTOS, J. W. dos. SILVA, M..A. da. Relações de poder na idealização de livros didáticos de Matemática. Práxis Educativa, Ponta Grossa, v. 14, n. 1, p. 250-272, jan./abr. 2019. Disponível em: http://www.revistas2.uepg.br/index.php/praxiseducativa. Acesso em 20 jul. 2019.
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; 2 – a posição de destaque alcançada por algumas obras limita o surgimento de obras diferentes, cristalizando um “modelo” de livro didático de Matemática mediante a compreensão de que, tendo uma obra conseguido aprovação pela crítica (PNLD) e pelos consumidores, possui autorização para ocupar seu lugar na ordem do discurso.

Em relação à primeira questão, algumas enunciações produzidas nas entrevistas corroboram nossa afirmação:

[…] um livro que vende bem não necessariamente é um livro magnífico em termos de educação Matemática. Pelo contrário! Pelo contrário! (Pedro em entrevista ao primeiro autor, 2016).

[…]eu não posso também fazer um livro muito avançado, muito inovador, que faz tanto o professor quanto o aluno pensar muito, que tenha muito desafios, […] que obrigue tanto alunos quanto professores a estarem estudando muito […] porque ele não vai vender. É agradar bem aos avaliadores! É aquela história, ia ser sucesso de crítica e de avaliação, mas fracasso de venda! (Magalhães, em entrevista ao primeiro autor, 2018).

Veja-se que tais enunciações evidenciam o fato de que “[…] só serão aceitos no ‘jogo do verdadeiro e do falso’ aqueles que falarem em conformidade com o discurso do momento […].” (VEYNE, 2011VEYNE, P. Foucault: Seu Pensamento, sua Pessoa. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2011., p. 166). Dessa forma, o processo de constituição do livro didático de Matemática evidencia um jogo econômico ao qual o sujeito se adequa ou dele será excluído. No segundo caso, também é notório o modo como as obras “bem-sucedidas” influenciam as futuras produções:

Boa parte dos livros que mais vendem não são mais revisados ou aperfeiçoados pelos autores, boa parte. O autor que é campeão de vendas ganha tanto dinheiro que vai pra Miami. Delega pra terceiros, ele deixa o nome dele lá, porque o nome dele [vende] (Imenes, em entrevista ao primeiro autor, 2016).

Os autores seguem o modelo! E as editoras dizemolha, esse livro aqui é bem-sucedido etc. etc.”. Há uma pressão grande dentro das editoras sobre os autores para apresentarem livros que tenham certeza que vão ser bem-sucedidos, porque dá lucro (Pitombeira, em entrevista ao primeiro autor, 2018).

Os exemplos apresentados marcam bem os efeitos de poder sobre o livro didático de Matemática. A afirmação de Imenes – de que os livros aprovados não são mais revisados – é corroborada por representantes do PNLD, além de editores, conforme destaca Fabiana ao citar modificações superficiais nas obras: “[…]muda assim: era Joãozinho soltando pipa e agora é o Marquinhos jogando figurinha, entendeu? Então você muda o contexto, tem coisas que a gente muda só isso mesmo, o contexto. Era menino e figurinha e você muda: agora é menina e boneca” (Fabiana, em entrevista ao primeiro autor, 2018).

Os fatos citados colocam o livro didático de Matemática em um campo estratégico de disputas, de práticas bem medidas, cujas relações de poder envolvem grupos editoriais, editores e autores e reverberam nos diferentes ramos da rede de produção didática, redistribuindo sujeitos e reconfigurando um campo editorial onde: “[…] cada ofensiva serve como ponto de apoio a uma contraofensiva” (FOUCAULT, 1995FOUCAULT, M. Sujeito e Poder. In: RABINOW, P.; DREYFUS H. Michel Foucault: uma trajetória filosófica para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995., p. 12) que reforça e/ou inverte o fluxo do poder, constituindo gradativamente o livro didático de Matemática.

Observa-se, portanto, relações de poder que fluem em todas as direções. Veja-se que, se por um lado editoras impõem a autores e editores um modo de produção, seduzindo uns e excluindo outros, por outro observa-se que tais dependências são múltiplas, à medida que editoras e autores também dependem do MEC, conforme enuncia Imenes: “[a]s editoras que participam do PNLD, as grandes editoras, tornaram-se reféns do programa. Hoje se uma editora vai mal no PNLD, ela balança das pernas. Se balançar em dois problemas seguidos, periga quebrar, há dependência muito grande” (Entrevista ao primeiro autor, 2016).

Uma vez compreendido que o poder se dá em fluxo, de múltiplas direções, cabe pensar as formas de resistência às tentativas de controle que dele decorrem, bem como as formas de oposição.

3.1 A recusa à condução: sobre o livro didático e o professor de Matemática, resistência e contraconduta

Conforme já explicitado, Foucault (2008)FOUCAULT, M. Segurança, Território, População. São Paulo: Martins Fontes, 2008. busca diferentes denominações para abarcar as diversas formas de rejeição à ordem imposta. Trata-se de movimentos de resistência que não são anteriores ou fora das relações de poder, mas coextensivos a elas. Em suma, a resistência só existe nas relações de poder e cria, a partir destas, outras tantas (re)configurações de poder, inacabáveis e intercambiáveis, formando um tecido espesso que envolve sujeitos e instituições.

Conforme explicitado por Santos e Silva (2018)SANTOS, J. W. dos. SILVA, M..A. da. Os processos de normatização e a constituição do livro didático de Matemática: disciplinamento e saber-poder; avaliação e exame. Rematec, Ano 13, n. 28, mai./ago. 2018., o advento do PNLD vem acompanhado de uma série de documentos oficiais que compõem uma aleturgia de sustentação à “criação” discursiva do livro didático e, ao mesmo tempo, tentativas de condução das condutas do professorado, visto que é apresentado como instrumento político e cultural por meio do qual se instituem conteúdos, organiza-se o trabalho docente e orientam-se propostas metodológicas. Enfim, é o livro que dita o que, como e em que ordem dar-se-ão os acontecimentos em sala de aula, cabendo ao professor segui-lo, uma vez que “este é” o currículo.

Na contramão dessa demanda, encontram-se professores que lidam cotidianamente com a realidade da sala de aula e se opõem a essa condução, o que pode ser visto nos relatos dos entrevistados, como no caso em que questionamos as professoras se estas seguiam as orientações do guia do livro didático, ou seja, se realizavam algum tipo de estudo ou leitura do guia para embasar suas escolhas. Roberta enuncia sua análise peculiar do material: “Algumas vezes sim […] mesmo assim a gente às vezes pondera mais o que nós escolhemos do que a crítica que está nele. Porque cada escola tem uma identidade […]. Às vezes a gente não leva tão a sério a crítica como eles querem” (Entrevista ao primeiro autor, 2018).

Essa recusa em seguir a orientação de especialistas, em deixar-se conduzir ou orientar-se a partir daquilo que os avaliadores do PNLD entendem ser o mais adequado em cada caso, é justificada pelas professoras por duas razões: 1 – falta de tempo hábil diante das demandas que a escola assumiu; 2 – não se sentirem representadas no processo de avaliação dos livros didáticos. Consideremos as enunciações:

É que ficou tanta coisa para escola resolver, inclusive educar, e para o que realmente interessa que é ensinar, não sobra muito tempo, e o ensinar envolve a escolha do livro. Porque você precisa escolher, mas não sobra muito tempo. Tudo é projeto. Chikungunya é projeto, dengue é projeto, querendo ou não, rouba tempo de todo mundo (Márcia, em entrevista ao primeiro autor, 2018).

Vai ter passeata do câncer, tem que levar os alunos; passeata de bicicleta, tem que levar os alunos; passeata sobre o abuso sexual, tem que levar os alunos (Adriana, em entrevista ao primeiro autor, 2018).

E muitas vezes a gente não aproveita tanto o livro porque você tem que vistar o caderno, corrigir tudo […], mandar recado para mãe [informando] que o aluno não fez a tarefa, e a metade da sala ou mais não faz. Aí você tem que pegar caderno por caderno, escrevernão fez a tarefa de Matemática hoje”, colocar data e assinar. Não dá tempo! Não dá tempo na sala de aula! Aí para pra merenda, para pra passar flúor no dente (Márcia, em entrevista ao primeiro autor, 2018).

Olha, no fim das contas, o livro é a última coisa [que recebe atenção]. Entendeu? No meio disso tudo (Adriana, em entrevista ao primeiro autor, 2018).

Mais que um relato, o que vemos é um desabafo de professores que, diante da dura realidade experienciada diariamente nas aulas de Matemática, recusam-se a seguir orientações oficiais de sujeitos que consideram alheios às suas dificuldades. Daí as razões para a contra-conduta, na qual o sujeito busca “[…]ser conduzido de outro modo, por outros homens, na direção de outros objetivos que não o proposto pela governamentalidade oficial, aparente e visível da sociedade” (FOUCAULT, 2008FOUCAULT, M. Segurança, Território, População. São Paulo: Martins Fontes, 2008., p. 262).

Roberta explicita em sua fala a sensação de não estarem representadas no processo de avaliação das obras: “[…] nós só escolhemos o que está pronto, e o que mais se adequa ao que a gente tá procurando, mas, assim, como ele foi construído ou como a gente gostaria que fosse? Jamais nós fomos consultados” (Roberta, em entrevista ao primeiro autor, 2018).

A ideia de que “avaliadores não conhecem a realidade das salas de aula” tornou-se um enunciado constante na fala dos entrevistados e, segundo os mesmos, traduz um eco das vozes da “escola”, de seus corredores, reuniões e conversas informais. Tal compreensão – aliada a outros fatos, como a escassez do tempo e a desconsideração dos problemas sociais que são caros aos docentes – fortalece o movimento de contraconduta.

Não estamos afirmando, porém, que há um radicalismo no processo. Não se veem por aí insurreições ou revoltas em que docentes queimam os livros de Matemática em protestos fervorosos. O que descrevemos são movimentos que se dão nos microespaços sociais onde o livro de Matemática é utilizado, movimentos de recusa ao modelo proposto, de exigência de outros livros, outras formas de governo: “[…] A gente procura praticidade; por exemplo, eu tenho que digitar todas as listas [de exercícios] do terceiro porque os livros didáticos não trazem aquilo que eu preciso ensinar(Roberta, em entrevista ao primeiro autor, 2018). Decorre dessa recusa que, uma vez que o livro de Matemática não atende às necessidades estabelecidas pelos professores, estes passam a desconsiderar seu uso, ou a subutilizá-lo, conforme se depreende dos relatos:

A grande maioria dos exercícios nós não utilizamos, nem o aluno. Como eu te disse, o livro que a gente terminou o ano passado não tinha os conteúdos. Não é que não tinha, não estava, por exemplo, o livro 3 não tinha os conteúdos iniciais do ano, então eu tive que fazer apostilas […]. Só depois das férias que foi utilizado, mesmo assim não foi na íntegra, porque não dá tempo dentro do bimestre. Como no 3° bimestre, colocaram duas geometrias grandes; geometria espacial e geometria analítica no mesmo bimestre, não dá tempo […]; quem faz a ementa do Estado, eu já digo, parece que é o professor que não está em sala de aula, não entende todo o processo. Então, eu acho que o Estado deveria ter a sua própria linha, ou ele se adequaria com o Brasil para a gente poder usar o livro pelo menos uns 50% ou 60%. porque não dá, a gente não usa nessa ementa, […], e cada governo que entra, muda secretária [de Educação] muda equipe e inverte tudo. […] O tanto de livro que foi para reciclagem… dá dó. Livro empacotado, livro novo, faz o controle e descarta (Roberta, em entrevista ao primeiro autor, 2018).

E vai só piorando! Chega num ponto de que, sei lá o que é que eles [os governantes] pensam. Para que elaborar tanto livro se não vai ser aproveitado? É igual eu te falei, para quê que eu vou me aplicar se […] vai chegar lá [na sala de aula] eu não posso fazer aquilo, não dá! E dá até dó daqueles que você sabe que […] se eu explicasse ele iria entender, conseguir render, mas você não pode, numa sala com 30, 35 alunos? (Márcia, em entrevista ao primeiro autor, 2018).

Veja que as enunciações apontam um desencontro entre o que propõe o livro didático de Matemática e aquilo que as docentes esperam do livro. Inversão na ordem tradicional dos conteúdos, textos descontextualizados da realidade dos alunos e escassez de tempo são as principais razões que conduzem à recusa do livro de Matemática, de onde, segundo os relatos, são utilizados apenas alguns exercícios, menos de 50%.

Ao considerar o pensamento nietzschiano de que “nada renuncia sua potência própria, e o comando sempre comporta alguma cessão” (NIETZSCHE, 1775, p. 268 apudVEYNE, 2011VEYNE, P. Foucault: Seu Pensamento, sua Pessoa. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2011., p. 170), consideramos que a descrição apresenta um quadro móvel no qual docentes se esquivam às tentativas oficiais de condução da conduta mediante a contraconduta, colocando em prática formas de estar/vivenciar o ambiente de ensino de Matemática, diminuindo o poder centralizador e organizador do livro.

Contudo, há que se considerar que, uma vez que o poder circula e se alastra por toda a constituição do livro didático de Matemática, cada movimento de contraconduta é observado, analisado e transformado em dados estatísticos, resultando na produção de saberes que serão colocados novamente em jogo, de modo a produzir livros mais adaptados. Certamente um pouco disso já pode ser visto na descrição de Iezzi: “[…]dado que a principal utilidade do livro é servir de fonte de exercício, então o livro tem que ter uma série de exercícios bem construídos, numericamente suficientes e em ordem de dificuldade também bem pensada” (Entrevista ao primeiro autor, 2018).

3.2 Para além de vigilantes e vigiados: o PNLD e os grupos editoriais

Descrever os processos de contraconduta não implica tentar apresentar uma história na qual sujeitos humildes, oprimidos por um poder soberano, empunham suas espadas e invertem à força, a suposta ordem do poder, tomando para si os privilégios dos quais usufruía outrora o suposto detentor. Tratamos, neste texto, de histórias reais, tensões que se dão em diferentes setores da produção do livro didático de Matemática. Nesse contexto, citamos a relação entre o PNLD e os grupos editoriais. De um lado, o primeiro impõe ao segundo normatizações, critérios de qualidade pré-estabelecidos, condições para avaliação e aprovação dos livros didáticos. De outro, grupos editoriais aceitam a condução em alguns aspectos, todavia, resistem a outros, buscando aliviar sobre si a “pressão” da avaliação.

Considerando que o poder se dá em rede, num fluxo contínuo, e que “nunca somos pegos na armadilha pelo poder: sempre podemos modificar-lhe o domínio, em determinadas condições e segundo uma estratégia precisa” (FOUCAULT, 2001FOUCAULT, M. Ditos e escritos. Estética: literatura e pintura, música e cinema. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. v. 3., p. 267), buscamos analisar e descrever quais artifícios são mobilizados pelos grupos editoriais para inverter o fluxo de poder de modo a assegurar para si maiores benefícios:

No começo [do processo de avaliação] os editores entraram com ações na justiça contra a avaliação, no que eles alegavam que o governo estava tirando o “direito sagrado de os professores escolherem seus livros”. Como é que o governo tirou de letra tudo isso? A resposta é a seguinte: pela Constituição Federal, é obrigação ao governo zelar pela qualidade do ensino, a LDB diz a mesma coisa, e a Constituição diz que o governo tem que providenciar material e etc. para o ensino; então, o governo tirou de letra (Pitombeira, em entrevista ao primeiro autor, 2018).

Se considerarmos que, no momento em que se dá essa disputa (1996) – após uma expansão de 318% nos investimentos do governo em livros didáticos, se comparados ao ano anterior – os gastos do governo brasileiro com o PNLD eram de aproximadamente R$ 129.000.000,00 (CASTRO, 1996CASTRO, J. A. de. O processo de gasto público no programa do livro didático. Brasília: IPEA, 1996.) e que apenas no PNLD/2019 os investimentos somam R$ 1.082.243.861,41, teremos uma ideia razoável das razões que justificariam tais embates.

Assim, as ações intentadas perante o judiciário visando combater o processo de avaliação apresenta-se como forma de resistência às conduções que derivam do PNLD e movimentam um jogo estratégico em que, conforme assegura Veyne (2011VEYNE, P. Foucault: Seu Pensamento, sua Pessoa. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2011., p. 170-171), “cada indivíduo é o centro de uma energia que não pode ser vitoriosa ou vencida; nesse segundo caso, ela se torna ressentimento, ou, ao contrário, fiel dedicação ao vencedor, ou os dois ao mesmo tempo, mas essa vontade de potência não é neutralizada nem abolida”.

Nesse caso específico, observamos, em consonância com Veyne (2011)VEYNE, P. Foucault: Seu Pensamento, sua Pessoa. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2011., a ocorrência das duas situações. Por um lado, as editoras veem na manutenção e expansão do PNLD a oportunidade de assegurar maiores cifras aos seus cofres; por outro, travam com o programa embates constantes visando afrouxar as regras vigentes e impor uma nova ordem. Assim, o que representa êxito para as editoras é questionado no âmbito do PNLD:

Eles [os grupos editoriais] conseguiram com advogados pressão junto ao Ministro [da educação] alegando questões de custo; […] eles conseguiram introduzir essa categoria dosaprovados condicionalmente”. Então, os pareceristas apontavam os erros, se eles corrigissem os erros, e eles tinham um mês para corrigir, a coleção seria aprovada (Pitombeira, em entrevista ao primeiro autor, 2018).

Conforme se observa, as enunciações de Pitombeira carregam forte tom emotivo, ao mesmo tempo em que explicitam os movimentos que vão além de simples resistência, tratando-se de tentativas de subversão à ordem do poder, movimentos de contraconduta que visam potencializar vantagens aos grandes grupos editoriais, conforme ressalta Bittar:

Se você ler o edital do PNLD 2019, então tem coisas que a gente percebe claramente que é para prender as editoras. Por exemplo, a avaliação vai acontecer a cada 4 anos, eles queriam até 6, mas foi barrado, e os livros do 1° ao 5° ano podem ser reutilizáveis, todos eles podem escrever no livro, ou seja, todo ano vai ter que comprar mais livro (Bittar, em entrevista ao primeiro autor, 2018).

Veja que a condução do processo de avaliação sustentada em editais, documentos e pareceres jurídicos/oficiais é abalada pela contraconduta que impõe uma nova ordem à estrutura em vigor. Nesse contexto, autores ganham o direito de contestar a avaliação, as obras podem ser aprovadas condicionalmente e, no caso dos livros de 1° ao 5° ano, o governo passa a adquiri-los não mais a cada três anos, e sim anualmente, fato sobre o qual Pitombeira argumenta: “No final do ano, aqueles livros estão todos preenchidos e são descartados, e agora as editoras vão faturar grosso” (Entrevista ao primeiro autor, 2018).

Pitombeira aponta ainda para mudanças estruturais sofridas recentemente pelo PNLD, efeitos desse movimento de contraconduta visando garantir ainda mais benefícios às editoras:

[…] eles queriam que a comissão de avaliação, ou seja, os especialistas, fossem revisores de alto nível, que trabalhassem de graça pra eles. Eles queriam que os avaliadores anotassem, listassem todos os pequenos erros do livro. Impossível, impossível. É trabalhar de graça para eles. O objetivo era esse! O objetivo era esse! O MEC exigiu isso, tá certo1 1 Segundo o entrevistado, a exigência declarada ocorreu de forma não oficial, mas se deu incisivamente e repetidas vezes durante reuniões oficiais sobre o PNLD/2018, das quais participou, todavia, sem que fossem registradas em ata. , agora em 2018 exigiu, e nenhuma das áreas levou isso a sério, ninguém levou isso a sério […] (Pitombeira, em entrevista ao primeiro autor, 2018).

Ora, não há dúvidas de que a efetivação de uma exigência dessa dimensão representaria uma vitória significativa do movimento de contraconduta e uma imensa vantagem aos grupos editoriais, uma vez que, no limite, não haveria mais reprovação de obras à medida que todos os erros elencados poderiam ser pontualmente corrigidos pelos autores e editores. Veja que, ainda que não houvesse tempo hábil para correção e nova submissão da obra no mesmo processo, esta certamente teria aprovação garantida no programa seguinte, o que resolveria um grande problema enfrentado pelas editoras, conforme argumenta Carol: “[…]se em uma obra eu gastei milhões, e a obra não passa no PNLD, aquele livro não vai para lugar nenhum, é um investimento totalmente jogado fora. Todo aquele trabalho que você teve, sinto muito, o livro não virou livro, só foi entregue lá no MEC e acabou(Entrevista ao primeiro autor, 2016).

Uma vez que o poder atravessa diferentes sujeitos e lugares – e considerando que “[…] lá onde há poder há resistência e, no entanto (ou melhor, por isso mesmo), esta nunca se encontra em posição de exterioridade em relação ao poder” (FOUCAULT, 1988FOUCAULT, M. História da Sexualidade I: a vontade de saber. 14. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1988., p. 91) –, vemos elementos de contraconduta também por parte de membros do PNLD que, conforme relata Pitombeira, optam pelo não cumprimento da exigência em elencar todos os erros encontrados nos livros didáticos.

Não estamos com isso afirmando que movimentos de contraconduta sejam louváveis ou perniciosos, mas apenas descrevendo o modo como as relações de poder importam sempre em possibilidades de escape como condição sine qua non de sua existência (FOUCAULT, 1995FOUCAULT, M. Sujeito e Poder. In: RABINOW, P.; DREYFUS H. Michel Foucault: uma trajetória filosófica para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995.).

3.3 Sobre autoria e contraconduta

Embora tenhamos pensado em organizar algumas temáticas neste artigo, o momento da escrita torna evidente o quanto cada ato, cada movimento, cada forma de pensamento e organização das relações de poder se dá de modo emaranhado. Poder, resistência, contraconduta: tudo isso não pode ser visto separadamente, devendo tal observação ser ressaltada antes da finalização desse texto.

Considerando as segmentações dos temas ou tópicos apenas artifícios didáticos, tratemos da contraconduta praticada por autores que circulam, dançam, esquivam-se, movimentam-se nessa rede de poder.

Os dados colhidos nas entrevistas apontam para um controle minucioso da conduta e/ou vigilância de todos os sujeitos imersos na cadeia de produção do livro, abrangendo desde a seleção de autores, editores e freelancers até o desenvolvimento de pesquisas e outras estratégias de vigilância de professores e de editoras concorrentes, conforme discutido por Santos e Silva (2018)SANTOS, J. W. dos. SILVA, M..A. da. Os processos de normatização e a constituição do livro didático de Matemática: disciplinamento e saber-poder; avaliação e exame. Rematec, Ano 13, n. 28, mai./ago. 2018.. Iezzi discorre sobre esse controle:

Existe uma pressão terrível sobre os autores mais em evidência. E essa pressão vem do fato de que justamente a cada três anos o MEC, o FNDE refaz a compra. Então […] se o seu livro foi aprovado e adotado, a editora te pressiona a você aperfeiçoar o livro para que no próximo [programa] mantenha a adoção. Se o livro foi recusado, aí você tem, como tivemos, um conflito com a editora porque ela quer que você corrija os erros que tinha para uma nova competição (Iezzi, em entrevista ao primeiro autor, 2016).

Destacamos o relato de Iezzi para situar o leitor quanto aos tensionamentos que decorrem do processo de avaliação do PNLD que credencia a compra de livros didáticos pelo MEC, objetivo final das editoras, afinal: “O livro tem que vender! É como qualquer outro produto, tem que vender, […] faz e vende, porque a pessoa já sabe que vão comprar aquele livro; então, vai, vai, vai logo” (Fabiana, em entrevista ao primeiro autor, 2018).

Existem, porém, outras formas de controle da conduta de autores por parte das editoras, como a imposição de viagens para participação em eventos como estratégia de divulgação da obra:

[…] na minha carreira de autor, várias, várias vezes eu fui convidado para participar de seminários ou pra dar uma palestra, e muitas vezes esse convite vinha muito estimulado pela própria editora, sabe? Sugerido pela própria editora! Então, você fazer palestra ou participar de alguma mesa redonda, de um minicurso e tal, era um fato onde você se expunha como pessoa, ficava conhecido e, ao mesmo tempo, ia atrás o livro (Iezzi, em entrevista ao primeiro autor, 2016).

Esta forma de controle é também relatada por outros autores. Todavia, sendo a resistência à condução própria das relações de poder, a (in)submissão a essas práticas pode variar, dependendo do nível hierárquico que os autores ocupam nas editoras. Em outras palavras, autores com menor vendagem ao MEC ocupam uma posição mais baixa na hierarquia disciplinar estabelecida na teia de poder, ou, ainda, conforme afirma Smole, “[…] quando o autor depende muito, exclusivamente de ser autor, a relação entre ele e a editora fica muito de submissão, então aí a editora vem um pouco mais pra cima” (Entrevista ao primeiro autor, 2016). Ainda nesse contexto, e considerando a busca por vendagem, a autora argumenta:

[…] o nosso livro de fundamental 1, ele é um livro que quando a gente escreveu, a gente sabia que ele não ia vender como amarcha da criançaque vende um monte. Por quê? Porque ele é um livro que tem muita Matemática. […] Se a editora disserolha, nós não vamos pôr o livro no PNLD”, vai ser uma decisão dela, depois ela que vai ter que explicar [para o público], porque que ela não pôs o nosso livro no PNLD, e não nós empobrecermos o livro porque a editora quer vender mais, entende? […] Agora, isto não é uma posição que todos os autores tomarão! (Smole, em entrevista ao primeiro autor, 2016).

Note que esse posicionamento contraria os interesses das editoras que priorizam as vendas em detrimento da qualidade do livro produzido, fato explicitado por diferentes entrevistados: “Editora é uma empresa, ela não pensa na educação dos brasileiros. Não vou dizer que não pensa, mas, em primeiro lugar tá outra coisa […], o lucro. E não é porque o empresário é um safado, é porque se ele não age assim a empresa dele fecha” (Imenes, em entrevista ao primeiro autor, 2016). Isso é um fato, reitera o autor: “Não adianta a gente ser ingênuo. Não estou fazendo a defesa disso, eu só estou mostrando que as coisas são assim” (Imenes, em entrevista ao primeiro autor, 2016).

As enunciações evidenciam tanto a forma como as editoras investem na condução da conduta dos sujeitos envolvidos na cadeia de produção do livro, como o posicionamento de oposição a esse controle, conforme vemos em Smole:

[…]nós só fazemos a divulgação que nós queremos, então, não tem isso de nossa agenda estar na mão da editora. […] hoje mesmo nós estávamos conversando com o pessoal lá da [nome da editora] de Belo Horizonte, falei:olha, gente, esse roteiro eu não vou fazer não, eu não vou pegar essa estrada que se sabe que é muito perigosa não! Vamos fazer por Skype”; fui dando outras possibilidades. Eles querem morrer, né, porque a Inês e eu inauguramos uma outra relação de autor com editor, porque a editora vinha com um discurso de dizerolha, se você não for no [nome do colégio], eles vão deixar de adotar a sua obra” (Smole, em entrevista ao primeiro autor, 2016).

Cabe ainda destacar que conduta e contraconduta não se dão de forma disjuntas e um mesmo sujeito pode alternar posições em que segue passivamente alguns comandos e resistem a outros. Acrescenta-se ainda que praticar a contraconduta não significa que cessem, por esta razão, as tentativas de controle. De acordo com Smole, a pressão sobre os autores é uma constante, ao passo que a resistência a essa investida dependerá do nível ocupado pelo autor na hierarquia estabelecida.

Isso nada tem a ver com uma luta entre os que aspiram por liberdade e aqueles que querem mantê-los acorrentados. Via de regra, editoras visam um lucro também almejado pelos autores. Conforme argumenta Imenes, o livro “[…]é o resultado de uma parceria de quem tem dinheiro e de quem supostamente tem ideias; faz-se um contrato de direito autoral, que é um contrato de risco para as duas partes porque, se não vender, ou investidor perdeu dinheiro e nós perdemos tempo, correto?” (Entrevista ao primeiro autor, 2016).

O posicionamento de Imenes é corroborado por Smole: “[…] eu também não vou gastar cinco anos da minha vida escrevendo um livro que depois não vende nada” (Entrevista ao primeiro autor, 2016). Portanto, embates e alianças entre autores e editores representam apenas formas de reconfiguração do campo, tensões próprias das relações de poder. Elas coexistem em uma infindável disputa por espaço em que a contraconduta de hoje pode tornar-se a conduta de amanhã e, neste caso, poderá ser combatida por outros movimentos de contraconduta.

Assim são as relações de poder em todos os campos, portanto, também na produção de livros de Matemática. Segundo relato de Smole, o grande volume de dinheiro investido na produção didática impede que o autor se lance sobre uma produção de modo ingênuo para fabricar um livro “romântico”, desconsiderando os discursos que compõem o campo.

Se a relação autores-editores pode parecer antagônica, visto que os primeiros ora resistem, ora se deixam governar, os dados evidenciam que estes são movimentos próprios, produzidos no interior da maquinaria de poder. Não se trata, portanto, de uma luta entre anjos ou demônios. Nesse sentido, Smole declara:

Só existe o corruptor porque tem quem se deixe corromper. Portanto […], se eu sou o autor que para ter o nome numa obra coletiva ou porque eu vou ganhar um dinheiro que eu não esperava ganhar, porque essa obra vai vender, eu [me] submeto a isso; então, isso é uma escolha, mas não dá para o mundo achar que a editora é a vilã e os autores são vítimas, […] sabe, essa visão assim meio maniqueísta de que tem a editora que é a bandida e os mocinhos têm que salvar as pobres almas. Ela tem uma vírgula! Então, não é uma relação de vassalos, escravos e senhores, sabe, ela é uma relação que tem espaço para discussão. Tem negociação? Claro que tem! […] Mas ela não é essa negociação perversa que as pessoas imaginam, sabe? Do autor queoh coitado”. E isso vale para aquela outra pergunta que você me fez, será que não tem perigo dos grandes grupos [monopolizarem o mercado]? Tem! Mas isso faz parte de um jogo capitalista, cabe aos interessados analisarem aquilo que eles vão aceitar e aquilo que eles não vão aceitar. Então acho que isso é bacana assim na sua pesquisa, porque ela pode desvelar alguns mecanismos quando as pessoas acham que os grandes grupos são sempre os [vilões]. Então, você dizer que o autor é explorado? Não! Olha, o autor sabe bem o que ele vai fazer quando ele entra lá, entendeu? (Smole, em entrevista ao primeiro autor, 2016).

Os argumentos contundentes de Smole sintetizam um efeito das relações de poder/resistência já abordado e muito significativo em nossa pesquisa, segundo o qual o lugar ocupado pelo sujeito, os saberes construídos, as linhas de força com as quais interage e a hierarquia por ele conquistada são fatores significativos na postura assumida, aceitando o governo, praticando a contraconduta ou alternando ambas as posições.

Smole assume um lugar que não é fixo, mas maleável e autoajustável, por isso percorre por diferentes ambientes nas relações de poder que estabelece com a editora. Sua posição não é de adversária nem de “assujeitada”– nos termos de Foucault (2011) – mas de sujeito livre que, como tal, aceita e/ou impõe resistência ao poder, sente seus efeitos. Atravessada por relações de poder, faz escolhas, cria pontos de fuga. Adapta-se, modifica-se a partir dessas relações, afinal, “de que valeria a obstinação do saber se ele assegurasse apenas a aquisição dos conhecimentos e não, de certa maneira, e tanto quanto possível, o descaminho daquele que conhece?” (FOUCAULT, 1984FOUCAULT, M. História da sexualidade II; O uso dos prazeres. Rio de Janeiro: Graal, 1984., p. 15).

4 Considerações finais

Percorremos neste artigo discussões que ultrapassam a visão do poder fundada em compreensões ingênuas relacionadas a um suposto poder possuído por alguns e lançado em direção a outros, e optamos por uma compreensão foucaultiana, em que o poder é exercido em rede.

Ao considerar o universo da produção de livros didáticos de Matemática, deparamo-nos com uma dinâmica de inversões constantes na ordem de um poder que não possui forma determinada nem direção única, mas que flui de um campo a outro. Não há um poder único e determinável, mas relações de poder que atravessam empresas, autores, editores, avaliadores do PNLD e professores, entre outros sujeitos e instituições que, como nós na rede, sustentam o conjunto que forma a cadeia produtiva de livros didáticos, fazendo-os repercutir/multiplicar efeitos de poder que se apoiam ou tensionam-se mutuamente. Uma vez que a possibilidade de escape ao controle é condição para existência do poder, a contraconduta apresenta-se como possibilidade de criar pontos de fuga no tecido onde se alastra.

Nesse ambiente corporativo, tentativas de centralização de poder levam editoras a investirem esforços na contratação de autores e editores de outras empresas com o propósito de fragilizar a concorrência, controlando, assim, o espaço da produção didática. Em âmbito interno, vemos efeitos de poder “pesar” sobre autores que, devido à baixa vendagem de livros, são excluídos do PNLD.

Todavia, essa mesma trama aponta a forma multidirecional como o poder se espalha, criando um ambiente de dependências recíprocas. Enquanto o MEC depende das editoras para a produção das obras, a concentração de dinheiro que este movimenta, bem como os altos investimentos das editoras nessa produção, colocam em risco sua existência, à medida que qualquer interrupção ou mudança no programa afeta diretamente essas empresas, podendo levá-las à falência. Acrescenta-se ainda o fato de as mesmas editoras que demitem alguns autores por não obterem sucesso de vendas ao MEC, tornarem-se reféns de autores com vendagem expressiva, submetendo-se às exigências desses para mantê-los no grupo.

Atuando de forma intrínseca ao poder, descrevemos ainda as resistências, insurreições ou, nos termos de Foucault, as contracondutas que vemos delineadas.

Diante de um poder que furtivamente parece centrar-se naqueles que investem dinheiro ou ideias para a produção do livro didático, vemos um professor de Matemática que se recusa às tentativas de controle de sua conduta a partir do livro didático. Não acreditando, nem se sentindo representado pela forma como é conduzida a avaliação do livro de Matemática, ele opta por desconsiderar as orientações presentes no Guia do Livro Didático, subvertendo o uso do livro de Matemática, considerado distante de sua realidade.

Essa recusa sem dúvidas é alvo do olhar vigilante das editoras e evidencia um poder vigilante, que regula constantemente sua lente para ler as enunciações desse professor e imprimi-las em suas obras, a fim de produzir um livro ajustado ao professorado. Há, portanto, elementos de poder na decisão do professor, à medida que toda a cadeia de produção didática aguarda ansiosa a sua decisão por essa ou aquela obra.

Se os dados apontam, ainda, para uma condução da conduta de autores/editores por meio do PNLD e seus critérios de avaliação, também evidenciam o modo como estes recusam a essa condução, colocando-se num movimento de contraconduta que resulta em conquistas importantes em suas pautas. Entre tantas, citamos a instituição pelo PNLD, da categoria de livro “aprovado condicionalmente”, a ampliação de três para quatro anos no ciclo de avaliação dos livros didáticos, bem como do rol de livros consumíveis, fazendo com que o governo federal tenha que comprar anualmente os livros do 1° ao 5° ano do Ensino Fundamental, fato que, sem dúvidas, aumenta significativamente os lucros das editoras.

Por outro lado, vemos também elementos de contraconduta na recusa de alguns integrantes do PNLD em cumprir uma exigência a eles imposta e da qual discordam, qual seja, a elaboração de listagem de todos erros encontrados nos livros didáticos.

Constatamos ainda diferentes nuances de poder na relação autor x editoras, em que autores que vivem exclusivamente da produção didática são mais suscetíveis ao controle das editoras, enquanto aqueles que possuem outras fontes de renda, ou que atingiram vendagem significativa de livros ao MEC, possuem mais mobilidade na cadeia produtiva. Nesse contexto, Smole apresenta-se como exemplo de sujeito móvel produzido nas relações de poder que induzem/conduzem a constituição do livro didático de Matemática. Ajusta-se em um movimento no qual ora resiste, ora se deixa conduzir. Ao mesmo tempo em que incorpora o discurso econômico do livro como produto, defende que tal processo não deve se dar por submissão, numa relação entre dominantes e dominados, mas num ambiente de negociação, em que cabe a cada autor avaliar os riscos e vantagens de suas decisões.

Portanto, ao concluir esta pesquisa, notamos que, se por um lado as relações de poder tensionam e criam condições para a perpetuação de uma estrutura, a contraconduta apresenta-se como obstáculo a essa ambição. Não há, portanto, nesse ambiente uma disputa entre heróis e vilões, mas sujeitos e instituições que, atravessados por um poder pluriforme e multidirecional, reformulam constantemente os desenhos sempre provisórios da cadeia produtiva.

Uma vez que a equipe de ex-integrantes do PNLD entrevistada atuou no programa até o PNLD/2019, resta como possibilidade de pesquisas futuras investigar mais a fundo o espaço que os grandes grupos editoriais vêm alcançando a partir da reformulação ocorrida no PNLD/2019, uma vez que nos intrigam os esforços das editoras, bem como as possibilidades de apoio do MEC para que todos os erros encontrados pelos avaliadores sejam pontuados e apresentados em relatório disponibilizado a estas empresas. Há que se considerar que tal fato implicaria um novo tipo de relação entre avaliadores e avaliados, visto que, no limite, todos os erros apontados poderiam ser facilmente localizados e corrigidos, garantindo a aprovação das obras e privilegiando as empresas com mais representatividade no PNLD e com maior capacidade de investimento em equipes, equipamentos etc., ou seja, os grupos que atualmente dominam o mercado.

  • 1
    Segundo o entrevistado, a exigência declarada ocorreu de forma não oficial, mas se deu incisivamente e repetidas vezes durante reuniões oficiais sobre o PNLD/2018, das quais participou, todavia, sem que fossem registradas em ata.

Referências

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  • FOUCAULT, M. A Arqueologia do saber Rio de Janeiro: Forense, 1986.
  • FOUCAULT, M. História da Sexualidade I: a vontade de saber. 14. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1988.
  • FOUCAULT, M. Sujeito e Poder. In: RABINOW, P.; DREYFUS H. Michel Foucault: uma trajetória filosófica para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995.
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  • FOUCAULT, M. Segurança, Território, População São Paulo: Martins Fontes, 2008.
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  • PASSOS, E.; KASTRUP, V.; ESCÓSSIA, L. Pistas do método da cartografia: pesquisa intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2014.
  • PASSOS, E. Vigiar e Punir: Nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 39. ed. Petrópolis: Vozes, 2011.
  • SANTOS, J. W. dos. SILVA, M..A. da. Os processos de normatização e a constituição do livro didático de Matemática: disciplinamento e saber-poder; avaliação e exame. Rematec, Ano 13, n. 28, mai./ago. 2018.
  • SANTOS, J. W. dos. SILVA, M..A. da. Relações de poder na idealização de livros didáticos de Matemática. Práxis Educativa, Ponta Grossa, v. 14, n. 1, p. 250-272, jan./abr. 2019. Disponível em: http://www.revistas2.uepg.br/index.php/praxiseducativa Acesso em 20 jul. 2019.
    » http://www.revistas2.uepg.br/index.php/praxiseducativa
  • VEYNE, P. Foucault: Seu Pensamento, sua Pessoa. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2011.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    20 Abr 2021
  • Aceito
    09 Jul 2021
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