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Conexões Matemáticas no Ensino de Progressões Aritméticas de Ordem Superior

Mathematical Connections in Teaching Higher Order Arithmetic Progressions

Resumo

O presente artigo apresenta resultados parciais de uma pesquisa realizada a partir de uma Unidade de Ensino Potencialmente Significativa de progressões aritméticas de ordem superior, com alunos concluintes de um curso de Licenciatura em Matemática. Por meio das conexões matemáticas, especialmente aquelas inerentes à própria Matemática, objetiva-se investigar as conexões estabelecidas pelos estudantes entre padrões, regularidades e sequências numéricas como ferramenta para a aquisição do conhecimento de forma significativa. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, com uma abordagem de análise de conteúdo, cujos dados foram obtidos por aulas realizadas de forma remota, em momentos síncronos. Os resultados apresentados mostram que houve, por parte dos estudantes, reflexões sobre o conhecimento prévio de cada um, bem como revelação do entendimento da interconexão matemática como princípio norteador da prática docente.

Palavras-chave:
Conexões Matemáticas; Unidade de Ensino Potencialmente Significativa; Padrões e Regularidades; Progressão Aritmética de Ordem Superior; Processo de Ensino-Aprendizagem

Abstract

This article presents partial results of a research based on a Potentially Meaningful Teaching Unit of higher order arithmetic progressions, with students finishing a Licentiate's Degree in Mathematics. Through mathematical connections, especially those inherent to mathematics itself, the aim is to investigate the connections established by students between patterns, regularities and numerical sequences as a tool for the acquisition of knowledge in a meaningful way. This is a qualitative research, with a content analysis approach, whose data were obtained by remote classes, in synchronous moments. The results presented show that there were, on the part of the students, reflections on the previous knowledge of each one, as well as the revelation of the understanding of the mathematical interconnection as a guiding principle for teaching practice.

Keywords:
Mathematical Connections; Potentially Meaningful Teaching Unit; Standards and Regularities; Higher Order Arithmetic Progression; Teaching-Learning Process

1 Introdução

Ensinar matemática é uma tarefa que exige a dedicação do professor em planejar e construir um material que seja significativo para a aprendizagem do aluno (AUSUBEL, 2003AUSUBEL D. P. Aquisição e retenção de conhecimentos: uma perspectiva cognitiva. Tradução de Lígia Teopisto. Lisboa: Plátano Edições Técnicas, 2003.). Nesse sentido, o planejamento do material de instrução deve, necessariamente, contribuir com o despertar do interesse do aluno para a aquisição de novos conceitos.

Situamos nossa investiganção1 1 O presente estudo é parte de uma pesquisa de doutorado de um Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática de uma Instituição de Ensino do Rio Grande do Sul. no ensino de progressões aritméticas de ordem superior, as quais nem sempre fazem parte do rol de conteúdos apresentados em um curso de licenciatura em Matemática, mas que podem estabelecer diversas conexões matemáticas no que se refere ao conceito de sequência númerica. Nesse contexto, esta pesquisa busca contribuir com o processo de ensino e aprendizagem da Matemática, pautando-se nas conexões apresentadas nos Principles and Standards for School Mathematics pelo National Council of Teachers of Mathematics (NCTM)NATIONAL COUNCIL OF TEACHERS OF MATHEMATICS (NCTM). Principles and standards for school mathematics. Reston: NCTM, 2000., em que são abordadas como um dos cinco padrões do processo de ensino e aprendizagem.

Dessa forma, o objetivo do presente estudo é investigar as conexões matemáticas estabelecidas por alunos de licenciatura em Matemática no ensino de progressões aritméticas de ordem superior. Para isso, realizamos uma pesquisa a partir de uma Unidade de Ensino Potencialmente Significativa (UEPS) (MOREIRA, 2011MOREIRA, M. A. Unidades de enseñanza potencialmente significativas – UEPS. Aprendizagem significativa em revista, Porto Alegre, v. 1, n. 2, p. 43-63, ago. 2011.) que visa possibilitar o entendimento do termo geral de uma progressão aritmética de ordem superior utilizando os conhecimentos prévios dos alunos relacionados a padrões e a regularidades, além de sequências númericas.

2 Embasamento teórico

2.1 As conexões matemáticas como um padrão do processo de ensino e aprendizagem

Em 2000, o NCTM publicou o texto Principles and Standards for School Mathematics com o intuito de fornecer um guia para a tomada de decisões de professores de Matemática da pré-escola até a 12ª série2 2 O sistema de ensino dos Estados Unidos da América é constituído por: pré-escola (correspondente à Educação Infantil); 1º ao 8º (correspondente ao Ensino Fundamental); e 9º ao 12º (correspondente ao Ensino Médio). . Nesse documento, são apresentados cinco padrões do processo de ensino e aprendizagem da Matemática (solução de problemas, raciocínio e prova, comunicação, conexões e representação), os quais destacam caminhos para os alunos adquirirem e usarem o conhecimento matemático.

Em especial, o padrão do processo tratado como conexões destaca a possibilidade de os alunos conectarem ideias matemáticas para construírem um entendimento mais profundo e duradouro da Matemática. De acordo com o NCTM, os alunos “podem ver conexões matemáticas na rica interação entre tópicos matemáticos, em contextos que relacionam a matemática a outros assuntos e em seus próprios interesses e experiência” (NCTM, 2000NATIONAL COUNCIL OF TEACHERS OF MATHEMATICS (NCTM). Principles and standards for school mathematics. Reston: NCTM, 2000., p. 64, tradução nossa3 3 Todas as traduções foram feitas pelos autores. ). Todavia, esse padrão do processo de ensino depende de que os professores atuem como agentes capazes de enfatizar a inter-relação existente entre as ideias matemáticas para que os alunos aprendam, além de conceitos, a utilidade da Matemática.

Assim, consideram que o ensino da Matemática não ocorre como uma coleção de conceitos separados, embora muitas vezes seja apresentada dessa maneira, e sim como um campo de estudo integrado. Entretanto, os professores devem conhecer a Matemática que os alunos estudaram nas séries anteriores, bem como aquilo que estudarão nas séries seguintes, tendo como um princípio de aprendizagem as conexões. Logo, ao enfatizarem o reconhecimento e o uso das conexões entre ideias matemáticas, os professores podem contribuir para que os alunos criem um conjunto de conceitos facilitadores para a resolução de problemas, além de entender como as ideias matemáticas se interconectam e se constroem para produzir um todo coerente. Isso porque, à medida que os alunos ampliam suas experiências em Matemática na escola, ampliam-se, também, suas capacidades de ver a mesma estrutura matemática em contextos aparentemente diferentes. De fato:

À medida que os alunos desenvolvem uma visão da matemática como um todo conectado e integrado, eles têm menos tendência a visualizar habilidades e conceitos matemáticos separadamente. Se o entendimento conceitual estiver vinculado a procedimentos, os alunos não perceberão a matemática como um conjunto arbitrário de regras. Essa integração de procedimentos e conceitos deve ser central na matemática da escola (NCTM, 2000NATIONAL COUNCIL OF TEACHERS OF MATHEMATICS (NCTM). Principles and standards for school mathematics. Reston: NCTM, 2000., p. 65).

Com o foco no padrão de processo conexões, buscamos trabalhos que evidenciassem tal padrão e, ao visitar essa literatura, encontramos produções no Brasil e, principalmente, em Portugal. Dentre esses trabalhos, temos: Afonso (2008)AFONSO, P. O mundo mágico das conexões matemáticas. Castelo Branco: IPCB, 2008., Carvalho e Silva (2010)CARVALHO; SILVA, J. Conexões matemáticas no ensino secundário. Educação e Matemática, Lisboa, [s.v.], n. 110, p. 7-12, nov./dez. 2010., Cebola (2011)CEBOLA, G. Conexões matemáticas: números e representações geométricas. Educação e Matemática, Lisboa, [s.v.], n. 114, p. 44-46, set./out. 2011., Costa e Allevato (2015)COSTA, M. dos S.; ALLEVATO, N. S. G. Proporcionalidade: eixo de conexão entre conteúdos matemáticos. Em Teia: Revista de Educação Matemática e Tecnológica Ibero-Americana, Recife, v. 6, n. 1, p. 1-26, 2015. e Allevato e Onuchic (2019)ALLEVATO, N. S. G.; ONUCHIC, L. de la R. As conexões trabalhadas através da resolução de problemas na formação inicial de professores de matemática. REnCiMa, São Paulo, v. 10, n. 2, p. 1-14, 2019., que buscaram conexões dentro da própria Matemática; Ferri (2010)FERRI, R. B. Estabelecendo conexões com a vida real na prática da aula de matemática. Educação e Matemática, Lisboa, [s.v.], n. 110, p. 19-25, nov./dez. 2010., Vale e Pimentel (2010)VALE, I.; PIMENTEL, T. Padrões e conexões matemáticas no ensino básico. Educação e Matemática. Lisboa, [s.v.], n. 110, p. 33-38, nov./dez. 2010., Latas e Moreira (2013)LATAS, J.; MOREIRA, D. Explorar conexões entre matemática local e matemática global. Revista Latinoamericana de Etnomatemática, San Juan de Pasto, v. 6, n. 3, p. 36-66, 2013., que apresentaram conexões com a Matemática e o quotidiano; e Costa (2010)COSTA, A. Conexões: matemática e física – um caminho sempre a par. Educação e Matemática, Lisboa, [s.v.], n. 110, p. 85-90, nov./dez. 2010., Duarte (2011)DUARTE, J. Conexões matemáticas e tecnologias. Educação e Matemática, Lisboa, [s.v.], n. 111, p. 16-22, jan./fev. 2011., Cascalho, Melo e Teixeira (2013)CASCALHO, J.; MELO, T.; TEIXEIRA, R. Estabelecer conexões com outras áreas e domínios do currículo: uma forma de cativar as crianças para a aprendizagem da matemática. Educação e Matemática, Lisboa, [s.v.], n. 124, p. 12-18, set./out. 2013., que buscaram conexões da Matemática com outras áreas.

Fica claro que as conexões matemáticas, além de necessárias para a construção de conhecimento, requerem uma mudança na prática docente de forma a integrar as ideias dos alunos com diversos contextos. Canavarro (2017)CANAVARRO, A. P. O que a investigação nos diz acerca da aprendizagem da matemática com conexões: ideias da teoria ilustradas com exemplos. Educação e Matemática, Lisboa, [s.v.], n. 145, p. 38-42, out./nov./dez. 2017. apresenta duas ideias da teoria, sendo: (1) a diversidade das conexões entre a Matemática e outros domínios do saber, entre a Matemática e a vida real e entre a Matemática e o mundo do trabalho; (2) o propósito das conexões matemáticas ao considerar que seu objetivo fundamental é ampliar a compreensão de ideias e conceitos que nelas estejam envolvidos, permitindo aos alunos dar sentido à Matemática e compreendendo que ela é coerente, articulada e poderosa.

Canavarro (2017, p. 39)CANAVARRO, A. P. O que a investigação nos diz acerca da aprendizagem da matemática com conexões: ideias da teoria ilustradas com exemplos. Educação e Matemática, Lisboa, [s.v.], n. 145, p. 38-42, out./nov./dez. 2017. aponta duas estratégias de apoio aos professores para a abordagem das conexões: (1) a exploração de representações múltiplas e suas inter-relações, afirmando que “não basta conhecer diferentes representações sobre uma mesma ideia. Para se ganhar compreensão, é necessário estabelecer pontes entre as diferentes representações disponíveis e interpretar umas à luz das outras”; e (2) a utilização da modelação matemática como uma tarefa estruturante do trabalho na aula, pois é uma ferramenta capaz de oportunizar aos alunos relacionarem situações extramatemáticas com a Matemática, isto é, uma ferramenta necessária para “que os alunos tenham oportunidade ‘de experiência’ que lhes permita conectar os dois mundos apartados: a vida além da sala de aula e a Matemática da sala de aula” (CANAVARRO, 2017CANAVARRO, A. P. O que a investigação nos diz acerca da aprendizagem da matemática com conexões: ideias da teoria ilustradas com exemplos. Educação e Matemática, Lisboa, [s.v.], n. 145, p. 38-42, out./nov./dez. 2017., p. 41, grifo da autora).

2.2 Padrões e regularidades

Padrões e regularidades estão presentes em aplicações do dia a dia do ser humano. Como exemplo, basta verificar as estruturas de uma edificação, a confecção de roupas e artesanatos, a distribuição de sementes de uma plantação, a numeração das casas em uma determinada rua, entre outros. Nesse sentido, pensamos sobre a necessidade de compreender padrões e regularidades como uma forma de garantir o pleno desenvolvimento da inteligência de um indivíduo.

No ensino da Matemática isso não é diferente, pois é recorrente a utilização de padrões e regularidades para explicar diversas definições na álgebra, geometria analítica, análise combinatória, probabilidade e estatística, etc. Logo, “O primeiro passo para aprender a pensar matematicamente é aprender a descobrir padrões e a estabelecer conexões” (VALE; PIMENTEL, 2010VALE, I.; PIMENTEL, T. Padrões e conexões matemáticas no ensino básico. Educação e Matemática. Lisboa, [s.v.], n. 110, p. 33-38, nov./dez. 2010., p. 33).

O estudo de padrões e regularidades atravessa vários níveis de ensino, desde a Educação Infantil ao Ensino Médio, como ferramenta para estimular os alunos a analisarem, compreenderem e aplicarem o raciocínio lógico-matemático; bem como aparece na formação de professores para melhor compreenderem metodologias de ensino, conforme trabalhos de Zazkis e Liljedahl (2002)ZAZKIS, R.; LILJEDAHL, P. Generalization of patterns: the tension between algebraic thinking and algebraic notation. Educational Studies in Mathematics, Dordrecht, v. 49, n. 3, p. 379-402, 2002.; Carraher, Martinez e Schliemann (2008)CARRAHER, D. W.; MARTINEZ, M. V.; SCHLIEMANN, A. D. Early algebra and mathematical generalization. ZDM Mathematics Education, Berlim, v. 40, n. 1, p. 3-22, 2008.; Vale e Pimentel (2010)VALE, I.; PIMENTEL, T. Padrões e conexões matemáticas no ensino básico. Educação e Matemática. Lisboa, [s.v.], n. 110, p. 33-38, nov./dez. 2010.; Serra e Rodrigues (2014)SERRA, P.; RODRIGUES, M. A emergência do pensamento algébrico num grupo de crianças de 4 anos. In: MARTINHO, M. A. et al. (eds.). Atas. XXV Seminário de Investigação em Educação Matemática. Braga: APM, 2014. p. 373-388.; Jungbluth, Silveira e Grando (2019)JUNGBLUTH, A.; SILVEIRA, E.; GRANDO, R. C. O estudo de sequências na Educação Algébrica nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Educação, Matemática, Pesquisa, São Paulo, v. 21, n. 3, p. 96-118, 2019.; Pimenta e Saraiva (2019)PIMENTA, C. M. S.; SARAIVA, M. J. As ações epistêmicas na construção do novo conhecimento matemático e no desenvolvimento do pensamento algébrico. Quadrante, Lisboa, v. 28, n. 1, p. 27-53, 2019. e Ribeiro, Aguiar e Trevisan (2020)RIBEIRO, A. J.; AGUIAR, M.; TREVISAN, A. L. Oportunidades de aprendizagem vivenciadas por professores ao discutir coletivamente uma aula sobre padrões e regularidades. Quadrante, Lisboa, v. 29, n. 1, p. 52-73, 2020..

Contudo, faz-se necessário compreender que, em Matemática, padrões não significam apenas a capacidade de generalização algébrica, conforme destacam Zazkis e Liljedahl (2002)ZAZKIS, R.; LILJEDAHL, P. Generalization of patterns: the tension between algebraic thinking and algebraic notation. Educational Studies in Mathematics, Dordrecht, v. 49, n. 3, p. 379-402, 2002. ao afirmarem a ocorrência de diferentes tipos: “padrões numéricos, padrões pictóricos/geométricos, padrões em procedimentos computacionais, padrões lineares e quadráticos, padrões de repetição etc.” (ZAZKIS; LILJEDAHL, 2002ZAZKIS, R.; LILJEDAHL, P. Generalization of patterns: the tension between algebraic thinking and algebraic notation. Educational Studies in Mathematics, Dordrecht, v. 49, n. 3, p. 379-402, 2002., p. 379-380).

Sob o olhar da aprendizagem, para que o aluno possa compreender padrões e regularidades, é necessário que ele tenha desenvolvido conhecimentos prévios relacionados ao pensamento algébrico. Já sob a ótica do ensino, “Compete ao professor realçar esta dimensão de padrões e conexões de modo a tornar a matemática mais compreensível a todos” (VALE; PIMENTEL, 2010VALE, I.; PIMENTEL, T. Padrões e conexões matemáticas no ensino básico. Educação e Matemática. Lisboa, [s.v.], n. 110, p. 33-38, nov./dez. 2010., p. 33).

2.3 Aprendizagem significativa

David Ausubel apresenta a Teoria da Aprendizagem Significava (AUSUBEL, 2003AUSUBEL D. P. Aquisição e retenção de conhecimentos: uma perspectiva cognitiva. Tradução de Lígia Teopisto. Lisboa: Plátano Edições Técnicas, 2003.) como uma importante contribuição para o processo de ensino e aprendizagem. Em seus estudos, Ausubel (2003)AUSUBEL D. P. Aquisição e retenção de conhecimentos: uma perspectiva cognitiva. Tradução de Lígia Teopisto. Lisboa: Plátano Edições Técnicas, 2003. estabelece que o processo de aprendizagem, por parte do aluno na sala de aula, consiste em adquirir, reter e utilizar grandes conjuntos de informações significativas de várias disciplinas. Logo, para que isso seja possível, a aprendizagem significativa, em sua essência, requer que novas ideias expressas nas tarefas de aprendizagem se relacionem com o que o aprendiz já sabe, de forma não arbitrária e não literal, tendo como produto desta interação ativa e integradora o surgimento de um novo significado.

Nesse sentido, Ausubel (2003)AUSUBEL D. P. Aquisição e retenção de conhecimentos: uma perspectiva cognitiva. Tradução de Lígia Teopisto. Lisboa: Plátano Edições Técnicas, 2003. define que aprendizagem significativa é aquela que ocorre quando um conhecimento relevante de uma determinada área se relaciona com conhecimentos subordinantes específicos já existentes na estrutura cognitiva do indivíduo, o que nomeia como aprendizagem por subsunção, ou seja, aquela que ocorre por meio da ancoragem de novos conhecimentos em conhecimentos já existentes na estrutura cognitiva do indivíduo, chamados de conhecimentos prévios ou subsunçores.

Para tanto, o conteúdo a ser estudado requer um material potencialmente significativo, isto é, um material que venha a se relacionar a algum aspecto ou a algum conteúdo existente e relevante da estrutura cognitiva do aluno, “a uma imagem, um símbolo já significativo, um conceito ou uma proposição, quer a algumas ideias anteriores, de carácter menos específico, mas geralmente relevantes, existentes na estrutura de conhecimentos do mesmo” (AUSUBEL, 2003AUSUBEL D. P. Aquisição e retenção de conhecimentos: uma perspectiva cognitiva. Tradução de Lígia Teopisto. Lisboa: Plátano Edições Técnicas, 2003., p. 72).

Dessa forma, a estratégia básica a ser elaborada pelo professor, para ser capaz de possibilitar uma aprendizagem significativa pelos alunos, inicia-se na forma como o conteúdo escolhido será apresentado, por meio da elaboração de um material potencialmente significativo, para que durante o processo de internalização, o aluno tenha contato com algo que já faça sentido em sua estrutura cognitiva.

Nesse sentido, Moreira (2011, p. 45-46)MOREIRA, M. A. Unidades de enseñanza potencialmente significativas – UEPS. Aprendizagem significativa em revista, Porto Alegre, v. 1, n. 2, p. 43-63, ago. 2011. apresenta uma ferramenta de ensino chamada de Unidade de Ensino Potencialmente Significativa (UEPS), que consiste em desenvolver uma sequência didática capaz de facilitar a aprendizagem significativa de um conteúdo específico. Em termos gerais, uma UEPS é uma sequência didática com foco em uma aprendizagem potencialmente significativa e que recorre aos seguintes passos: (1) escolha do tema; (2) levantamento de conhecimentos prévios; (3) atividades introdutórias; (4) atividades intermediárias; (5) atividades de aprofundamento; (6) conclusão; (7) avaliação da UEPS; e (8) validação da UEPS.

Todavia, além de um material potencialmente significativo, a aprendizagem significativa exige o reconhecimento de dois princípios durante o ensino expositivo: a diferenciação progressiva e a reconciliação integradora. De acordo com Ausubel (2003)AUSUBEL D. P. Aquisição e retenção de conhecimentos: uma perspectiva cognitiva. Tradução de Lígia Teopisto. Lisboa: Plátano Edições Técnicas, 2003., o primeiro princípio deve reconhecer a hierarquia natural da aprendizagem, da retenção e da organização do conteúdo a ser trabalhado, na estrutura cognitiva do estudante, e esse processo ocorre em ordem descendente de abstração, generalidade e inclusão; já o segundo princípio deve reconhecer semelhanças e diferenças entre ideias novas, ideias existentes e ideias já estabelecidas na estrutura cognitiva do estudante, possibilitando a eliminação de significados conflituosos.

Logo, a diferenciação progressiva e a reconciliação integradora, quando propostas em um material potencialmente significativo, são ferramentas capazes de promover a retenção significativa, proporcionando ao indivíduo a capacidade de construir um campo de conhecimento estável.

3 Metodologia da pesquisa

3.1 Método da pesquisa e coleta de dados

O presente estudo segue uma abordagem de pesquisa qualitativa (TAYLOR; BOGDAN, 1987TAYLOR, S. J.; BOGDAN, R. Introducción a los métodos cualitativos de investigación. Tradução de Jorge Piatigorsky. Barcelona: Paidós, 1987.), ao analisar o conteúdo das respostas dos estudantes. Observamos o conhecimento prévio existente na estrutura cognitiva dos participantes; a capacidade de interpretação e o domínio do conteúdo específico, bem como as conexões matemáticas obtidas com a própria Matemática.

Para a geração dos dados, apresentamos uma UEPS (MOREIRA, 2011MOREIRA, M. A. Unidades de enseñanza potencialmente significativas – UEPS. Aprendizagem significativa em revista, Porto Alegre, v. 1, n. 2, p. 43-63, ago. 2011.), composta por quatro encontros de duas horas (totalizando oito horas). Devido à pandemia da Covid-19, a UEPS foi aplicada de forma remota, em momentos síncronos, abordando o tema de progressões aritméticas de ordem superior. O registro dos dados obtidos ocorreu por meio de: (a) registros escritos das discussões e resoluções dos alunos, por meio do WhatsApp; (b) gravação integral das aulas realizadas pelo Google Meet; (c) entrevistas. Cabe ressaltar que as plataformas utilizadas para a aplicação das atividades foram o Google Meet – para a exposição do conteúdo e realização de discussões – e o WhatsApp, como canal direto para a interação aluno-professor. Essa abordagem permitiu preparar as perguntas norteadoras utilizadas nas entrevistas.

Na análise dos dados, apresentamos discussões que ocorreram nos quatro encontros da UEPS em relação às conexões matemáticas envolvidas nos conceitos abordados e, também, das entrevistas realizadas.

3.2 Participantes do estudo

O local escolhido para a aplicação e desenvolvimento da pesquisa foi um dos Campi de uma Universidade pública do Paraná, no interior do estado. Os sujeitos da pesquisa foram os acadêmicos do 4º ano do Curso de Licenciatura em Matemática, matriculados na disciplina de Análise na Reta, cuja turma era formada por quatorze estudantes. Todavia, devido à pandemia da Covid-19, quatro alunos cancelaram suas matrículas junto à instituição e outros dois optaram por não participar da pesquisa. Dessa forma, o grupo de participantes da pesquisa foi composto por oito estudantes, os quais foram denominados como E1, E2, E3, E4, E5, E6, E7 e E8.

Vale destacar, também, que o Curso de Licenciatura em Matemática dessa instituição tem duração de quatro anos, divididos em oito semestres. A disciplina de Análise na Reta é ofertada no último semestre do curso. Com relação à escolha pela disciplina de Análise na Reta, esta ocorreu após uma reunião com o colegiado do curso, na qual foi apresentada a proposta da pesquisa, bem como seus objetivos e a metodologia que seria utilizada, além da ementa da disciplina.

4 Aplicação da UEPS

Seguindo os pressupostos de Moreira (2011)MOREIRA, M. A. Unidades de enseñanza potencialmente significativas – UEPS. Aprendizagem significativa em revista, Porto Alegre, v. 1, n. 2, p. 43-63, ago. 2011., a UEPS aplicada na pesquisa seguiu as seguintes etapas, conforme o Quadro 1.

Quadro 1
UEPS para o ensino de progressões aritméticas de ordem superior

4.1 Atividades introdutórias - 1º Encontro

O início da UEPS se deu com a aplicação de um questionário contendo cinco problemas, visando introduzir o tema a ser abordado, além de levar o aluno a externalizar seus conhecimentos prévios, supostamente relevantes para a aprendizagem de progressões aritméticas de ordem superior e, também, permitindo estabelecer conexões entre padrões visuais e algébricos. Foi estipulado um período de 50 minutos para os alunos resolverem, individualmente, as atividades. À medida que concluíam suas resoluções, encaminhavam-nas por WhatsApp para o professor/pesquisador4 4 O professor que aplicou a pesquisa, denominado por professor/pesquisador, será indicado, a seguir, apenas como professor. . Após esse tempo, foram apresentadas as resoluções, bem como as explicações das atividades. Para a resolução de cada atividade, abriase espaço para discussão, de modo que todos os alunos analisassem seu próprio desempenho para estabelecerem, assim, um rol de conceitos matemáticos necessários para a resolução. Dentre os conceitos que se esperava que os alunos apresentassem, destacam-se as conexões entre: números pares e ímpares; progressão aritmética e sequências recursivas.

4.2 Atividades intermediárias - 2º Encontro

Partindo da hipótese de que os alunos se reapropriaram dos conceitos exigidos na aula anterior, o segundo encontro teve seu início com a exposição, por parte do professor, dos números figurados: triangulares, quadrangulares (ou quadrados), pentagonais e hexagonais. O objetivo foi apresentar aspectos mais gerais e inclusivos das sequências recursivas, levando em consideração a diferenciação progressiva (AUSUBEL, 2003AUSUBEL D. P. Aquisição e retenção de conhecimentos: uma perspectiva cognitiva. Tradução de Lígia Teopisto. Lisboa: Plátano Edições Técnicas, 2003.), para posteriormente abordar aspectos específicos da progressão aritmética de ordem superior. Em seguida, foi aplicado o segundo questionário, contendo situações-problema em nível intermediário, para cuja resolução os alunos tiveram um período de 80 minutos. Novamente, após esse tempo, foram apresentadas as resoluções das atividades e foi aberto espaço para discussão. Durante as explanações, os alunos constataram a possibilidade de construir outros números figurados utilizando como base a progressão aritmética, obtendo-os em sequências dispostas em forma triangular, a qual denominamos como Triângulo Figurado (Figura 1).

Figura 1
Triângulo figurado

A continuidade da apresentação das resoluções das demais atividades propostas consistia em encontrar o termo geral para cada sequência de números figurados até se obter um padrão algébrico que possibilitasse estabelecer o termo geral de qualquer sequência de números figurados. Todavia, alguns alunos pediram para que não fosse revelado esse termo geral, solicitando mais tempo para buscar estabelecer tal relação. Dessa forma, a explanação da generalidade algébrica dos números figurados foi adiada para o próximo encontro.

4.3 Atividades de aprofundamento – 3º Encontro

O terceiro encontro teve início com a retomada da discussão da tarefa anterior para verificar se algum aluno havia conseguido estabelecer a expressão algébrica que apresenta o termo geral de qualquer sequência de números figurados em função do número de lados do polígono regular utilizado. Em seguida, foi realizada a exposição do conceito de progressão aritmética de 2ª ordem, o qual foi construído pelas conexões matemáticas entre sequências recursivas e equações de diferenças. Após constatados os operadores diferença5 5 Nobre e Rocha (2018, p. 37) definem o operador diferença da seguinte forma: “Dada uma sequência (an)n∈N, define-se o chamado operador diferença (Δ1an)n∈N=(an+1−an)n∈N, que constitui uma nova sequência. Como (Δ1an)n∈N forma uma nova sequência, podemos novamente obter o operador diferença, isto é, (Δ1[Δ1an])n∈N=(Δ2an)n∈N, e assim recursivamente, (Δkan)n∈N, para k ≥ 3”. de 1ª e 2ª ordem, necessários para a compreensão da progressão aritmética de 2ª ordem, foram aplicadas situações-problema em nível de aprofundamento, isto é, em um nível mais alto de complexidade, com a finalidade de estabelecer conexões entre as progressões aritméticas de 2ª ordem e os números figurados, além disso, foram propostas situações contextualizadas com problemas práticos e, também, uma questão que remetia a uma atividade do primeiro encontro, levando em consideração a reconciliação integradora (AUSUBEL, 2003AUSUBEL D. P. Aquisição e retenção de conhecimentos: uma perspectiva cognitiva. Tradução de Lígia Teopisto. Lisboa: Plátano Edições Técnicas, 2003.).

Novamente os alunos tiveram um período estipulado em 50 minutos para resolverem as atividades. Finalizado esse período, o professor apresentou as resoluções das atividades, abrindo espaço para discussão da plenária.

4.4 Conclusão da UEPS - 4º Encontro

Considerando todas as atividades envolvidas nas etapas anteriores, foi realizada a exposição das progressões aritméticas de ordem superior no quarto, e último, encontro. Para tanto, foi construída uma sequência de conceitos matemáticos que culminaram no termo geral de uma progressão aritmética de ordem superior. Dentre esses conceitos, destacamos as conexões estabelecidas com: padrões e regularidades, triângulo de Pascal, números binomiais, números figurados; equações de diferença e progressão aritmética de 2ª ordem. Algumas dessas conexões são apresentadas nas Figuras 2, 3 e 4, durante a construção do termo geral para uma progressão aritmética de 3ª ordem.

Figura 2
Conexões entre a soma dos termos do 2º membro da equação de diferenças com o triângulo de Pascal e os números binomiais

Figura 3
Estabelecendo a regularidade da soma de n elementos

Figura 4
Conclusão do termo geral de uma progressão aritmética de 3ª ordem

Em seguida, foi estendida a generalização para uma progressão aritmética de ordem k, conforme a Figura 5.

Figura 5
Generalização do termo geral de uma progressão aritmética de ordem k

Com o intuito de consolidar o processo de ensino e aprendizagem de progressões aritméticas de ordem superior, por meio das conexões matemáticas estabelecidas, foi aberto espaço para discussão da plenária para sanar possíveis dúvidas dos estudantes.

5 Resultados e discussões

A realização da UEPS nesse processo formativo pretendia resgatar e, ao mesmo tempo, ampliar o conjunto de conceitos existentes na base cognitiva – subsunçores (AUSUBEL, 2003AUSUBEL D. P. Aquisição e retenção de conhecimentos: uma perspectiva cognitiva. Tradução de Lígia Teopisto. Lisboa: Plátano Edições Técnicas, 2003.) – dos alunos, no que tange ao conhecimento de padrões, regularidades e sequências numéricas. Durante a execução das etapas da UEPS, foi possível realizar a exposição didática respeitando a diferenciação progressiva e, ao final, retomar a base conceitual por meio da reconciliação integradora (AUSUBEL, 2003AUSUBEL D. P. Aquisição e retenção de conhecimentos: uma perspectiva cognitiva. Tradução de Lígia Teopisto. Lisboa: Plátano Edições Técnicas, 2003.). A aplicação da UEPS foi realizada de forma articulada, buscando promover as conexões matemáticas necessárias para o aprofundamento do conhecimento (NCTM, 2000NATIONAL COUNCIL OF TEACHERS OF MATHEMATICS (NCTM). Principles and standards for school mathematics. Reston: NCTM, 2000.; AFONSO, 2008AFONSO, P. O mundo mágico das conexões matemáticas. Castelo Branco: IPCB, 2008.; CANAVARRO, 2017CANAVARRO, A. P. O que a investigação nos diz acerca da aprendizagem da matemática com conexões: ideias da teoria ilustradas com exemplos. Educação e Matemática, Lisboa, [s.v.], n. 145, p. 38-42, out./nov./dez. 2017.). Ao final, os alunos foram convidados para participar de uma entrevista acerca da execução das atividades como forma de avaliar e validar a UEPS.

Em relação às conexões matemáticas, foi possível aprofundar a análise do conhecimento construído pelo aluno, a ponto de trazer à luz da reflexão a sequência didática aplicada. Para a análise dessas conexões, foram definidas três categorias: Ensino Fundamental (EF), Ensino Médio (EM) e Ensino Superior (ES), conforme o Quadro 2.

Quadro 2
Categorização das Conexões Matemáticas para análise dos dados

As conexões EF analisadas, apesar de as atividades apresentadas ao longo da UEPS exigirem o conhecimento prévio do raciocínio lógico-matemático estabelecido no Ensino Fundamental, foram obtidas durante a aplicação das atividades introdutórias. Assim, foram observadas tanto as estratégias de resolução como os argumentos utilizados pelos estudantes em suas resoluções. Nesse contexto, foi notória a relação entre as sequências apresentadas e as progressões aritméticas, quando os alunos estabeleceram as conexões com os padrões pictóricos/geométricos (ZAZKIS; LILJEDAHL, 2002ZAZKIS, R.; LILJEDAHL, P. Generalization of patterns: the tension between algebraic thinking and algebraic notation. Educational Studies in Mathematics, Dordrecht, v. 49, n. 3, p. 379-402, 2002.) para definirem a regularidade numérica que desencadeava os principais conceitos da progressão aritmética, bem como da estrutura do conjunto dos números naturais. Além disso, os estudantes foram capazes de estabelecer a relação com os conjuntos dos números pares e ímpares, como exemplificado nas Figuras 6 e 7.

Figura 6
Sequência de pontos dos problemas 1 e 2 das atividades introdutórias

Figura 7
Resolução dos problemas 1 e 2 das atividades introdutórias pelo aluno E4

Vale destacar que, nas três primeiras questões das atividades introdutórias, percebemos que os alunos buscaram resolver os problemas com o objetivo de fornecer uma resposta numérica, colocando-se na posição da maioria dos estudantes dos ensinos Fundamental e Médio, isto é, sem pensarem na possibilidade de responder aquilo como futuros professores de Matemática, ao determinar o termo geral.

Apenas na questão 4 (Figura 8), alguns estudantes tentaram apresentar elementos algébricos para resolver a questão. Entretanto, apenas dois alunos conseguiram descrever seus argumentos de forma compreensível, mesmo não utilizando uma linguagem matemática precisa (Figura 9); enquanto outros acabaram por tentar explicar por extenso. Vale destacar que nesse momento não foram fornecidas quaisquer instruções para os alunos.

Figura 8
Problema 4 das atividades introdutórias

Figura 9
Resolução do problema 4 das atividades introdutórias pelos alunos E3 e E4

Além disso, foi possível resgatar conceitos das quatro operações fundamentais e, também, estabelecer as conexões dos números figurados com as figuras geométricas, principalmente com os polígonos regulares. Cita-se como exemplo a nomenclatura utilizada para a sequência numérica obtida pelas figuras com 20 lados, que foram corretamente chamadas de números icosagonais.

Com relação às conexões EM, após a explanação sobre os números figurados (precedente às atividades intermediárias), a maioria dos alunos conseguiu compreender os algoritmos propostos e rapidamente estabeleceu a conexão entre as progressões aritméticas e a construção dos números figurados, o que foi constatado na primeira questão das atividades intermediárias (Figura 10). Além disso, os alunos estabeleceram as conexões com o conteúdo de função afim, tendo como domínio o conjunto dos números inteiros estritamente positivos e, também, no uso de argumentos algébricos para determinar a generalização das sequências dos números figurados apresentados, bem como com a generalização para qualquer sequência numérica representativa de um número figurado (Figura 11).

Figura 10
Enunciado da questão 1 das atividades intermediárias.

Figura 11
Parte da resolução do problema 1 das atividades intermediárias pelo aluno E6

Durante as discussões das atividades de aprofundamento, após a explanação sobre progressão aritmética de 2ª ordem, todos os alunos conseguiram estabelecer a conexão dessas progressões com as sequências dos números figurados, assim como a regularidade apresentada em todas as sequências entre a razão e o número de lados do polígono (Figura 12).

Figura 12
Parte da resolução do problema 2 das atividades de aprofundamento pelo aluno E4

Além disso, alguns alunos relacionaram as progressões aritméticas de ordem superior com o triângulo de Pascal, durante a resolução do terceiro problema proposto nas atividades de aprofundamento (Figura 13).

Figura 13
Parte da resolução do problema 2 das atividades de aprofundamento pelo aluno E3

Já para as conexões ES, os participantes não conseguiram estabelecer conexões matemáticas com outros conteúdos aprendidos no Ensino Superior. Somente após as explanações do professor é que os participantes perceberam conceitos de equações de diferença. Quando indagados sobre as interações entre tais conceitos e a sua trajetória acadêmica no curso de graduação, relataram que apenas associaram com uma disciplina específica do curso, Matemática Elementar, que foi elencada como uma disciplina para rever conteúdos do Ensino Médio, o que é retratado no diálogo abaixo:

P: Vocês conseguem estabelecer alguma conexão do que a gente viu, com o conteúdo do Ensino Superior, considerando que estão no 4º ano da graduação?

E5: Eu lembro que a gente viu alguma coisa, nesse sentido, na matemática elementar. A gente viu alguma coisa sobre progressão, PA, PG. Mas, tipo, bem básico. A gente viu só, não é uma crítica, mas foi como se fosse lá no ensino médio. A gente viu só como calcular o termo geral e a soma dos termos e só... e passou pra frente.

E4: Eu lembro de ter visto no primeiro do ensino superior, da graduação, na Matemática Elementar, que a gente trabalhou bastante sobre essa parte de sequências, até inclusive da dedução, que foi a primeira vez que eu vi a demonstração de P.A., eu lembro que me marcou bastante porque eu ainda estava aprendendo a demonstrar (Diálogo entre professor e alunos E5 e E4, 2021).

Todavia, mediante os algoritmos produzidos em suas resoluções, os estudantes conseguiram estabelecer as relações existentes entre as progressões aritméticas de ordem superior com funções de recorrência e equações de diferença. As respostas apresentadas no artigo exemplificam resoluções de alunos, visto ser impossível, no espaço deste texto, mostrar todas as respostas dos oito estudantes. Foram escolhidas aquelas que melhor representavam o argumento desenvolvido pelos autores em cada caso (Figura 14).

Figura 14
Parte da resolução do problema 5 das atividades de aprofundamento pelo aluno E6

Por fim, foram realizadas entrevistas com o intuito de validar e avaliar a UEPS e, também, de verificar as conexões apresentadas nas resoluções pelos estudantes. As entrevistas foram realizadas por meio do Google Meet, cujo registro foi gravado na íntegra. Os relatos obtidos revelam a aceitação da UEPS, uma vez que os alunos destacaram a satisfação em realizar as atividades, fato evidenciado no diálogo a seguir:

P: Como você avalia a unidade de ensino que foi aplicada?

E2: Muito legal!

P: Você poderia detalhar um pouco?

E2: Sim. Eu descobri que na matemática a gente pode utilizar várias ideias para chegar no mesmo conteúdo. Vários conceitos embutidos em um único tema. E eu fiquei satisfeita porque aprendi coisas que eu não sabia até o momento. E pelo método que foi utilizado com a gente ficou fácil de compreender. Porque a gente foi utilizando o que a gente tinha [sabia] e foi indo, a partir daquilo, pra chegar no que o professor desejava (Diálogo entre professor e aluno E2, 2021).

Além disso, todos os entrevistados disseram ter conseguido compreender o conceito de progressão aritmética de ordem superior, mediante as conexões matemáticas apresentadas, destacando que, sem as conexões, não seria possível construir um conhecimento (NCTM, 2000NATIONAL COUNCIL OF TEACHERS OF MATHEMATICS (NCTM). Principles and standards for school mathematics. Reston: NCTM, 2000.), como, por exemplo, a resposta dada pelo aluno E5:

P: Você percebeu as conexões matemáticas que foram expostas na unidade de ensino?

E5: Consegui. Chegou um momento que eu vi que tudo o que a gente fez lá no começo estava servindo para ir construindo passo-a-passo. Lá no começo foi aquela sequência de pontinhos, depois dos palitos, então tudo tinha a ver para ir construindo, aos poucos, até chegar lá no fim que é a P.A. de ordem superior (Diálogo entre professor e aluno E5, 2021).

Logo, a metodologia de ensino que foi aplicada mostrou-se positiva, ao auxiliar na evolução conceitual de progressões aritméticas, fomentando a confiança dos caminhos escolhidos pelos respondentes em suas resoluções, e eficiente, ao produzir conceitos novos conectados às ideias já estabelecidas na estrutura cognitiva dos estudantes, promovendo a aquisição do conhecimento por meio das conexões matemáticas, favorecendo o processo de ensino e aprendizagem de forma significativa.

Todavia, apesar da evolução conceitual dos subsunçores (AUSUBEL, 2003AUSUBEL D. P. Aquisição e retenção de conhecimentos: uma perspectiva cognitiva. Tradução de Lígia Teopisto. Lisboa: Plátano Edições Técnicas, 2003.) pertinentes ao conhecimento de progressões aritméticas e, também, do fato de que se buscou facilitar a aprendizagem significativa por meio da UEPS (MOREIRA, 2011MOREIRA, M. A. Unidades de enseñanza potencialmente significativas – UEPS. Aprendizagem significativa em revista, Porto Alegre, v. 1, n. 2, p. 43-63, ago. 2011.) de números figurados e progressão aritmética de ordem superior, foi possível constatar que nem todos os alunos conseguiram demonstrar a aquisição do conhecimento como um todo, visto que o aluno identificado como E3, por exemplo, não conseguiu aplicar o conceito do termo geral de progressões aritméticas de segunda e terceira ordens nas atividades de aprofundamento e na atividade de fixação, respectivamente (Figura 15).

Figura 15
Parte da resolução do problema 5 e da atividade de fixação das atividades de aprofundamento pelo aluno E3

Mesmo assim, considerando que os participantes são potenciais professores de Matemática, vale destacar que, por meio da UEPS, foi possível integrar a experiência matemática dos alunos (CANAVARRO, 2017CANAVARRO, A. P. O que a investigação nos diz acerca da aprendizagem da matemática com conexões: ideias da teoria ilustradas com exemplos. Educação e Matemática, Lisboa, [s.v.], n. 145, p. 38-42, out./nov./dez. 2017.) e ultrapassar a linha divisória entre o indivíduo aluno de um curso de Matemática e o indivíduo professor de Matemática, tendo em vista que alguns relataram a pretensão de adotar essa abordagem quando estiverem no papel de professor:

P: Como você avaliaria a metodologia adotada para essa unidade de ensino?

E4: Eu achei que foi muito boa. Eu gostei da metodologia. Eu faria, dentro da minha ... né... se um dia eu chegar a entrar em sala de aula, eu vou tentar. Achei muito legal, eu adorei, porque eu me senti desafiada, permitiu que eu conseguisse formalizar ... Por exemplo, na primeira atividade, pensei de n formas diferentes para resolver, para conseguir encontrar uma solução e depois quando foi apresentado o conteúdo eu pensei “Nossa! Consegui formalizar as ideias que eu tive”. Quando a gente consegue fazer essas conexões, a gente consegue organizar melhor as ideias, o que eu achei muito interessante (Diálogo entre professor e aluno E4, 2021).

P: Você gostaria de dizer alguma coisa sobre a metodologia de ensino utilizada nessa UEPS?

E5: Nossa! Resumindo tudo o que eu poderia falar... Essa é uma metodologia que eu pretendo utilizar, quando for professor. Vou querer utilizar pra quê? Pra que eu consiga fazer com que meus alunos não apenas reproduzam a matemática, mas que eles entendam matemática, entendam os conceitos. Isso é o que eu acho ser o principal. A gente construir conceitos. Quando a gente constrói alguma coisa, você sabe o que fez. Agora, quando te dão uma fórmula e você só substitui, você pode nem saber o que está fazendo ali. Você está apenas reproduzindo (Diálogo entre professor e aluno E5, 2021).

Essa reflexão sobre a forma de realizar a transposição didática de um conteúdo específico – entre o conhecimento recebido (aprendizagem), passando pela capacidade de gerar conexões (assimilação), para o conhecimento didático (ensino) – é uma característica fundamental para a prática docente.

6 Considerações finais

Constatamos que o uso da UEPS, fundamentada na Teoria da Aprendizagem Significativa (AUSUBEL, 2003AUSUBEL D. P. Aquisição e retenção de conhecimentos: uma perspectiva cognitiva. Tradução de Lígia Teopisto. Lisboa: Plátano Edições Técnicas, 2003.), foi capaz de produzir o conhecimento de progressões aritméticas de ordem superior para futuros professores de Matemática. Além disso, esse tipo de atividade revelou-se uma ferramenta transformadora, capaz de facilitar a aprendizagem de forma significativa, por meio da diferenciação progressiva e, também, da reconciliação integradora, as quais são os alicerces de uma aprendizagem potencialmente significativa (AUSUBEL, 2003AUSUBEL D. P. Aquisição e retenção de conhecimentos: uma perspectiva cognitiva. Tradução de Lígia Teopisto. Lisboa: Plátano Edições Técnicas, 2003.).

Nessa perspectiva, buscamos mostrar que as conexões matemáticas são capazes de promover uma aprendizagem significativa no estudo de padrões, regularidades e sequências numéricas. Por isso, associamos, intencionalmente, o padrão do processo de ensino e aprendizagem, conexões (NCTM, 2000NATIONAL COUNCIL OF TEACHERS OF MATHEMATICS (NCTM). Principles and standards for school mathematics. Reston: NCTM, 2000.), com a teoria da aprendizagem significativa (AUSUBEL, 2003AUSUBEL D. P. Aquisição e retenção de conhecimentos: uma perspectiva cognitiva. Tradução de Lígia Teopisto. Lisboa: Plátano Edições Técnicas, 2003.), visto que as ideias já estabelecidas na estrutura cognitiva do aluno devem servir de âncora para “conectar” as novas ideias. Assim, percebemos que os conhecimentos prévios são essenciais para gerar conexões a ponto de ampliar a compreensão de conceitos específicos (CANAVARRO, 2017CANAVARRO, A. P. O que a investigação nos diz acerca da aprendizagem da matemática com conexões: ideias da teoria ilustradas com exemplos. Educação e Matemática, Lisboa, [s.v.], n. 145, p. 38-42, out./nov./dez. 2017.), promovendo a coerência existente entre as ideias matemáticas.

Notadamente, as conexões matemáticas que foram estabelecidas (padrões e regularidades; progressão aritmética, números figurados, equações de diferenças, triângulo de Pascal e funções polinomiais) para a definição do termo geral de uma progressão aritmética de ordem superior foram de extrema importância para o processo de aprendizagem, o que corrobora as ideias de Vale e Pimentel (2010)VALE, I.; PIMENTEL, T. Padrões e conexões matemáticas no ensino básico. Educação e Matemática. Lisboa, [s.v.], n. 110, p. 33-38, nov./dez. 2010..

Esses resultados reafirmam a importância das conexões como um dos padrões de processo de ensino da Matemática (NCTM, 2000NATIONAL COUNCIL OF TEACHERS OF MATHEMATICS (NCTM). Principles and standards for school mathematics. Reston: NCTM, 2000.) na busca de gerar o entendimento conceitual vinculado aos procedimentos – conectados e integrados – evidenciando a coerência entre ideias matemáticas e estabelecendo uma visão da Matemática com um todo (CANAVARRO, 2017CANAVARRO, A. P. O que a investigação nos diz acerca da aprendizagem da matemática com conexões: ideias da teoria ilustradas com exemplos. Educação e Matemática, Lisboa, [s.v.], n. 145, p. 38-42, out./nov./dez. 2017.).

  • 1
    O presente estudo é parte de uma pesquisa de doutorado de um Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática de uma Instituição de Ensino do Rio Grande do Sul.
  • 2
    O sistema de ensino dos Estados Unidos da América é constituído por: pré-escola (correspondente à Educação Infantil); 1º ao 8º (correspondente ao Ensino Fundamental); e 9º ao 12º (correspondente ao Ensino Médio).
  • 3
    Todas as traduções foram feitas pelos autores.
  • 4
    O professor que aplicou a pesquisa, denominado por professor/pesquisador, será indicado, a seguir, apenas como professor.
  • 5
    Nobre e Rocha (2018, p. 37)NOBRE, J. F. F.; ROCHA, R. A. Progressões aritméticas de ordem superior. Professor de Matemática Online, Rio de Janeiro, v. 6, n. 1, p. 35-48, 2018. definem o operador diferença da seguinte forma: “Dada uma sequência (an)nN, define-se o chamado operador diferença (Δ1an)nN=(an+1an)nN, que constitui uma nova sequência. Como (Δ1an)nN forma uma nova sequência, podemos novamente obter o operador diferença, isto é, (Δ1[Δ1an])nN=(Δ2an)nN, e assim recursivamente, (Δkan)nN, para k ≥ 3”.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Abr 2023

Histórico

  • Recebido
    20 Dez 2021
  • Aceito
    18 Set 2022
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