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Gênero e Matemática: cadeias discursivas e produção da diferença nos artigos acadêmicos publicados no Brasil entre 2009 e 2019

Gender and Mathematics: discursive chains and difference production on academic articles published in Brazil between 2009 and 2019

Resumo

O estudo de cunho bibliográfico que subsidia este artigo mapeou a produção no campo da Educação, publicada em periódicos acadêmicos brasileiros entre 2009 e 2019, em que relações entre gênero e matemática são contempladas. Na análise do corpus , constituído por 25 artigos, procuramos mostrar potencialidades e fragilidades, questionamentos e compromissos, rupturas e enredamentos que envolvem duas diferentes abordagens analíticas do gênero, que foram identificadas nos textos e nos fizeram distingui-los em dois grupos: os que utilizam gênero como uma variável para analisar diferentes aspectos que permeiam os processos educativos com relação à matemática; os que utilizam gênero como uma categoria analítica para compreender relações de gênero e matemática na escola e em outros espaços sociais. Os resultados sugerem crescimento das preocupações com relações de gênero em estudos de Educação Matemática, mas, também, alertam para o risco de tais estudos se inserirem em uma cadeia citacional que reitera princípios que pressupõem e produzem a diferença entre homens e mulheres, meninos e meninas, no que concerne a práticas matemáticas. Anunciam, porém, possibilidades de fissuras nessa cadeia discursiva, que podem levar a problematizações e investigações mais detalhadas sobre como se dá o processo de produção da diferença em relação à matemática e ao gênero, e subsidiar a reflexão sobre o que se toma como parâmetro matemático nessas práticas. Apontam, ainda, a necessidade do acionamento de outras categorias (como raça, etnia, sexualidade, geração, território) em sua interseção com gênero e matemática, a fim de ampliar a compreensão e fortalecer o enfrentamento das desigualdades.

Relações de Gênero; Matemática; Educação Matemática; Mulheres e Homens

Abstract

The bibliographic study that supports this paper mapped Education articles on the relations between gender and Mathematics, published in Brazilian academic journals between 2009 and 2019.The analyzed corpus was made up of 25 papers and their analysis sought to show potentials and weaknesses, questions and commitments, ruptures and entanglements that involve two different analytical gender approaches identified in the texts. We distinguished them in two groups: 1. those who use gender as a variable to analyze different aspects that permeate educational processes in relation to mathematics; 2. those who use gender as an analytical category to understand gender and Mathematics relations at school and in other social spaces. The results suggest a growing concern about gender relations in Mathematics Education studies, but they also warn about the risk of such studies being inserted in a citational chain that reiterates principles that presuppose and produce the difference between men and women, boys and girls, concerning mathematical practices. However, they announce possibilities of cracks in this discursive chain, which can lead to more detailed questions and investigations about how the process of difference production takes place on mathematics and gender, and subsidize the reflection on what is taken as a mathematical parameter in these practices. They also point out the need to activate other categories (such as race, ethnicity, sexuality, generation, territory) in their intersection with gender and mathematics, to expand understanding and strengthen the confrontation of inequalities.

Gender relations; Mathematics; Mathematics Education; Women and men

1 A proposta deste estudo

Há pouco mais de uma década, em artigo publicado neste periódico, Maria Celeste Souza e Maria da Conceição Fonseca (2009a) propuseram a adoção de gênero como categoria de análise no campo da Educação Matemática, destacando que as tensões que se estabelecem nas relações de gênero, envolvendo conhecimentos e práticas matemáticas, lhes pareciam decisivas na análise de diversos fenômenos que preocupam quem pesquisa e atua nesse campo. O exercício analítico a que nos propomos, neste artigo, reitera essa perspectiva e, considerando que os objetos de estudo das pesquisas são produzidos por uma leitura reflexiva das tramas sociais, busca apontar, analisando a produção sobre gênero e matemática que circulou em periódicos brasileiros nos dez anos que se seguiram à publicação daquele artigo, as intricadas relações de gênero nas quais as práticas matemáticas encontram-se enredadas.

Com efeito, a eleição do gênero como categoria analítica problematiza as categorias homem e mulher nas narrativas sobre aprendizagem, produção e uso de matemática. Além disso, impele e subsidia a ampliação dos debates sobre gênero e matemática, ao pautar, em seu âmbito, o tensionamento do que tem sido tomado como referência para o que se compreende como matemática nas práticas sociais, inclusive as escolares. Nesse sentido, a adoção de gênero como categoria de análise impõe uma interpelação da concepção hegemônica de matemática, marcada fortemente por um tipo de racionalidade que repousa sobre o sonho da razão, de matriz cartesiana, e que produz efeitos desiguais nas relações de gênero e matemática ( WALKERDINE, 1988WALKERDINE, V. The mastery of reason. London: Routledge, 1988. , 2003WALKERDINE, V. Counting Girls Out: Girl and Mathematics. New Edition. Londres: Virago, 2003. , 2007WALKERDINE, V. Ciência, Razão e a Mente Feminina. Educ. Real, Porto Alegre, v. 32, n. 1, p. 7-24, jan./jun. 2007. ; SOUZA; FONSECA, 2009a, 2010).

Este estudo bibliográfico busca, por isso, contribuir para os esforços de identificação de fios que, em intrincada trama, associam as desigualdades nas relações de gênero e matemática à racionalidade que preside a matemática que se tornou hegemônica nas sociedades capitalistas, o que nos parece crucial para os estudos e as práticas pedagógicas no campo da Educação Matemática, bem como para a compreensão e o enfrentamento das tensões no campo educacional, sempre atravessadas – talvez, nesses tempos, mais explicitamente – pelas disputas entre racionalidades e entre outras referências culturais, e por relações de poder opressoras, estabelecidas em desigualdades profundamente generificadas e em relações de gênero violentamente desiguais.

2 Contexto e preocupações

As preocupações com as correlações de gênero e matemática refletem-se na ampliação dos estudos sobre a temática, no cenário internacional, a partir da década de 1970. A compilação de trabalhos que procuram delinear panoramas da produção desses estudos ( KEITEL, 1998KEITEL, C. (org.). Social Justice and Mathematics Education Gender, Class, Ethnicity and the Politics of Schooling. Berlin: Freie Universität Berlin and International Organization of Women and Mathematics, 1998. ; ERNEST, 2003ERNEST, P. Introduction: Changing views of the “gender problem” in Mathematics. In: WALKERDINE, V. (ed.). Counting Girls Out: Girl and Mathematics. New Edition. Londres: Virago, 2003. p. 1-14. ; LEYVA, 2017LEYVA, A. L. Unpacking the Male Superiority Myth and Masculinization of Mathematics at the Intersections: A Review of Research on Gender in Mathematics Education. Journal for Research in Mathematics Education, Ann Arbor, v. 48, n. 4, p. 397-433, jul. 2017. ) indica como, desde então, essas preocupações têm sido contempladas, em diferentes países, no âmbito dos esforços em defesa de maior equidade nas oportunidades educacionais, profissionais e políticas para diversos grupos identificados como subalternizados. Aponta, ainda, que, se nos estudos iniciais a explicação das diferenças de gênero recorria à perspectiva do déficit – indagando-se sobre o que faltaria às mulheres para o sucesso em matemática – , ao longo das últimas quatro décadas essa visão tem sido, aos poucos, superada: ampliam-se os estudos que interpelam diferenças e desigualdades de gênero na relação com a matemática para além das diferenças biológicas entre os sexos ou do desempenho de papéis femininos e masculinos; adotam-se outras perspectivas teóricas, incorporando-se as contribuições do campo de estudos feministas, que, por sua vez, se vale de aportes teórico-metodológicos de outros campos, especialmente da Psicologia, da Antropologia e da História, com suas abordagens e questões próprias.

Esse deslocamento teórico-metodológico impede o tratamento universalizante das diferenças de gênero no desempenho em matemática ou nas atitudes em relação a ela ( VALERO, 2001VALERO, P. Resenha a Social Justice and Mathematics Education Gender, Class, Ethnicity and the Politics of Schooling. ZDM, Berlim, v. 33, n. 6, p.187-191, 2001. ). Com diferentes nuances, também delineadas pelas concepções de gênero, matemática e educação matemática que se adotam no desenho desses estudos, suas análises passam a considerar: diferenças entre países e entre culturas; a compreensão de identidades masculinas e femininas como socialmente construídas; modos de interpretação sobre como se educam mulheres e homens nos lares, nas escolas e em outras instâncias da vida social; características das interações em sala de aula; os efeitos da imposição de uma pretensa universalidade da matemática; além dos esforços mais recentes de se conduzirem os estudos numa perspectiva interseccional, estabelecendo a relação das questões de gêneros com aquelas relativas a outras identidades (raça ou etnia, classe, etc.). Esses esforços demandam não só o tensionamento das relações de poder e das marcas colonialistas inscritas nas concepções de matemática e de seu papel na formação de indivíduos e sociedades, mas, também, o tensionamento da existência de papéis sexuais essencial ou biologicamente inscritos na natureza humana, para se assumir uma concepção de gênero como construto social dinâmico performado ( BUTLER, 1999BUTLER, J. Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do sexo. In: LOURO, G. (org.). O corpo educado: Pedagogias da Sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. p. 151-198. ) diferentemente em indivíduos e contextos, como concebido na teoria queer ( LEYVA, 2017LEYVA, A. L. Unpacking the Male Superiority Myth and Masculinization of Mathematics at the Intersections: A Review of Research on Gender in Mathematics Education. Journal for Research in Mathematics Education, Ann Arbor, v. 48, n. 4, p. 397-433, jul. 2017. ).

Para compreender as correlações de gênero e (educação) matemática no cenário brasileiro, entretanto, parece-nos importante destacar alguns processos que concorrem para a configuração do contexto de discussão dessas correlações, no início do século XXI, pelo acirramento das tensões envolvendo gênero no campo social e que alcançam a educação brasileira. Compõe esse contexto a aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE), no ano de 2001, com vigência de dez anos ( BRASIL, 2001BRASIL. Lei n° 10.172, de 09 de janeiro de 2001. Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências. Diário Oficial da União da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 10 jan. 2001. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10172.htm. Acesso em: 5 abr. 2019.
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). No bojo das diretrizes traçadas por esse documento para a educação brasileira, podem-se ler as preocupações com a promoção da equidade de gênero e com o enfrentamento das – às vezes bem explícitas e outras vezes mais sutis – discriminações de gênero engendradas na escola, por exemplo, nos materiais didáticos, como a referida lei aponta. O texto da lei estabelecia, entre outros apontamentos, a inclusão, nas diretrizes curriculares dos cursos de formação docente, das abordagens de “gênero, educação sexual, ética (justiça, diálogo, respeito mútuo, solidariedade e tolerância), pluralidade cultural, meio ambiente, saúde e temas locais” (BRASIL, 2001, p. 35).

Treze anos depois, foi proposto um novo PNE com diretrizes para o período de 2014-2024 (BRASIL, 2014), sendo que duas dessas diretrizes tratam da promoção da equidade e do combate à discriminação, nos seguintes termos: “superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação”; e “promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos, à diversidade e à sustentabilidade socioambiental” (BRASIL, 2014, p. 1). Dessa forma, na redação final, as preocupações com o combate à discriminação, tão crucial quando se trata do debate de gênero, ficam circunscritas a essas duas diretrizes, o que nos leva a refletir sobre os silenciamentos das questões de gênero, que se materializam, inclusive, na supressão da própria palavra gênero no atual PNE, embora a discussão acerca da diversidade, em geral, esteja nele presente.

Mesmo assim, no ano de 2015, durante a discussão nos estados e nos municípios para a elaboração dos seus respectivos planos de educação, acompanhamos, no Brasil, uma reação ao proposto no PNE no tocante ao respeito à diversidade e ao combate à discriminação, especialmente quando se tratava de diversidade e discriminação de gênero. O debate alcançou a mídia, escolas, famílias, igrejas, representações políticas e congresso nacional, tendo como base argumentos que passaram a veicular como slogan e com conotação pejorativa a expressão ideologia de gênero . Essa reação alcançou instâncias governamentais e se materializou na proposição de projetos de lei, visando impedir que, nas escolas, se contemplassem temáticas e argumentos sobre gênero e sobre sexualidade ( PARAÍSO, 2016PARAÍSO, M. A. A ciranda do currículo com gênero, poder e resistência. Currículo sem Fronteiras, Campinas, v. 16, n. 3, p. 388-415, set./dez. 2016. ).

O uso do termo ideologia, na composição da expressão ideologia de gênero , sugere que gênero é um falseamento criado para esconder a verdade , segundo a qual as pessoas nasceriam com determinado sexo e que os seus comportamentos deveriam corresponder a essa identificação biológica. Por isso, estudos e pesquisas desenvolvidos na perspectiva de gênero não passariam de falácia; seriam meros instrumentos ideológicos para ocultar a verdade dos gêneros . Esse slogan foi ganhando força e passou a interpelar as políticas e práticas curriculares e educacionais com o intuito de “inundar a todos e todas com moralismos, divisões naturalizadas, identidades fixas, generificações hierárquicas, silêncios interessados, ódios destruidores, omissões desastrosas e retrocessos inaceitáveis” ( PARAÍSO, 2018PARAÍSO, M. A. Fazer do caos uma estrela dançarina no currículo: invenção política com gênero e sexualidade em tempos do slogan “ideologia de gênero”. In: PARAÍSO, M. A.; CALDEIRA, M. C. S. (org.). Pesquisas sobre currículos, gêneros e sexualidades. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2018. p. 23-58. , p. 25).

Houve, entretanto, resistências diversas confrontando essa reação. Em nota técnica publicada no ano de 2015, o Ministério da Educação (MEC) se posicionou, como resposta a esse movimento, reafirmando gênero e orientação sexual como debates postos no campo acadêmico e relevantes no âmbito educacional para a compreensão das desigualdades históricas entre mulheres e homens, e, além disso, para subsidiar os enfrentamentos “de diferentes formas de discriminação e violência, incluídos o machismo, o sexismo, a homofobia, o racismo e a transfobia, que se reproduzem também em espaços escolares” (BRASIL, 2015, p. 4).

Nesse sentido, o cumprimento das diretrizes dos Planos Nacionais de Educação e a adoção de uma perspectiva de inclusão social nas propostas e ações educacionais passaram a exigir, também, uma postura de enfrentamento de ideias e posturas reacionárias, e tornou urgente e decisiva a divulgação de práticas e pesquisas que mostrem e considerem o caráter social dos gêneros, bem como valorizem a diferença, contribuindo para proliferação de tais práticas e sua maior repercussão no campo da Educação, incluindo-se aí a Educação Matemática, objeto da atenção deste artigo.

O estudo que o subsidia adentra, pois, esse cenário tenso de lutas, confrontações e silenciamentos, e se interessa pelo debate que relaciona gênero e matemática, ao buscar compreender como o gênero tem sido pautado, nas pesquisas em Educação Matemática divulgadas em periódicos brasileiros. O exercício por nós empreendido alia-se, desse modo, às preocupações que vêm tensionando os campos da Matemática e da Educação Matemática, ao denunciarem discriminações e pressionarem por uma maior equidade de gênero: no acesso e na permanência das mulheres em cursos de graduação e pós-graduação em matemática; nos centros de pesquisa em matemática, nos quais se pode apontar uma sub-representação feminina; em resultados de testes como as Olímpiadas Brasileiras de Matemática e o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), que, recorrentemente, apontam o desempenho feminino como pior do que o masculino ( ARAÚJO, 2018ARAÚJO, C. A matemática brasileira sob a perspectiva de gênero. Cienc. Cult., São Paulo, v. 70 n. 1, p. 32-33, jan. 2018. ; OECD, 2018OECD. Results from Pisa. Programme for International Students Assesment (PISA). 2018. Disponível em: https://www.oecd.org/pisa/publications/PISA2018_CN_BRA.pdf. Acesso em: 18 jan. 2020.
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); na abordagem das diferenças de gênero, em geral refém das estratégias de ocultamento e da produção das desigualdades de gênero, que alcançam as salas de aula de matemática, como apontam as autoras e os autores dos textos que neste estudo identificamos e selecionamos para análise.

3 Gênero e matemática: escolhas teóricas

No Brasil, o campo dos estudos de gênero e educação vem se consolidando nos últimos trinta anos, o que repercute, de modo especial: na ampliação do interesse pela temática; no incentivo à denúncia sobre as desigualdades de gênero historicamente constituídas e que alcançam, com frequência, as escolas; na proposição de uma agenda nas políticas educacionais por uma maior equidade de gênero; no reconhecimento das diferenças no que, convencionalmente, se tem denominado como masculino ou feminino.

Mas, como apontamos acima, nos últimos cinco anos, os estudos de gênero vêm sendo alvo de uma série de ataques, que partem, sobretudo, de grupos reacionários e de setores e políticos conservadores, que, por meio do slogan da (investida contra a) ideologia de gênero , procuram apontar as discussões sobre gênero – em geral e, de modo especial, no âmbito educacional – como uma ameaça à família e à integridade moral das(os) estudantes. Criam, assim, uma espécie de pânico moral 1 1 O conceito de pânico moral emerge nos anos 1960 para explicar as reações sociais a determinados temas que poderiam representar uma forma de perigo para as normas estabelecidas. No contexto dos ataques aos estudos de gênero, tem sido utilizado como estratégia que alega que esses estudos são contrários aos padrões de família, casamento e infância e que seu objetivo é deturpar os valores estabelecidos por essas instituições ( JUNQUEIRA, 2018 ). pelo qual pretendem desqualificar as discussões de gênero e as lutas por direitos iguais para homens e mulheres ( PARAÍSO, 2016PARAÍSO, M. A. A ciranda do currículo com gênero, poder e resistência. Currículo sem Fronteiras, Campinas, v. 16, n. 3, p. 388-415, set./dez. 2016. ).

A influência e a força política que esses grupos e setores angariaram nas casas legislativas vêm sendo responsáveis pela retirada sistemática da discussão de gênero de políticas públicas na área de educação, como se denuncia, por exemplo, na omissão das discussões de gênero na Base Nacional Comum Curricular ( BRASIL, 2018BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, SEB, 2018. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf. Acesso em: 13 jan. 2021.
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).

Numa perspectiva mais ampla, todavia, a consolidação da temática de gênero como campo de estudos pode ser evidenciada pelo seu significativo avanço em diferentes áreas, apropriando-se de conhecimentos e reflexões da ciência, da filosofia, da arte, da linguagem ou da história, dentre outros, para analisar o modo como se constituem corpos femininos e masculinos, produzindo, assim, uma “teoria explicativa dos processos históricos e culturais de construção do masculino e do feminino” ( PARAÍSO; CALDEIRA, 2018PARAÍSO, M. A.; CALDEIRA, M. C. S. Currículos, gêneros e sexualidades para fazer a diferença. In: PARAÍSO, M. A.; CALDEIRA, M. C. S. (org.). Pesquisas sobre currículos, gêneros e sexualidades. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2018. p. 13-22. , p. 13). Parte-se, portanto, do princípio de que o gênero não é determinado pelo sexo biológico, mas construído peça por peça, por meio dos mais diferentes aspectos e artefatos da cultura ( LOURO, 1997LOURO, G. Gênero, sexualidade e educação. Petrópolis: Vozes, 1997. ).

No campo educacional brasileiro, entretanto, há diferentes perspectivas teóricas para trabalhar as diferenças e desigualdades construídas socialmente para homens e mulheres2 2 Os estudos de gênero, na contemporaneidade, mostram que o binarismo homem-mulher não contempla a diversidade de corpos que existem no mundo. Apontam, assim, como as categorias homem/mulher, masculino/feminino são construções sociais que acabam por excluir outras possibilidades de vivência dos gêneros e das sexualidades. Apesar disso, neste artigo, usamos tais categorias, seja porque os estudos que analisamos operam com elas, seja porque consideramos que são categorias que ajudam a explicar o contexto vivenciado atualmente. Entretanto, entendemos que há uma pluralidade de vivências do masculino e do feminino e não ignoramos a existência de modos de viver gêneros e sexualidades que ultrapassam essas categorias. . A abordagem que adotamos em nosso estudo, contudo, está articulada às ideias de gênero vinculadas à perspectiva pós-estruturalista. Tais ideias foram mais amplamente divulgadas, no Brasil, a partir da tradução, em 1995, do texto Gênero, uma categoria útil de análise histórica , de Joan Scott. Para essa autora, a definição de gênero está centrada na conexão entre duas proposições: “(1) o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos e (2) o gênero é uma forma primária de dar significado às relações de poder” (SCOTT, 1995, p. 86).

O modo como Joan Scott passou a significar o conceito de gênero tem sido muito importante para a análise de diferentes artefatos educacionais. Com base nessas duas proposições, passou-se a analisar o modo como a escola (e também outros artefatos culturais que educam as pessoas) constitui as diferenças e, ao mesmo tempo, insere homens e mulheres, meninos e meninas em relações de poder. Essas relações, entendidas a partir das contribuições de Michel Foucault, não são relações meramente de dominação, pois o poder não é “um fenômeno de dominação maciço e homogêneo de um indivíduo sobre os outros, de um grupo sobre os outros, de uma classe sobre as outras” (FOUCAULT, 2000, p.183). Pelo contrário, na proposição foucaultiana, o poder é difuso, descentralizado, está presente nas diversas esferas sociais. Nesse sentido, as relações de poder estabelecidas pelas relações de gênero não se referem apenas à dominação de homens sobre mulheres, mas às diferentes estratégias que são construídas para significar os corpos como femininos ou masculinos.

Dessa maneira, não somente o gênero, mas também o corpo é entendido como construção social. Sobretudo com base nas contribuições de Judith Butler, tem-se considerado que os corpos são construídos discursivamente e pelas relações de poder, pois “não se pode dizer que os corpos tenham uma existência significável anterior à marca de seu gênero” (BUTLER, 2003, p. 27).

Assim, a perspectiva pós-estruturalista na compreensão do gênero tem trazido importantes contribuições para o campo educacional, inclusive, para o campo da Educação Matemática. Com base nela: analisa-se como o currículo dos diferentes níveis de ensino atua na produção de identidades e subjetividades generificadas; tem-se mostrado como artefatos escolares, como livros didáticos e literários, por exemplo, propõem e divulgam determinados modos de ser; analisa-se como artefatos midiáticos (como filmes, séries de TV, novelas, músicas) e espaços culturais distintos (museus, ruas da cidade, estádios de futebol, entre outros) têm papel central no modo como são construídas as relações de gênero em nossa sociedade.

No campo da Educação Matemática, analisam-se, por exemplo, práticas docentes e discentes no ensino/aprendizagem da matemática, aspectos históricos da matemática, e como nas aulas de matemática se produz um certo tipo de masculinidade e um certo tipo de feminilidade perpetuadores das desigualdades de gênero, ao se afirmar a razão como masculina e a emoção como feminina ( WALKERDINE, 2003WALKERDINE, V. Counting Girls Out: Girl and Mathematics. New Edition. Londres: Virago, 2003. , 2007WALKERDINE, V. Ciência, Razão e a Mente Feminina. Educ. Real, Porto Alegre, v. 32, n. 1, p. 7-24, jan./jun. 2007. ; SOUZA; FONSECA, 2009a, 2010; LIMA, N. R. L. B., 2013; FERNANDES, 2018FERNANDES, F. S. Pelas bruxas de Agnesi no currículo: educabilidade de uma matemática no feminino. In: PARAÍSO, M. A.; CALDEIRA, M. C. S. (org.). Pesquisas sobre currículos, gêneros e sexualidades. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2018. p. 139-151. ).

Em artigo publicado no Brasil, no ano de 2007, Valerie Walkerdine problematiza o modo como discursos científicos sobre matemática se tornam dispositivos de regulação nas práticas escolares ao instaurarem verdades sobre os corpos e mentes femininas, tomadas como irracionais e ilógicas, e as mentes masculinas, como racionais e lógicas. Nesse campo discursivo, “o sucesso na Matemática é tomado como uma indicação do sucesso em raciocinar. A matemática é vista como o desenvolvimento da mente lógica e racional” ( WALKERDINE, 2007WALKERDINE, V. Ciência, Razão e a Mente Feminina. Educ. Real, Porto Alegre, v. 32, n. 1, p. 7-24, jan./jun. 2007. , p.12, destaque da autora), portanto masculina, fortalecendo-se, desse modo, um tipo de razão e de racionalidade que promove distinções e desigualdades de gênero e matemática ( WALKERDINE, 2003WALKERDINE, V. Counting Girls Out: Girl and Mathematics. New Edition. Londres: Virago, 2003. , 2007WALKERDINE, V. Ciência, Razão e a Mente Feminina. Educ. Real, Porto Alegre, v. 32, n. 1, p. 7-24, jan./jun. 2007. ). Nesse debate, chamam a atenção as contribuições da autora sobre a própria constituição da matemática ocidental, que repousa no sonho cartesiano da universalidade da razão ( WALKERDINE, 1988WALKERDINE, V. The mastery of reason. London: Routledge, 1988. ), negadora das diferenças, e que institui, nas práticas sociais, entre elas as escolares, o que se compreende como matemática, e, portanto, o que se compreende que deve ser a matemática escolar e o ensino de matemática.

Foi esse conjunto de contribuições teóricas que orientou a leitura que fizemos dos textos que compõem o corpus deste estudo, procurando compreendê-los inseridos em cadeias discursivas e num processo de produção de diferenças. Assumimos que tanto gênero como matemática podem ser tomados como produção discursiva, na acepção que Michel Foucault confere a essa expressão. Para esse pensador, a linguagem não se presta a representação de objetos e fenômenos, mas à produção de discursos, entendidos como práticas que

[...] formam sistematicamente os objetos de que falam. Certamente os discursos são feitos de signos; mas o que fazem é mais que utilizar esses signos para designar coisas. É esse mais que os torna irredutíveis à língua e ao ato da fala. É esse ‘mais’ que é preciso fazer aparecer e que é preciso descrever ( Foucault, 2005FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. , p. 55, grifos e aspas do autor).

O esforço empreendido neste artigo é, pois, o de dar visibilidade ao conjunto de cadeias discursivas que constituem os corpos como generificados, e que constituem, também, o que se denomina e se valida como matemática, e, desse modo, encontram-se implicadas na produção da diferença nas relações de gênero e matemática.

4 Escolhas metodológicas e características gerais do corpus de análise

No exercício analítico em que nos empenhamos, neste estudo, somos movidas por essas tensões e confrontações que a temática de gênero tem suscitado no Brasil, e pelo desejo de problematizar as desigualdades de gênero instituídas no próprio campo da Educação Matemática. Assim, dedicamo-nos a esse exercício

para que [se] escamem algumas ‘evidências’, ou ‘lugares-comuns’... de modo que certas frases não possam mais ser ditas tão facilmente, ou que certos gestos não mais sejam feitos sem hesitação; contribuir para que algumas coisas mudem nos modos de perceber e nas maneiras de fazer; participar desse difícil deslocamento das formas de sensibilidade e dos umbrais de tolerância ( FOUCAULT, 2006FOUCAULT, M. Estratégia, Poder-Saber. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006. , p. 347, aspas do autor).

Para isso, procedemos a uma revisão sistemática de literatura, por meio de um mapeamento da publicação de artigos em periódicos brasileiros sobre gênero e matemática, com o recorte temporal de 2009 a 2019. As buscas foram realizadas no portal de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior3 3 http://www.periodicos.capes.gov.br , com os descritores gênero e matemática , utilizando como filtros: periódicos revisados por pares e idioma Português (o que nos retorna artigos que tenham, pelo menos, o resumo em Português). A busca apresentou 642 resultados4 4 Oscilações nos caminhos de geração de resultados da plataforma e a repetição de títulos que retornam na busca podem fazer variar esse valor. Mas esse foi o quantitativo de artigos a partir do qual iniciamos o estudo. . A partir da leitura dos títulos e resumos dos artigos, foram excluídos do escopo de análise: artigos publicados em periódicos que não são brasileiros; artigos que discutiam gênero, mas não apresentavam o recorte da matemática; artigos que discutiam matemática, sem o recorte de gênero. Nesse exercício, foram selecionados os 21 artigos que atendiam ao critério: artigos que contemplam discussões de gênero e matemática, publicados em periódicos brasileiros, no período de 2009 a 2019. Entretanto, como nosso marco inicial era a proposta de incorporação de gênero como categoria de análise em estudos de Educação Matemática, apresentada em artigo publicado neste periódico (SOUZA; FONSECA, 2009a), realizamos, também, uma busca em seu sítio eletrônico5 5 https://www.scielo.br/revistas/bolema/paboutj.htm e utilizamos como termo de busca a palavra gênero. Foram identificados seis artigos. Desses, dois já haviam comparecido na busca realizada no portal de periódicos da CAPES, e os outros quatro artigos, ainda que não trouxessem resumo em português, foram também selecionados para análise. Assim, compõe o corpus de análise um conjunto de 25 artigos, publicados em periódicos brasileiros, de cunho teórico ou empírico, de autores(as) brasileiros(as) e estrangeiros(as), escritos em português, inglês, espanhol e francês, que contemplam correlações entre gênero e matemática. O título do artigo, o ano de publicação, o periódico, as(os) autoras(es), sua filiação institucional e o país da instituição, quando estrangeira, além de algumas informações sobre a caracterização dos sujeitos focalizados e/ou sobre o lócus e os processos de produção do material empírico das pesquisas que subsidiam os artigos podem ser conferidos no Quadro 1 .

Quadro 1
Artigos que estabelecem relação entre Matemática e Gênero,publicados em periódicos brasileiros entre 2009 e 2019

A distribuição dos artigos pelo ano de publicação não nos parece ser um dado que forneça maiores indicações analíticas, considerando-se tanto as limitações dos recursos de busca das plataformas quanto os diferentes fluxos de tramitação de artigos dos diversos periódicos e mesmo num mesmo periódico, conforme temática abordada. Nesse caso, parece-nos mais sugestivo o estudo das médias anuais de publicação dos oito quadriênios móveis do período dos onze anos analisados: excluindo-se a média anual do quadriênio 2010-2013, a sucessão dessas médias descreve uma curva ascendente, que se inicia com uma média anual de 1,50 artigos no quadriênio 2009-2012 e chega à média anual de 3,00 artigos no quadriênio 2016-20196 6 Médias anuais por quadriênio móvel: 1,50 (2009-2012); 1,00 (2010-2013); 2,00 (2011-2014); 2,25 (2012-2015); 2,75 (2013-2016); 2,75 (2014-2017); 2,75 (2015-2018); 3,00 (2016-2019). . Embora os índices nos pareçam modestos, há uma sugestão de crescimento das preocupações com as relações de gênero em estudos de Educação Matemática e uma tendência a maior regularidade de acolhida, pelos periódicos, de textos que as contemplem.

Os 25 artigos identificados foram publicados em onze diferentes periódicos: dois são de Educação Matemática e foram responsáveis pela publicação de onze artigos, com destaque para o Bolema, que publicou sete desses artigos; dois são periódicos especializados em questões de gênero, que publicaram três artigos; oito artigos foram publicados em cinco periódicos que contemplam temas diversos da área da Educação; dois artigos foram publicados em um periódico que estabelece interface com a Psicologia; e um artigo foi publicado em um periódico do campo da Sociologia.

Em relação à autoria, por sua vez, verifica-se uma razoável dispersão dos estudos entre as instituições brasileiras e, dessas, pelos estados do Brasil: os dezenove artigos que envolvem pesquisadoras(es) de instituições brasileiras são assinados por autoras(es) de dezessete instituições diferentes, de nove estados da federação e do Distrito Federal, de todas as regiões do país, exceto a Região Norte. Os onze periódicos, todavia, são todos das Regiões Sudeste (seis em SP, um em MG) e Sul (três no PR e um em SC), nove deles vinculados a universidades, um à Fundação Carlos Chagas e um à Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional. Autoras(es) de treze diferentes instituições estrangeiras, de sete países (França, Turquia, Colômbia, Estados Unidos, México, Chile e Portugal) assinam oito artigos do corpus analisado (dois deles em parceria com autores de instituições brasileiras).

Apenas três dos 25 artigos são assinados por apenas uma pessoa. Os outros 22 artigos foram escritos em coautoria, envolvendo um total de 41 pesquisadoras(es), sendo que uma autora e dois autores assinam dois artigos, uma autora assina três artigos e duas autoras assinam quatro artigos do corpus; as(os) demais 35 autoras(es) participam da escrita de apenas um dos artigos do corpus , o que sugere que há, ainda, poucos grupos ou pesquisadoras(es) trabalhando sistematicamente com as relações de gênero e matemática no Brasil. Essa observação, confrontada com a distribuição entre periódicos, também sugere que as(os) autoras(es) são, mais frequentemente, vinculadas(os) ao campo da Educação Matemática que se vêm provocadas(os) pelas questões de gênero do que estudiosas(os) de gênero que elegem a relação com a matemática para desenvolver sua investigação.

Com relação ao tipo de estudo que subsidia os artigos, dois artigos se caracterizam como ensaios teóricos e outros dois se baseiam em análise exclusivamente documental: de uma obra literária e de livros didáticos. Os demais se apoiam em pesquisas empíricas que envolveram contato com os sujeitos, mediado: pela aplicação de testes parametrizados por escalas e questionários cujas respostas são submetidas a análise de conteúdo; ou pela realização de entrevistas e/ou de observações, aproximando-se menos ou mais de uma lógica etnográfica.

Desses 21 artigos subsidiados por estudos que envolvem contato com os sujeitos, apenas quatro se baseiam em estudos realizados em espaços não escolares: Pretto, Régnier e Acioly-Regnier (2012) entrevistam pessoas adultas em situações de trabalho informal; Souza e Fonseca (2009b, 2013, 2015) referenciam-se em pesquisa realizada em uma Associação de Catadoras e Catadores de Materiais Recicláveis, ainda que parte do grupo participasse de aulas da Educação de Pessoas Jovens e Adultas (EJA). Os outros dezessete artigos se referem a estudos realizados em ambiente educacional: cinco deles têm como sujeitos estudantes em formação profissional (na universidade ou em outras instituições) e dois focalizam docentes do Ensino Superior ; nove artigos focalizam estudantes da Educação Básica em um ou mais de um de seus vários níveis7 7 No caso dos estudos realizados em países estrangeiros, estabelecemos a correspondência com a organização do sistema educacional brasileiro. (dois no Ensino Médio; quatro no Ensino Fundamental II; três no Ensino Fundamental I; um na Educação Infantil); apenas um artigo tem como sujeitos docentes da Educação Básica, embora, entre os cinco artigos que focalizaram estudantes em formação profissional, quatro incluam entre os sujeitos pessoas em formação docente. Estudantes da Educação de Pessoas Jovens e Adultas (EJA) estão entre os sujeitos de três dos quatro artigos de autoria de Souza e Fonseca (2009b, 2013, 2015), embora os tenhamos incluído entre os que se baseiam em estudos desenvolvidos no ambiente de trabalho, uma vez que a iniciativa educacional era desenvolvida no galpão de uma Associação de Catadoras e Catadores de Materiais Recicláveis e participaram do estudo outras(os) catadoras(es) que não se inseriam nessa iniciativa.

Depois dessa primeira caracterização da composição do corpus , foi efetuada uma análise de cada artigo, procurando identificar: as questões de gênero e matemática sobre as quais se debruçam pesquisadores e pesquisadoras em Educação Matemática; que perspectivas teóricas e que argumentos são mobilizados nas discussões sobre gênero e matemática; que tensões nas relações entre gênero e matemática permeiam os textos. É a partir dessa análise que elaboramos as considerações que apresentamos na próxima seção.

5 Gênero como variável e como categoria analítica: caminhos da produção sobre Gênero e Educação Matemática

A análise a que submetemos os 25 artigos que compõem nosso corpus retoma a discussão proposta por Souza e Fonseca (2009a), distinguindo: estudos que tomam gênero como variável de análise , sem todavia problematizar o modo como se constroem as diferenças entre homens e mulheres; e estudos que, assumindo gênero como categoria de análise , operam com a ideia de que gênero é uma construção social e discursiva e procuram mostrar de que forma a educação e a matemática estão implicadas nessa construção.

São nove os artigos que identificamos como pertencendo ao primeiro grupo: cinco referindo-se a estudos desenvolvidos no Brasil e quatro em outros países. Os outros dezesseis artigos, conforme nossa análise, pertenceriam ao segundo grupo. Desses, catorze baseiam-se em estudos desenvolvidos no Brasil e dois em estudos desenvolvidos em outros países.

5.1 Gênero como variável de análise

Os artigos reunidos no Grupo 1, quase todos (à exceção de PRETTO; REGNIER; ACIOLY-REGNIER, 2012), valendo-se de resultados de testes analisados a partir de escalas, focam sua atenção em questões relacionadas à motivação, às atitudes, às competências e às emoções relativas à matemática, distinguindo-as a partir da variável gênero.

Assim, Gontijo e Fleith (2009GONTIJO, C. H.; FLEITH, D. S. Motivação e criatividade em matemática: um estudo comparativo entre alunas e alunos do ensino médio. ETD, Campinas, v. 10, n. esp., p. 147-167, out. 2009. , p. 147) investigam as motivações e as percepções a respeito de sua criatividade com relação à Matemática de “100 alunos, dos gêneros masculino e feminino, da 3ª série do Ensino Médio de uma escola particular do Distrito Federal”. Os resultados são, pois, apresentados distinguindo-se motivações e percepções de estudantes do sexo feminino e do sexo masculino, sugerindo, porém, não haver diferenças em relação ao gênero em três dos seis fatores avaliados: satisfação pela Matemática, aplicações no cotidiano e interações na aula de Matemática, mas apontando “diferenças significativas” a favor dos “alunos do gênero masculino” em relação a própria percepção de sua “atuação em contextos de ‘jogos e desafios’ e ‘resolução de problemas’”, e a favor dos “alunos do gênero feminino” “apenas em relação ao fator ‘hábitos de estudo’” ( GONTIJO; FLEITH, 2009GONTIJO, C. H.; FLEITH, D. S. Motivação e criatividade em matemática: um estudo comparativo entre alunas e alunos do ensino médio. ETD, Campinas, v. 10, n. esp., p. 147-167, out. 2009. , p.160, destaques dos autores).

Na mesma perspectiva, Fuentes, Lima e Guerra (2009, p. 133) analisam as atitudes que 159 estudantes de diferentes períodos de um curso de Administração de uma faculdade pública do nordeste do Brasil têm a respeito da matemática, distinguindo os resultados de estudantes mulheres dos de estudantes homens, mas admitindo que os resultados dos testes tenham sugerido que “diferenças de gênero, idade ou mesmo quanto a estar cursando ou não a disciplina de Matemática não explicariam qualquer atitude negativa”. Entretanto, depreende-se da análise do artigo que diferenças de gênero podem estar correlacionadas à (e obscurecidas pela) variável área do conhecimento , pois estudantes que escolheram cursos das áreas de ciências exatas, em geral, apresentam atitudes positivas em relação à matemática.

Destacando o uso de diferentes métodos estatísticos, entre os quais, o Classification Hiérarchique Implicative e Cohésive - C.H.I.C., Pretto e Regnier (2014) lidam com dados de um questionário sobre atitudes a respeito da matemática, aplicado a uma amostra de 381 indivíduos representando quatro populações de sujeitos, jovens adultos ou adultos em situação de formação profissional, membros de comunidades institucionais marcadas pelo caráter gênero (militares, grupos de religiosos(as), enfermeiros(as) e professoras primárias) da região de Caxias do Sul. Gênero é uma das variáveis analisadas. Nos resultados obtidos pelo tratamento estatístico empreendido, os autores alegam não se observarem correlações significativas entre gênero e atitudes em relação à matemática, mas entre essas e atuação profissional.

Çatlıoğlu, Gürbüz, Birgin (2014) investigaram, no contexto da Turquia, fatores associados à ansiedade em relação à Matemática, aplicando a uma amostra de 480 futuros(as) professores(as) da escola elementar daquele país uma bateria de questionários associados a uma escala de ansiedade e uma escala de atitudes, e submetendo os dados gerados ao programa estatístico SPSS 17.0. Os resultados não indicaram diferença significativa nos níveis de ansiedade associada ao gênero dos sujeitos.

O propósito do estudo descrito por Halat e Dagli (2016)HALAT, E; DAĞLI, Ü. Y. Preschool Students' Understanding of a Geometric Shape, the Square. Bolema, Rio Claro, v. 30, n. 55, p. 830 - 848, ago. 2016 foi explorar a compreensão conceitual de formas geométricas (no caso, do quadrado) de crianças da educação infantil. Para isso, aplicaram individualmente um teste composto por seis tarefas de identificação de quadrados, entre outras formas geométricas ou inseridos numa figura, a 115 crianças (61 meninas e 54 meninos) de uma pré-escola pública da Turquia. A análise dos scores não indicou diferença significativa entre os obtidos por meninas ou por meninos.

Tanikawae Boruchovitch (2016, p. 461) se propõem a examinar o monitoramento metacognitivo de 159 estudantes do Ensino Fundamental e investigar suas relações com gênero, idade, nível de escolaridade, desempenho escolar e participação ou não em Programa de Recuperação Paralela. Em relação à variável gênero, o que encontram é que “tanto meninas quanto meninos monitoraram, de maneira semelhante, o seu desempenho na atividade”.

O exercício analítico a que se dedicam Martínez e Serna (2018)MARTÍNEZ, L; SERNA, N. Disparities at the entrance door: gender gaps in elementary school. Educ. Pesqui., São Paulo, v. 44, p. 1-19, 2018. assume, como consenso geral , que homens se saem melhor em matemática do que mulheres, e se dispõe a buscar identificar, submetendo a análises de covariação os dados gerados pelo Early Childhood Longitudinal Study- Kindergarten Class of 1998-1999 (ECLS-K)8 8 Estudo longitudinal que coletou informações de uma amostra nacionalmente representativa de vinte mil crianças que ingressaram no Kindergarten em 1998, nos Estados Unidos. O estudo coletou dados sobre essas crianças, seus pais, sua escola e seus professores no Kindergarten, no 1º, no 3º , no 5º e no 8º anos. Martínez e Serna (2018) consideraram apenas os dados até o 5º ano no artigo aqui analisado. , em que ponto da trajetória escolar essa diferença começa a aparecer, quando ela se torna significativa e como ela evolui ao longo dos primeiros anos de escolaridade. O estudo buscaria, ainda, nessa análise estatística, evidências que apontassem que fatores estão associados ao rápido crescimento da disparidade entre o desempenho em matemática de meninas e de meninos nessa fase. Conclui, porém, que os dados permitem identificar um substancial aumento da disparidade entre esses desempenhos ao longo dos anos iniciais de escolarização, mas que os fatores considerados no estudo contribuem pouco para explicar as diferenças de gênero nos resultados alcançados pelas crianças nos testes escolares.

Procurando vincular aspectos cognitivos e afetivos na resolução de situações de aprendizagem, Díaz, Belmar e Poblete (2018) realizaram uma investigação de caráter descritivo, com metodologia quantitativa, submetendo 349 estudantes do 3º. ano de seis escolas de Ensino Médio da Região de Santiago do Chile a um teste de doze perguntas relacionadas à modelagem de uma situação envolvendo a elasticidade de uma mola. A diferença de emotividade entre mulheres e homens era uma hipótese do estudo, mas os resultados não apontaram significância estatística nessa diferença.

Nesse grupo incluímos, também, o artigo de Pretto, Régnier e Acioly-Regnier (2012), único desse grupo pautado em estudo que se vale de entrevistas – e não de testes – aplicadas, porém, a sujeitos selecionados como prototípicos a partir de um questionário submetido a uma grande amostra de pessoas que atuam em diferentes situações de trabalho informal. Buscam, assim, identificar as competências matemáticas desenvolvidas por um catador e uma catadora de material reciclável, um torneiro mecânico e uma costureira, e tomam o gênero como variável para a análise das diferenças entre tais competências. A crítica que o artigo faz às restrições que mulheres enfrentam para exercer certas atividades profissionais, todavia, não leva o estudo a tensionar a categoria gênero. Como nos demais artigos desse grupo, o que se busca é identificar diferenças no modo como sujeitos nomeados como masculinos ou como femininos se relacionam com a matemática, sem se questionarem sobre por que o gênero aparece como “uma das variáveis mais estudadas na literatura para explicar as diferenças de atitude em relação à matemática” (FUENTES; LIMA; GUERRA, 2009, p. 135).

Apesar de serem realizados em diferentes níveis de ensino, esses estudos têm em comum o fato de tomarem gênero como uma categoria dada. Parte-se do princípio de que há homens e mulheres e que é possível compreender como esses se distinguem em sua relação com a matemática (identificada com a Matemática escolar).

Nesse sentido, mesmo que quase todos apresentem resultados que contradizem as hipóteses de que diferenças de gênero definiriam as relações dos sujeitos com a matemática hegemônica, esses estudos se inserem na longa cadeia discursiva que vem, reiteradamente, associando certos significados fixos às mulheres, aos homens e à própria matemática, tomada como parâmetro analítico das práticas focalizadas. Ou seja, ao considerarem o gênero apenas como variável a ser contemplada em análises sobre a relação de pessoas e grupos com a matemática ocidental, não se indagam sobre o peso da razão que a impregna, e sobre as intencionalidades históricas de se afirmarem os lugares sociais de mulheres e homens, associando-os a uma produção discursiva, na qual o sucesso em matemática “é tomado como uma indicação do sucesso em raciocinar” porque a própria matemática é assumida “como desenvolvimento da mente lógica e racional” ( WALKERDINE, 2007WALKERDINE, V. Ciência, Razão e a Mente Feminina. Educ. Real, Porto Alegre, v. 32, n. 1, p. 7-24, jan./jun. 2007. , p. 12).

Conforme afirma Butler (1999)BUTLER, J. Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do sexo. In: LOURO, G. (org.). O corpo educado: Pedagogias da Sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. p. 151-198. , a efetividade de um discurso se dá pela sua capacidade de ser citado e repetido em diferentes contextos. Por isso, cabe aqui um alerta para os riscos da reafirmação de uma suposta incapacidade feminina para a matemática, que subjaz às hipóteses de estudos que, tomando o gênero apenas como variável cujos efeitos devem ser evidenciados, não questionam os processos de produção das diferenças e do que se entende como o masculino, o feminino e a matemática . Com efeito, a produção de sujeitos generificados é feita “não como um ‘ato’ singular ou deliberado, mas, ao invés disso, como a prática reiterativa e citacional pela qual o discurso produz os efeitos que ele nomeia” ( BUTLER, 1999BUTLER, J. Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do sexo. In: LOURO, G. (org.). O corpo educado: Pedagogias da Sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. p. 151-198. , p. 154). Assim, por meio da repetição de enunciações que partem do princípio de que homens e mulheres são diferentes no que se refere à matemática, são construídos significados que associam essas e aqueles a determinados modos fixos de ser, e reafirmam a superioridade dos homens em matemática – que justificaria sua superioridade e seus privilégios numa sociedade quanticrata ( FONSECA, 2015FONSECA, M. C. Parâmetros balizadores da pesquisa em Educação Matemática e Diversidade: EJA e Inclusão. Educ. Mat. Pesq. (Online), São Paulo, v. 17, n. 3, p. 530–540, 2015. ) – e a inferioridade feminina – que seria a razão pela qual às mulheres seriam legadas posições subalternas em diversas hierarquias.

Nesse sentido, os artigos que compõem esse primeiro grupo se inserem em uma cadeia citacional que reitera princípios que pressupõem e produzem a diferença entre homens e mulheres, meninos e meninas, no que concerne à matemática. Um desses princípios seria tomar mulheres e homens como categorias dadas, a partir das quais se buscaria identificar diferenças na motivação, nas atitudes, nas competências e nas emoções em relação à matemática. Outras categorias – como idade, ocupação profissional e escolaridade – também são eventualmente associadas a suas análises, mas todas elas destacam o gênero como mais uma variável na caracterização dos sujeitos das pesquisas e dos grupos que ali representam.

Alguns dos resultados desses estudos, todavia, abrem possibilidades de tensionamento de suas hipóteses e de fissura nessa cadeira discursiva (como, por exemplo, a constatação, em alguns estudos, de que não se verificaram as diferenças de desempenho em matemática relacionadas à variável sexo dos respondentes, como o desenho da pesquisa parecia supor), que poderiam levar a problematizações e investigações mais detalhadas sobre como se dá o processo de produção da diferença em relação à matemática e ao gênero, e subsidiar a reflexão sobre o que se toma como parâmetro matemático em diferentes práticas sociais e sobre seus efeitos no acirramento das desigualdades entre homens e mulheres.

5.2 Gênero como categoria de análise

A preocupação com a sistemática negação dos processos de produção das diferenças, nos quais a conformação da matemática e as práticas de seu ensino assumem destacado papel, concorrendo para a instauração de seus jogos discursivos e para a atualização das relações de poder em que se engendram, é o que nos parece motivar os estudos que foram reunidos no Grupo 2. Esses dezesseis artigos que elegem gênero como categoria de análise procuram mostrar como, por meio de diferentes mecanismos, são produzidas diferenças entre homens e mulheres. Para isso, se debruçam sobre vários objetos, procurando perceber como as questões de gênero perpassam a matemática em sua relação com a instituição e as práticas escolares.

A esse grupo pertence o ensaio de Souza e Fonseca (2009a, p. 40) a que nos referimos na apresentação deste estudo, no qual as autoras propõem que estudos em Educação Matemática tomem gênero como categoria (e não apenas como variável ) de análise. As autoras problematizam ideias que marcam um lugar fixo para a matemática, para as mulheres e para os homens, assumindo “que não existe uma ‘essência’ nos termos ‘mulheres’, ‘homens’, e mesmo ‘matemática’, e que tais termos encontram-se implicados em toda uma produção discursiva sobre relações de gênero e matemática”.

Carvalho, Ferreira e Penereiro (2016, p. 593), por sua vez, fazem uma incursão na história da matemática, e discutem o lugar ocupado pelos matemáticos ocidentais e pelas mulheres matemáticas que conseguiam adentrar em um universo masculino na produção da ciência e da matemática, para mostrar como a ideia de que “a Matemática é ciência ou área de trabalho para homens” afastou, historicamente, mulheres desse campo de saber e continua operando, ainda hoje, para produzir tais distinções.

Souza e Oliveira (2019)SOUZA, L. G. R.; OLIVEIRA, M. A. O. A Matemática Como Discurso: uma análise da relação mulher matemática na obra O Homem Que Calculava, de Malba Tahan. Bolema, Rio Claro, v. 33, n. 64, p. 871-891, ago. 2019. destacam, em sua análise do famoso romance de Malba Tahan, O homem que calculava (publicado em 1938, e que narra proezas matemáticas do calculista persa Beremiz Samir, na Bagdá do século XIII), o modo como a categoria mulher aparece em uma obra que, desde seu título, já marca a matemática como algo inerente ao masculino. Com base na análise de discurso de inspiração foucaultiana, o artigo aponta como a mulher – representada pela figura de Telassim, nessa história – é apresentada como recatada, segregada do universo público, objeto de interesse amoroso do protagonista e afastada do campo da matemática.

A problematização desse afastamento está presente também nos três estudos realizados no Ensino Superior que incluímos nesse segundo grupo: o de Lima, M. P. (2013), que, procura investigar como docentes (homens e mulheres) de cursos de Ciências da Computação explicam a pouca presença de mulheres nessa área; o de Casagrande e Souza (2017)CASAGRANDE, L. S.; SOUZA, A. M. F. L. Percorrendo labirintos: trajetórias e desafios de estudantes de engenharias e licenciaturas. Cad. Pesqui., São Paulo, v. 47, p. 168-200, 2017. , que analisa como estudantes de ambos os sexos dos cursos de Engenharia Civil, Engenharia Mecânica, Licenciatura em Letras e Licenciatura em Matemática percebem suas trajetórias nesses cursos sob o viés de gênero; e o de Menezes (2019)MENEZES, M. B. Protagonismo Feminino na Matemática: criação e evolução do Instituto de Matemática da Universidade Federal da Bahia. Bolema, Rio Claro, v. 33, n. 65, p. 1067-1086, dez. 2019. , que recorre a fontes documentais e entrevistas na reconstituição da história das mulheres que participaram da luta para a fundação do Instituto de Matemática e Física na Universidade da Bahia (IMF/UFBA).

Nesses artigos, as autoras problematizam a ideia de que o ambiente universitário seria neutro no que concerne ao gênero, embora, em alguns momentos, as(os) entrevistadas(os) façam afirmações nesse sentido. As análises, todavia, mostram que “a meritocracia no ambiente acadêmico não tem se revertido em igualdade de gênero dentro das instituições de ensino. O trabalho dos homens continua valendo mais que o trabalho das mulheres” (LIMA, M. P., 2013, p. 813). A recorrência e a persistência dessa assimetria se evidenciam em uma série de discriminações e preconceitos de gênero e classe social sofrida pelas fundadoras do IMF/UFBA em sua inserção no processo de construção do Instituto, como denuncia o artigo de Menezes (2019)MENEZES, M. B. Protagonismo Feminino na Matemática: criação e evolução do Instituto de Matemática da Universidade Federal da Bahia. Bolema, Rio Claro, v. 33, n. 65, p. 1067-1086, dez. 2019. . Discriminações e preconceitos remetem, sobretudo, à ideia de que mulheres não se vinculam às áreas exatas. O protagonismo exercido por essas mulheres, todavia, mostra como, também nesses ambientes, se criam fissuras nas relações de gênero e se estabelecem outras relações de poder envolvendo mulheres, matemática e Ensino Superior.

Além disso, os artigos evidenciam como questões relacionadas à sexualidade também são acionadas nesse processo: seja no sentido de apagar certos traços considerados femininos dos homens quando esses se inserem em áreas em que predominam as ciências exatas; seja pela dúvida quanto à sexualidade de graduandas(os) que optam por cursos que não são considerados como adequados ao seu gênero, como o curso de Letras para os homens, ou o de Engenharia para mulheres, por exemplo. Nesse sentido, Casagrande e Souza (2017CASAGRANDE, L. S.; SOUZA, A. M. F. L. Percorrendo labirintos: trajetórias e desafios de estudantes de engenharias e licenciaturas. Cad. Pesqui., São Paulo, v. 47, p. 168-200, 2017. , p. 180) advertem que “o meio universitário pode ser cruel com os/as estudantes que fogem ao padrão do que é visto como normal” e Lima, M. P. (2013, p. 182) denuncia a necessidade do “abandono dos atavios da feminilidade [...] para que ela [a professora universitária] seja levada a sério como cientista e [para] evitar uma atenção indesejável à sua sexualidade”.

Os três estudos mostram a importância do entrecruzamento das categorias gênero e sexualidade para a compreensão do modo como se constroem as diferenças no ensino universitário. No debate sobre gênero e matemática, cabe refletir sobre como essas categorias se encontram articuladas a um padrão de ciência masculina , que a matemática de matriz cartesiana integra: por sua forte participação no desenho curricular dos cursos nos quais as mulheres são minoria, como demonstrado nos estudos citados e pela reafirmação da relevância de uma competência matemática (da abstração, do rigor, da universalidade, da objetividade) que as mulheres são acusadas de não possuir ( WALKERDINE, 2003WALKERDINE, V. Counting Girls Out: Girl and Mathematics. New Edition. Londres: Virago, 2003. ; SOUZA; FONSECA, 2010SOUZA, M. C. R. F.; FONSECA, M. C. F. R. Relações de gênero, Educação Matemática e discurso: enunciados sobre mulheres, homens e matemática. Belo Horizonte: Autêntica, 2010. ). É a reiteração e a valorização desse padrão que obriga (mulheres e homens) ao contínuo esforço de ocultar a feminilidade no Ensino Superior e de afirmar um certo tipo de racionalidade na produção dos trabalhos em sala, nos diálogos, nos gestos, nos modos de vestir e se comportar nesse espaço masculino .

Ainda, nesse grupo de artigos pode ser incluído o estudo realizado em Portugal, pelas autoras Fernandes e Cardim (2018)FERNANDES, I. M. B.; CARDIM, S. Percepção de futuros docentes portugueses acerca da sub-representação feminina nas áreas e carreiras científico-tecnológicas. Educ. Pesqui., São Paulo, v. 44, p. 1-20, 2018. , que busca compreender a percepção de futuros docentes portugueses acerca da sub-representação feminina nas áreas e carreiras de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática, procurando identificar: se tais docentes consideram haver profissões típicas de determinado gênero ou profissões em que prevalece a invisibilidade feminina; se acreditam haver diferenças de aptidões entre homens e mulheres; bem como se consideram que a prática pedagógica pode influenciar o interesse e as escolhas profissionais das(os) alunas(os) por carreiras científicas e tecnológicas. Seus resultados mostram que tais docentes: ainda se apegam à ideia de que áreas da saúde e da educação são mais propícias às mulheres; têm pouco conhecimento sobre como abordar temas relativos à Ciência e Tecnologia e sobre relações de gênero; apresentam estereótipos de gênero que refletem suas vivências pessoais. É nesse sentido que o estudo aponta a necessidade de a formação de docentes abarcar “a compreensão dos papéis de gênero nas áreas da ciência, tecnologia, engenharia e matemática (CTEM) e a consequente segregação da mulher no mercado de trabalho nestas áreas, para que lhes permita desenvolver um sentido crítico sobre as suas próprias estereotipias e poderem, também eles, desmistificar e desconstruir estereótipos de gênero” ( FERNANDES; CARDIM, 2018FERNANDES, I. M. B.; CARDIM, S. Percepção de futuros docentes portugueses acerca da sub-representação feminina nas áreas e carreiras científico-tecnológicas. Educ. Pesqui., São Paulo, v. 44, p. 1-20, 2018. , p. 18).

Por sua vez, os estudos realizados no Ensino Fundamental, mostram como as diferenças entre meninos e meninas são construídas e vistas como naturais pelos(as) estudantes. Casagrande e Carvalho (2012CASAGRANDE, L. S; CARVALHO, M. G. Por que silenciadas e invisibilizadas? Relações de gênero nas aulas de matemática. Revista Tecnologia e Sociedade, Curitiba, v. 8, n. 15, p. 103-114, 2012. , 2014CASAGRANDE, L. S.; CARVALHO, M. G. Relações de gênero nas aulas de matemática: perceptíveis ou ocultas? Cadernos de gênero e tecnologia, Curitiba, v. 11, n. 30 e 31, jul./dez. 2014. ) apresentam resultados de uma pesquisa com estudantes da 5ª a 8ª série do Ensino Fundamental, mostrando como estereótipos de gênero estruturam as relações que se estabelecem entre elas(es). Esses estereótipos fazem com que a aproximação entre estudantes de sexos distintos seja muito pequena. Embora as autoras não percebam diferença quanto ao desempenho das(os) estudantes, os meninos afirmam gostar mais de matemática do que as meninas.

De modo semelhante, Cardoso e Santos (2014) também concluíram, em estudo realizado com estudantes do 5º ano, que meninos declaram mais frequentemente gostar de matemática do que meninas. Especificamente nessa pesquisa, percebe-se que a professora direciona a aula (de matemática) para os meninos, chama-os com mais frequência a responderem as atividades no quadro, elabora problemas matemáticos envolvendo os nomes deles. Esse incentivo aos meninos também é reiterado no livro didático utilizado na turma, no qual há mais investimento em dialogar com os meninos do que com as meninas, com reflexos no desempenho deles e delas nas aulas de matemática.

Discussão nesse sentido aparece, também, quando livros didáticos são tomados como objeto de análise. Souza e Silva (2017)SOUZA, D. M. X. B.; SILVA, M. A. Questões de Gênero no Currículo de Matemática: Atividades do Livro Didático. Educ. Mat. Pesq., São Paulo, v.19, n.3, p.374-392, 2017. analisam como exercícios de princípio multiplicativo estão imersos em um discurso de gênero heteronormativo que associa dadas características ao feminino e outras ao masculino. Por meio dessa análise, os autores problematizam o conhecimento matemático que constitui o currículo dos anos iniciais do Ensino Fundamental.

Ainda, as análises feitas por Barbosa (2016)BARBOSA, L. A. L. Masculinidades, feminilidades e Educação Matemática: análise de gênero sob ótica discursiva de docentes matemáticos. Educ. Pesq., São Paulo, v. 42, n. 3, p. 697-712, jul./set. 2016. das falas de docentes (que ensinam matemática) sobre gênero e suas relações com a matemática escolar mostram que a percepção das(os) professoras(es) é de que os meninos têm um desempenho escolar melhor do que o das meninas, e que suas explicações para isso remetem a três aspectos: as meninas estarem preocupadas com outros assuntos, como o namoro, a necessidade de estar maquiada, penteada, depilada, cheirosa, magra e esbelta; as atividades do cotidiano dos meninos favorecerem a aprendizagem matemática; os meninos terem um raciocínio mais rápido. O autor menciona, ainda, a expectativa que as docentes têm quanto ao aprendizado maior dos meninos. Pode-se ler nas explicações das professoras a reatualização da superioridade masculina em matemática, e a produção discursiva da mulher como desligada, fútil, afetiva, objeto de desejo , portanto, marcada por irracionalidades , que a distanciam do que é necessário para aprender matemática: objetividade, foco, habilidade e concentração . Ao mesmo tempo, reafirma-se a maior competência em matemática masculina pela rapidez de raciocínio.

Nesse segundo grupo, pode-se identificar também o artigo de Márquez e Ramos (2018)MÁRQUEZ, R. M. F; RAMOS, M. G. S. El desarrollo del talento de las mujeres en Matemáticas desde la socioepistemología y la perspectiva de género: un Estudio de Biografías. Bolema, Rio Claro, v. 32, n. 62, p. 946-966, dez. 2018. , que relata um estudo com adolescentes mexicanas consideradas talentosas em matemática. As autoras analisam a própria matemática ocidental, apontando-a como construção histórica e cultural, que se tem prestado à segregação intelectual na escola. Elas também problematizam estudos que discutem talento em matemática, utilizando a variável sexo , e apresentam como conclusão a necessidade de se compreender três aspectos interligados: matemáticas como conhecimento em uso, talentos como passíveis de desenvolvimento e gênero como construção social.

Por fim, Souza e Fonseca (2009b, 2013, 2015) analisam práticas matemáticas de catadoras e catadores de materiais recicláveis, pertencentes a uma Associação de Catadores, e que participavam de um projeto de Educação de Pessoas Jovens e Adultas – EJA, que se desenvolvia no galpão dessa Associação. Por meio de análise de discurso foucaultiana, as autoras mostram como circulam certos enunciados nesse espaço (como o de que homem é melhor em matemática do que mulher ) e como a matemática de matriz cartesiana, predominante naquela sala de aula no espaço da Associação, fortalece a pretensa superioridade masculina em matemática e desconsidera outras matemáticas que circulam em diferentes espaços (2009b, 2015). No artigo publicado em 2013, as autoras mostram como esse enunciado e a força dessa matemática forjam práticas de cuidado, controle e organização da casa, articulando-se a outros discursos sobre a mulher como zelosa, econômica, companheira e solidária , e que também ecoam, nas aulas de matemática, produzindo silenciamentos e tensões, e fortalecendo as assimetrias de gênero.

Parece haver uma certa homogeneidade nos artigos que utilizam gênero como categoria no sentido de mostrar como a Educação Matemática e o conhecimento matemático reproduzem enunciações que vinculam homens à matemática. Nesse sentido, as diversas práticas analisadas acabam, também, se inserindo na cadeia discursiva que reitera a matemática como espaço masculino, mesmo que seja para problematizar tais ideias. Parece-nos que o rompimento dessa cadeia supõe a problematização de uma compreensão de matemática referenciada na matriz ocidental do processo de construção da ciência, marcada pelo pensamento cartesiano, com sua pretensão de universalidade, certeza e infalibilidade – negadora, portanto, das diferenças. A chancela dessa matriz à compreensão hegemônica de matemática respalda, também, de modo muito ativo e resistente, os modos como se configuram currículos e práticas de ensino de matemática, na educação brasileira, que, por sua vez, retroalimentam e reiteram a hegemonia dessa matriz.

6 Considerações finais: intricadas relações de gênero e matemática

Pesquisadoras e pesquisadores que, na segunda década deste século, publicaram em periódicos brasileiros, estudos de gênero e matemática apontam, na escolha dos objetos de estudo, as intricadas relações que conectam esses campos; e demonstram sensibilidade e preocupações com as desigualdades de gênero (nas quais a Matemática tem comparecido como um fator de desequilíbrio e interpelação), e engajamento na luta por relações mais igualitárias entre mulheres e homens. Assim, os estudos que aqui trouxemos, menos ou mais intencionalmente, problematizam, denunciam e buscam explicações para o que parece dado como natural (o melhor desempenho em matemática dos homens, e a menor competência feminina), empenhando-se em produzir novas compreensões. O mérito desses trabalhos é desnaturalizar as relações de gênero e matemática, ao colocá-las sob suspeição, ao elegê-las como objeto de estudos.

A maioria desses estudos mostra, ainda, que desigualdades de gênero e matemática se reafirmam na escola, em diferentes níveis, e alcançam, portanto, meninas, jovens, mulheres, professoras, pesquisadoras, que são convocadas, cotidianamente, a se mostrarem competentes , em um mundo no qual a competência em matemática alcança status de verdade. Portanto, enreda-se nos corpos, nos gestos, nas falas, nas escolhas, nos comportamentos, nos sonhos – tanto de mulheres que precisam se mostrar tão racionais quanto eles, quanto de homens que precisam reafirmar, sempre, sua racionalidade e força.

Preocupa-nos, no atual cenário em que vivemos, o ocultamento dos mecanismos de produção da diferença e a afirmação da masculinidade como modelo, o que tem sérias implicações na vida das mulheres, como demonstram, por exemplo, os índices alarmantes e crescentes de violência de gênero nos últimos anos, a despeito dos avanços protetivos no campo legal, como a Lei Maria da Penha (BRASIL, 2006).

Ao refletirmos sobre as tramas engendradas nas relações de gênero e matemática, reafirmando o gênero como categoria analítica, chamamos a atenção para os riscos do fortalecimento e da valorização da universalidade da razão, que continuam a alcançar as aulas de matemática e a parametrizar desempenhos masculinos e femininos. Parece-nos que um modo de tensionar os discursos que respaldam a universalidade da razão e a parametrização do masculino e do feminino é contestarmos a universalidade que também se imputa reiteradamente a uma certa matemática, e interpelarmos sua adoção como parâmetro na demarcação das diferenças – que produz e reitera outros discursos como o da futilidade e da desatenção das adolescentes e jovens, e o da seriedade e do comprometimento masculino com a matemática, colocando em pauta, ainda, outros jogos de verdade, no entrecruzamento de gênero e sexualidade.

Depreendem-se, pois, dessa reflexão: a necessidade de estudos que investiguem esse entrecruzamento no campo da Educação Matemática, problematizando a matemática escolar e outras matemáticas constitutivas das práticas sociais e o modo como elas instituem o gênero; bem como a urgência de se expandirem estudos na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, posto que aprendemos a nos tornar mulheres e homens, e a nos relacionar com a matemática, em processos históricos, culturais e linguísticos que se dão em diferentes momentos da vida e da escolarização. Do mesmo modo, parece-nos importante que outras categorias, tais como raça, etnia, sexualidade, geração e território sejam acionadas em sua intersecção com gênero e com matemática, a fim de ampliar a compreensão e fortalecer o enfrentamento das desigualdades.

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  • 1
    O conceito de pânico moral emerge nos anos 1960 para explicar as reações sociais a determinados temas que poderiam representar uma forma de perigo para as normas estabelecidas. No contexto dos ataques aos estudos de gênero, tem sido utilizado como estratégia que alega que esses estudos são contrários aos padrões de família, casamento e infância e que seu objetivo é deturpar os valores estabelecidos por essas instituições ( JUNQUEIRA, 2018JUNQUEIRA, R. D. A invenção da “ideologia de gênero”: a emergência de um cenário político-discursivo e a elaboração de uma retórica reacionária antigênero. Rev. psicol. polít., Florianópolis, v. 18, n. 43, p. 449-502, dez. 2018. ).
  • 2
    Os estudos de gênero, na contemporaneidade, mostram que o binarismo homem-mulher não contempla a diversidade de corpos que existem no mundo. Apontam, assim, como as categorias homem/mulher, masculino/feminino são construções sociais que acabam por excluir outras possibilidades de vivência dos gêneros e das sexualidades. Apesar disso, neste artigo, usamos tais categorias, seja porque os estudos que analisamos operam com elas, seja porque consideramos que são categorias que ajudam a explicar o contexto vivenciado atualmente. Entretanto, entendemos que há uma pluralidade de vivências do masculino e do feminino e não ignoramos a existência de modos de viver gêneros e sexualidades que ultrapassam essas categorias.
  • 3
  • 4
    Oscilações nos caminhos de geração de resultados da plataforma e a repetição de títulos que retornam na busca podem fazer variar esse valor. Mas esse foi o quantitativo de artigos a partir do qual iniciamos o estudo.
  • 5
  • 6
    Médias anuais por quadriênio móvel: 1,50 (2009-2012); 1,00 (2010-2013); 2,00 (2011-2014); 2,25 (2012-2015); 2,75 (2013-2016); 2,75 (2014-2017); 2,75 (2015-2018); 3,00 (2016-2019).
  • 7
    No caso dos estudos realizados em países estrangeiros, estabelecemos a correspondência com a organização do sistema educacional brasileiro.
  • 8
    Estudo longitudinal que coletou informações de uma amostra nacionalmente representativa de vinte mil crianças que ingressaram no Kindergarten em 1998, nos Estados Unidos. O estudo coletou dados sobre essas crianças, seus pais, sua escola e seus professores no Kindergarten, no 1º, no 3º , no 5º e no 8º anos. Martínez e Serna (2018)MARTÍNEZ, L; SERNA, N. Disparities at the entrance door: gender gaps in elementary school. Educ. Pesqui., São Paulo, v. 44, p. 1-19, 2018. consideraram apenas os dados até o 5º ano no artigo aqui analisado.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    05 Fev 2021
  • Aceito
    08 Set 2021
UNESP - Universidade Estadual Paulista, Pró-Reitoria de Pesquisa, Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática Avenida 24-A, 1515, Caixa Postal 178, 13506-900 Rio Claro - SP Brasil - Rio Claro - SP - Brazil
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