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Medição de tempo de atravessamento e inventário em processo em manufatura controlada por ordens de fabricação

Lead-time and work-in-process measurement in manufacture controlled by manufacturing orders

Resumos

Este artigo trata da aplicação de um método para medição do tempo de atravessamento e do inventário em processo em operações de manufatura controladas por ordens de fabricação. Revisam-se os conceitos de tempo de atravessamento, inventário e filas em manufatura e apresenta-se o método proposto. Coletaram-se as datas de início e término e as quantidades fabricadas em cem ordens de fabricação de um fabricante de máquinas. O método foi aplicado e os resultados permitiram análises sobre a gestão do prazo e da confiabilidade de entrega e da fila na manufatura. Tais critérios podem ser importantes quando a competição no negócio também considera a rapidez e a confiabilidade nas entregas.

Medição de tempo de atravessamento; medição de inventário; filas em manufatura; cálculo de prazo de entrega; competição baseada em tempo


This paper presents an application of a method for measuring lead-time and work-in-process in manufacturing operations controlled by orders. We review the concepts of lead-time, inventory and queues in manufacturing and present the proposed method. We began by collecting data from one hundred orders, which include release and completion time and delivered quantities. The method was applied and allowed a discussion involving time-to-deliver, dependability of orders and management of queues in shop-floor, which can be important in business competition, when customers expect, from manufacturer, quick response and on-time delivers.

Lead-time measurement; work-in-process measurement; queues in manufacture; time-to-delivery calculation; time-based-competition


Medição de tempo de atravessamento e inventário em processo em manufatura controlada por ordens de fabricação

Lead-time and work-in-process measurement in manufacture controlled by manufacturing orders

Miguel Afonso Sellitto; Miriam Borchardt; Giancarlo Medeiros Pereira

UNISINOS

RESUMO

Este artigo trata da aplicação de um método para medição do tempo de atravessamento e do inventário em processo em operações de manufatura controladas por ordens de fabricação. Revisam-se os conceitos de tempo de atravessamento, inventário e filas em manufatura e apresenta-se o método proposto. Coletaram-se as datas de início e término e as quantidades fabricadas em cem ordens de fabricação de um fabricante de máquinas. O método foi aplicado e os resultados permitiram análises sobre a gestão do prazo e da confiabilidade de entrega e da fila na manufatura. Tais critérios podem ser importantes quando a competição no negócio também considera a rapidez e a confiabilidade nas entregas.

Palavras-chave: Medição de tempo de atravessamento, medição de inventário, filas em manufatura, cálculo de prazo de entrega, competição baseada em tempo.

ABSTRACT

This paper presents an application of a method for measuring lead-time and work-in-process in manufacturing operations controlled by orders. We review the concepts of lead-time, inventory and queues in manufacturing and present the proposed method. We began by collecting data from one hundred orders, which include release and completion time and delivered quantities. The method was applied and allowed a discussion involving time-to–deliver, dependability of orders and management of queues in shop-floor, which can be important in business competition, when customers expect, from manufacturer, quick response and on-time delivers.

Key words: Lead-time measurement, work-in-process measurement, queues in manufacture, time-to-delivery calculation, time-based-competition.

1. INTRODUÇÃO

O atual ambiente concorrencial trouxe novas formas de competição, baseadas em flexibilidade, variedade, rapidez e confiabilidade de entregas, que se somaram às formas anteriormente hegemônicas, baseadas em preço e qualidade (PAIVA; CARVALHO; FENSTERSEIFER, 2004). Ao enfoque industrial de eficiência, automação rígida e qualidade de conformidade, foram agregados enfoques pós-industriais de resposta rápida e confiável, lotes variáveis e compostos com mais variedade (TRACEY; VONDEREMBSE; LIM, 1999). Adotando novas técnicas de projeto, manufatura flexível e entrega rápida, empresas de manufatura têm conseguido simultaneamente reduzir tempos de desenvolvimento e tempos até a entrega e oferecer mais variedade aos clientes (BLACKBURN et al., 1992).

Uma arma de competição em manufatura é a baixa ociosidade, pois esta gera custos por inatividade e turnos-extra em eventuais recuperações de atrasos. Pesquisas empíricas mostraram que é prática na manufatura prevenir ociosidade acumulando inventário antes das operações, o que provoca esperas em filas e acréscimos no tempo de atravessamento (WACKER, 1996). Surge então um trade-off. Para reduzir prazos e aumentar a confiabilidade das entregas em produção sob pedidos, reduz-se inventário. No entanto, inventário reduzido aumenta o risco de ociosidade e contribui para reduzir o nível de serviço na produção para estoque (PLOSSL, 1985).

Prazos reduzidos e entregas confiáveis são armas de competição em Time-Based Competition (TBC – competição baseada em tempo). A expressão surge em dois campos de pesquisa, em estratégia de manufatura e em manufatura flexível. Neste último, a expressão está ligada à redução de tempo de preparação e controle dimensional em montagens multi-estágios. Interessa o primeiro campo. Para Stalk e Hout (1990), TBC é mais do que atender datas devidas; é gerenciar o tempo como um recurso produtivo único e limitado, identificando e reduzindo atividades de longa duração. Suri (1998) apresenta um conjunto de idéias que formam uma aplicação específica para TBC em manufatura, a Resposta Rápida em Manufatura (QRM – Quick Response Manufacturing). A QRM acelera as atividades internas de manufatura para construir vantagem competitiva. Tubino e Suri (2000) apresentam estudos de caso em que associam reduções em tempos de atravessamento a aumentos na confiabilidade das entregas e a reduções de custos.

Tempos de atravessamento e inventário são medidas de tempo de espera e de tamanho das filas na manufatura. O tempo de atravessamento médio no sistema produtivo reflete as conseqüências das práticas gerenciais da organização, principalmente o modo como esta trata as variabilidades. Para reduzi-lo, limita-se o inventário ao mínimo necessário para evitar ociosidade (HEARD; PLOSSL, 1984).

A medição e o eventual controle de inventário e tempo de atravessamento podem interessar em estratégias de manufatura que suportem negócios em TBC. O objetivo deste artigo é descrever um estudo de caso no qual se testou um método para medir o tempo de atravessamento e o inventário em processo em uma manufatura controlada por ordens de fabricação. A motivação da pesquisa é incluir rapidez e confiabilidade de entregas como fonte de vantagem competitiva em manufatura. O método de pesquisa foi o estudo de caso único, do tipo descritivo.

Citam-se referências consultadas na pesquisa e que têm algo a ver com o objetivo deste artigo. Stalk e Hout (1990) e Blackburn (1991) reuniram dados e visões pragmáticas em TBC, enfocando a redução de tempos de atravessamento como arma de competição. Kumar e Motwani (1995) calcularam um índice integrado de agilidade para medir competitividade em TBC. Koufteros (1995) propôs instrumentos de medição de fatores críticos em desenvolvimento de produtos e práticas de manufatura, aplicáveis em TBC. Hum e Sim (1996) ofereceram uma revisão teórica sobre TBC, caracterizando-a como um paradigma de competição. Rich e Hines (1997) desenvolveram o conceito de TBC em cadeias de suprimentos. Burgess et al. (1998) investigaram a relação entre competitividade em manufatura e desempenho em TBC em país de industrialização recente, comparando-o com país industrializado. Jayaram, Vickery e Droge (1999) examinaram TBC em fornecedores de primeira camada de três montadoras de veículos dos EUA, definindo indicadores de desempenho e programas de manufatura relacionados a este tipo de competição. Os autores concluíram que o desempenho em tempo afeta o desempenho geral das empresas, na indústria estudada. De Toni e Meneghetti (2000) discutiram meios para orientar a competitividade em TBC.

Alguns modelos para a determinação de tempos de atravessamento foram consultados. Bartezzaghi, Spina e Verganti (1994) apresentaram um modelo de cálculo de tempos de atravessamento em processo empresariais, concebido para reengenharia. Vollmann et al. (2006) apresentaram um método para cálculo apriorístico do tempo de atravessamento. Wacker (1996) apresentou um modelo para cálculo de tempo de atravessamento em manufatura que considera um produto de cada vez. Karni (1982) apresentou um modelo que considera carga real e capacidade, para uso em MRP. Sobre controle de tempo de atravessamento e sua relação com inventário, foram consultados Pan e Yang (2002), Bem-daya e Hariga (2003) e obras ligadas à linha de pesquisa WLC (workload control – controle pela carga de trabalho), das quais se destacam Bechte (1994), Wiendahl e Breithaupt (2001), Breithaupt, Land e Nyhuis (2002) e a obra de síntese Wiendahl (1995), da qual o modelo proposto neste artigo aproveitou elementos. O WLC controla a liberação de ordens para manufatura, mantendo o inventário abaixo de um limite que previna ociosidade, mas garanta fluxo rápido. Como conseqüência, o tempo de atravessamento é controlado ao redor de um valor aceitável, que permite prazos de entrega menores e mais confiáveis.

O restante do artigo está organizado em: (i) revisão sobre tempo de atravessamento, inventário e filas em manufatura; (ii) apresentação do método de medição proposto; (iii) apresentação do caso; (iv) discussão dos resultados; e (v) considerações finais.

2. TEMPO DE ATRAVESSAMENTO, INVENTÁRIO, FILAS EM MANUFATURA

Suri (1988) aponta quatro tipos de tempos de atravessamento. O tempo externo é o percebido pelo cliente, desde a colocação da ordem até o recebimento da mesma. O tempo interno ou tempo de fluxo é o tempo que a ordem requer dentro da manufatura. O tempo cotado é o prazo informado ao cliente. O tempo planejado é o tempo informado ao sistema de informações. Os dois primeiros são variáveis aleatórias, medidas a posteriori, e os dois últimos são determinados a priori.

Tempo de atravessamento de ordem de fabricação é o tempo que a manufatura gasta, em uma ordem, para transformar as matérias-primas nos produtos acabados, desde a liberação da ordem para a fábrica até a entrega ao cliente. Se medido, o tempo de atravessamento é afetado pelas aleatoriedades na fila e no processamento (SELLITTO, 2005). Se calculado, é afetado pela técnica de programação e pela prioridade da ordem (BERTRAND; WOORTMANN e WIJNGAARD, 1990). Bartezzaghi, Spina e Verganti (1994) diferenciam tempo de atravessamento de ordens de uso interno do tempo. O primeiro depende da fila e da prioridade da ordem; o segundo, da tecnologia e dos recursos alocados à ordem. Tanto tempos de atravessamento fixos como aleatórios podem ser controlados e reduzidos (PAN; YANG, 2002). De Toni e Meneghetti (2000) estendem o controle do tempo às demais atividades da cadeia de valor, citando: desenvolvimento de produto; abastecimento; manufatura; e distribuição.

Tempo de atravessamento de operação é o tempo até a conclusão das operações constantes do roteiro da ordem. Na primeira operação, a contagem de tempo inicia-se na liberação da ordem. Nas demais, no fim da operação precedente. O tempo de atravessamento de operação é composto de: (i) espera após o processamento anterior; (ii) transporte até o centro de trabalho atual; (iii) espera em fila; (iv) preparação; e (v) processamento e inspeção (WIENDAHL, 1995). Wacker (1996) acrescenta tempos de interrupção por falta de materiais, manutenção e retrabalhos.

Entende-se que o tempo de atravessamento de ordens possa ser dividido em componentes de tempo, cada um mais afetado por um fator: (i) tempo de emissão física da ordem, mais afetado por atividades comerciais, tais como verificação de crédito e aceite do pedido de compra; (ii) tempo de tramitação física da ordem até o chão-de-fábrica, mais afetado pelo sistema de informações de manufatura; (iii) tempo de coleta de materiais, mais afetado pela situação de estoques e política de compras; (iv) tempo de transporte dos materiais até o centro de trabalho, mais afetado pela logística interna da manufatura; (v) tempo de espera em filas, mais afetado pela lógica de programação; (vi) tempo de preparação de máquina, mais afetado pelo estado-da-arte da tecnologia de manufatura; (vii) tempo de processamento e inspeções, mais afetado pela capabilidade; (viii) tempo de movimentação até o próximo processo, mais afetado pela logística interna; e (ix) tempos de inspeção final pelo cliente e eventual retrabalho, mais afetados pela relação comercial com o cliente e pela clareza na especificação do produto.

Inventários são acúmulos de materiais entre as etapas de processamento que surgem sob a forma de itens ainda não usados, mas já recebidos ou produzidos pela manufatura.

Inventários podem ser classificados segundo a função desempenhada. Inventários de segurança protegem contra interrupções no abastecimento e picos na demanda, e contra desbalanceamentos entre centros de trabalho. Inventários antecipativos são produzidos antes de picos sazonais de vendas ou de paradas programadas de plantas, prevenindo os custos de variar o nível de produção. Inventários cíclicos surgem quando não é possível comprar ou produzir a exata quantidade requerida, devendo ser respeitado um lote econômico de produção, cujas sobras serão aproveitadas no próximo ciclo. Inventários em transporte surgem quando é necessário esperar até que se forme o lote econômico de transporte e durante o período em que o material está em trânsito. Inventários especulativos surgem quando se aproveitam flutuações de preços para comprar ou produzir mais do que a demanda atual, deixando as sobras para momentos em que os preços terão mudado (PLOSSL, 1985).

Inventários também podem ser classificados segundo a condição ao longo do processo. Matérias-primas são materiais iniciais, tais como aço ou petroquímicos, dos quais serão originados itens diversificados. Partes e subconjuntos são itens, tais como rolamentos, semi-eixos ou motores, recebidos na forma em que serão usados em montagem final. Inventário em processo (WIP – work-in-process) são os materiais que já iniciaram e ainda não completaram o processamento, podendo estar em filas, em processamento, em ordens interrompidas ou em reserva, esperando aproveitamento. Produtos acabados são produtos prontos esperando venda, em produção para estoque, ou entrega, em produção sob encomenda (VOLLMANN et al., 2006).

Um aspecto positivo na acumulação de inventário está na independência que surge entre operações, já que interrupções em uma não afetam outras, amenizando a ameaça de ociosidade (HEARD; PLOSSL, 1984). Sem estes inventários intermediários, as taxas de produção entre dois centros de trabalho consecutivos deveriam ser muito próximas, o que é difícil de se conseguir na prática da manufatura. Outro aspecto ocorre quando pedidos são atendidos por inventários localizados em centros de distribuição regionais, próximos aos clientes, o que é mais rápido do que atender o pedido por depósitos centralizados ou manufaturá-lo (JOHNSON; MONTGOMERY, 1974).

Um aspecto negativo é a geração de custos. Podem-se citar o adiantamento de capital, o custo da guarda e asseguração e o risco de perdas por prazos de validade, obsolescência ou decaimento. Goldratt (1990) acrescenta que inventários encobrem erros de qualidade e variabilidade, pois aumentam a distância temporal entre a fabricação e o uso, dificultando a comunicação e a solução de problemas. Acresce-se que o excesso de inventário desestimula a investigação dos padrões de demanda, já que, para qualquer tipo de demanda, sempre haverá material disponível. Se houver um padrão de demanda não reconhecido pelo produtor, tais como uma sazonalidade, a falta de sincronismo entre fornecimento e demanda pode fazer com que se produza fora de tempo, aumentando o custo de produção.

Tempo de atravessamento e inventário em manufatura mantém entre si uma relação como a que mantém tempo de espera e número de clientes em processos de filas.

Um processo de filas surge quando chegam tarefas a um sistema produtivo e, por variabilidade, em um dado instante, o número de tarefas é maior do que o de recursos disponíveis. O processo estará em equilíbrio se as taxas médias de chegada e saída forem iguais durante o tempo da análise (KLEINROCK, 1975). Um processo de filas em manufatura consiste em uma ordem de fabricação que chega a um centro de trabalho, espera sua vez na fila, é processada e segue para outro centro. A ordem está sujeita à troca de prioridades e interrupções por manutenção ou falta de materiais. (PAPADOPOULOS; HEAVEY; BROWNE, 1993).

Uma fila em manufatura pode ser analisada segundo a Figura 1.


Sejam α(t) e δ(t) os números de chegadas e saídas de ordens no intervalo [0, t]. O número de ordens N(t) na manufatura é dado por (1). A área entre os traçados γ(t) representa a permanência [ordens.unidade de tempo] das ordens na manufatura em [0, t]. A taxa média de chegada λ, o tempo médio Tm gasto por ordem e o número médio de ordens Nm na manufatura em [0, t] são dados por (2), (3) e (4). Manipulando, chega-se a (5), a fórmula de Little (KLEINROCK, 1975; HILLIER; LIEBERMAN, 1995).

3. MÉTODO

Vollmann et al. (2006) apresentam um método apriorístico de cálculo (não é medição) de tempo de atravessamento. Para todo centro de trabalho, o tempo fora de fila é o tempo de preparação somado ao tempo-padrão da ordem. Por exemplo, o tempo de cada fila é estipulado em dois dias, se o próximo centro estiver em outro departamento, e em um dia, se no mesmo departamento. Somam-se os tempos e chega-se ao tempo de atravessamento fixo calculado. Wacker (1996) apresenta um método, com valores apriorísticos, que também chega a valores fixos. Karni (1982) apresenta um algoritmo que calcula o tempo de atravessamento em função da carga real e da capacidade, em MRP. O método ora proposto usa dados de campo, considerando o probabilismo observado na fila e no processamento. Também considera o composto de produtos, combinados em ordens ou lotes de produção. O método se vale de elementos do WLC, sintetizados em Wiendahl (1995), e acrescenta contribuições de pesquisa.

Segue o método que foi usado no presente caso.

O tempo de atravessamento simples (TLi) da ordem i em um centro de trabalho é dado por (6), na qual tPEUi e tPEi são os instantes de fim do processamento da ordem nos centros anterior e atual. O tempo médio de atravessamento (TLm) e o desvio-padrão (TLs) são dados pela média e pelo desvio-padrão dos TLi

O TLm é um indicador incompleto, pois não usa toda a informação disponível na ordem. Por exemplo, sejam duas ordens, uma que espera duzentas horas na fila e requer vinte horas de processamento e outra que espera cem horas na fila e requer cento e vinte horas de processamento. O tempo de atravessamento é o mesmo, independendo de quanto as ordens exigiram de processamento e quanto esperaram em fila.

Um indicador mais completo deve ter duas dimensões, o tempo total e o esforço de processamento. O tempo médio ponderado de atravessamento (TLw) é bidimensional, pois considera, além dos tempos de atravessamento simples (TLi), uma unidade de valor representativa do esforço de manufatura, tais como o tempo-padrão ou a quantidade Qi da ordem. O tempo médio de atravessamento ponderado por quantidade em um centro de trabalho (TLmwqtde) e o desvio-padrão (TLsw), são dados por (7) e (8). Caso se represente a manufatura por centros de trabalho em seqüência, o tempo de atravessamento da ordem será a soma dos tempos das operações do roteiro de fabricação (WIENDAHL, 1995; SELLITTO, 2005).

Para a medição do inventário, usa-se a fórmula de Little, modificada por Wiendahl e Breithaupt (2000), e chamada pelos autores de equação do funil (9). Ao invés da taxa de chegada, a equação usa a taxa de saída da manufatura, a taxa de entrega de unidades de valor (por exemplo, peças por dia). Em um centro gerenciado, ambas resultam iguais. Havendo desequilíbrio, ou o inventário cresce ilimitadamente ou o centro pára. Na prática, decisões gerenciais recompõem o equilíbrio (SELLITTO, 2005).

na qual:

Im = inventário médio;

Pm = resultado médio;

ΔUV = total de unidades de valor despachadas em n ordens; e

tn e t1 = datas em que as ordens n e 1 foram encerradas.

Um modo de compreender (9) é por análise dimensional. Por exemplo, seja que o termo entre parênteses tenha como dimensão [peças/dia], que, multiplicado por [dias], produz a unidade final [peças], compatível com a grandeza inventário.

Duas grandezas completam o método: taxa de serviço e pulmão.

Taxa de serviço é o recíproco do desempenho. Se o desempenho é dado em peças por dia, a taxa de serviço é dada em dias por peça e indica quanto tempo a manufatura requer para produzir uma unidade de valor. Pulmão é o inventário médio que produz a probabilidade p de interrupção da manufatura por falta de carga. Seu cálculo requer a distribuição de probabilidade dos intervalos entre chegadas de ordens. Por ora, adota-se o critério simplificado de (10): conhecido o intervalo máximo observado sem chegada de ordens Δtmáx, protege-se a manufatura com um pulmão Bm capaz de garantir, no intervalo, um resultado médio Pm (SELLITTO, 2005)

Pulmões diferem de inventários. Inventário é uma grandeza aleatória que pode ser medida continuamente e decorre da política de liberação de peças e da capacidade produtiva. Pulmão é parâmetro calculado pela manufatura e reflete o quanto esta requer de proteção contra as variabilidades naturais dos processos envolvidos.

4. O CASO

O objetivo de pesquisa foi testar um método para medição de tempo de atravessamento e inventário em processo (grandezas reais) de uma manufatura controlada por ordens de fabricação. O método de pesquisa possível foi o estudo de caso. Eventuais práticas de controle de ordens pelo PCP não foram consideradas na pesquisa, apenas seu efeito no resultado final da manufatura.

O método do estudo de caso examina em profundidade um fenômeno contemporâneo, não sendo necessário nem desejável separá-lo do ambiente. O estudo pode ser exploratório, descritivo ou explanatório. Um estudo exploratório levanta questões e hipóteses para estudos futuros. Um estudo descritivo procura e testa associações entre variáveis de interesse definidas em estudos exploratórios. Por fim, um estudo explanatório apresenta explicações plausíveis para as associações estabelecidas em estudos descritivos (YIN, 2001).

Um estudo de caso pode contribuir para uma teoria de cinco modos. O primeiro modo oferece uma descrição profunda e específica de um objeto. O segundo interpreta eventuais regularidades como evidências de postulados teóricos mais gerais, ainda não verificados. O terceiro modo é heurístico: uma situação é deliberadamente construída para testar uma idéia. O quarto faz uma sondagem plausível de uma teoria proposta pelo modo heurístico e o quinto, o caso crucial, apóia ou refuta a teoria. Nos três últimos tipos, os objetivos são, em graduações, gerar, explorar e testar teorias (Eckstein, 1975, apud ROESCH, 1999). Por fim, o estudo de caso pode contribuir, por repetição e aprendizado, na construção indutiva de teorias fundamentadas (grounded theory). Quando novos experimentos não apresentam ineditismos que mereçam ser investigados, há indicação de que se chegou a uma teoria mais robustecida, que já pode ser enunciada (EISENHARDT, 1989).

Entende-se que o presente caso seja descritivo, pois é mais do que um levantamento de questões e hipóteses para estudos futuros, aproximando-se de uma procura de associações e relações entre variáveis conhecidas do objeto de estudo. Não chega a ser explanatório, pois não se oferecem explicações para a situação das variáveis estudadas. Entende-se que a contribuição seja do quarto tipo: pretende-se que seja uma sondagem plausível de uma teoria fundamentada sobre medição de tempo de atravessamento e inventário em manufatura. Como não há certeza de saturação do aprendizado, não é possível dizer este seja o caso crucial. Casos anteriores foram publicados em Bof, Sellitto e Borchardt (2002); Teixeira e Sellitto (2004); Teixeira, Sellitto e Ribeiro (2004); Rosa, Menezes e Cercato (2004); Menezes, Cercato e Sellitto (2005); Spielmann, Veeck e Sellitto (2005); Menezes, Guimarães e Sellitto (2008); Facchin e Sellitto (sd) e Sellitto (2005), sendo que, neste último, há uma consolidação teórica dos achados de até então. Os casos foram estudados em manufatura calçadista e em fabricação de peças técnicas, autopeças, ferramentas e máquinas.

O caso foi estudado em um fabricante de equipamentos eletromecânicos, que produz aeradores e bombas anfíbias. Aeradores operam em tratamento de efluentes industriais e urbanos, promovendo a mistura e a incorporação de oxigênio no tratamento de resíduos líquidos. Bombas anfíbias (dentro e fora da água) operam em agricultura (irrigação), saneamento (captação e pressurização de linhas), mineração (esgotamento de cheias) e na indústria em geral (torres de resfriamento, captações, etc.).

A empresa produz mais de cem modelos, cuja potência varia entre 2 e 300 cv, com roteiros diferentes e tempos-padrão de fabricação que variam de 16 a 32 horas. Haja vista a estrutura fixa de produto e o grau de automação, que implicam pouca diferença entre o menor e o maior tempo, a quantidade de máquinas da ordem parece expressar melhor o esforço de manufatura do que o tempo-padrão. Há flexibilidade, interação, redundâncias e diversidade de recursos nas oficinas e bancadas de montagem, o que representa capacidade de adaptação interna em resposta a perturbações. Com isto, a manufatura pode ser tratada como um único centro de trabalho. A produção é sob encomenda e a liberação da ordem ocorre após o aceite do pedido e a chegada dos materiais requeridos.

4.1 Resultados

As Tabelas 1 e 2 apresentam os últimos cem pedidos entregues em 2005. A tabela traz o número do pedido, a quantidade de máquinas, a data de liberação, a data de entrega, os tempos de atravessamento simples (TL) e ponderados por quantidade (TLwqtde).

A coluna TL apresenta o tempo de atravessamento do pedido em dias (data da nota fiscal - data da liberação). A média e o desvio-padrão são TLm = 29,31 e TLs = 12,9 dias. A coluna TLwqtde pondera o tempo de atravessamento pela quantidade do pedido [quantidade.dias]. Aplicando (7) e (8), resulta TLwqtde = 30,62 e TLsw = 13,2 dias. Foram entregues 206 equipamentos em 246 dias (primeira entrega = 16/6/2005; última entrega = 14/2/2006). Resulta 0,84 equipamentos por dia ou 1,2 dia por equipamento. Aplicando (9), o inventário médio é [0,84 x 30,62] = 25,72 equipamentos (materiais de uso na montagem de 25,72 equipamentos). O maior intervalo sem entradas ocorreu entre os pedidos 894 e 899 (14 dias). Aplicando (10), resulta um pulmão de [14 x 0,84] = 11,76 equipamentos. O inventário médio está acima do pulmão.

Os resultados da aplicação do método são sintetizados na Tabela 3.

5. DISCUSSÃO

A discussão enfoca duas possibilidades de uso do método: apoio ao cálculo do prazo de entrega de ordens e gestão de filas na manufatura. Antes de iniciar, fazem-se considerações sobre o probabilismo observado no tempo de atravessamento.

Os orçamentos possuem prazo de entrega único de trinta dias. Como TL é probabilístico e TLm = 29,31 dias, parte dos pedidos não foi entregue no prazo. Com o apoio do software modelador ProConf, foram testadas as distribuições exponencial, Weibull, gamma, lognormal e normal. Não foi possível ajuste, porém, com a retirada de dois outliers TL = 78 dias, ajustou-se a distribuição normal, com um nível de significância de 20% (o mínimo exigido pelo software é 5%). O ajuste indica TL médio (µ) de 28,4 dias, desvio-padrão σ = 11,28 e coeficiente de variação cv = µ/σ = 0,4. Resulta que os outliers estão a uma distância 4,4σ da média e a probabilidade de pertencerem a uma população normal N(28,4; 11,28) é menor do que 0,1%.

A Figura 2 apresenta o histograma, oferecido pelo Proconf, para os noventa e oito tempos de atravessamento, sem os outliers. O software estima que 55,4% das ordens cumpriram o prazo. Não foi investigado o cenário de competição, mas, caso seja TBC, o resultado pode indicar incapacidade da manufatura em atender objetivos de negócios da empresa. Caso fosse objetivo de competição atender 90% dos pedidos no prazo, para a mesma média, o desvio-padrão deveria ser σ1 = 1,25. Para o mesmo cv = 0,4, µ2 = 19,8 e σ2 = 7,9 dias seriam aceitáveis.


5.1 Prazo de entrega

A empresa estudada não considera a variabilidade da manufatura no cálculo do prazo de entrega unificado. Propõe-se em (11) uma expressão que a considere.

na qual:

PE = prazo de entrega;

TLm = tempo de atravessamento médio das ordens;

Inv.normal(z) = função inversa normal de z, o nível de serviço desejado; e

TLs = desvio-padrão dos TLi.

Aplicando (11), sem os outliers (TLm = 28,4 dias; z = 90%; TLs = 11,28), chega-se a um prazo de entrega unificado de 42,8 dias, mais de 40% acima do prazo praticado.

Para individualizar os prazos por ordem, pode-se usar a interpretação de Wiendahl (1995) para TLmwqtde. Segundo o autor, este é o tempo mais provável para que um equipamento atravesse a manufatura. Este tempo pode ser maior, igual ou menor do que o TLm, segundo a política de liberação de ordens. Se a política antecipar as ordens maiores, produz TLmwqtd < TLm. Se antecipar as menores, produz TLmwqtd > TLm. Para uma ordem de n equipamentos, soma-se TLmwqtde à taxa de serviço, o tempo mais provável para produzir uma unidade, multiplicado por [n - 1] (12). Outro modo é somar o inventário médio com a carga da ordem e multiplicar pela taxa de serviço (13).

Nas quais:

S = taxa de serviço para produção de um equipamento, em dias/ equipamento; e

n = número de equipamentos da ordem de fabricação.

Por exemplo, aplicando (12) à ordem 950 (nove equipamentos), resulta PE = 30,62 + 1,2 x 8 = 40,2 dias. Aplicando (13), resulta PE = [25,62 + 9]1,2 = 41,5 dias. Aplicando à ordem 892 (dezesseis equipamentos), resultam, respectivamente, PE = 30,62 + 1,2 x 15 = 48,62 dias e PE = [25,62 + 16]1,2 = 49,9 dias.

A expressão (12) opera com valor médio. Se, por exemplo, se desejar um nível de serviço de 90%, o TLwmqtde deve ser acrescido em [f.inv.normalp(0,9) x TLsw] = [1,28 x 13,2] = 16,9 dias. A magnitude do termo (mais de 50% do termo médio) destaca a importância da variabilidade em TBC. Wacker (1996) apresenta e discute estudos empíricos que relacionam programas de redução de variabilidade (redução da taxa de falhas em produtos, redução em tempos de preparação, níveis de estoques de segurança, roteirização da movimentação interna, manutenção produtiva total e engenharia concorrente) com objetivos de manufatura (qualidade, custo, entrega e flexibilidade).

5.2 Filas na manufatura

Para abordar a fila que surge na manufatura, apresenta-se primeiramente um modo de verificar o cálculo do inventário médio.

A Tabela 4 reorganiza os dados de entradas e saídas de ordens em quinzenas. O intervalo quinzenal foi arbitrado. Outros intervalos possivelmente produzirão outros resultados. Ao fim de cada quinzena, foram totalizados os equipamentos que entraram e saíram da manufatura. A diferença entre os totais é o inventário instantâneo, no fim da quinzena. A média entre os inventários instantâneos do período de equilíbrio (datas 30 a 210) pode aproximar o inventário médio do período. O valor calculado, 28,92, é próximo ao calculado pela equação do funil, 25,72 equipamentos. Os valores instantâneos são usados para construir o diagrama de resultados da Figura 3 (throughput diagram – WIENDAHL, 1995), que dá especificidade ao diagrama de filas da Figura 1.


Na Figura 3, os traçados superior e inferior representam, respectivamente, os acúmulos de entrada e saída de pedidos, ao fim das quinzenas. O traçado de entrada vai de 0 a 210 dias (ordens entram). O traçado de saída vai de 30 a 240 dias (ordens saem). O intervalo de análise é [0 - 240]. O inventário instantâneo na manufatura é dado pela distância vertical entre os traçados (a distância horizontal é o tempo de atravessamento). A distância se mantém equilibrada, a não ser no período [90 - 120], quando as saídas atrasaram e aumentaram o inventário. Por mecanismos de controle interno da manufatura, as saídas foram aceleradas e as linhas se reaproximaram.

Outra forma de usar o diagrama de resultados é calcular por quanto tempo o inventário instantâneo sustentará a taxa média de saída da manufatura. Este tempo é a autonomia e é dimensionalmente igual ao tempo de atravessamento. Por exemplo, em t = 210 dias, o inventário é de 22 equipamentos (Tabela 3). Mantida a taxa média de saída de 0,84 equipamentos por dia, este inventário sustentará [22/0,84] = 26,19 dias de manufatura. Repetindo o cálculo para o período de equilíbrio [30 - 210], e obtendo a média, chega-se a uma autonomia média de 34,43 dias. Como este valor é maior do que o período de proteção (14 dias), reforça-se a conclusão de que há inventário excessivo.

Para um controle de fila de longo prazo, usam-se as linhas médias. Se o inventário está crescendo (linhas médias se afastando), ou a liberação de novas ordens é exagerada, ou a manufatura não tem capacidade suficiente, ou ambas. Se o inventário está reduzindo (linhas médias se aproximando), ou a liberação de ordens é insuficiente, ou a manufatura tem excesso de capacidade, ou ambas. Em qualquer caso, ações de controle estrutural são necessárias para reequilibrar a manufatura (SELLITTO, 2005).

No caso, parece haver equilíbrio, haja vista o paralelismo gráfico e os coeficientes angulares próximos nas retas equivalentes (1,01 e 1,02). Os R2 próximos a 1 reforçam a análise. Não há indícios de interrupção por falta de ordens, já que os traçados acumulados não se encontram no período. No entanto, parece ser possível reduzir o inventário, aproximando as retas equivalentes, o que é apoiado pela análise numérica, que apontou inventário médio Im maior do que o pulmão Bm de proteção, respectivamente, 25,72 e 11,76 equipamentos. A redução possível de inventário é de [25,72 – 11,76] = 13,96 equipamentos. Como a taxa de saída média é de 0,84 equipamentos por dia, adiantar [13,96/0,84] = 16,6 dias de produção promoverá esta redução. O adiantamento pode ocorrer por turnos extras de trabalho, postergação de férias, remessa de tarefas a terceiros ou interrupção de entradas.

As equações das retas oferecem outro método para o cálculo do inventário médio no período. Aplicando as equações à data média, t = 120 dias, chega-se a um inventário I(120) = [1,01 x 120 – 6,14] – [1,02 x 120 - 36,3] = 28,96 equipamentos (os valores anteriores são 25,72 e 28,92 equipamentos). Manipulando e aplicando as equações ao ponto médio de inventário, 100 equipamentos (diagrama vai de 0 a 200), chega-se a um tempo médio de separação de retas de 28,89 dias, próximo aos tempos de atravessamento simples e ponderados calculados (29,31 e 30,62 dias).

Outro aspecto a discutir são os intervalos entre chegadas, representados em histograma na Figura 4. Ordens liberadas no mesmo dia foram tratadas como uma única liberação.


Para entradas aleatórias, como no caso, uma distribuição aceitável é a exponencial. O Proconf rejeitou ajuste, mas apontou, para a distribuição exponencial de maior verossimilhança, parâmetro de localização t0 = 0,964 e µ = σ = 3,3693 dias. A rejeição pode ter ocorrido por ser a distribuição contínua e os dados discretos (não há fração de dia). Caso se aceite a distribuição, 95% dos intervalos entre chegadas ocorreriam em até 11,05 dias (calculado pelo Proconf) e o pulmão seria [11,05 x 0,84] = 9,3 equipamentos. O valor reduziu, porque antes protegeu-se o maior intervalo observado, e agora protege-se 95% dos intervalos de entrada.

A análise foi baseada nos intervalos simples de tempo, sem considerar a quantidade que entrou antes do intervalo. Por exemplo, uma entrada de dois equipamentos, seguida de cinco dias sem entradas, é diferente de uma entrada de oito equipamentos seguida pelos mesmos cinco dias. No segundo caso, o mesmo intervalo entre entradas produziu um inventário médio maior no período entre entradas. Portanto, para o cálculo de inventários, este intervalo deve ter uma ponderação maior do que o primeiro. A ponderação de intervalos é remetida à continuidade.

5.3 empo de espera em filas

Pela diversidade de produtos, não há um tempo-padrão unificado. A empresa considera um tempo-padrão médio ponderado de 25 horas de processamento. Portanto, para o tempo de atravessamento médio ponderado de 30,62 dias, e oito horas de trabalho por dia, tem-se um tempo percentual de fila TF% = 1 – [(25/8)dias/(30,62dias)] = 89,8%. Para verificar a correlação entre a quantidade da ordem e o tempo de atravessamento das ordens, obteve-se R2 = 0,0098 entre as coluna Qtde e TL da Tabela 1. O baixo valor indica que o tamanho da ordem pouco afeta o tempo de atravessamento, que é, por conseqüência, dominado pelo tempo de fila, reforçando o TF% calculado.

Wiendahl (1995) relata seis casos de fila em manufaturas fabricantes de componentes de máquinas em que os TF% variam de 85% a 96% do tempo de atravessamento. Sellitto (2005) apresenta um caso em fabricação de ferramentas em que, para um tempo-padrão médio de 3,5 dias, a manufatura ostenta um tempo de atravessamento médio de 45 dias (TF% = 92,2%). O valor percentual do caso ora estudado está próximo dos relatos.

Em um dos casos de Wiendahl (1995), o prazo unificado é de 60 dias, mas cerca de 70% das ordens eram entregues fora do prazo. Mesmo assim, a gestão acreditava que a entrega era satisfatória. No caso presente, cerca de 50% das ordens foram entregues fora do prazo, mas a gestão não entende o atraso como preocupante, pois, em média, o prazo unificado é cumprido. É possível que tal percepção seja devida a que a gestão trate o tempo de atravessamento pela média, não como grandeza aleatória.

No caso apresentado em Sellitto (2005), a manufatura carregava um inventário médio suficiente para cinqüenta dias de operação e o maior período sem entrada foi de dezoito dias. No caso presente, o inventário médio carregado é suficiente para trinta e quatro dias e o maior período sem entradas foi de quatorze dias.

Conclui-se que o caso ora estudado pouco difere dos casos referidos.

5.4 Implicações do uso do método em TBC

Finaliza-se a discussão examinando as implicações do uso do método proposto como apoio a uma estratégia de manufatura formulada para TBC. Os objetivos de discussão são: reduzir o tempo até a entrega e aumentar a confiabilidade das entregas.

Plossl (1985) apresenta um ciclo vicioso em manufatura que pode ocorrer quando se compete em TBC: (i) se as entregas têm baixa confiabilidade; e (ii) as ordens são antecipadas; então (iii) a liberação antecipada aumenta o inventário; e (iv) as filas ficam maiores; logo (v) os tempos de atravessamento ficam maiores e mais incertos; e por fim (vi) as entregas perdem confiabilidade. Vollmann et al. (2006) apresentam a mesma idéia de outra forma: quanto mais distantes no tempo forem a liberação da ordem e a data devida, maior o número de ordens na manufatura e maior o tempo de fila. Em suma, para reduzir atrasos, as ordens são liberadas mais cedo, tornando maior e mais aleatório o tempo de atravessamento, o que, fechando a circularidade, aumenta os atrasos.

O uso do método ora proposto pode interromper este ciclo. Se for monitorado o inventário e calculado o pulmão requerido no período de análise, uma de três situações ocorre: (i) se o pulmão for menor do que o inventário, então a manufatura está cheia e pode reduzir inventário; (ii) se o pulmão for maior do que o inventário, então a manufatura está ociosa e pode aumentar o inventário; ou (iii) se pulmão e inventário forem próximos, então a manufatura está ajustada e deve manter a situação. Algumas decisões de controle que podem ser tomadas são: antecipar ou reter liberações; ligar ou desligar máquinas; remeter mais ou recolher parte da produção confiada a terceiros; aumentar ou reduzir preços, para reduzir ou aumentar a carga da manufatura; modificar o tamanho dos lotes ou o composto de produtos da ordem, monitorando os tempos de preparação; modificar a disciplina da fila, antecipando ou postergando ordens menores, se o inventário estiver, respectivamente, alto ou baixo. A continuidade de tais decisões pode manter o inventário controlado ao redor de um valor aceitável, próximo ao pulmão. Por conseqüência, também o tempo de atravessamento resultará controlado.

Alcançado o equilíbrio entre inventário e pulmão, parte-se para reduzir o nível de inventário, pela redução das variabilidades nos intervalos de entrada de ordens e nos tempos de processamento. Decisões de redução de variabilidade podem ser: logísticas, de sincronismo interno entre abastecimentos, liberações, transferências e operações; de aumento de capabilidade, que reduz refugos e retrabalhos; e por estratégias de manutenção, que reduzem interrupções. O critério de julgamento sobre a decisão é a repercussão no tempo de atravessamento médio e na variabilidade: aumentando, a decisão é suspensa; reduzindo, é mantida. Baixando o pulmão requerido, volta a situação (i), na qual se reduz inventário. Reduzido este, volta a situação (iii), em ciclo virtuoso, cujo avanço pode ser mensurado pelo tempo de atravessamento médio e pela variabilidade, que devem seguir a redução do inventário. Tempo de atravessamento médio decrescente favorece o objetivo de reduzir o tempo até a entrega. Variabilidade decrescente favorece o objetivo de aumentar a confiabilidade das entregas.

A medição é contínua: à medida que novos dados de entrada e saída de ordens são gerados, dados anteriores são descartados. É como se os traçados da Figura 3 fossem se renovando, à medida que o tempo passa, em uma janela de, por exemplo, 200 dias. Por operar valores médios, parece haver pouca sensibilidade à baixa acuracidade de dados de campo. Eventuais erros de informação são menos importantes em dados agregados, pois interessam apenas os instantes do fim da última operação e do começo da primeira operação e a quantidade processada na ordem, menos sensíveis a erros de medição.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo do artigo foi apresentar um estudo de caso, no qual se testou um método para medir o tempo de atravessamento e o inventário em processo em uma manufatura controlada por ordens de fabricação. Pretende-se que o método seja útil como apoio a estratégias de manufatura, cujos negócios compitam com base em desempenho de tempo, a TBC. O teste deu continuidade a outros casos publicados, e pretendeu ser uma sondagem plausível de uma eventual teoria sobre medição de tempo de atravessamento e inventário em manufatura controlada por ordens de fabricação.

Uma contribuição do método, explorada anteriormente, é o uso das retas médias, substituindo os traçados aleatórios. A substituição permitiu determinar, pelo coeficiente angular das retas e por visualização, as tendências relativas (retas paralelas, abrindo ou fechando) e calcular, pelas equações das retas, o tempo de atravessamento e inventário médios no período. Outras contribuições foram os cálculos da autonomia e do pulmão: sempre que aquela for maior que este, pode haver tendência a acumular inventário.

Este caso trouxe as seguintes contribuições, em acréscimo às anteriores: (i) a autonomia era considerada um elemento primário do método de medição, mas deixou de ser, pois, sendo dimensionalmente igual ao tempo de atravessamento, contribuiu apenas como medição de apoio ao cálculo do pulmão; (ii) as medições primárias, aquelas medições cuja manipulação gerará as demais conjecturas, passam a ser o tempo de atravessamento, o inventário em processo, o intervalo de entrada e o desempenho ou taxa de saída da manufatura; (iii) chegou-se a expressões que contemplam a variabilidade do tempo de atravessamento no cálculo de prazos de entrega; e (iv) chegou-se a expressões que permitem abandonar a idéia de prazo de entrega unificado, oferecendo prazos de entrega específicos, segundo o conteúdo da ordem de fabricação.

Quanto à empresa, o caso foi relatado e as conclusões apresentadas, o que a ajudou a entender algumas das causas ligadas à variabilidade para o baixo desempenho em pontualidade de entregas. A empresa possui agora uma linha de trabalho para melhorar este desempenho e poderá usá-la, se assim o desejar.

Como continuidade, falta definir teoricamente, e testar em outros casos, um modo de ponderar os intervalos entre entradas. Ainda não há condições de propor o caso crucial, aquele que encerra a fase de campo e consolida o aprendizado.

Artigo recebido em 02/05/2007

Aprovado para publicação em 06/05/2008

SOBRE OS AUTORES

Miguel Afonso Sellitto

Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção e Sistemas – PPGEPS

Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS

End.: Av. Unisinos 950 – São Leopoldo – RS – 93022-000

Tel.: (51) 3590-1122

E-mail: sellitto@unisinos.br

Miriam Borchardt

Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção e Sistemas – PPGEPS

Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS

End.: Av. Unisinos 950 – São Leopoldo – RS – 93022-000

Tel.: (51) 3590-1122

E-mail: miriamb@unisinos.br

Giancarlo Medeiros Pereira

Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção e Sistemas – PPGEPS

Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS

End.: Av. Unisinos 950 – São Leopoldo – RS – 93022-000

Tel.: (51) 3590-1122

E-mail: gian@unisinos.br

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Dez 2008
  • Data do Fascículo
    Dez 2008

Histórico

  • Aceito
    06 Maio 2008
  • Recebido
    02 Maio 2007
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