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Há Vinte Anos

HÁ VINTE ANOS

Jesuína Lopes de Almeida Pacca

Instituto de Física - USP

Hoje fazem exatamente vinte anos que defendi meu mestrado em Ensino de Ciências (modalidade de Física). Na banca examinadora a presença da Profa. Carolina Bori oferecia o respaldo científico que o Instituto de Física exigia para permitir que o exame se realizasse dando o título de Mestre a um dos seus docentes rebeldes. Nenhum professor do Instituto de Física (além do orientador, por motivos óbvios) foi deliberadamente incluído na banca, apesar de convidados pelos professores que então participavam do que se tinha na época como pesquisa em Ensino de Física e também das sugestões encaminhadas à Comissão de Pós-Graduação que dava conta da área recém criada.

Depois de um impasse que durou seis meses entre o depósito formal da dissertação com pedido de constituição da banca, o Instituto de Física chegou à solução que lhe pareceu aceitável: se a Profa. Carolina aceitasse participar da banca o exame seria autorizado. E assim foi. Três outras dissertações estavam sendo também apresentadas como as primeiras nessa área que reunia o Instituto de Física e a Faculdade de Educação num programa conjunto de pós-graduação.

Foi o começo. Difícil e decepcionante, mas pouco depois eu estava de novo envolvida com os problemas do Ensino de Física. É claro que problemas de ensino há muitos; às vezes até parece que o Ensino de Física é só problemas. A questão é saber e procurar resolvê-los. Essa tentativa foi feita, nos últimos quarenta anos, de diferentes maneiras. Começando por projetos grandes e pequenos que elaboravam textos e materiais didáticos, passando por treinamento de professores e cursos de extensão, até chegar hoje a procedimentos que, quase sem a intermediação de materiais elaborados por especialistas, aproximam os pesquisadores dos professores e das salas de aula.

De que modo essa pós-graduação inter-unidades, instituída em 1973, poderia participar do esforço de resolver esses problemas e de, efetivamente, produzir alterações no conhecimento dos estudantes de 2º. e 3º. graus? Como desenvolver uma pesquisa capaz de enfrentar essa natureza de problemas e produzir soluções adequadas? Isso certamente não estava claro, nem para os que não admitiam que tal área de pesquisa se infiltrasse numa instituição em que se realizava a pesquisa em física" pura", nem para os que se dispunham a trabalhar seriamente com esse tipo de questões. Para os primeiros, isso parecia não ser consciente - a objeção, entretanto, ao estabelecimento dessa área de pesquisa devia-se ao fato de tratá-la como alheia à Física e específica da Pedagogia e Psicologia; para os últimos, talvez fosse, mas a crença de que esse era um problema relevante e também da competência dos físicos fez com que se dispusessem a trilhar um caminho desconhecido com envolvimento genuíno e vontade de aprender - e de pesquisar.

Logo no início do programa de pós-graduação instituído foram definidas disciplinas obrigatórias oferecidas pelas duas instituições que" abrigavam" o programa (na verdade, a que parecia de fato "abrigar" era o Instituto de Física porque toda a burocracia se realizava aí; ao mesmo tempo era também a instituição que oferecia as barreiras para a conclusão da pós-graduação). Essas disciplinas permitiam cumprir a exigência do mínimo de créditos do programa. O Instituto de Psicologia, através do grupo liderado pela Profa. Carolina, oferecia disciplinas cujo conteúdo se referia com muita propriedade aos procedimentos de pesquisa, que permitiam reconhecer dados relevantes e adequados bem como maneiras de analisá-los com propósitos coerentes do ensinar Física. Nesses cursos, o contato dos estudantes com os professores, especialmente com a Profa. Carolina, era bastante estreito e as avaliações exigiam um grande esforço dos estudantes. Através de entrevistas e seminários, discutíamos questões objetivas e concretas de Ensino de Física, orientados pela intervenção sumária e medida da Profa. Carolina: "Professora, qual é o problema que a senhora quer resolver com isto?", "Professora, será que o aluno entendeu isso?"

Era preciso dar importância à expressão do aprendiz e ter claro o objetivo perseguido. Daí para imergir numa metodologia de pesquisa que cuidava de interpretar o conteúdo expresso através de dados de natureza qualitativa foi um pulinho; e hoje eu penso que esta foi a chave que abriu as portas para a pesquisa que desenvolvemos até hoje. Acho mesmo que a descoberta de uma metodologia que se adequava aos problemas que tínhamos a resolver no ensino de Física foi o que nos deu a clareza sobre a pesquisa em ensino, suas semelhanças e - muito importante - suas diferenças com a Física.

Mais do que isso, ao nos dispormos a olhar para o conteúdo latente dos discursos dos aprendizes, nos defrontávamos com a necessidade de reformular o problema que anteriormente parecia estar colocado. Na verdade todo o processo da pesquisa levava como resultado mais importante à definição clara e objetiva do problema, que surgia ao mesmo tempo que sua solução era encontrada. Acho que foi isto que aprendi com a Profa. Carolina. Se não aprendi mais foi certamente limitação minha.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Nov 1998
  • Data do Fascículo
    1998
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