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Aspectos da Construção Social do Currículo de um Curso de Licenciatura em Matemática

Aspects of the Social Construction of a Mathematics Teacher Education Course Curriculum

Resumo

Este artigo aborda a construção social do currículo na Licenciatura em Matemática da Universidade do Vale do Rio Doce (Univale), na cidade de Governador Valadares (MG), em sua terceira e última fase (1997-2012). Com base em uma pesquisa que usou documentação escrita aliada à metodologia da História Oral, o trabalho se inspira em estudos desenvolvidos pelo pesquisador inglês Ivor Goodson comentados por pesquisadores brasileiros e busca analisar o currículo prescrito e o currículo narrativo do curso. Discutem-se conceitos importantes desses estudos e a pertinência da História Oral para colocar o foco nas ações dos sujeitos em relação ao currículo. As entrevistas de professores e estudantes iluminaram dimensões relevantes do currículo prescrito num momento em que o curso teve centralidade na formação de professores para a Educação Básica, repercutindo o desenvolvimento da área da Educação Matemática no Brasil e a legislação educacional a partir de 1996.

Formação de Professores de Matemática; Currículo; Ivor Goodson; História da Educação Matemática; História Oral

Abstract

This article addresses the social construction of the Mathematics Teacher Education course curriculum at the University of Vale do Rio Doce (Univale), in the city of Governador Valadares (MG), in its third and final phase (1997-2012). Based on research that used written documentation allied to the Oral History methodology, the text is inspired by studies by the English researcher Ivor Goodson, commented by Brazilian researchers, and seeks to analyze the course’s prescribed curriculum and narrative curriculum. Important concepts of these studies and the relevance of Oral History are discussed to focus on the actions of subjects in relation to the curriculum. The interviews with teachers and students highlighted relevant dimensions of the prescribed curriculum at a time when the course was centered in the training of teachers for Basic Education, reflecting the development of the area of ​​Mathematics Education in Brazil and the educational legislation from 1996 onwards.

Mathematics Teacher Training; Curriculum; Ivor Goodson; History of Mathematics Education; Oral History

1 Introdução

Este estudo foi realizado a partir de uma pesquisa de doutorado ( ROQUE, 2019ROQUE, A. C. C. A formação de professores de Matemática no curso do MIT/UNIVALE: marginalidade, protagonismo e extinção (Minas Gerais, 1968-2012). 2019. Tese (Doutorado). Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. UFMG, Belo Horizonte, 2019. ) cujo objetivo geral foi construir uma história do curso de licenciatura em Matemática do MIT/Univale, durante seu período de existência, de sua criação, em 1968, à sua extinção completa em 2012, quando ocorreu a conclusão do curso por seu último estudante. O MIT/Univale foi a primeira instituição de ensino superior de Governador Valadares e teve um papel muito importante para o desenvolvimento intelectual e econômico de Governador Valadares e região, na medida em que essa universidade foi, por um bom tempo, a única a oferecer ali cursos de graduação e ainda hoje tem destaque na região leste de Minas Gerais. Também no que diz respeito ao desenvolvimento educacional da cidade, o MIT/Univale foi a primeira e a única instituição que, por muitos anos, licenciou professores nas diversas áreas do conhecimento. Dessa forma, foi a principal instância responsável pela formação dos docentes que hoje atuam na Educação Básica da cidade.

O trabalho aqui apresentado é de natureza descritiva e não pretende se constituir como uma teorização dos resultados de pesquisa e de suas análises.

Para a investigação que gerou o presente artigo, além de fontes escritas, foram realizadas, durante o ano de 2017, dezesseis entrevistas com alunos e/ou professores do curso ao longo de sua existência. Baseadas na metodologia da História Oral, elas foram feitas, para cada entrevistado, a partir de um roteiro de questões sobre sua formação acadêmica, experiência profissional e período de vínculo com o curso; disciplinas ministradas, metodologia das aulas e bibliografia usada; concepções acerca da formação de professores de Matemática; estrutura do curso e da instituição; caracterização dos alunos e sua inserção no mercado de trabalho; relações da instituição/curso com as secretarias municipal e estadual de educação; avaliação da importância do curso para a região.

Este artigo focaliza o currículo do curso de Licenciatura em Matemática da Universidade do Vale do Rio Doce (Univale), em Governador Valadares (MG), em sua terceira e última fase, de 1997 a 2012. O primeiro marco dessa fase se relaciona às mudanças decorridas da atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), publicada em dezembro de 1996 (BRASIL, 1996b), enquanto o segundo concerne ao último ano em que se graduaram alunos do curso, que foi extinto pela instituição e deixou de receber novos estudantes a partir de 2005 ( ROQUE, 2019ROQUE, A. C. C. A formação de professores de Matemática no curso do MIT/UNIVALE: marginalidade, protagonismo e extinção (Minas Gerais, 1968-2012). 2019. Tese (Doutorado). Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. UFMG, Belo Horizonte, 2019. ).

Em Governador Valadares, a formação institucional de professores de Matemática para o nível secundário teve início no Minas Instituto de Tecnologia (MIT), em 1968, estabelecida na forma de um curso de Licenciatura em Matemática com quatro anos de duração. Essa licenciatura foi criada juntamente com as licenciaturas em Física e Química para aproveitar profissionais e instalações dos cursos de Engenharia, planejados prioritariamente para o MIT, e simultaneamente gerar recursos financeiros para a manutenção do Instituto. O período 1968-1977 corresponde à primeira fase da formação universitária de professores de Matemática no instituto1 1 O período 1968-1977 foi abordado em um trabalho anterior das autoras do presente artigo ( ROQUE; GOMES , 2021 ). , que, criado no contexto da expansão do Ensino Superior privado no Brasil do final da década de 1960, foi uma das instituições que originou a atual Univale, estabelecida oficialmente em 1992 ( ROQUE; GOMES, 2021ROQUE, A. C. C.; GOMES, M. L. M. Desenvolver e modernizar: a criação do Minas Instituto de Tecnologia (MIT) em Governador Valadares (MG) e a formação de professores. História da Educação , v. 25, p. 1-32, 2021. ). Nessa primeira fase, estavam em vigor os Pareceres do CFE nº 292 de 1962 (BRASIL, 1962a) e nº 295, de 1962 (BRASIL, 1962b) que estabeleciam, respectivamente, as matérias pedagógicas para a licenciatura e o currículo mínimo para a licenciatura em Matemática.

A partir de seu segundo ano de existência, a licenciatura em Matemática do MIT estava adequada a esses pareceres. No entanto, apesar de atenderem ao que a legislação exigia, os documentos e falas dos entrevistados nos mostram que a formação pedagógica dos licenciados não era uma das preocupações da instituição. A ênfase estava nas disciplinas específicas e a conclusão de nossos colaboradores é a de que o curso não preparava os alunos para lecionar.

Além disso, para equilibrar o número reduzido de professores e de alunos do início da instituição as grades curriculares das licenciaturas em Matemática, Física e Química eram muito próximas entre si e muito próximas às dos cursos de Engenharia. Assim, nessa primeira fase, os cursos de licenciatura desempenhavam um papel coadjuvante em um instituto no qual, claramente, as Engenharias eram protagonistas.

A partir de 1977, por força da Resolução nº 30, de 1974 ( BRASIL, 1974BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Conselho Federal de Educação. Resolução nº 30, de 11 de julho de 1974. Fixa os mínimos de conteúdo e duração a observar na organização do curso de licenciatura em Ciências. Documenta, Brasília, n. 164, p. 509-511, 1974. ), a licenciatura em Matemática, juntamente com as licenciaturas em Física e Química foi convertida em Licenciatura Curta em Ciências com habilitação plena em Matemática (GOMES; ROQUE; ALMEIDA, no prelo). Nesse formato, com a previsão de uma complementação para habilitação plena em Matemática para que os egressos pudessem lecionar também no então 2º grau, o curso permaneceu até que a LDBEN de 1996 trouxe as mudanças que caracterizaram sua terceira fase, contemplada no presente texto. O período 1977-1996 é o da segunda fase da licenciatura em Matemática de Governador Valadares, vinculada a um curso de licenciatura em Ciências, conforme imposição da legislação educacional brasileira naquele momento2 2 Esse período é tematizado em Gomes; Roque; Almeida (No prelo). O texto provém de duas pesquisas em História da Educação Matemática que usaram documentação escrita e contribuições da metodologia da História Oral (ALMEIDA, 2015; ROQUE, 2019 ). Em particular, as narrativas de antigos alunos e professores dos dois cursos de licenciatura em Matemática envolvidos – o de Montes Claros, focalizado por Almeida (2015) e o de Governador Valadares, pesquisado por Roque (2019) , elucidaram resistências e impactos envolvidos na mudança acarretada pela legislação sobre a formação de professores no Brasil. Concluiu-se que, apesar de ter contribuído para formar professores habilitados nas regiões das duas cidades, a mudança teve também impactos negativos ao obrigar a um desvio da proposta original das instituições que sediaram os cursos e alterar substancialmente o tipo de formação dos professores de Matemática. Alterações desse tipo relacionam-se à trajetória pretendida por alguns estudantes, dificultada pela mudança no curso, e à impossibilidade de se formarem num curso direcionado adequadamente para os conhecimentos matemáticos dos futuros professores. .

Para atender ao que dispunha a Resolução nº 30 ( BRASIL, 1974BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Conselho Federal de Educação. Resolução nº 30, de 11 de julho de 1974. Fixa os mínimos de conteúdo e duração a observar na organização do curso de licenciatura em Ciências. Documenta, Brasília, n. 164, p. 509-511, 1974. ), na segunda fase foram criadas novas disciplinas das áreas de Química, Biologia e Geologia, havendo, na formação, um número elevado de disciplinas das áreas de Matemática, Física, Química e Biologia. Apesar de não notarmos a presença de disciplinas voltadas diretamente para a Engenharia, como aconteceu nos primeiros anos, havia disciplinas comuns aos dois cursos, como os Cálculos e as Físicas e conexão entre a licenciatura em Matemática e as Engenharias foi uma característica que permaneceu, conforme ficou explícito nas entrevistas que realizamos.

Em relação à parte pedagógica, foram estabelecidas novas orientações oficiais para a formação pedagógica das licenciaturas por meio do Parecer nº 4873, de 1975 ( BRASIL, 1975BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Conselho Federal de Educação. Parecer 4873/1975. Documenta, Brasília, [s.v.], n. 181, p. 212-228, 1975. ), que substituiu o Parecer nº 292, de 1962. Contudo, as disciplinas pedagógicas do curso investigado não sofreram adequações para atender as orientações trazidas pelo novo parecer, continuando a constar no currículo as disciplinas que haviam sido indicadas no parecer anterior. Além disso, continuou a inexistir uma interlocução entre as disciplinas pedagógicas e específicas, como foi aludido por vários entrevistados. Percebe-se assim, que uma característica comum nas duas primeiras fases é o lugar periférico que a formação do professor ocupava nos currículos.

Neste trabalho, voltamo-nos para o currículo da licenciatura em Matemática da terceira fase e, com base em documentos variados e entrevistas conduzidas na metodologia da História Oral, buscamos estudar esse currículo inspiradas nos trabalhos do pesquisador Ivor Goodson e alguns de seus intérpretes brasileiros. O artigo se organiza, a partir desta Introdução, em seções que abordam sucessivamente o contexto e as fontes da pesquisa; considerações teórico-metodológicas sobre currículo; o currículo prescrito e o currículo narrativo na licenciatura em Matemática de Governador Valadares no período 1997-2012; e considerações finais.

2 Contexto e fontes da pesquisa

Como foi dito, neste trabalho o recorte temporal é o da última fase do curso, com marco inicial em 1997. Ao focalizar esse período, voltamos nossa atenção para as entrevistas de professores e estudantes envolvidos. Trabalhamos, aqui, com as narrativas das docentes Mariza Azevedo Bicalho, Maria Celeste Reis Fernandes de Souza, Diva Silva Souza e Albertina Canuta Nascimento Lopes, e dos ex-alunos Oziel de Souza, Kyrleys Pereira Vasconcelos e Juliana Pena Troncozo. O Quadro 1 oferece informações sobre o entrevistado e as seis entrevistadas.

Quadro 1
– Dados sobre os depoentes e suas entrevistas

As entrevistas foram gravadas e transcritas e, em seguida, textualizadas, conforme exposto em Garnica (2004)GARNICA, A. V. M. História oral e educação matemática. In: BORBA, M. C.; ARAÚJO, J. (orgs.). Pesquisa qualitativa em educação matemática. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. p. 77-98: as perguntas foram fundidas com as respostas e retiraram-se das transcrições as marcas mais fortes da oralidade, evitando as repetições consideradas desnecessárias, com o objetivo de tornar a leitura mais fluente. As textualizações tornaram-se o material principal para as análises apresentadas neste texto e alguns de seus trechos são reproduzidos aqui3 3 Nas textualizações, procuramos preservar o tom de cada entrevistado e a cada um foi solicitado que, caso discordasse de algum trecho, propusesse modificações ou supressões no material. Dos seis entrevistados nomeados anteriormente, apenas Mariza e Albertina pediram pequenas alterações de ordem gramatical. Todos assinaram uma carta de cessão de direitos das formas gravada, transcrita e textualizada de sua entrevista. . Para efeito de destaque, esses trechos são escritos com o uso de itálicos.

A História Oral envolvida no trabalho tem sua metodologia baseada em princípios e procedimentos expostos em muitos textos produzidos pelo Grupo História Oral e Educação Matemática (Ghoem), entre os quais destacamos Garnica, Fernandes e Silva (2011), Garnica e Martins-Salandim (2016)GARNICA, A. V. M.; MARTINS-SALANDIM, M. E. História e Educação Matemática: perspectivas e um projeto coletivo. In: RODEGHERO, C. S.; GRINBERG, L.; FROTSCHER, M. (orgs.). História oral e práticas educacionais . Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2016. p. 181-204. e Garnica e Vianna (2019)GARNICA, A. V. M.; VIANNA, C. R. Oral History in Mathematics Education: an overview. In: GARNICA, A.V. M. (org.). Oral History and Mathematics Education. New York: Springer, 2019. p. 01-20. (Vol. 1). . Tecemos, a seguir, considerações breves para que o leitor possa compreender melhor o estudo que desenvolvemos usando essa metodologia.

As entrevistas feitas com pessoas que testemunharam ou participaram de acontecimentos importantes na pesquisa levam à elaboração de narrativas que passam a ser fontes historiográficas, pois as entrevistas e os textos delas decorrentes testemunham como as pessoas escutadas se viam, viviam e atuavam profissionalmente em dado período e lugar e, por isso, constituem fontes historiográficas ( GARNICA; VIANNA, 2019GARNICA, A. V. M.; VIANNA, C. R. Oral History in Mathematics Education: an overview. In: GARNICA, A.V. M. (org.). Oral History and Mathematics Education. New York: Springer, 2019. p. 01-20. (Vol. 1). ).

Conforme foi dito, gravações e transcrições originaram as textualizações antes mencionadas, que alicerçam as análises empreendidas neste artigo. Nas narrativas, os entrevistados expressam suas memórias, provocadas pelas perguntas e considerações do entrevistador. É essencial termos em mente que o passado é recordado no momento posterior do presente da entrevista, e o que é contado passa necessariamente por um processo de ressignificação.

Um ponto muito importante é a não neutralidade da pesquisa: ao gravar, transcrever e textualizar as entrevistas, uma enorme gama de possibilidades e interpretações são insinuadas. As correções e a revisão do material, além da carta de cessão de seus direitos pelos entrevistados, são medidas de natureza ética e legal das quais fazemos uso ( GARNICA; VIANNA, 2019GARNICA, A. V. M.; VIANNA, C. R. Oral History in Mathematics Education: an overview. In: GARNICA, A.V. M. (org.). Oral History and Mathematics Education. New York: Springer, 2019. p. 01-20. (Vol. 1). ).

Outros materiais fundamentais para subsidiar a pesquisa foram recortes de jornais, históricos escolares, planos de aula e outros documentos institucionais do MIT/Univale, além de documentos educacionais federais, a exemplo de legislação diversificada e pareceres específicos do Conselho Federal de Educação sobre o curso.

Do ponto de vista defendido pela História Oral, segundo a concebemos, a História passa a ter uma finalidade social diferente na medida em que, ao analisar narrativas produzidas oralmente, desafia as memórias institucionais dos centros de poder responsáveis por uma gama de documentação escrita, que durante muito tempo foi considerada a única evidência para pesquisa ( PORTELLI, 2000PORTELLI, A. Memória e diálogo: desafios da história oral para a ideologia. In: FERREIRA, M. M.; FERNANDES, T. M.; ALBERTI, V. (orgs.). História oral: desafios para o século XXI. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz/Casa Oswaldo Cruz/Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação Getúlio Vargas, 2000. p. 67-72. ). A História Oral pode trazer à tona nuances do passado que, por vezes, são inatingíveis em outras formas de documentação.

3 Considerações teórico-metodológicas sobre o currículo: o trabalho de Ivor Goodson e algumas de suas interpretações brasileiras

Para estudar o currículo da última fase do curso de Governador Valadares, trabalhamos na perspectiva de uma história do currículo que nos ajude “a ver o conhecimento corporificado no currículo não como algo fixo, mas como um artefato social e histórico, sujeito a mudanças e flutuações” ( SILVA, 2008SILVA, T. T. da. Apresentação. In: GOODSON, I. F. Currículo: teoria e história. 10. ed. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 7-13. , p. 7). O currículo seria um processo composto de conflitos entre tradições e concepções sociais e o resultado de um acordo geral quanto aos valores, conhecimentos e habilidades. Essa é a lente adotada pelos estudos da Sociologia Crítica da Educação realizados por alguns autores anglófonos a partir da década de 1970, entre os quais se sobressai o pesquisador Ivor Goodson. Essa vertente, que propôs a investigação da construção social do currículo em perspectiva histórica, penetrou no Brasil no final dos anos 1980 e início dos anos 1990 ( TABORDA DE OLIVEIRA, 2017TABORDA DE OLIVEIRA, M. A. Os Estudos Históricos sobre o currículo e as disciplinas escolares: das preocupações com as práticas escolares para o mundo da pesquisa acadêmica. Pensar a Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 3, [s.n.], p. 3-41, 2017. ).

De acordo com um de seus comentadores brasileiros, Marcus Aurelio Taborda de Oliveira (2017TABORDA DE OLIVEIRA, M. A. Os Estudos Históricos sobre o currículo e as disciplinas escolares: das preocupações com as práticas escolares para o mundo da pesquisa acadêmica. Pensar a Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 3, [s.n.], p. 3-41, 2017. , p. 10), Goodson “atualizou a ideia do currículo como uma construção efetivamente desenvolvida ao longo do tempo no âmbito de cada sociedade”. O autor inglês chamou a atenção para a etimologia da palavra currículo, do latim scurrere (correr), que traz implicações: o currículo é definido como um curso a ser seguido ou apresentado. Nessa visão, por implicação etimológica, contexto e construção sociais ficam em segundo plano e o poder de definição da realidade é colocado nas mãos dos que definem o curso. Forja-se, assim, o vínculo entre currículo e prescrição, que, nas palavras de Goodson (2008, p. 31), “com o passar do tempo, sobreviveu e fortaleceu-se”.

As pesquisas de Goodson no contexto da escola secundária da Inglaterra evidenciaram a importância da construção social do currículo em oposição à visão do currículo como prescrição, em que especialização e controle residem em governos e comunidades universitárias.

Muitos agentes, muitos sujeitos, muitos interesses conflitantes produziam debates, manifestações e retóricas que configuravam um significativo conflito social. Não se tratava apenas de reconhecer esse conflito na sua dimensão cultural, mas reconhecê-lo na sua mais plena dimensão política. Assim, o autor contribuiu para “desnaturalizar” o currículo como um fato, um dado, ou algo absolutamente estático ( TABORDA DE OLIVEIRA, 2017TABORDA DE OLIVEIRA, M. A. Os Estudos Históricos sobre o currículo e as disciplinas escolares: das preocupações com as práticas escolares para o mundo da pesquisa acadêmica. Pensar a Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 3, [s.n.], p. 3-41, 2017. , p. 10-11).

No entanto, nossa leitura de Goodson evidencia que o currículo prescrito tem enorme importância para ele:

[...] o problema não é o fato do enfoque sobre a prescrição, mas o tipo deste enfoque e sua singular natureza. O que se exige é uma abordagem combinada – um enfoque sobre a construção de currículos prescritivos e política combinada com uma análise das negociações e realização deste currículo prescrito e voltado para a relação essencialmente dialética dos dois ( GOODSON, 2008GOODSON, I. F. Currículo: teoria e história. 10 ed. Petrópolis: Vozes, 2008. , p. 71-72).

Taborda de Oliveira (2017)TABORDA DE OLIVEIRA, M. A. Os Estudos Históricos sobre o currículo e as disciplinas escolares: das preocupações com as práticas escolares para o mundo da pesquisa acadêmica. Pensar a Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 3, [s.n.], p. 3-41, 2017. explica detalhadamente que Goodson considera a dimensão prescritiva como uma das mais importantes da história do currículo e salienta que o autor nos provoca a questionar não apenas as práticas de sala de aula, mas também os seguintes quatro aspectos: 1) o que ocorre na aula; 2) o entorno político; 3) as definições pré-ativas; 4) as definições intelectuais. Ainda que os estudos de Goodson tenham se originado do contexto da educação secundária na Inglaterra, sua linha de interpretação é proveitosa para o estudo de outros níveis de ensino e localizações geográficas. Usamos essa linha em nossa proposta de compreensão do currículo da licenciatura em Matemática da Univale em sua última etapa.

Valemo-nos da clareza e do detalhamento das considerações de Taborda de Oliveira (2017)TABORDA DE OLIVEIRA, M. A. Os Estudos Históricos sobre o currículo e as disciplinas escolares: das preocupações com as práticas escolares para o mundo da pesquisa acadêmica. Pensar a Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 3, [s.n.], p. 3-41, 2017. para apresentar ao leitor interpretações que contribuíram significativamente para as análises que realizamos no que diz respeito aos quatro aspectos importantes mencionados anteriormente no estudo da dimensão prescritiva e das práticas em sala de aula.

O que ocorre na aula concerne ao currículo em movimento durante a interação entre professores e alunos em torno do conhecimento. Estudar esse aspecto envolve não negligenciar que mesmo aquilo que ocorre na sala de aula parte de uma definição que antecede as práticas escolares. Com isso, Goodson inscreve a experiência de professores e alunos “no domínio daquilo que sujeitos encarnados fazem com os imperativos políticos, econômicos, culturais e pedagógicos” ( TABORDA DE OLIVEIRA, 2017TABORDA DE OLIVEIRA, M. A. Os Estudos Históricos sobre o currículo e as disciplinas escolares: das preocupações com as práticas escolares para o mundo da pesquisa acadêmica. Pensar a Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 3, [s.n.], p. 3-41, 2017. , p. 12) e acentua o interesse por ouvir os professores, tendo criado a expressão currículo narrativo. Desse modo, conhecer o que dizem os professores se torna “uma condição básica nessa esfera de estudos sobre o currículo e sua construção” ( TABORDA DE OLIVEIRA, 2017TABORDA DE OLIVEIRA, M. A. Os Estudos Históricos sobre o currículo e as disciplinas escolares: das preocupações com as práticas escolares para o mundo da pesquisa acadêmica. Pensar a Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 3, [s.n.], p. 3-41, 2017. , p. 12).

No que diz respeito ao aspecto do entorno político da definição curricular, Goodson chama a atenção para disputas culturais que, ao longo do tempo, definem o que é mais relevante para uma sociedade: a partir de um histórico de lutas, alguns aspectos da cultura são os vencedores e acabam se afirmando como um valor em si. Expectativas e necessidades de certos grupos sociais não somente se opõem às de outros, mas as negam. A definição curricular é essencialmente o resultado de um processo demorado e árduo de enfrentamentos, debates, negociações ( TABORDA DE OLIVEIRA, 2017TABORDA DE OLIVEIRA, M. A. Os Estudos Históricos sobre o currículo e as disciplinas escolares: das preocupações com as práticas escolares para o mundo da pesquisa acadêmica. Pensar a Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 3, [s.n.], p. 3-41, 2017. ). Assim, o entorno político se configura como uma amálgama de forças contraditórias.

Já o âmbito das definições pré-ativas, para Goodson (2008)GOODSON, I. F. Currículo: teoria e história. 10 ed. Petrópolis: Vozes, 2008. , envolve compreender os parâmetros anteriores à prática, que, estudados, aumentarão o entendimento dos interesses e influências atuantes nesse nível. As definições pré-ativas “são parte da herança do passado que ajudou a moldar uma determinada disciplina ou o currículo” ( TABORDA DE OLIVEIRA, 2017TABORDA DE OLIVEIRA, M. A. Os Estudos Históricos sobre o currículo e as disciplinas escolares: das preocupações com as práticas escolares para o mundo da pesquisa acadêmica. Pensar a Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 3, [s.n.], p. 3-41, 2017. , p. 13); são parâmetros inscritos numa trajetória histórica. Um segundo modo de se pensar as definições pré-ativas reside nas ações dos professores anteriores às práticas de sala de aula, ou seja, os processos pelos quais os docentes filtram aquilo que o currículo prescrito definiu como necessário para ser ensinado. Goodson (2008)GOODSON, I. F. Currículo: teoria e história. 10 ed. Petrópolis: Vozes, 2008. enfatiza, portanto, que a prática é herdeira de uma história.

Finalmente, temos o aspecto das definições intelectuais: ideias, concepções e pressupostos que contribuem para a composição do currículo prescrito podem vir tanto de teóricos, pedagogos, filósofos, epistemólogos, no sentido estrito da palavra intelectual, como também de professores, técnicos, políticos, entre outros, que formulam ideias sobre como deveria ser o currículo.

Em síntese, Goodson nos conduz a analisar o currículo com ênfase especial nas dimensões soberanas das prioridades político-sociais ( TABORDA DE OLIVEIRA, 2017TABORDA DE OLIVEIRA, M. A. Os Estudos Históricos sobre o currículo e as disciplinas escolares: das preocupações com as práticas escolares para o mundo da pesquisa acadêmica. Pensar a Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 3, [s.n.], p. 3-41, 2017. ), com acento forte na escuta dos professores. Jaehn e Ferreira (2012)JAEHN, L; FERREIRA, M. S. Perspectivas para uma história do currículo: as contribuições de Ivor Goodson e Thomas Popkewitz. Currículo sem fronteiras , Rio de Janeiro, v. 12, n. 3, p. 256-272, set./dez. 2012. enfatizam que o autor incentiva a construção de uma história do currículo com foco na ação dos sujeitos.

Para este trabalho, é pertinente lembrarmos as considerações de uma segunda pesquisadora brasileira, Maria do Carmo Martins, referentes a diferentes momentos das pesquisas de Goodson em que ele

[...] apresenta-nos as histórias de vida dos professores em relação aos currículos, com dupla função: de um lado, como escuta, como aprendizado do passado e do presente, pelas formas como essas narrativas se constroem, como possibilidade de compreendermos a educação que se realizou pelos professores, expressas em suas narrativas de ação, de vivências e de concepções políticas. De outro lado, Goodson aponta para a possibilidade de as narrativas e os ciclos de vida serem instrumentos de tempo presente e futuro, considerando a incidência da pós-modernidade e o fim de uma era em que os currículos prescritivos tiveram dominância ( MARTINS, 2007MARTINS, M. do. C. Histórias do currículo e currículos narrativos: possibilidades de investigação na história social do conhecimento. Pro-Posições, Campinas, v. 18, n. 2, p. 39-50, maio/ago. 2007. , p. 43).

As narrativas de professores e de alunos do curso de licenciatura em Matemática da Univale, em seu último período, aliadas a documentos escritos, aclaram o currículo prescrito nessa fase.

4 O currículo prescrito para a licenciatura em Matemática de Governador Valadares

Como foi dito, a terceira fase do curso teve início em 1997, logo após a promulgação da LDBEN de 1996, que tornou obrigatória a licenciatura plena para atuar na Educação Básica. Anteriormente, desde 1977, o curso oferecido pela Univale era um curso de licenciatura curta em Ciências, com possibilidade de os alunos fazerem uma complementação para se habilitarem especificamente em Matemática, Física, Química ou Biologia. A instituição teve dificuldades para entender como deveria proceder com os alunos que haviam feito o vestibular em 1996, antes da LDBEN, e ingressaram no curso em 1997. Durante os anos de 1997 e 1998, não foi obtida uma resposta quanto ao assunto por parte do Ministério da Educação, que, depois, confirmou que todos os alunos deveriam escolher uma disciplina para habilitação plena. Até o ano de 2000, os novos estudantes ingressaram no curso de Ciências com habilitação plena em Matemática. A partir de 2001, o curso voltou à sua denominação inicial: Licenciatura em Matemática .

Tivemos acesso à estrutura curricular na última fase do curso por meio de documentos da Univale ou históricos escolares de alguns ex-alunos. Um dos históricos foi o de Sonia, que começou o curso, então anual, em 1998, na segunda turma da terceira fase, e cujo diploma registra Licenciada em Ciências Ensino Fundamental e Plena em Matemática .

Em comparação com o currículo prescrito em 1988, último da segunda fase a que tivemos acesso, percebemos uma redução na carga horária das disciplinas de Física, Química e Biologia. Nas disciplinas específicas de Matemática, também verificamos alterações, tendo sido retiradas as disciplinas Cálculo Numérico, Álgebra Linear I e II, Análise Vetorial e Equações Diferenciais Parciais e acrescentadas as disciplinas Matemática Financeira, História da Matemática, Informática no Ensino da Matemática.

No que concerne às disciplinas pedagógicas, continuaram presentes: Psicologia da Educação, Didática, Estrutura e Funcionamento do Ensino Fundamental e Médio 4 4 Observamos que as disciplinas Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º grau e Estrutura e Funcionamento do 2º grau , que totalizavam noventa horas, passaram a se chamar Estrutura e Funcionamento do Ensino Fundamental e Médio com carga horária de 72 horas. Essa mudança de nomenclatura se deve à alteração trazida pela LDBEN de 1996, na qual os antigos 1º e 2º graus passaram a se chamar Ensinos Fundamental e Médio, respectivamente (BRASIL, 1996b). e Prática de Ensino . No entanto, pela primeira vez, aparecem disciplinas cuja nomenclatura parece evidenciar uma interlocução entre os conteúdos específicos e seu ensino: Metodologia do Ensino de Ciências, Metodologia do Ensino da Matemática, Instrumentação para o Ensino de Química, Instrumentação para o Ensino de Física 5 5 Essas disciplinas são referidas por Moreira e David (2010) como disciplinas integradoras. Segundo Moreira (2012) , esse tipo de disciplina foi implementado nas licenciaturas a partir dos anos iniciais da década de 1980, com a função específica de promover a integração entre a formação nos conteúdos e a formação pedagógica e entre ambos e a prática docente escolar. . Ademais, figuram no histórico escolar as disciplinas Estágio Supervisionado I, II e III.

É importante destacar que essas alterações no curso não correspondem somente às disposições trazidas pela LDBEN. Antes da promulgação dessa lei (BRASIL, 1996b), houve um movimento de mudanças interno, realizado por algumas das próprias docentes, como comentaremos adiante.

Observamos que, até a promulgação da LDBEN, cabia ao CFE fixar os currículos mínimos dos cursos de graduação. Na LDBEN, porém, a estruturação dos currículos é atribuída às universidades. Em seu artigo 53, essa lei afirma que:

Art. 53. No exercício de sua autonomia, são asseguradas às universidades, sem prejuízo de outras, as seguintes atribuições:

II – fixar os currículos dos seus cursos e programas, observadas as diretrizes gerais pertinentes (BRASIL, 1996b, s.p.).

No caso das licenciaturas, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena , assunto do Parecer 009/2001 do Conselho Nacional de Educação (CNE) (BRASIL, 2001b), foram homologadas no Diário Oficial da União, em janeiro de 2002, e a Resolução nº 01, de 18 de fevereiro de 2002 do CNE (BRASIL, 2002a), gerada por tal parecer, foi publicada em março de 2002. Nesses documentos, também fica claro que cabe às instituições definirem seus currículos, o que deve ser feito de modo flexível.

Muitas mudanças na formação de professores são colocadas por esses documentos, dentre as quais destacamos:

  • a Educação Básica deve ser referência principal para a formação dos profissionais da educação;

  • os conteúdos da Educação Básica, associados à sua perspectiva didática e a seus fundamentos, devem ser trabalhados de modo a garantir que os aspirantes à docência dominem esses conteúdos;

  • deve haver imprescindível articulação entre conteúdo e método de ensino;

  • o curso de licenciatura deve ter um perfil próprio, a partir da consciência de que forma um profissional para atuar na Educação Básica;

  • a prática deve estar presente desde o início do curso e permear toda a formação do professor;

  • o estágio obrigatório deve ter início desde o primeiro ano do curso;

  • o tempo destinado às dimensões pedagógicas não deve ser inferior à quinta parte da carga horária total.

Apesar da flexibilização para a proposição dos currículos pelas instituições de ensino superior, o Parecer nº 1302 de 2001 do CNE (BRASIL, 2001a) instituiu algumas diretrizes curriculares para os cursos de Matemática, nas modalidades bacharelado e licenciatura. Esse parecer aponta os conteúdos que deveriam ser contemplados em todos os cursos de licenciatura em Matemática.

Os conteúdos descritos a seguir, comuns a todos os cursos de Licenciatura, podem ser distribuídos ao longo do curso de acordo com o currículo proposto pela IES:

  • Cálculo Diferencial e Integral

  • Álgebra Linear

  • Fundamentos de Análise

  • Fundamentos de Álgebra

  • Fundamentos de Geometria

  • Geometria Analítica

A parte comum deve ainda incluir:

  1. conteúdos matemáticos presentes na educação básica nas áreas de Álgebra, Geometria e Análise;

  2. conteúdos de áreas afins à Matemática, que são fontes originadoras de problemas e campos de aplicação de suas teorias;

  3. conteúdos da Ciência da Educação, da História e Filosofia das Ciências e da Matemática (BRASIL, 2001a).

A resolução a partir desse parecer, publicada em 2003, é a Resolução nº 3 de 18 de fevereiro de 2003 ( BRASIL, 2003BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução n. 3 , de 18 de fevereiro de 2003. Estabelece as Diretrizes Curriculares para os cursos de Matemática. Brasília: MEC/CNE/CES, 2003. Disponível em: https://normativasconselhos.mec.gov.br/normativa/view/CNE_ces03_03.pdf?query=CURRICULARES. Acesso em: 3 set. 2023.
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).

Em 2001, o curso da Univale passou a ser semestral e a se chamar Licenciatura em Matemática. O currículo prescrito para a turma que ingressou em 2001 se apresenta de forma completamente diferente da que consta no histórico escolar da aluna Sonia, não mais registrando as disciplinas de Biologia, Química e Geologia que constam dele e trazendo diversas disciplinas anteriormente inexistentes, como Leitura e Produção de Textos, História da Educação, Antropologia da Educação, Filosofia da Educação, Currículo e Cultura, Metodologia do Ensino de Matemática, Prática Pedagógica (I a VI), História da Matemática e Trabalho de Conclusão de Curso I e II . Mostramos, no Quadro 2 , a matriz curricular do curso a partir de 2001 conforme documentos da Univale.

Quadro 2
Matriz Curricular do Curso de Matemática: Habilitação Licenciatura plena

Essa matriz curricular é anterior à promulgação da Resolução nº 01, de 18 de fevereiro de 2002. Contudo, podemos perceber que vários aspectos apontados por essa Resolução e pelo Parecer nº 009, de 2001, já estavam nela contemplados, como a presença de disciplinas que não eram previstas nas legislações anteriores e que tinham como objetivo fomentar a interlocução entre conteúdos específicos e pedagógicos, como Metodologia do Ensino da Matemática. Também foram criadas disciplinas voltadas diretamente ao trabalho com conteúdos que deveriam ser lecionados no Ensino Fundamental e no Ensino Médio: Fundamentos de Matemática .

Nos últimos currículos, a formação voltada para a prática em sala de aula passou a estar presente ao longo de todos os semestres, e não apenas no final, por meio das disciplinas Prática Pedagógica de I a VI, com carga horária total de 400 horas, distribuídas ao longo de seis períodos, a começar pelo primeiro. Com essas disciplinas, cumpria-se o que estava previsto no Parecer nº 28 de 2001, que gerou a Resolução nº 02 de 2002 (BRASIL, 2002b), que definiu que as licenciaturas teriam carga horária mínima de 2800 horas, sendo 400 horas de prática. Essa prática, de acordo com a legislação, deveria ser um componente curricular presente desde o início do processo formativo, articulada com a dimensão teórica, e deveria perpassar todo o processo da formação docente, sendo prevista no projeto pedagógico do curso. Ela não deveria ser reduzida ao estágio supervisionado, que era entendido como um tempo de aprendizagem a ser realizada em um período de permanência na escola. De acordo com os depoimentos de Juliana, nessas disciplinas de Prática Pedagógica:

[...] a gente trabalhava mais essa questão de preparar plano de aula, como a gente ia dar aula, como era uma boa prática para dar aula, como a gente ia passar determinado conteúdo para o aluno, como era a nossa didática na sala; uma coisa mais dinâmica. [...]A gente conversava: Em determinada situação, como a gente vai fazer? Como você acha melhor? Você chega numa sala de aula para ministrar sua aula, como você vai fazer? Sempre tentando relacionar com a nossa vida como professores de Matemática (Depoimento de Juliana Pena Troncozo para ROQUE, 2019ROQUE, A. C. C. A formação de professores de Matemática no curso do MIT/UNIVALE: marginalidade, protagonismo e extinção (Minas Gerais, 1968-2012). 2019. Tese (Doutorado). Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. UFMG, Belo Horizonte, 2019. ).

As alterações curriculares dos últimos anos do curso não ocorreram apenas em função do que propunha a nova Lei de Diretrizes e Bases, mas foram provocadas por um movimento interno dos professores que antecedeu as exigências impostas pelas novas legislações a respeito da formação de professores.

Nesse movimento docente, a estrutura do curso foi repensada, gerando a extinção de antigas disciplinas e a criação de novas, que tentavam articular a formação específica com a formação pedagógica. Assim, enquanto nas duas primeiras fases a formação pedagógica se resumia ou estava aquém do que era previsto na legislação, na terceira fase ela ia além do que era previsto em lei. Assim, já no início da terceira fase, a preocupação em formar professores para a escola básica passou a ocupar lugar central na licenciatura em Matemática da Univale, diferentemente do que aconteceu nas duas primeiras em que o centro estava na formação específica da área.

5 O currículo narrativo na última fase da Licenciatura em Matemática da Univale

Para conhecer o currículo em movimento, Goodson (2008)GOODSON, I. F. Currículo: teoria e história. 10 ed. Petrópolis: Vozes, 2008. recomendou especialmente ouvir os professores, particularmente no que se refere à sala de aula, durante a interação entre alunos e professores em torno do conhecimento. De acordo com Goodson (2015)GOODSON, I. F. Exploring history and memory through autobiographical memory. Historia y Memoria de la Educación , Madrid, [s.v.], n. 1, p. 263-285, 2015. Disponível em: https://revistas.uned.es/index.php/HMe/issue/view/782. Acesso em: 18 jan.2023.
https://revistas.uned.es/index.php/HMe/i...
, longe de ser passivamente descritivas e acumulativas, as memórias dos indivíduos passaram a ser consideradas, desde os anos 1980, como um lugar de reconstrução e reflexividade, bem como um lugar para a reelaboração de significados pessoais. O autor, nesse trabalho, acentua que as narrativas das pessoas ultrapassam em muito os fatos, já que elas se apropriam seletivamente de sua experiência e imaginativamente constroem histórias que fazem sentido para elas e seus ouvintes.

A mudança da licenciatura curta em Ciências com possibilidade de extensão para habilitação em Física, Química, Matemática e Biologia para a licenciatura plena em Matemática trouxe, como mostra o exame de documentos institucionais, alterações nas disciplinas e cargas horárias. As narrativas dos entrevistados ressaltaram que também houve alterações nas abordagens didático-pedagógicas, anteriormente centradas em aulas expositivas, e trazem elementos importantes para conhecermos o currículo em movimento, em ação. O currículo narrativo configurado nas palavras de professores e estudantes ultrapassa o que nos é informado nos documentos institucionais que evidenciam o currículo prescrito.

Os relatos de professoras do curso nessa terceira fase evidenciaram a presença de um movimento interno ao grupo de docentes, decorrente, em grande parte, dos incômodos sentidos por algumas em relação à maneira como a licenciatura vinha sendo conduzida. Vejamos os excertos textualizados a partir das falas das participantes de nossas entrevistas:

Albertina: [uma das protagonistas nesse processo, disse que não lhe agradava a natureza muito teórica do curso e que ela queria associar a teoria a] uma coisa mais manipulativa.

Mariza: [outra protagonista nas mudanças, relatou que sua insatisfação com o formato do curso vinha desde a época em que era aluna da graduação, apesar de não a ter feito em Governador Valadares. Ela lembrou-se de sua impressão de que o curso tinha] muito Cálculo, muita Álgebra, muita Análise... [sem quaisquer relações entre as disciplinas pedagógicas e as disciplinas específicas] (Depoimentos de professoras entrevistadas, 2017).

As palavras dessas duas professoras mostram a herança do passado que a licenciatura em Matemática carregava, que repercutiu nos parâmetros anteriores à prática, conforme a abordagem de Ivor Goodson ao se referir às definições pré-ativas do currículo. O currículo em movimento no curso da Univale, a partir de 1997, não pode ser desvinculado das ações de um grupo, cuja importância foi enfatizada nas entrevistas das professoras Diva e Celeste. Diva recapitulou sua experiência desde 1999 e relacionou o trabalho, nos anos que se seguiram, às Diretrizes Curriculares Nacionais6 6 No caso das licenciaturas, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena, assunto do Parecer 009/2001 do Conselho Nacional de Educação (CNE) (BRASIL, 2001b), foram homologadas no Diário Oficial da União em janeiro de 2002 e a Resolução nº 01 de 18 de fevereiro de 2002 do CNE (BRASIL, 2002a), gerada por tal parecer, foi publicada em março de 2002. Especificamente em relação à formação de professores de Matemática, outro documento de grande relevância são as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Matemática, Bacharelado e Licenciatura conforme o Parecer 1302/2001(BRASIL, 2001a). para a Formação de Professores da Educação Básica.

[...] o primeiro curso em que eu fui dar aula no Ensino Superior foi a licenciatura, em 99. E, se não me falha a memória, naquela época a gente ainda vivia a experiência da transição do que tinha sido a licenciatura curta para a licenciatura plena. A gente não tinha o nome "Licenciatura em Matemática" ainda, era “Ciências e Matemática”, então era um complexo de disciplinas, mas era uma transição. E eu entrei naquilo tudo. Nós, professores desse curso, éramos muito coesos nas discussões, e tinha uma turma boa querendo ver o curso ir para a frente e querendo saber como definir melhor o perfil do curso. Então, além de dar aulas, a gente tinha reuniões periódicas para discutir, para ver o que estava acontecendo e o que as diretrizes curriculares falavam sobre aquilo. Quem era mais da área da Educação, as pedagogas, ficavam responsáveis por aprofundar na legislação, ver essas questões que as diretrizes estavam definindo, o que a Univale estava definindo. E o pessoal mais específico da Matemática ficava responsável por ver as especificidades das Ciências e da Matemática, para não deixar fugir muito isso (Depoimento de Diva Souza Silva para Roque, 2019ROQUE, A. C. C. A formação de professores de Matemática no curso do MIT/UNIVALE: marginalidade, protagonismo e extinção (Minas Gerais, 1968-2012). 2019. Tese (Doutorado). Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. UFMG, Belo Horizonte, 2019. ).

Celeste acentuou o teor das ações do grupo, que buscava integrar as discussões pedagógicas à formação específica do professor de Matemática, o que também está de acordo com as Diretrizes Curriculares mencionadas por Diva.

[...] Eu acho que a grande questão nossa foi ter construído um grupo que era disponível: disponível para estudar, para refletir. E eu sempre era mais encarregada de levar as discussões de estudo. Elas viam as coisas, eu via, a gente pesquisava, e ia estudando. E então assim, nesse processo, nesse movimento, a gente foi discutindo o curso. Eu não me lembro mais das matrizes do curso, mas a gente tentava fazer com que, primeiro, a discussão pedagógica não fosse um apêndice da formação do professor, mas que ela pudesse permear todo o processo (Depoimento de Maria Celeste R. F. de Souza para Roque, 2019ROQUE, A. C. C. A formação de professores de Matemática no curso do MIT/UNIVALE: marginalidade, protagonismo e extinção (Minas Gerais, 1968-2012). 2019. Tese (Doutorado). Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. UFMG, Belo Horizonte, 2019. ).

As diretrizes curriculares para a formação de professores no Brasil, no início do século XXI, tanto em geral, como do ponto de vista especial para a formação de professores de Matemática, apresentam uma série de características que demarcam diferenças em relação ao que se prescrevera anteriormente, notadamente quanto às especificidades da docência. Sobressai-se, nesse contexto, a necessidade de integração entre os aspectos pedagógicos e os conteúdos matemáticos. Configura-se outro dos destaques de Goodson, o entorno político da definição curricular, conforme ressalta Taborda de Oliveira (2017)TABORDA DE OLIVEIRA, M. A. Os Estudos Históricos sobre o currículo e as disciplinas escolares: das preocupações com as práticas escolares para o mundo da pesquisa acadêmica. Pensar a Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 3, [s.n.], p. 3-41, 2017. . As narrativas das professoras Diva e Celeste deixam entrever os processos interacionais e informais pelos quais o que foi legislado em diversos documentos do Ministério da Educação do Brasil após a LDBEN- 1996 foi interpretado e transformado ( SILVA, 2008SILVA, T. T. da. Apresentação. In: GOODSON, I. F. Currículo: teoria e história. 10. ed. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 7-13. ) no currículo em movimento da Univale.

Desde antes da LDBEN de 1996, em 1995, Mariza, uma das professoras do grupo, tinha assumido, pela primeira vez, a coordenação da licenciatura em Matemática, que naquela época ainda era o curso de Ciências com habilitação plena em Matemática. Nesse mesmo período, motivada pela insatisfação em relação ao curso, tomou conhecimento da realização do V Encontro Nacional de Educação Matemática (ENEM), em Aracaju/SE, e mobilizou outras cinco professoras para participarem desse evento.

Segundo os anais do Encontro, um de seus objetivos foi buscar alternativas para superar os problemas do ensino de Matemática, e algumas das preocupações dos educadores matemáticos, naquele momento, referiam-se a possibilidades de minimizar os problemas relacionados à formação de professores competentes e discutir novos métodos para melhoria do ensino de Matemática ( SBEM, 1998SOCIEDADE BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA - SBEM. ENCONTRO NACIONAL DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 5., 1995, Aracajú. Anais... Aracaju: SBEM/SE/UFS, 1998. p. 1-176. Disponível em: http://www.sbemrevista.com.br/files/V_ENEM_I%20.pdf. Acesso em: 3 set. 2023.
http://www.sbemrevista.com.br/files/V_EN...
). Mariza comentou suas impressões sobre o evento e sua satisfação em relação ao que buscava como professora de um curso de licenciatura.

[...] Quando nós chegamos lá e começamos a fazer os minicursos, a assistir as palestras, eu fiquei encantada! Porque vinha ao encontro do que eu sempre quis, que era unir aquela preocupação com o conteúdo, a preocupação de saber a Matemática, de estudar muita Matemática, mas de saber como transmitir isso para o aluno. Preocupação em fazer o aluno não ter tanto horror da Matemática; mostrar para ele que a Matemática está vinculada ao dia a dia dele, que a Matemática não é uma coisa isolada, que tem jeito de aprender Matemática, que não é aquele terrorismo que alguns professores fazem e é por isso que o aluno tem tanto pavor (Depoimento Mariza Azevedo Bicalho para Roque, 2019ROQUE, A. C. C. A formação de professores de Matemática no curso do MIT/UNIVALE: marginalidade, protagonismo e extinção (Minas Gerais, 1968-2012). 2019. Tese (Doutorado). Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. UFMG, Belo Horizonte, 2019. ).

A manutenção de interlocuções com a área da Educação Matemática, desde a participação das professoras da Univale no V ENEM, faz emergir o aspecto das definições intelectuais do currículo assinalado por Goodson (2008)GOODSON, I. F. Currículo: teoria e história. 10 ed. Petrópolis: Vozes, 2008. . A composição do currículo está fortemente vinculada às ideias que circulam com destaque em cada momento e, no caso do curso aqui focalizado, o elemento intelectual de maior repercussão, sem dúvida, foi representado pelo desenvolvimento da Educação Matemática no Brasil.

Um curso de Especialização nessa área foi realizado em parceria institucional da Univale com a Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Rio Claro, no período 1997-1999, e esse curso foi fundamental para a licenciatura em Matemática, segundo a professora Mariza. A professora Albertina comentou que ele trouxe mudanças no currículo e no Laboratório de Ensino de Matemática, com a chegada de

[..] mais ideias para criar outras coisas, fazer mais oficinas, criar mais coisas para o laboratório (Depoimento de Albertina Canuto Nascimento Lopes para Roque, 2019ROQUE, A. C. C. A formação de professores de Matemática no curso do MIT/UNIVALE: marginalidade, protagonismo e extinção (Minas Gerais, 1968-2012). 2019. Tese (Doutorado). Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. UFMG, Belo Horizonte, 2019. ).

Albertina modificou sua maneira de trabalhar na disciplina Geometria , o que foi destacado por alguns de seus ex-alunos. A própria professora se lembrou que, em sua formação de graduação, a abordagem tinha sido diferente e, nesse contexto, citou o curso de Especialização em Educação Matemática.

Nós não estudamos essa geometria no curso de licenciatura. Engraçado, não é? Não estudamos essa geometria assim, não. Mas eu aceitei aquilo, fiquei inventando moda, fazia oficinas, criava alguma coisa em cima de outras que alguém já tinha feito... Nós também fizemos oficinas, fizemos uma exposição chamada "Geometria é vida!" Ah, foi um sucesso! Também ministramos um minicurso chamado “Linhas e ritmos", em que a gente trabalhou com bordados para explorar geometria.

No curso de especialização que nós fizemos em Educação Matemática, eu já vi alguma coisa, depois veio uma menina de Belo Horizonte trabalhar aqui, com a filha dela. Então a gente criou e continuou dando esse curso "Linhas e Ritmos". Até hoje ex-alunos meus dão esse curso (Depoimento de Albertina Canuta Nascimento Lopes para Roque, 2019ROQUE, A. C. C. A formação de professores de Matemática no curso do MIT/UNIVALE: marginalidade, protagonismo e extinção (Minas Gerais, 1968-2012). 2019. Tese (Doutorado). Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. UFMG, Belo Horizonte, 2019. ).

Os diálogos com pesquisadores e investigações em Educação Matemática refletiram-se no currículo em ação, conforme o relato do ex-aluno Oziel, que percebeu diferenças entre os enfoques adotados em disciplinas distintas do curso.

Em relação às metodologias das aulas, elas eram bem divididas. Nas áreas específicas, alguns professores tinham um modelo mais tradicional, com aulas expositivas, resolução de listas de exercícios, e outros professores tentavam mediar essa questão entre a didática e o específico. Em relação aos professores responsáveis pela parte pedagógica, eu destaco que foi através dessas aulas que pude conhecer que Educação Matemática é um novo campo, também de pesquisa, no Brasil. Até então, às vezes a gente desenvolvia algumas coisas na nossa prática mesmo sem saber que já existia um campo de pesquisa que se debruçava sobre essas temáticas e que para nós era novidade. [...] Em relação às metodologias das aulas, como eu te falei, você tinha aulas expositivas, no modelo tradicional, mas nós também tivemos contato com propostas inovadoras na área pedagógica. Vários professores que estavam em fase de mestrado e doutorado, aqui em Belo Horizonte, sempre traziam novidades para nós em relação à metodologia das aulas (Depoimento de Oziel de Souza para Roque, 2019ROQUE, A. C. C. A formação de professores de Matemática no curso do MIT/UNIVALE: marginalidade, protagonismo e extinção (Minas Gerais, 1968-2012). 2019. Tese (Doutorado). Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. UFMG, Belo Horizonte, 2019. ).

A aproximação entre o corpo docente e a Educação Matemática que imprimiu marcas notáveis nas definições intelectuais do currículo prescrito ( GOODSON, 2008GOODSON, I. F. Currículo: teoria e história. 10 ed. Petrópolis: Vozes, 2008. ) refletiu-se, ainda, no currículo em ação, pelo trabalho, em algumas disciplinas, com livros e materiais dessa área.

Então, nos nossos cursos, nós trabalhávamos com essas obras que a gente também discutia no grupo de professores. A gente chamava "contrato de leitura" e fazia discussões com os alunos sobre livros como o Na vida dez, na escola zero7 7 Ela se refere ao livro Na vida dez, na escola zero, dos autores Therezinha Carraher, David Carraher e Analúcia Schliemann, publicado pela Editora Cortez. A primeira edição foi publicada no ano de 1988. , e um outro sobre a questão das Ciências da Matemática, do Pérez Gomez8 8 Ángel Pérez Gómez é catedrático de Didáctica y Organización Escolar na Universidad de Málaga, na Espanha. Entre seus livros, destacam-se: Comprender y transformar la enseñanza, (1992), La cultura escolar en la sociedad neoliberal (1998), Aprender a enseñar en la práctica (2011), Educarse en la era digital (2012) e Pedagogías para tempos de pandemias e perplexidades. Da informação à sabedoria. (2021). Disponível em https://edmorata.es/autores/perez-gomez-angel-i/ . Acesso em 22 set. 2022. ... Nós trabalhamos com muitos textos avulsos, porque não tinha essa coisa tão fácil de localizar na internet. A gente tirava cópia da bibliografia desse pessoal que tinha feito a especialização e disponibilizava para os alunos (Depoimento de Diva Souza Silva para Roque, 2019)ROQUE, A. C. C. A formação de professores de Matemática no curso do MIT/UNIVALE: marginalidade, protagonismo e extinção (Minas Gerais, 1968-2012). 2019. Tese (Doutorado). Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. UFMG, Belo Horizonte, 2019. .

Ainda em relação ao currículo em movimento, é significativo o seguinte excerto da narrativa de Celeste quanto às práticas desenvolvidas no estágio do curso, alicerçadas na concepção de que o futuro professor deve se exercitar em sua própria reflexão.

E no estágio eu a Mariza tínhamos uma parceria. A gente combinava o que ia fazer. E o Laboratório de Matemática, o LEM, era fundamental! Porque no LEM a gente fazia as oficinas. Lá tinha umas oficinas de fração, de calculadora, de uso de outros materiais, e a gente fazia com os alunos. E era o momento de pensar aquilo, pensar sobre a atividade em si, pensar a prática, o que podia ser feito. Então o tempo todo era um processo bastante reflexivo, pelo menos era o que a gente tentava fazer: que os alunos refletissem muito (Depoimento de Maria Celeste R. F. de Souza para Roque, 2019ROQUE, A. C. C. A formação de professores de Matemática no curso do MIT/UNIVALE: marginalidade, protagonismo e extinção (Minas Gerais, 1968-2012). 2019. Tese (Doutorado). Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. UFMG, Belo Horizonte, 2019. ).

Os diversos trechos de narrativas dos entrevistados aqui apresentados ilustram a presença de um trabalho metodológico na licenciatura em Matemática diferenciado em relação a práticas mais tradicionais com predomínio de aulas expositivas e resoluções de listas de exercícios, que, entretanto, continuavam a existir, sobretudo em disciplinas matemáticas9 9 Entre tais disciplinas, figuram Cálculo Diferencial e Integral, Álgebra Linear, Fundamentos de Álgebra, Fundamentos de Análise, Fundamentos de Geometria e Geometria Analítica. do curso, requeridas pelas diretrizes curriculares contidas no Parecer nº 1302, de 2001, do Conselho Nacional de Educação (CNE) (BRASIL, 2001a).

A pesquisa de Roque (2019)ROQUE, A. C. C. A formação de professores de Matemática no curso do MIT/UNIVALE: marginalidade, protagonismo e extinção (Minas Gerais, 1968-2012). 2019. Tese (Doutorado). Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. UFMG, Belo Horizonte, 2019. deixou claro que nem todos os docentes eram favoráveis à maneira como o curso passou a ser conduzido na terceira fase. Revelou-se, nitidamente, a presença de divergências entre professores com concepções diferentes sobre a formação de professores de Matemática. Um deles, citado por Mariza, foi Emerson Bastos10 10 Emerson não foi entrevistado por Roque (2019) por ter atuado durante pouco tempo na Univale, não residir mais em Governador Valadares e ter sido pouco lembrado durante a investigação. , coordenador do curso durante parte da terceira fase. Tendo ingressado na Univale em 2002 e permanecido até 2006, esse docente não estava presente no momento de discussão e implementação das alterações curriculares que caracterizaram a última etapa de existência do curso.

Entendemos que a visão de Emerson sobre a formação de professores assemelhava-se à que vigorou nas duas primeiras fases, segundo a qual a formação específica em Matemática era mais importante do que a formação voltada para a docência. Na condição de coordenador de curso, ele tentou impor sua visão, mas, segundo compreendemos, não obteve sucesso.

A discordância entre os defensores da formação matemática como prioritária diante da formação pedagógica e aqueles que advogavam em favor do peso da formação pedagógica, particularmente direcionada para a Matemática também se manifestava entre os próprios alunos da licenciatura. A ex-aluna Kyrleys, por exemplo, contou que os estudantes de sua turma tinham diferentes opiniões sobre essa questão: havia aqueles que conferiam mais importância aos conteúdos matemáticos e aqueles que, como ela, valorizavam, principalmente a Matemática pensada do ponto de vista da docência.

Esse conflito entre o ponto de vista daqueles que atribuem maior importância à formação específica em Matemática e o dos que lutam pela formação pensada do ponto de vista da docência em Matemática não foi exclusividade da Univale. Frequentemente nos cursos de licenciatura em Matemática no Brasil, percebe-se a origem histórica das disputas culturais entre os diversos grupos que têm trabalhado na formação de professores. Os depoimentos da tese de Roque (2019)ROQUE, A. C. C. A formação de professores de Matemática no curso do MIT/UNIVALE: marginalidade, protagonismo e extinção (Minas Gerais, 1968-2012). 2019. Tese (Doutorado). Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. UFMG, Belo Horizonte, 2019. juntam-se a narrativas referentes a outras licenciaturas em Matemática para evidenciar esse aspecto, que não aparece nas matrizes curriculares, e evidenciam a relevância dos estudos sobre o currículo narrativo.

6 Considerações finais

Os estudos de Ivor Goodson e o trabalho de seus intérpretes brasileiros nos possibilitaram iluminar o currículo prescrito na terceira fase da licenciatura em Matemática da Univale, na qual preocupações com a formação do professor para a Educação Básica foram centrais e à qual coube formar o maior número de graduados na instituição. De fato, a pesquisa de Roque (2019)ROQUE, A. C. C. A formação de professores de Matemática no curso do MIT/UNIVALE: marginalidade, protagonismo e extinção (Minas Gerais, 1968-2012). 2019. Tese (Doutorado). Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. UFMG, Belo Horizonte, 2019. evidenciou que o total de concluintes do curso foi de apenas dezesseis na primeira fase (1968-1977) e de 121 na segunda (1978-1996), enquanto em sua fase final houve 210 egressos. Apesar disso, o curso foi extinto em 2005, tendo diversos fatores contribuído para o seu fim, a exemplo da baixa demanda de candidatos, articulada ao pouco interesse pela carreira docente e à implementação de cursos à distância oferecidos por outras instituições, de dificuldades financeiras de uma instituição privada e da piora do conceito na avaliação promovida pelo MEC depois de 1999. É oportuno lembrar que a extinção do curso se deu na contramão do que acontecia no Brasil, na mesma época, em relação à formação de professores11 11 Segundo Gatti e Nunes (2009) , entre 2001 e 2006 houve um crescimento de 45,7% do número de cursos de formação de professores de Matemática no Brasil, com acréscimo de 24,4% nas matrículas nesses cursos. .

A metodologia da História Oral usada em nosso trabalho, articulada à abordagem de Goodson ao propor o foco nas ações dos sujeitos em relação ao estudo do currículo, foram fundamentais para que examinássemos dimensões importantes no curso de licenciatura em Matemática da Univale em seu último período, marcado pela nova legislação educacional brasileira e pelo desenvolvimento da área da Educação Matemática no país. Nesse contexto, as narrativas dos professores e alunos trouxeram esclarecimentos acerca do que ocorria na aula (currículo em movimento), do entorno político, das definições intelectuais e das definições pré-ativas nas ações dos docentes e na tradição da licenciatura em Matemática no Brasil.

Análises como a apresentada para o caso particular do curso estudado podem contribuir para o exame de currículos de outros cursos de formação de professores, que têm, em grande parte, repercutido nas ações dos profissionais por eles formados e, portanto, na educação brasileira.

Referências

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  • UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE. Renovação de Reconhecimento Matemática - Licenciatura Plena Tomo I. Governador Valadares: Univale, 2004.
  • 1
    O período 1968-1977 foi abordado em um trabalho anterior das autoras do presente artigo ( ROQUE; GOMES , 2021ROQUE, A. C. C.; GOMES, M. L. M. Desenvolver e modernizar: a criação do Minas Instituto de Tecnologia (MIT) em Governador Valadares (MG) e a formação de professores. História da Educação , v. 25, p. 1-32, 2021. ).
  • 2
    Esse período é tematizado em Gomes; Roque; Almeida (No prelo). O texto provém de duas pesquisas em História da Educação Matemática que usaram documentação escrita e contribuições da metodologia da História Oral (ALMEIDA, 2015; ROQUE, 2019ROQUE, A. C. C. A formação de professores de Matemática no curso do MIT/UNIVALE: marginalidade, protagonismo e extinção (Minas Gerais, 1968-2012). 2019. Tese (Doutorado). Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. UFMG, Belo Horizonte, 2019. ). Em particular, as narrativas de antigos alunos e professores dos dois cursos de licenciatura em Matemática envolvidos – o de Montes Claros, focalizado por Almeida (2015)ALMEIDA, Shirley Patrícia Nogueira de. Um lugar, muitas histórias: o processo de formação de professores de Matemática na primeira instituição de ensino superior da região de Montes Claros/norte de Minas Gerais (1960-1990). 2015. Tese (Doutorado). Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. UFMG, Belo Horizonte, 2015. e o de Governador Valadares, pesquisado por Roque (2019)ROQUE, A. C. C. A formação de professores de Matemática no curso do MIT/UNIVALE: marginalidade, protagonismo e extinção (Minas Gerais, 1968-2012). 2019. Tese (Doutorado). Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. UFMG, Belo Horizonte, 2019. , elucidaram resistências e impactos envolvidos na mudança acarretada pela legislação sobre a formação de professores no Brasil. Concluiu-se que, apesar de ter contribuído para formar professores habilitados nas regiões das duas cidades, a mudança teve também impactos negativos ao obrigar a um desvio da proposta original das instituições que sediaram os cursos e alterar substancialmente o tipo de formação dos professores de Matemática. Alterações desse tipo relacionam-se à trajetória pretendida por alguns estudantes, dificultada pela mudança no curso, e à impossibilidade de se formarem num curso direcionado adequadamente para os conhecimentos matemáticos dos futuros professores.
  • 3
    Nas textualizações, procuramos preservar o tom de cada entrevistado e a cada um foi solicitado que, caso discordasse de algum trecho, propusesse modificações ou supressões no material. Dos seis entrevistados nomeados anteriormente, apenas Mariza e Albertina pediram pequenas alterações de ordem gramatical. Todos assinaram uma carta de cessão de direitos das formas gravada, transcrita e textualizada de sua entrevista.
  • 4
    Observamos que as disciplinas Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º grau e Estrutura e Funcionamento do 2º grau , que totalizavam noventa horas, passaram a se chamar Estrutura e Funcionamento do Ensino Fundamental e Médio com carga horária de 72 horas. Essa mudança de nomenclatura se deve à alteração trazida pela LDBEN de 1996, na qual os antigos 1º e 2º graus passaram a se chamar Ensinos Fundamental e Médio, respectivamente (BRASIL, 1996b).
  • 5
    Essas disciplinas são referidas por Moreira e David (2010)MOREIRA, P. C.; DAVID, M. M. M. S. A formação matemática do professor: licenciatura e prática docente escolar. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2010. (Vol. 1). como disciplinas integradoras. Segundo Moreira (2012)MOREIRA, P. C. 3+1 e suas (In)Variantes (Reflexões sobre as possibilidades de uma nova estrutura curricular na Licenciatura em Matemática). Bolema, Rio Claro, v. 26, n. 44, p. 1137-1150, dez. 2012. , esse tipo de disciplina foi implementado nas licenciaturas a partir dos anos iniciais da década de 1980, com a função específica de promover a integração entre a formação nos conteúdos e a formação pedagógica e entre ambos e a prática docente escolar.
  • 6
    No caso das licenciaturas, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena, assunto do Parecer 009/2001 do Conselho Nacional de Educação (CNE) (BRASIL, 2001b), foram homologadas no Diário Oficial da União em janeiro de 2002 e a Resolução nº 01 de 18 de fevereiro de 2002 do CNE (BRASIL, 2002a), gerada por tal parecer, foi publicada em março de 2002. Especificamente em relação à formação de professores de Matemática, outro documento de grande relevância são as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Matemática, Bacharelado e Licenciatura conforme o Parecer 1302/2001(BRASIL, 2001a).
  • 7
    Ela se refere ao livro Na vida dez, na escola zero, dos autores Therezinha Carraher, David Carraher e Analúcia Schliemann, publicado pela Editora Cortez. A primeira edição foi publicada no ano de 1988.
  • 8
    Ángel Pérez Gómez é catedrático de Didáctica y Organización Escolar na Universidad de Málaga, na Espanha. Entre seus livros, destacam-se: Comprender y transformar la enseñanza, (1992), La cultura escolar en la sociedad neoliberal (1998), Aprender a enseñar en la práctica (2011), Educarse en la era digital (2012) e Pedagogías para tempos de pandemias e perplexidades. Da informação à sabedoria. (2021). Disponível em https://edmorata.es/autores/perez-gomez-angel-i/ . Acesso em 22 set. 2022.
  • 9
    Entre tais disciplinas, figuram Cálculo Diferencial e Integral, Álgebra Linear, Fundamentos de Álgebra, Fundamentos de Análise, Fundamentos de Geometria e Geometria Analítica.
  • 10
    Emerson não foi entrevistado por Roque (2019)ROQUE, A. C. C. A formação de professores de Matemática no curso do MIT/UNIVALE: marginalidade, protagonismo e extinção (Minas Gerais, 1968-2012). 2019. Tese (Doutorado). Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. UFMG, Belo Horizonte, 2019. por ter atuado durante pouco tempo na Univale, não residir mais em Governador Valadares e ter sido pouco lembrado durante a investigação.
  • 11
    Segundo Gatti e Nunes (2009)GATTI, B. A.; NUNES, M. M. R. (orgs.). Formação de professores para o Ensino Fundamental: estudos de currículos das licenciaturas em Pedagogia, Língua Portuguesa, Matemática e Ciências Biológicas. São Paulo: Fundação Carlos Chagas, 2009. (Textos FCC, 29). , entre 2001 e 2006 houve um crescimento de 45,7% do número de cursos de formação de professores de Matemática no Brasil, com acréscimo de 24,4% nas matrículas nesses cursos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    11 Out 2022
  • Aceito
    24 Abr 2023
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