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Processo Formativo do Futuro Professor de Matemática: foco nas operações do campo aditivo

The Training Process for Future Mathematics Teachers: a focus on Addition problems

Resumo

Este texto tem como objetivo trazer para discussão uma experiência de formação inicial com licenciandos de uma turma de Matemática da Universidade Federal de Sergipe, quanto ao ensino das operações do campo aditivo. O processo formativo esteve organizado a partir da concepção de ação e raciocínio pedagógicos apresentada por Shulman e foi desenvolvido na disciplina de Tópicos de Ensino de Matemática. Os dados coletados por meio do diário de campo e de portfólios trouxeram evidências de compreensões e transformações realizadas pelos licenciandos durante o estudo das estruturas aditivas, ao conseguirem categorizar e elaborar problemas das diferentes categorias do campo aditivo. Ainda, ficaram evidentes algumas avaliações e reflexões deles quando indicam as dificuldades enfrentadas pelos estudantes do 6° ano do Ensino Fundamental e quando destacam a necessidade de mudança na forma como os professores conduzem o ensino desse conteúdo. Dessa maneira, a ação e o raciocínio pedagógicos vivenciados com os licenciandos podem ajudar no processo formativo do futuro professor de Matemática, ao promover compreensões das complexidades do processo pedagógico.

Palavras-chave:
Raciocínio Pedagógico; Formação Inicial; Matemática

Abstract

The goal of this paper is to contribute to the discussion of an initial training experiment with teaching degree students from a Mathematics class at the Federal University of Sergipe, regarding teaching addition problems. The training process was organized according to the concept of pedagogical reasoning and action, as presented by Shulman, and was developed in the course of Topics on Teaching Mathematics. The data collected in the field diary and in portfolios presented evidence of understanding and transformations by the teaching degree students while studying addition problems in that they were able to categorize and elaborate problems from different categories of addition. Moreover, some of their evaluations and reflections became clearer when they indicated the difficulties faced by students in the 6th year of basic education and when they highlighted the need to change the way that teachers teach this content. Therefore, we understand that the pedagogical reasoning and action experienced by these teaching degree students can help in the training process of future mathematics teachers by promoting an understanding of the pedagogical process complexities.

Keywords:
Pedagogical Reasoning; Initial Training; Mathematics

1 Introdução

O ensino das operações de adição e subtração ocorre nas turmas dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Contudo, é comum encontrarmos, em turmas do 6° ano, estudantes que ainda não mostram competência ao resolverem essas operações. Pesquisas com alunos e professoras dos Anos Iniciais revelam que o ensino dessas operações é insuficiente, porque é vinculado a somente um tipo de representação, e inadequado, por priorizar as situações-problema com menor nível de complexidade (ETCHEVERRIA, 2019ETCHEVERRIA, T. C. O ensino de conceitos aditivos: trajetórias e possibilidades. Curitiba: Appris, 2019.; REGES, 2006REGES, M. A. G. Estruturas aditivas: análise da prática pedagógica de professores do II Ciclo do Ensino Fundamental. 26. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, 2006.).

Levando em conta esse contexto, na posição de formadores de professores de Matemática, resolvemos investigar possibilidades de aprimorar o processo formativo de licenciandos do curso de Matemática para ensinar esse tema, de forma que eles, enquanto professores dos Anos Finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, possam intervir nessa realidade e contribuir para sua superação.

Entendemos que, para aprender a ensinar, os licenciandos necessitam saber mais do que apenas resolver questões sobre o conteúdo e estabelecer uma boa comunicação: precisam também conhecer fundamentos teóricos que embasam aquele conteúdo e o seu ensino, além de documentos curriculares e resultados de pesquisas que tratam de dificuldades enfrentadas e estratégias de ensino eficazes. Esse caminho de estudo permite ao licenciando apropriar-se de um conhecimento específico para a prática docente, que pode ser um diferencial na sua forma de ensinar.

Shulman (2014)SHULMAN, L. S. Conhecimento e ensino: fundamentos para a nova reforma. Trad. Leda Beck. Cadernos CENPEC, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 196-229, dez. 2014. Disponível em: http://cadernos.cenpec.org.br/cadernos/index.php/cadernos/article/view/293/297 Acesso em: 16 ago. 2019.
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considera que algumas das novas propostas de reformas curriculares para os cursos de formação de professores estão partindo das premissas sobre a base de conhecimento para o ensino, pois, ao defenderem a ampliação do número de horas dos cursos, estão reconhecendo que os períodos de aprendizado devem ser maiores e, assim, pressupõem que algo substancial precisa ser aprendido.

Levando em consideração esses argumentos, perguntamo-nos: Como organizar um processo de formação focado em certos tipos específicos de conhecimento e de raciocínios pedagógicos, de forma a ajudar o futuro professor de Matemática a realizar um ensino eficaz.

Para tanto, organizamos uma proposta que permitisse ao licenciando trafegar entre a posição de aprendiz e de professor, ao ser capaz de, ao mesmo tempo, compreender os conceitos que permeiam o conteúdo e de elucidá-lo de diferentes formas, por meio de atividades que possibilitem a compreensão desse assunto pelos alunos do Ensino Fundamental. Escolhemos uma experiência formativa que teve como propósito colocar em prática os passos do raciocínio pedagógico proposto por Shulman (2014)SHULMAN, L. S. Conhecimento e ensino: fundamentos para a nova reforma. Trad. Leda Beck. Cadernos CENPEC, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 196-229, dez. 2014. Disponível em: http://cadernos.cenpec.org.br/cadernos/index.php/cadernos/article/view/293/297 Acesso em: 16 ago. 2019.
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Os dados aqui em discussão foram coletados por meio do trabalho realizado em um estudo feito com os licenciandos do curso de Matemática, na disciplina Tópicos de Ensino de Matemática.

2 Os processos de ação e raciocínio pedagógicos

Na formação inicial de professores de Matemática duas áreas são priorizadas: a dos conteúdos específicos da Matemática e a área pedagógica ou da formação profissional. A Base Nacional Curricular para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC-Formação) orienta para uma formação que priorize a experiência docente desde o primeiro período do curso, de forma que a prática esteja contemplada em um número maior de disciplinas e que também as disciplinas de conhecimentos matemáticos façam uso dessa ação pedagógica.

Essas mudanças provocam questionamentos relacionados ao que realmente é necessário aprender para se saber ensinar. Concordamos que a compreensão dos conceitos matemáticos e dos processos cognitivos de como se aprende constituem uma base necessária para alguém que quer ensinar Matemática. Por outro lado, também acreditamos que a vivência de um aprendizado matemático que desafie as concepções desenvolvidas na experiência anterior, enquanto estudantes da Educação Básica, pode impulsionar a construção de uma proposta de ensino coerente com o que estudaram (LOUREIRO; SERRAZINA, 1995LOUREIRO, C.; SERRAZINA, L. Teoria/prática na formação inicial de professores de Matemática na ESE de Lisboa. In: Actas do XIII Encontro de Investigação em Educação Matemática, Luso, 1995. p. 1-19.).

Para que um professor se sinta preparado para elaborar e executar uma proposta docente, ele necessita entender o que deve ser aprendido pelo aluno e ainda saber como esses conceitos devem ser ensinados, ou seja, precisa compreender o assunto, saber planejar ações, escolher representações e jeitos de explicar e interpretar ideias de maneira que “os que não sabem venham a saber, os que não entendem venham a compreender e discernir, e os não qualificados tornem-se qualificados” (SHULMAN, 2014SHULMAN, L. S. Conhecimento e ensino: fundamentos para a nova reforma. Trad. Leda Beck. Cadernos CENPEC, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 196-229, dez. 2014. Disponível em: http://cadernos.cenpec.org.br/cadernos/index.php/cadernos/article/view/293/297 Acesso em: 16 ago. 2019.
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, p. 205).

Os aspectos destacados estão relacionados aos conhecimentos específicos da profissão docente e o autor analisa essa transformação de sujeito que aprende em sujeito que ensina, firmando sua passagem por um processo de raciocínio e ação, pois, para atuar em sala de aula, o professor cria estratégias a serem implementadas durante o processo instrucional e toma decisões de acordo com o andamento e os acontecimentos pedagógicos dentro da sala de aula.

Tendo em vista o que foi mencionado, questionamos quanto ao tipo de processo formativo que pode propiciar ao licenciando do curso de Matemática experiências que promovam essa prontidão (SHULMAN; SHULMAN, 2016SHULMAN, L. S.; SHULMAN, J. H. Como e o que os professores aprendem: uma perspectiva em transformação. Tradução de Leda Beck. Cadernos CENPEC, São Paulo, v. 6, n. 1, p. 120-142, jan./jun. 2016. Disponível em: http://cadernos.cenpec.org.br/cadernos/index.php/cadernos/article/view/353 Acesso em: 16 ago. 2019.
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). Também interrogamos sobre quais atividades de formação promoverão aprendizados que resultem no aprimoramento da visão de ensino e de aprendizagem dos licenciandos.

Sabemos que existem diferentes caminhos que podem ajudar os licenciandos a desenvolverem uma nova visão do ensino. Dentre eles, destacamos o modelo de raciocínio pedagógico, por fornecer meios de compreender como o futuro professor aciona seus conhecimentos (ALMEIDA, 2009ALMEIDA, R. N.; Modelagem matemática nas atividades de estágio: saberes revelados por futuros professores. 2009. 138f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Centro de Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2009.).

Esse modelo foi proposto inicialmente por Wilson, Shulman e Richert (1987)WILSON, S. M.; SHULMAN, L. S.; RICHERT, A. E. 150 Different ways of knowing: Representations of knowledge in teaching. In: CALDERHEAD, J. (Ed.). Exploring teachers’ thinking. London: Cassess, 1987. p. 104-124., ao trazerem para discussão o processo de tornar-se professor. Mais recentemente, Shulman (2014)SHULMAN, L. S. Conhecimento e ensino: fundamentos para a nova reforma. Trad. Leda Beck. Cadernos CENPEC, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 196-229, dez. 2014. Disponível em: http://cadernos.cenpec.org.br/cadernos/index.php/cadernos/article/view/293/297 Acesso em: 16 ago. 2019.
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sugere que essa transformação de aprendiz em professor passe por um processo de raciocínio e ação que pode ser categorizado nas seguintes etapas: Compreensão, Transformação, Instrução, Avaliação, Reflexão e Novas Compreensões.

Para o autor, a Compreensão é quando o professor – no nosso caso, o futuro professor – assimila o conteúdo, compreende-o de várias formas e relaciona-o aos objetivos instrucionais. No caso da Matemática, por exemplo, uma pessoa comum pode compreender os algoritmos para efetuar uma soma, mas espera-se que um professor de Matemática vá além dessa compreensão e relacione-os a diferentes procedimentos e abordagens pedagógicas, a depender do objetivo a ser alcançado.

Após compreender o conteúdo, o professor deve fazê-lo passar por um processo de Transformação, que articula o conteúdo aprendido com as mentes e as motivações dos alunos. Para realizar essa transformação, Shulman (2014)SHULMAN, L. S. Conhecimento e ensino: fundamentos para a nova reforma. Trad. Leda Beck. Cadernos CENPEC, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 196-229, dez. 2014. Disponível em: http://cadernos.cenpec.org.br/cadernos/index.php/cadernos/article/view/293/297 Acesso em: 16 ago. 2019.
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sugere quatro outros processos: (i) Preparação: construir o material; (ii) Representação: encontrar metáforas ou analogias; (iii) Seleção: escolher métodos e abordagens didáticas; e (iv) Adaptação: adequar as representações às características do público-alvo.

Para a etapa seguinte, a Transformação, o autor propõe que o professor vá para sala de aula, pois é lá que ocorre a Instrução, processo no qual ele gerencia a ação docente planejada, interage com os alunos e apresenta explicações claras. É a parte mais visível do trabalho docente.

Ao concluir a ação docente, faz-se necessária uma Avaliação, para verificar sua efetividade, tanto para saber se as escolhas metodológicas e os recursos utilizados foram adequados para aquela turma, quanto para investigar o que o aluno realmente compreendeu do que foi ensinado.

As informações coletadas por meio da Avaliação permitem uma Reflexão sobre os objetivos pretendidos e isso pode contribuir para o profissional da docência aprender com a experiência de ensino que realizou. Essa reflexão pode gerar Novas Compreensões.

Cabe salientar que, embora apresentado sequencialmente, este modelo não pretende ser rígido e essas etapas podem acontecer de diferentes modos. Para discutir as etapas de raciocínio pedagógico propostas por Shulman, vivenciadas pelos licenciandos da disciplina de Tópicos de Ensino de Matemática, escolhemos o ensino do campo aditivo.

3 Adição e subtração – campo conceitual e estratégias

Visto que as operações de adição e subtração pertencem a um mesmo Campo conceitual, faz-se necessário entender o que é um campo conceitual. Vergnaud (1996)VERGNAUD, G. A Teoria dos Campos Conceituais. In: BRUN, J. (Org.). Didáctica das Matemáticas.. Lisboa: Instituto Piaget, 1996. p.155-191. define campo conceitual como um conjunto de situações que envolvem conceitos de naturezas distintas que se interligam formando uma rede.

Na rede de conceitos que abrangem o campo aditivo estão as relações que implicam situações de adição e de subtração. Dentre elas, destacamos: “(I) A composição de duas medidas numa terceira; (II) A transformação (quantificada) de uma medida inicial numa medida final; e (III) A relação (quantificada) de comparação entre duas medidas” (VERGNAUD, 1996VERGNAUD, G. A Teoria dos Campos Conceituais. In: BRUN, J. (Org.). Didáctica das Matemáticas.. Lisboa: Instituto Piaget, 1996. p.155-191., p. 172). Para destacar os diferentes raciocínios, Magina et al. (28) fazem uma discussão sobre o grau de complexidade presente nas situações.

As situações de menor complexidade, identificadas como protótipos, envolvem conceitos de duas categorias diferentes: composição e transformação. Nos protótipos de composição, temos duas partes e queremos saber o todo; nos protótipos de transformação, conhecemos o estado inicial, a transformação e queremos encontrar o estado final. Esses são os esquemas de ação mais simples e é a partir deles que a criança começa a compreender as operações de adição e de subtração.

Os problemas de primeira extensão também envolvem esses dois tipos de situações e apresentam maior complexidade que os problemas protótipos. Eles podem ser de composição, com uma das partes desconhecida, ou podem ser de transformação, com a transformação desconhecida, isto é, conhece-se o estado inicial e final e procura-se a transformação ocorrida.

A situação de segunda extensão só está presente na comparação. Nela são conhecidos o referente (valor que aparece como referência no problema) e a relação dele com o valor desconhecido e temos que obter o valor do referido (valor desconhecido ao qual a relação se refere).

Também a terceira extensão só é contemplada na comparação; nela conhecemos os dois grupos (referente e referido) e desconhecemos a relação entre eles.

Na quarta extensão, novamente temos problemas que envolvem duas categorias: transformação e comparação. Eles apresentam um nível de complexidade maior do que os problemas das extensões anteriores. Nos problemas de transformação são conhecidos o estado final e a transformação e desconhece-se o estado inicial; e nos problemas de comparação são conhecidos o referido e a relação e se desconhece o referente.

Por outro lado, além de levarmos em conta as diferenças presentes nas situações-problema porque a prática delas contribui no domínio do campo conceitual, também precisamos que os estudantes sejam competentes nos processos operatórios.

Para oportunizar que os estudantes compreendam os processos operatórios da adição e da subtração, entendendo os raciocínios que as envolvem e usando de modo flexível as suas propriedades, Humphreys e Parker (2019)HUMPHREYS, C.; PARKER, R. Conversas numéricas: estratégias de cálculo mental para uma compreensão profunda da matemática. Tradução de Sandra Maria Mallmann da Rosa. Porto Alegre: Penso, 2019. propõem a prática das “Conversas Numéricas”, em que os estudantes resolvem cálculos, criando estratégias próprias de resolução. Para as autoras, essa proposta ajuda os estudantes a se tornarem pensadores confiantes, pois passam a acreditar no seu raciocínio matemático e, além disso, são estimulados ao uso de estratégias pessoais que se diferenciem dos algoritmos tradicionais.

Humphreys e Parker (2019)HUMPHREYS, C.; PARKER, R. Conversas numéricas: estratégias de cálculo mental para uma compreensão profunda da matemática. Tradução de Sandra Maria Mallmann da Rosa. Porto Alegre: Penso, 2019. sugerem que o desenvolvimento dessa proposta comece pela subtração, porque estudantes dos Anos Finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio costumam considerar que as operações aditivas são muito fáceis e, em contrapartida, a subtração é tida como desafiadora. Levando em conta essa observação, indicam o ensino de cinco estratégias para a subtração: arredondar o subtraendo até um múltiplo de 10 e ajustar; decompor o subtraendo; em vez disso, somar; a mesma diferença; e separar por posição. Para alunos que precisam desenvolver confiança e têm pouca experiência fora do algoritmo tradicional, sugerem começar pela adição, com estas estratégias: arredondar e ajustar; tirar e dar; começar pela esquerda; decompor uma das parcelas; adicionar.

Para melhor compreensão, apresentamos no Quadro 1 exemplos de estratégias resolutivas para operações de adição e de subtração.

Quadro 1
Exemplificação dos tipos de estratégias destacadas por Humphreys e Parker (2019)HUMPHREYS, C.; PARKER, R. Conversas numéricas: estratégias de cálculo mental para uma compreensão profunda da matemática. Tradução de Sandra Maria Mallmann da Rosa. Porto Alegre: Penso, 2019.

Algumas estratégias possuem raciocínios semelhantes, por exemplo, “decompor uma das parcelas” e “adicionar”. Contudo, alunos iniciantes nos processos operatórios podem se sair melhor em uma delas, levando-se em conta a representação do algoritmo. Ainda, a ampliação das possibilidades de resolução promove a compreensão e a construção de argumentos matemáticos convincentes (HUMPHREYS; PARKER, 2019)HUMPHREYS, C.; PARKER, R. Conversas numéricas: estratégias de cálculo mental para uma compreensão profunda da matemática. Tradução de Sandra Maria Mallmann da Rosa. Porto Alegre: Penso, 2019..

4 Metodologia

A escolha da abordagem qualitativa se revela na busca de compreender os raciocínios utilizados pelos futuros professores de Matemática, de forma a ajudá-los na elaboração e na execução de uma proposta de ensino eficaz da adição e da subtração. A compreensão não é vista como um resultado, mas sim como uma trajetória na qual os entendimentos e os meios de obtê-los podem ser reconfigurados, de forma a possibilitar aos licenciandos construir uma nova compreensão relativa ao ensino da adição e da subtração (BOGDAN; BIKLEN, 1994BOGDAN, R. C.; BIKLEN, S. K. Investigação qualitativa em educação. Porto: Porto Editora, 1994.).

A coleta de dados utilizou o registro no diário de campo da professora responsável pela disciplina e a elaboração de portfólios individuais com as atividades realizadas por cada licenciando. A identificação dos portfólios foi definida pelos licenciandos, que escolheram ser identificados pelo nome de pedras preciosas, a saber: Diamante, Ônix, Turquesa, Rubi e Esmeralda. Consideramos ressaltar que a experiência docente desses licenciandos, quando chegaram na disciplina, era a seguinte: Diamante, Turquesa e Rubi já haviam cursado os três estágios obrigatórios; Ônix, além de também já tê-los cursado, havia sido bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID e do Residência Pedagógica – RP, e naquele período atuava como professor contratado de Matemática em turmas dos Anos Finais do Ensino Fundamental; e Esmeralda havia cursado somente o primeiro estágio obrigatório e participava do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID.

A disciplina de Tópicos de Ensino de Matemática possui 60 horas, distribuídas em dois encontros semanais de 1 hora e 40 minutos cada um, ao longo de 18 semanas. Tem ementa livre, que, a cada vez que é ofertada, passa pela aprovação do Colegiado do Curso. No período de 2019, teve como ementa: Apresentação e discussão de processos operatórios (adição, subtração, multiplicação e divisão) nos conjuntos Naturais e Racionais, envolvendo cálculo mental, números decimais, algoritmos, composição e decomposição de números, situações-problema do cotidiano. Contextualização histórica dos processos operatórios. Análise dos conteúdos aritméticos de livros didáticos (com prioridade aos aprovados no PNLD). Discussão de pesquisas sobre o ensino de números na Educação Básica, buscando identificar pontos de dificuldades tanto para o ensino como para a aprendizagem e maneiras de superá-los. Planejamento e aplicação de proposta de ensino com o uso de material didático.

Como destacado anteriormente, tomamos como princípio para elaborar essa formação os processos de ação e raciocínio pedagógico propostos por Shulman (2014)SHULMAN, L. S. Conhecimento e ensino: fundamentos para a nova reforma. Trad. Leda Beck. Cadernos CENPEC, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 196-229, dez. 2014. Disponível em: http://cadernos.cenpec.org.br/cadernos/index.php/cadernos/article/view/293/297 Acesso em: 16 ago. 2019.
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, ou seja, nossa intenção era promover aspectos ligados a compreensão, transformação, instrução, avaliação e reflexão, de forma a promover novos entendimentos. Para este trabalho escolhemos abordar somente os resultados referentes ao ensino das operações aditivas, porque dele temos dados dos licenciandos para todas as atividades propostas. A discussão desse tema foi organizada de acordo com o ciclo de atividades descritos no Quadro 2.

Quadro 2
Movimento da ação e raciocínio pedagógico desenvolvido com os licenciandos

5 A experiência de formação com os licenciandos

Para iniciar o estudo com os licenciandos, solicitamos que cada um deles elaborasse 6 problemas cuja resolução envolvesse uma operação de adição ou de subtração, o que totalizou 30 problemas. Os problemas foram recolhidos e passou-se ao estudo da Teoria dos Campos Conceituais e, em especial, do Campo Aditivo. Esse estudo amparou-se em Vergnaud (1996)VERGNAUD, G. A Teoria dos Campos Conceituais. In: BRUN, J. (Org.). Didáctica das Matemáticas.. Lisboa: Instituto Piaget, 1996. p.155-191., Magina et al. (28) e Etcheverria (2019)ETCHEVERRIA, T. C. O ensino de conceitos aditivos: trajetórias e possibilidades. Curitiba: Appris, 2019..

As leituras foram o veículo que utilizamos para possibilitar que os licenciandos compreendessem as ideias e os propósitos do conteúdo a ser ensinado, conforme reforçado por Shulman (2014)SHULMAN, L. S. Conhecimento e ensino: fundamentos para a nova reforma. Trad. Leda Beck. Cadernos CENPEC, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 196-229, dez. 2014. Disponível em: http://cadernos.cenpec.org.br/cadernos/index.php/cadernos/article/view/293/297 Acesso em: 16 ago. 2019.
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. Depois desse estudo, eles categorizaram as situações e representaram com diagramas as soluções para os seis problemas que haviam elaborado. Essa atividade realizou um movimento entre a etapa da compreensão e o primeiro processo da etapa da transformação. Foi o primeiro contato deles com o conhecimento especializado do conteúdo e já puderam identificar as articulações entre os conceitos que permeiam o campo aditivo e perceber que a maneira como é ensinado provoca diferentes aprendizados.

Durante essa atividade, ao relerem seus problemas, perceberam situações que não estavam claras, sendo que Esmeralda identificou que tinha elaborado um problema de multiplicação. Surgiram muitas dúvidas, principalmente na categorização dos problemas de transformação, quando conheciam o estado inicial e o final e desconheciam a transformação, pois eles os classificavam como composição – primeira extensão. Entendiam que o estado final era o todo e o inicial, uma das partes. Muitas vezes precisamos retomar a ideia de que em uma situação de composição existem duas ou mais partes e um todo, ou seja, fazemos uma composição de duas medidas em uma terceira, e na transformação temos uma medida que é transformada por meio de ganho ou de perda (VERGNAUD, 2009)VERGNAUD, G.A criança, a matemática e a realidade: problemas do ensino da matemática na escola elementar. Tradução de Maria Lúcia Faria Moro. Curitiba: Ed. da UFPR, 2009..

A discussão coletiva garantiu uma categorização correta dos 29 problemas elaborados pelos licenciandos, considerando-se que um foi descartado por pertencer ao campo multiplicativo. Dos problemas classificados, 18 são de subtração, o que corresponde a 62,1%; e 11 são de adição, equivalentes a 37,9%. A categorização desses problemas foi realizada, primeiramente, segundo as relações aditivas de base, propostas por Vergnaud (1996)VERGNAUD, G. A Teoria dos Campos Conceituais. In: BRUN, J. (Org.). Didáctica das Matemáticas.. Lisboa: Instituto Piaget, 1996. p.155-191.Tabela 1; e após, em função da complexidade dos problemas (protótipos; 1.a; 2.a; 3.a e 4.a extensão), de acordo com Magina et al. (2008)MAGINA, S. et al. Repensando adição e subtração: contribuições da Teoria dos Campos Conceituais. 3. ed. São Paulo: PROEM, 2008..

Tabela 1
Categorização dos problemas elaborados pelos licenciandos

Os dados da tabela mostram que o maior número de problemas elaborados pelos licenciandos está na categoria transformação (58,6%), seguida pela categoria composição (27,6%) e, por último, a categoria comparação (13,8%). Esses resultados sinalizam que as situações de transformação são as que primeiro lhes vêm à mente, o que pode indicar uma tendência à intensificação desse tipo de situação, em detrimento dos demais.

Ao voltarmos o nosso olhar para o grau de complexidade das situações presentes nos problemas elaborados por eles, observamos que quase 69% apresentam situações prototípicas, ou seja, são situações simples, que as crianças desenvolvem em seu cotidiano ainda antes de começar sua trajetória escolar. Apesar de somente um dos licenciandos já estar atuando como professor de Matemática no Ensino Fundamental, o percentual elevado de situações prototípicas deve servir como um alerta, pois pode se transformar em uma condição restritiva, que limita o aprendizado dos estudantes ao domínio de raciocínios simples.

O número de problemas elaborados nas extensões foi muito pequeno. Da primeira extensão foram elaborados cinco problemas (17,2%); da segunda houve três problemas (10,4%); da terceira ocorreu somente um problema (3,4%); e não foram elaborados problemas com situações no nível de complexidade da quarta extensão.

Ainda dentro da Transformação, trabalhamos o processo de Representação, na busca de que os licenciandos ampliassem seus conhecimentos, ao identificarem maneiras alternativas para representar os processos operatórios da adição e da subtração. Para iniciar, propusemos que resolvessem o problema: Ana Rita comprou uma máquina de lavar por R$1275, e um forno elétrico por R$897,. Quanto Ana Rita gastou ao comprar esses dois produtos? Qual a diferença de valor entre esses dois produtos?

A resolução apresentada pelos licenciandos foi o algoritmo representado pela conta armada, e justificaram, dizendo: “considero que seja o mais simples por ser o que aprendemos na escola e usamos com mais frequência” (Turquesa, atividade 4 do portfólio, 2019); “maneira que aprendi nos anos iniciais” (Diamante, atividade 4 do portfólio, 2019); “é o que eu conheço” (Rubi, atividade 4 do portfólio, 2019).

Para explicar a resolução desse problema, disseram:

[...]questionaria as informações que estão no enunciado, utilizaria um exemplo com números menores usando objetos que fossem do cotidiano dos alunos, evidenciaria que algumas palavras sugerem qual operação deve ser realizada” (Turquesa, atividade 4 do portfólio, 2019)

explicaria o contexto do problema para saber a operação a ser realizada na questão, por exemplo, diferença indica que devemos fazer subtração (Diamante, atividade 4 do portfólio, 2019).

O depoimento deles faz referência às palavras presentes no enunciado. Embora em alguns casos isso seja verdadeiro, não serve para todos os casos.

Essa resposta nos possibilitou discutir casos nos quais há incongruência semântica entre a palavra “ganhou”, presente no enunciado, e a operação subtração necessária para a solução do problema. Os licenciandos foram instigados a pensar em como ensinar a resolução de situações desse tipo, de maneira a evitar o que ocorreu com eles e com professoras dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental: associar a operação resolutiva às palavras presentes no enunciado (CAMPOS et al.CAMPOS, T. M. M. et al. As estruturas aditivas nas séries iniciais do Ensino Fundamental: um estudo diagnóstico em contextos diferentes. Revista Latinoamericana de Investigación em Matemática Educativa, Ciudad de México, v. 10, p. 219-239, 27., 27; MAGINA et al., 2010MAGINA, S. M. P. et al. As estratégias de resolução de problemas das estruturas aditivas nas quatro primeiras séries do Ensino Fundamental. Zetetiké, Campinas, v. 18, n. 34, p. 15-49, jul./dez. 2010.; SANTANA, 2010)SANTANA, E. R. S. Estruturas aditivas: o suporte didático influencia a aprendizagem do estudante? 2010. 344 f. Tese (Doutorado em Educação Matemática) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2010..

Para dar início à discussão que tinha como propósito a construção de Compreensões referentes aos processos operatórios, sem deixar de lado as categorias de Vergnaud (1996)VERGNAUD, G. A Teoria dos Campos Conceituais. In: BRUN, J. (Org.). Didáctica das Matemáticas.. Lisboa: Instituto Piaget, 1996. p.155-191., elaboramos dez problemas aditivos que contemplam as diferentes categorias e têm distintos graus de complexidade e solicitamos aos licenciandos que registrassem como os resolveriam mentalmente; identificassem a categoria; e representassem o diagrama resolutivo.

Como são muitos problemas, neste texto escolhemos discutir somente o Problema 6 (P6): Fernanda tinha 46 reais. Depois que ganhou alguns reais de sua madrinha, ficou com 61 reais. Quantos reais Fernanda ganhou de sua madrinha? Consideramos importante destacar que não somente nesse problema, mas em todos os outros, os processos mentais utilizados pelos licenciandos, em sua maioria, fizeram uso de uma estratégia que aplica a ideia de completar ou que emprega a decomposição.

Os licenciandos conseguiram identificar que a situação-problema presente no P6 é classificada como transformação de primeira extensão e envolve uma adição. O registro feito por Turquesa (Figura 1) para explicar a forma como pensou a resolução do problema mostra que ela usou a ideia de completar. Para sair do 46 e chegar ao 61, primeiro pensou em adicionar 4 ao 46 para chegar à dezena mais próxima (50); depois, adicionou 10 para chegar à dezena seguinte (60), e concluiu, somando 1, para chegar no 61. Para encontrar o resultado teve que somar as quantidades adicionadas (4 + 10 + 1 = 15).

Figura 1
Resolução de Turquesa

A estratégia utilizada por Ônix, Figura 2, apesar de ele não ter escrito que decompôs o subtraendo, mostra que ele decompôs o 46 em 40 + 6, iniciou subtraindo o 40 do 61 e depois retirou o 6 do 21, obtendo 15.

Figura 2
Resolução de Ônix

Comparando os processos mentais apresentados por Turquesa e Ônix, fica claro que eles utilizam operações inversas, pois um usa a adição e o outro, a subtração. Contudo, os dois chegaram ao resultado correto. Isso se deve ao fato de que a transformação proposta na situação-problema, embora desconhecida, indica um ganho e, por isso, como revela o diagrama elaborado pelos licenciandos, o estado final é maior que o estado inicial (F > I).

Após a discussão coletiva dos processos mentais apresentados pelos licenciandos, estudamos os tópicos do livro de Humphreys e Parker (2019)HUMPHREYS, C.; PARKER, R. Conversas numéricas: estratégias de cálculo mental para uma compreensão profunda da matemática. Tradução de Sandra Maria Mallmann da Rosa. Porto Alegre: Penso, 2019. que tratam sobre o ensino de estratégias resolutivas de adição e de subtração. Após a conclusão desse estudo, solicitamos que cada licenciando voltasse aos dez problemas e os resolvesse, usando uma das estratégias abordadas por essas autoras. Ao vivenciarem esse processo, eles tiveram a possibilidade de apropriar-se de maneiras alternativas de solução e da forma como representá-las para favorecer o aprendizado dos alunos (SHULMAN, 2014)SHULMAN, L. S. Conhecimento e ensino: fundamentos para a nova reforma. Trad. Leda Beck. Cadernos CENPEC, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 196-229, dez. 2014. Disponível em: http://cadernos.cenpec.org.br/cadernos/index.php/cadernos/article/view/293/297 Acesso em: 16 ago. 2019.
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As representações utilizadas pelos licenciandos nos mostram que fizeram escolhas diferenciadas para o uso das estratégias, duas das quais – diferentes entre si para o cálculo 61 – 46, resolução do P6 – trazemos para discussão. A primeira, apresentada por Turquesa, é a estratégia identificada por Humphreys e Parker (2019)HUMPHREYS, C.; PARKER, R. Conversas numéricas: estratégias de cálculo mental para uma compreensão profunda da matemática. Tradução de Sandra Maria Mallmann da Rosa. Porto Alegre: Penso, 2019. como “a mesma diferença”.

Figura 3
Resolução de Turquesa

Turquesa pensou que, adicionando 4 ao subtraendo, o cálculo se tornaria mais fácil, porque 46 + 4 = 50. Assim, para manter a diferença entre as quantidades, também teve que adicionar 4 ao 61, resultando no cálculo 65 – 50 = 15, mais fácil do que 61 – 46, pois nesse temos que decompor uma dezena para fazer a subtração das unidades.

A resolução utilizada por Diamante contempla a estratégia identificada por Humphreys e Parker (2019)HUMPHREYS, C.; PARKER, R. Conversas numéricas: estratégias de cálculo mental para uma compreensão profunda da matemática. Tradução de Sandra Maria Mallmann da Rosa. Porto Alegre: Penso, 2019.: “em vez disso, somar”.

Figura 4
Resolução de Diamante

Diamante optou pela ideia de somar e realizou três movimentos: primeiro somou 10 + 46 = 56; depois, para facilitar, somou 4 + 56 = 60; e, por último, adicionou 60 + 1 = 61. Para encontrar a resposta, somou as quantidades adicionadas, 10 + 4 + 1 = 15. O registro na reta numérica, além de facilitar a identificação do resultado, prepara terreno para compreender a subtração como a distância entre dois números (HUMPHREYS; PARKER, 2019)HUMPHREYS, C.; PARKER, R. Conversas numéricas: estratégias de cálculo mental para uma compreensão profunda da matemática. Tradução de Sandra Maria Mallmann da Rosa. Porto Alegre: Penso, 2019..

Na busca de ampliar a compreensão dos licenciandos quanto ao ensino do Campo Aditivo, solicitamos que escolhessem, na biblioteca do Laboratório de Estudo e Pesquisa em Educação Matemática, um livro didático de Matemática com conteúdo do 6° ano do Ensino Fundamental para identificarem situações-problema envolvendo uma adição ou uma subtração; que as classificassem segundo as categorias definidas por Vergnaud (1996)VERGNAUD, G. A Teoria dos Campos Conceituais. In: BRUN, J. (Org.). Didáctica das Matemáticas.. Lisboa: Instituto Piaget, 1996. p.155-191. e utilizassem uma das estratégias sugeridas por Humphreys e Parker (2019)HUMPHREYS, C.; PARKER, R. Conversas numéricas: estratégias de cálculo mental para uma compreensão profunda da matemática. Tradução de Sandra Maria Mallmann da Rosa. Porto Alegre: Penso, 2019. para resolver os problemas. Decidimos não indicar a autoria dos exemplares escolhidos pelos licenciandos, porque esse não é nosso objetivo neste trabalho – para identificá-los usaremos somente o ano de referência de cada um.

Ainda, ressaltamos que para essa tarefa os licenciandos foram orientados coletivamente e individualmente, pois a professora responsável pela disciplina sentou-se com cada um para ajudar na identificação e na categorização dos primeiros problemas. Eles levaram o livro para casa, para dar continuidade ao trabalho, e, em outro encontro, aconteceu uma discussão coletiva na qual puderam falar de suas dúvidas ao categorizar os problemas que encontraram.

Tabela 2
Categorização dos problemas dos livros didáticos

Os licenciandos observaram que a quantidade de problemas cuja resolução envolve um cálculo de adição ou de subtração não variou muito, de 11 a 15 em cada exemplar, com exceção do livro analisado por Rubi, e que o ano da edição dos livros não mostrou grande influência nesse quantitativo. Constataram também o maior número de problemas na categoria transformação e relacionaram com o resultado encontrado por Etcheverria (2019)ETCHEVERRIA, T. C. O ensino de conceitos aditivos: trajetórias e possibilidades. Curitiba: Appris, 2019., ao categorizar problemas do livro didático de Matemática (2° ao 5° ano) adotado por uma escola municipal do interior do estado de Sergipe.

O processo de categorização dos problemas do livro didático nos permitiu perceber que alguns licenciandos mantinham a dificuldade em compreender a diferença entre os conceitos de composição e de transformação.

Figura 5
Categorização realizada por Ônix na obra de 2015 (p. 27)

A situação-problema utilizada por Ônix apresenta os dados por dia. É possível que isso tenha levado o licenciando a entender que era uma mesma coisa (medida) que estava sendo transformada. Contudo, esse problema mostra uma composição do tipo protótipo, pois conhecemos o que aconteceu em cada dia (duas ou mais partes) e queremos saber o resultado da composição dessas partes (todo).

Para resolver os problemas do livro que foram categorizados, priorizaram as estratégias resolutivas: decompor o subtraendo (38%); arredondar e ajustar (26%); tirar e dar (12%); começar pela esquerda (5%); e, em vez disso, somar (5%).

Os licenciandos afirmaram que, “embora os livros apresentem alguns problemas que podem ser trabalhados com as estratégias sugeridas por Humphreys e Parker e se enquadrem na categorização proposta por Vergnaud, em alguns casos não foi possível categorizar” (Ônix, atividade 7 do portfólio, 2019). Isso se deve ao fato de que eles somente categorizaram situações que envolviam uma adição ou uma subtração, e no livro muitas situações envolvem as duas operações.

Para trabalhar os aspectos relacionados à etapa da Instrução, com o objetivo de trabalhar com eles a resolução de problemas aditivos fazendo uso de mais de uma estratégia resolutiva, foi solicitado que elaborassem um plano de aula para estudantes do 6° ano do Ensino Fundamental. Cada problema deveria estar categorizado de acordo com Vergnaud (1996)VERGNAUD, G. A Teoria dos Campos Conceituais. In: BRUN, J. (Org.). Didáctica das Matemáticas.. Lisboa: Instituto Piaget, 1996. p.155-191. e as estratégias, que deveriam ser definidas segundo Humphreys e Parker (2019)HUMPHREYS, C.; PARKER, R. Conversas numéricas: estratégias de cálculo mental para uma compreensão profunda da matemática. Tradução de Sandra Maria Mallmann da Rosa. Porto Alegre: Penso, 2019., seriam exploradas com a turma de estudantes. Queríamos observar de que forma eles iriam transformar o conhecimento compreendido em conhecimento a ser ensinado, quais estratégias iriam utilizar e como iriam organizar as explicações. Nessa etapa, ao definirem os problemas e as estratégias, os licenciandos vivenciaram o processo de Seleção Instrucional.

Todos os licenciandos optaram pela metodologia expositivo-dialogada, porém, Diamante e Turquesa planejaram iniciar retomando conhecimentos prévios dos alunos sobre completamento de dezenas, pois precisavam desse conhecimento para as estratégias resolutivas que escolheram. Para tanto, usaram questionamentos do tipo: “Qual número está mais próximo da próxima dezena? 16 está mais próximo de 20 ou o 8 está mais próximo de 10? Por quê?” (Turquesa, atividade 8 do portfólio, 2019).

O Quadro 3 mostra a categorização dos problemas que elaboraram para trabalhar com os alunos e as estratégias resolutivas que escolheram para ensinar em uma aula com duração de no máximo 1 minutos. Considerando esse tempo, cada um planejou seis problemas.

Quadro 3
Categorização dos problemas elaborados e estratégias resolutivas escolhidas

Os dados do Quadro 3 mostram que somente Diamante e Turquesa buscaram equilibrar o número de problemas em cada categoria. Rubi priorizou a composição; Esmeralda, a comparação; e Ônix elaborou somente situações da categoria transformação. Esses dados revelam que, mesmo após o estudo da Teoria dos Campos Conceituais e de discussões sobre a importância de uma prática resolutiva envolvendo diferentes situações e graus de complexidade para que o aprendizado desses conceitos se efetive (VERGNAUD, 29), três licenciandos acabaram priorizando uma das categorias. Isso demonstra que eles ainda não haviam compreendido por completo o processo de ensino desse conhecimento e, por isso, não conseguiram inseri-lo no seu raciocínio pedagógico (SHULMAN, 2014)SHULMAN, L. S. Conhecimento e ensino: fundamentos para a nova reforma. Trad. Leda Beck. Cadernos CENPEC, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 196-229, dez. 2014. Disponível em: http://cadernos.cenpec.org.br/cadernos/index.php/cadernos/article/view/293/297 Acesso em: 16 ago. 2019.
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Buscamos promover os processos de Avaliação e Reflexão por meio da elaboração de um relatório da ação docente desenvolvida junto aos alunos do Ensino Fundamental. A avaliação realizada por eles teve como foco o desempenho dos estudantes do 6° ano. Turquesa percebeu que “os erros estão mais relacionados a subtração do que a adição. Na adição os alunos erram em questão de contagem, enquanto que na subtração erram no ajustamento quandotoma emprestado, inversão dos termos, não obediência da ordem em que a operação deve ser feita, e outros” (Atividade 9 do portfólio, 2019). Embora o depoimento da licencianda não destaque aspectos pedagógicos do ato de ensinar que contribuam para que os estudantes cometam esses erros, compreender a dificuldade do aluno possibilita que o professor repense sua ação docente, avaliando-a e ajustando-a de maneira que promova a superação das dificuldades.

Ao avaliarem o uso das estratégias resolutivas utilizadas, destacam que “os alunos perceberam que com essas estratégias se tornou mais fácil de resolver cada problema, como foi relatado pelo aluno Caio Henrique que na resolução do segundo problema de adição ele já me deu a resposta do problema sem precisar montar a continha” (Rubi, atividade 9 do portfólio, 2019). Diamante (atividade 9 do portfólio, 2019) corrobora essa ideia, ao afirmar que “a estratégia de arredondar e ajustar foi bem vista por eles e que, de fato, facilita a conta, como relatado por alguns alunos”.

Por outro lado, entendem que isso não aconteceu com todas as estratégias, pois “a estratégia de decompor o subtraendo, utilizada para resolver os problemas de subtração, foi menos aceita e eles tiveram maior dificuldade, talvez devido à necessidade de decompor um número” (Diamante, atividade 9 do portfólio, 2019).

A licencianda ainda complementa sua reflexão, ao olhar para o ensino realizado e perceber possibilidade de reconstrução (SHULMAN, 2014)SHULMAN, L. S. Conhecimento e ensino: fundamentos para a nova reforma. Trad. Leda Beck. Cadernos CENPEC, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 196-229, dez. 2014. Disponível em: http://cadernos.cenpec.org.br/cadernos/index.php/cadernos/article/view/293/297 Acesso em: 16 ago. 2019.
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. Afirma que “nessa estratégia foi necessário repetir a explicação pois os mesmos não estavam familiarizados com esse método de resolução, daí surge a necessidade de abordagem, por parte do professor, de métodos diferentes de resolução de problemas” (Diamante, atividade 9 do portfólio, 2019).

Nesse mesmo caminho, está a reflexão de Ônix, quando ele afirma que

[...] recorrer a várias outras ferramentas possibilita ao educando um salto qualitativo de grande significância. Os alunos apropriam-se deste novo instrumento, e fazendo uso do mesmo, conseguem resolver situações quaisquer dadas e, alcançar mais facilmente os resultados pretendidos, sem engessar-se numa única maneira, por vezes, não compreendida, de enfrentar uma situação (Ônix, atividade 9 do portfólio, 2019).

Os depoimentos nos mostram que o repensar sobre a ação docente realizada e sobre o aprendizado dos estudantes possibilita aos futuros professores aprenderem com a experiência, e isso, segundo Shulman (2014)SHULMAN, L. S. Conhecimento e ensino: fundamentos para a nova reforma. Trad. Leda Beck. Cadernos CENPEC, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 196-229, dez. 2014. Disponível em: http://cadernos.cenpec.org.br/cadernos/index.php/cadernos/article/view/293/297 Acesso em: 16 ago. 2019.
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, pode oportunizar a construção de uma nova compreensão relacionada ao ensino das operações de adição e subtração.

6 Considerações finais

A proposta de formação desenvolvida com os licenciandos visava promover a compreensão de conhecimentos específicos e de raciocínios pedagógicos relacionados ao ensino das operações de adição e de subtração, de forma a ajudar o futuro professor de Matemática a realizar um ensino eficaz.

Aos licenciandos foi possível trafegar pelas seis etapas do raciocínio pedagógico proposto por Shulman (2014)SHULMAN, L. S. Conhecimento e ensino: fundamentos para a nova reforma. Trad. Leda Beck. Cadernos CENPEC, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 196-229, dez. 2014. Disponível em: http://cadernos.cenpec.org.br/cadernos/index.php/cadernos/article/view/293/297 Acesso em: 16 ago. 2019.
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, ao buscarem compreender conceitos que fundamentam o ensino do campo aditivo, e foram capazes de organizá-los para serem ensinados.

Os dados coletados trouxeram evidências de compreensões e transformações realizadas pelos licenciandos durante o estudo das estruturas aditivas, ao conseguirem categorizar os problemas que elaboraram e os problemas do livro didático de Matemática. Ainda, ficaram evidentes algumas avaliações e reflexões deles quanto aos aprendizados dos estudantes do 6° ano do Ensino Fundamental, ao participarem da ação docente planejada e executada, pois indicaram as dificuldades enfrentadas por esses estudantes e destacaram a necessidade de mudança na forma de os professores conduzirem o ensino desse conteúdo. Esses resultados vêm ao encontro da constatação feita por Almeida (29) de que o modelo de raciocínio pedagógico contribui para compreender como o futuro professor aciona e relaciona seus conhecimentos durante a atividade docente.

Dessa maneira, entendemos que a ação e o raciocínio pedagógicos vivenciados com os licenciandos podem ajudar no processo formativo do futuro professor de Matemática, pois promovem compreensões relativas não apenas aos conhecimentos específicos e de ensino, mas também às complexidades do processo pedagógico.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    25 Ago 2020
  • Aceito
    20 Jun 2021
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