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Carolina Martuscelli Bori e a UnB

CAROLINA MARTUSCELLI BORI E A UNB 1 1 Versão modificada de depoimento feito no Simpósio "Carolina Bori: a psicologia brasileira como missão", realizado durante a XXIV Reunião Anual de Psicologia - SBP, Ribeirão Preto, SP, 1994.

Mariza Monteiro Borges

Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília

"Alunos desabafam ...

... Os alunos de Psicologia da USP que no momento passam para o 3o ano, estão seriamente preocupados com a possível evasão de alguns professores para a Universidade de Brasília. Quando o nosso Curso está se estruturando, quando a experiência de poucos anos de existência começa a delinear especialistas em diversas disciplinas, esta perspectiva realmente assusta. Este desabafo vem principalmente em vista de um boato que ocorre sobre o afastamento da professora Carolina Martuscelli para Brasília. O Curso de Psicologia da Personalidade ficará assim prejudicado, pois além dos méritos específicos da ilustre professora, conta ela com um tirocínio e experiência no exercício desta função. Não é lamentável que possam acontecer coisas assim? Trata-se de um apelo e um lamento que achamos útil comunicar à ilustre redação desta revista." (Regina S. Chnaiderman, Curso de Psicologia da FFCL - USP, carta publicada no Jornal Brasileiro de Psicologia, v.1, n.1, p.116-117, janeiro. 1964).

Em 1994, na XXIV Reunião Anual de Psicologia em Ribeirão Preto, estando presente na sessão de homenagem à Dra. Carolina Martuscelli Bori, solicitei a palavra e fiz um depoimento singelo, o que foi possível no momento, já que não me preparara para fazer aquela homenagem. A fiz de improviso e, usando a prerrogativa que o cargo de diretora me facultava, falei em nome do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília.

Anos depois, remexendo alguns antigos periódicos, deparo-me com a carta acima transcrita. Lamentei não tê-la conhecido antes, ela teria sido o ponto de partida ideal para aquela homenagem à Dra. Carolina. A indagação feita tem, hoje, resposta concreta, construída ao longo de trinta e poucos anos a partir da ida daqueles professores para a Universidade de Brasília.

Numa daquelas felizes coincidências, Deisy das Graças de Souza me telefona para pedir se eu poderia resgatar aquela fala e transcrevê-la. Os rabiscos que fiz para me orientar em 1994 ainda estavam guardados. Ótima oportunidade, finalmente seria possível unir a minha fala àquela carta e tentar, mesmo que tardiamente, dar uma resposta, a da UnB, à aflita e pertinente pergunta daqueles alunos de 1964.

A criação da Universidade de Brasília, no início dos anos sessenta, teve um papel muito relevante na história da universidade brasileira. O projeto da UnB, liderado pelo Prof. Darcy Ribeiro, congregou intelectuais das mais diversas áreas do conhecimento que tomaram para si a difícil tarefa de pensar uma universidade, que nasceria como universidade, que ousaria ser singular e inovadora. Que seria um modelo de universidade para o Brasil. Assim nasceu a UnB, organizada por áreas do conhecimento, sem cátedras. Uma instituição universitária que não se justificava pelo agrupamento de diferentes cursos. Uma instituição com disposição de ousar, de tentar novas formas de ensinar e de aprender, que se construiria a partir da construção do conhecimento.

Era uma nova tentativa dos intelectuais brasileiros de desenvolver um projeto de universidade. Anteriormente haviam tentado fazer a Universidade do Distrito Federal, um projeto liderado por Anísio Teixeira, que também participou do projeto da UnB, que o Estado Novo não permitiu que avançasse.

Carolina Martuscelli Bori foi para Brasília, em 1964, para criar, junto com o Prof. Fred S. Keller, o Laboratório de Brasília, hoje Instituto de Psicologia. Do grupo inicial participaram também Rodolfo Azzi, Mário Guidi, Rachel Rodrigues Kerbauy, Luiz de Oliveira, Luiz Otávio Seixas de Queiroz, João Cláudio Todorov, e, posteriormente, Gil Sherman; alguns professores e a maioria alunos (os primeiros alunos alunos de pós-graduação do Laboratório), todos foram juntos para Brasília. Espero ter lembrado todos os nomes. Peço desculpas se esqueci alguém, infelizmente conheço esta história só por descrição, o que torna a tarefa de lembrar nomes um pouco mais difícil.

Embora o projeto fosse criar um laboratório, formalmente foi criado o Instituto Central de Psicologia, que surgia como um centro de pesquisa e ensino. Ao mesmo tempo que era iniciado o curso de pós-graduação, mestrado em Psicologia, aquela unidade introduzia o ensino de Psicologia no ciclo básico para todos os alunos de graduação da UnB. Alunos de pós-graduação eram também instrutores no ensino de graduação. Professores e alunos tratavam de preparar os cursos, de traduzir textos e livros. As experiências de ensino individualizado foram implantadas em Brasília não só nas disciplinas de conteúdo psicológico. A experiência de ensino de Física com o Método Keller produziu as primeiras dissertações do mestrado em Física da UnB.

Somos muitos os professores da UnB de hoje que tivemos a oportunidade de experimentar estudar algumas disciplinas com aquela metodologia, a experiência foi reforçadora e deixou saudades.

Dra. Carolina, a senhora conhece muito bem a UnB, como membro que é do Conselho Diretor da Fundação Universidade de Brasília. Se hoje a UnB não é exatamente como foi idealizada, ela também não se transformou em mais uma universidade, como qualquer outra no país. Ela soube reagir à brutalidade do regime militar que tentou destruí-la de todas as formas, tanto pela ocupação armada de seu campus, como pela expulsão de professores e a nomeação de um militar para dirigi-la. A resistência e o trabalho cotidiano da UnB, em fazer-se e refazer-se, são em grande parte sustentados pelas sementes da utopia que vocês, fundadores, lá semearam.

Falando especialmente do Instituto de Psicologia, eu gostaria de dizer que floresceu e tem hoje um papel relevante no cenário da Psicologia no Brasil, tanto na produção do conhecimento como na formação de profissionais em nível de graduação e pós-graduação (mestrado e doutorado).

Gostaria ainda de dizer que me sinto honrada pela coincidência dos fatos que fizeram com que eu, neste momento diretora do Instituto de Psicologia da UnB, estivesse presente aqui e que pudesse fazer este improvisado depoimento que registra, de forma simples e despretensiosa, a intersecção entre a trajetória da Profa. Carolina e a história da Universidade de Brasília.

Finalmente, me permito a liberdade de discordar da Profa. Rachel Kerbauy2 2 Referência a comentário feito pela professora citada, durante os debates ocorridos como parte do simpósio. que afirmou que este é um momento crítico da Psicologia no Brasil. Eu diria que este é um momento crítico da educação e da universidade no Brasil. Um momento em que precisamos unir esforços e defender a universidade pública brasileira. Que a força do ideal de todos aqueles que acreditaram na UnB e na universidade brasileira nos inspire e nos fortaleça para que possamos continuar construindo o nosso sonho. O sonho da universidade livre e autônoma.

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    Versão modificada de depoimento feito no Simpósio "Carolina Bori: a psicologia brasileira como missão", realizado durante a XXIV Reunião Anual de Psicologia - SBP, Ribeirão Preto, SP, 1994.
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    Referência a comentário feito pela professora citada, durante os debates ocorridos como parte do simpósio.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Nov 1998
    • Data do Fascículo
      1998
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