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O psicólogo em hospitais no Rio Grande do Norte

Psychologists in Rio Grande do Norte Hospitals

Psychologues Dans les Hôpitaux du Rio Grande do Norte

Resumos

O presente estudo apresenta uma caracterização da situação dos psicólogos que atuam nos hospitais do Rio Grande do Norte. Foram entrevistados 59% do universo dos psicólogos vinculados às instituições hospitalares não-psiquiátricas do estado. São destacadas as condições da formação acadêmica e da prática do psicólogo, e discutidas questões referentes à realidade desse psicólogo como um profissional da saúde e implicações para a sua formação.

Psicólogos; Formação profissional; Hospitais; Psicologia da saúde; Saúde pública


The purpose of this paper was to study the situation of psychology in hospital settings of Rio Grande do Norte State (Northeast of Brazil). A range of 59% of the psychologists working in general hospitals was interviewed. The results describe the undergraduate training and the professional practice of these psychologists. It also discusses the current professional realities considering psychology as a health-care profession and the training requirements for competency.

Psychologist; Vocational education; Hospitals; Health psychology; Public health


Cette étude présente une caractérisation de la situation des psychologues qui opèrent dans les hôpitaux du Rio Grande do Norte. On a interrogé 59 % de l'ensemble des psychologues rattachés aux institutions hospitalières non psychiatriques de l'État. Les conditions de formation académique et de pratique des psychologues sont mises en valeur ainsi que les questions qui se réfèrent à la vision du psychologue comme un professionnel de santé et les implications qui en découlent pour sa formation.

Psychologues; Formation professionnelle; Hôpitaux; Psychologie de la santé; Santé publique


O PSICÓLOGO EM HOSPITAIS NO RIO GRANDE DO NORTE

Oswaldo H. Yamamoto1 1 Endereço para correspondência: Oswaldo H. Yamamoto, Depto. de Psicologia, UFRN, Caixa Postal 1622, CEP: 59078-970, Natal, RN. Endereço eletrônico: ohy@uol.com.br

Luciana C. B. de Oliveira Trindade

Isabel Fernandes de Oliveira

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

O presente estudo apresenta uma caracterização da situação dos psicólogos que atuam nos hospitais do Rio Grande do Norte. Foram entrevistados 59% do universo dos psicólogos vinculados às instituições hospitalares não-psiquiátricas do estado. São destacadas as condições da formação acadêmica e da prática do psicólogo, e discutidas questões referentes à realidade desse psicólogo como um profissional da saúde e implicações para a sua formação.

Descritores: Psicólogos. Formação profissional. Hospitais. Psicologia da saúde. Saúde pública.

Os estudos explorando a temática da prática profissional do psicólogo no Brasil têm apontado, dentre diversos aspectos, para dois que merecem destaque: por um lado, a supremacia, entre os psicólogos, daquelas atividades usualmente classificadas como pertencendo ao âmbito da clínica; por outro, a emergência de movimentos buscando novas formas de inserção profissional (Conselho Federal de Psicologia [CFP], 1988, 1992, 1994).2 1 Endereço para correspondência: Oswaldo H. Yamamoto, Depto. de Psicologia, UFRN, Caixa Postal 1622, CEP: 59078-970, Natal, RN. Endereço eletrônico: ohy@uol.com.br

Aparentemente, são dois fenômenos com uma conexão antinômica. As práticas clínicas tradicionais, desenvolvidas em consultórios privados para uma clientela abastada, têm sido um dos alvos preferidos de críticas ao status quo da Psicologia no Brasil (Botomé, 1979; Campos, 1983; Mello, 1975; Spink, 1992; Yamamoto, 1987). Como contraponto, a construção de novos espaços e a emergência de práticas inovadoras têm sido recebidas como fatos alvissareiros, pelo vislumbre de caminhos alternativos a serem trilhados por uma Psicologia menos elitista e mais significativa do ponto de vista social (CFP, 1992, 1994).

Sem pretender, por óbvio, negar a polarização que, no limite, nos conduz a horizontes bastante diversos para a Psicologia, é importante destacar que não estamos diante de dois campos mutuamente exclusivos. De fato, alguns estudos apontam para a possibilidade de movimentos inovadores no interior de áreas consolidadas, como é o caso da clínica (CFP, 1994; Guedes, 1992; Spink, 1992).

A questão subjacente a essa discussão é a dificuldade em precisar os limites do âmbito clínico. Os estudos, desde aqueles que registram as primeiras discussões sobre a profissão (Azzi, 1964-1965; Mello, 1975) até as análises mais recentes (LoBianco, Bastos, Nunes, & Silva, 1994), têm constatado a fluidez dos limites do fazer clínico. Guedes (1992) chega a propor, em sua revisão da produção acadêmica da área, que o propósito unificador para os psicólogos clínicos, independendo de abordagens, locais ou clientela, seria "o bem estar das pessoas" (p. 12).

Não precisamos ir tão longe. Na busca de uma conceituação mais discriminativa, encontramos em LoBianco et al. (1994), uma proposição de definição do psicólogo clínico como sendo aquele que

atua na área específica da saúde, colaborando para a compreensão dos processos intra e interpessoais, utilizando enfoque preventivo ou curativo, isoladamente ou em equipe multiprofissional em instituições formais e informais. Realiza pesquisa, diagnóstico, acompanhamento psicológico, e atenção psicoterápica individual ou em grupo, através de diferentes abordagens teóricas. (p. 8)

Observe-se que, pela concepção acima, o campo de atuação do psicólogo clínico, definido como um profissional situado no âmbito da saúde, é sensivelmente ampliado com relação àquele que tipificava a prática na área.

Tal definição abrangente de Psicologia Clínica assemelha-se em muitos pontos à de Psicologia da Saúde que nos oferece Sarafino (1994), resumindo uma proposição da American Psychological Association: um conjunto de contribuições educacionais, científicas e profissionais advindas da Psicologia para (a) a promoção e a manutenção da saúde; (b) a prevenção e o tratamento de doenças; (c) detecção de doenças e (d) melhoria dos sistemas de cuidado com a saúde.

A aproximação – ou a dificuldade de precisar fronteiras – é tanta que o Colégio Oficial de Psicólogos (COP) da Espanha prefere denominar a área de Psicologia Clínica e da Saúde (COP, 1998), definindo o profissional da área como um

psicólogo que aplica o conhecimento e as habilidades, as técnicas e os instrumentos proporcionados pela Psicologia e ciências afins a anomalias, aos transtornos e a qualquer outro comportamento humano relevante para a saúde e para a enfermidade, com a finalidade de avaliar, diagnosticar, explicar, tratar, modificar ou preveni-los nos diversos contextos em que os mesmo possam se manifestar. (p. 34)

A questão da existência de uma única área abrangente ou de duas áreas distintas – Psicologia Clínica ou Psicologia da Saúde – é tema de debate internacional (Belloch, 1997), cujo tratamento foge ao escopo da presente análise. Seria, evidentemente, um truísmo enfatizar aqui que a relação clínica-saúde está longe de constituir-se apenas em uma confusão de ordem semântica: não somente estão em jogo diferentes marcos teóricos ou concepções de base acerca do fazer psicológico e sua inserção social3 1 Endereço para correspondência: Oswaldo H. Yamamoto, Depto. de Psicologia, UFRN, Caixa Postal 1622, CEP: 59078-970, Natal, RN. Endereço eletrônico: ohy@uol.com.br , quanto questões vinculadas às relações entre a estrutura de classes e as práticas no campo da saúde.4 1 Endereço para correspondência: Oswaldo H. Yamamoto, Depto. de Psicologia, UFRN, Caixa Postal 1622, CEP: 59078-970, Natal, RN. Endereço eletrônico: ohy@uol.com.br

Entretanto, tomando por suposto que a saúde faz parte do conjunto de direitos sociais e assumindo a reivindicação dos psicólogos de que os profissionais do campo "clínico" constituem-se em profissionais da saúde, não nos parece desarrazoado presumir que todas as ações especificadas no conceito expresso por LoBianco et al. (1994), sem embargo das diferenças e/ou antagonismos teórico-ideológicos, fazem parte de uma Psicologia da Saúde amplamente definida.

Partindo de tal definição abrangente, é possível compreender o índice de 54% de psicólogos atuando na área da Saúde no levantamento realizado pelo CRP-6 (SP, MT e MS), ou de 67,6% naquele conduzido no Rio Grande do Norte (Yamamoto, Siqueira, & Oliveira, 1997). Se nossa atenção incidir sobre o local de atuação desses profissionais da saúde, observaremos que aproximadamente 40% do total de psicólogos em ambos os estudos exercem suas atividades em consultórios particulares, demonstrando o peso das modalidades tradicionais de ação com relação às novas formas de inserção.

Contudo, não pode passar despercebido que, no primeiro dos dois estudos, mais de 12% dos psicólogos exercem atividades em hospitais, unidades básicas de saúde, ambulatórios ou outros equipamentos de saúde e pronto-socorros. E que em levantamento recente realizado no Rio Grande do Norte, dos 67% de profissionais que trabalham na área da saúde, 23% deles o fazem em hospitais ou secretarias da saúde. Se não configuram uma improvável hegemonia, não deixa de ser um expressivo indicador de diversificação dos locais e das atividades consagradas.

Nosso foco de atenção, neste estudo, incide especificamente sobre aquele profissional que exerce atividades em hospitais não-psiquiátricos. Se a inserção dos psicólogos nos hospitais psiquiátricos sob a égide do modelo médico vem de longa data, nos demais nosocômios a sua presença, no Brasil ou no exterior, conquanto não seja propriamente uma novidade, é um fato mais recente (Belloch & Olabarría, 1994; Campos, 1988; Cummings, 1992; Dorken, 1993; Enright, Resnick, DeLeon, Sciara, & Tanney, 1990; Enright, Resnick, Ludwigsen, & DeLeon, 1993; Lamosa, 1987; Ludwigsen & Albright, 1994; Mozdzierz, Snodgrass, & DeLeon, 1992).

Nos mapeamentos gerais traçados no Rio Grande do Norte, é possível observar um interesse pelo trabalho no âmbito hospitalar, traduzido tanto nas opções de estágio obrigatório (4,5%) quanto no que tange ao exercício profissional (7,5% dos psicólogos atuando em hospitais) (Yamamoto et al., 1997).

Se o interesse pela atividade exercida nos hospitais pode constituir-se em uma novidade auspiciosa no que diz respeito à inserção diferenciada dos psicólogos norte-rio-grandenses, um olhar mais detido nos revela um quadro mais preocupante. Em um estudo preliminar sobre a inserção dos psicólogos em hospitais não-psiquiátricos (Yamamoto & Cunha, 1998) observamos, dentre os resultados principais, uma formação acadêmica e profissional débil, condições adversas de trabalho e práticas que muitas vezes não se distinguem do fazer clínico tradicional. Este último ponto, aliás, é amplamente corroborado por outro levantamento geral com os psicólogos do estado, que aponta a psicoterapia e a avaliação psicológica, em suas diversas modalidades, como sendo as atividades mais freqüentemente executadas pelos psicólogos que atuam em hospitais potiguares (Yamamoto, Silva, Medeiros, & Câmara, 1999).

Partindo desse quadro, definimos os objetivos do presente estudo: primariamente, caracterizar a prática profissional dos psicólogos nos hospitais do Rio Grande do Norte quanto à formação acadêmica básica e complementar, à trajetória profissional, às condições do exercício profissional e às atividades desenvolvidas; secundariamente, discutir o estatuto do profissional de Psicologia nos hospitais não-psiquiátricos enquanto um profissional da área da saúde, questão inescapável posta pelas definições com as quais iniciamos este tópico.

Método

Dos 96 hospitais não-psiquiátricos do Estado do Rio Grande do Norte, 18 (19%) contavam, quando da realização deste estudo, com a presença de psicólogos em seus quadros funcionais, perfazendo um total de 42 profissionais.

Participaram deste estudo, 25 psicólogos (20 do sexo feminino; 5 do masculino) vinculados a 14 instituições hospitalares do Estado, perfazendo uma amostra de 59 % do universo. Dessas instituições, são 11 públicas (civis ou militares) (79%) e 3 de direito privado, filantrópicos (21%).

Uma vez que a lógica que presidiu a composição do quadro de participantes do estudo foi censitária, a amostra resultante consistiu no total dos profissionais que puderam atender a solicitação da equipe de entrevistadores.

Os dados foram obtidos através da administração de entrevistas individuais, utilizando-se um roteiro previamente definido, dividido em cinco partes (dados pessoais, formação acadêmica, trajetória profissional, caracterização das atividades atuais e avaliação do trabalho).

O procedimento definido constava de um contato prévio para efetuar o convite, prestar informações acerca do projeto e demais acertos operacionais. As entrevistas foram conduzidas por bolsistas de Iniciação Científica do Curso de Psicologia da UFRN, sendo registradas em gravador de áudio sempre que permitido pelo entrevistado.

As entrevistas foram integralmente transcritas para análise posterior. Para a apresentação dos excertos dos depoimentos na seção de resultados, os entrevistados foram identificados com a letra "E" seguidos de um índice identificador (E1 a E25).

Resultados

Formação Acadêmica

A Tabela 1 apresenta três conjuntos de dados referentes à formação acadêmica no nível de graduação.

O primeiro conjunto diz respeito à agência formadora dos profissionais entrevistados: a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), sendo a única no Estado com curso de formação em Psicologia no período de realização deste estudo, hegemoniza amplamente a amostra (76%). Os demais distribuem-se em outras quatro universidades de quatro diferentes unidades da federação.

Uma vez que apenas cinco instituições de ensino superior são responsáveis pela totalidade dos psicólogos da amostra, essa alta concentração da formação possivelmente implica um peso considerável daquelas na conformação do campo no Estado.

Essa suposição ganha força se observarmos o segundo conjunto de dados. Considerando-se que, ao menos na UFRN, agência responsável por três quartos dos profissionais formados, a sistemática adotada para os estágios curriculares é a escolha forçada de uma área, não deixa de ser notável que 88% dos psicólogos da amostra tenham estagiado na área "clínica" ou "hospitalar". A destacar aqui, também, dois fatos: (1) o estágio na área clínica ainda prevalece sobre aquela mais diretamente ligada às atividades do psicólogo no âmbito hospitalar; (2) a inexistência da opção (na época) de estagiar na área da saúde.

Indagados sobre a qualidade dos seus cursos de graduação, cerca de 70% dos entrevistados afirmam ser insuficientes. E4, por exemplo, afirma que "a graduação foi insuficiente, não tem condições de formar para a prática. É necessário uma formação generalista e um pensar crítico". Já E20 relata que "a minha formação, como a de qualquer outro psicólogo daqui, é falha. Eu sei que não dá para a gente ser generalista, mas eu sinto dificuldade".

Mesmo aqueles que têm uma avaliação positiva da sua formação, apontam deficiências específicas no tocante ao trabalho em hospitais: "Eu acho que, de uma forma geral, (...) a formação foi boa; me deu subsídios para começar a trabalhar como psicóloga, sem grandes dificuldades. Depois, quando eu vim trabalhar aqui no hospital, vi que faltou muita coisa, pois de hospital, não vi nada" (E17).

Tais relatos refletem um panorama geral de discussão que se relaciona não somente com a precariedade da formação, mas recai nas antigas, mas nem por isso pouco importantes, discussões acerca do caráter maciçamente "teórico" da graduação e das ênfases curriculares que refletiriam formações generalistas versus especializadas.

De qualquer forma, os relatos indicam uma insegurança dos profissionais, quanto à suficiência e quanto à qualidade do conhecimento adquirido na formação básica. Decorre daí uma procura por uma formação continuada, através das outras modalidades de formação, sobretudo, cursos de pós-graduação lato sensu, por 80% dos profissionais entrevistados.

A deficiência na formação parece estar relacionada tanto ao viés clínico dos cursos de Psicologia (conforme E14, "a própria universidade já direciona o curso para a clínica"), como também a opção clara dos profissionais para a formação nessa área, traduzida, como vimos, pela opção da área de estágio curricular obrigatória. Sem embargo dessa preferência e, de forma análoga às avaliações antes mencionadas, aparece nas entrevistas a crítica a tal direcionamento curricular. E8 afirma: "A formação acadêmica é elitista; prioriza a clínica particular. Me senti incapaz para atuar".

Situação e trajetória profissionais

Um dado importante considerando-se, por um lado, a aludida debilidade na formação acadêmica em geral que se articula com o viés clínico dos cursos e, por outro, a recentidade da inserção do profissional brasileiro nesse campo, com as dificuldades daí decorrentes, é a trajetória dos profissionais desde o término da graduação até a inserção no âmbito hospitalar.

Em que pese às ponderações acima e, diferentemente do que se poderia imaginar, a Tabela 2 mostra que quase a metade dos psicólogos iniciou sua vida profissional trabalhando em hospitais. Se considerarmos a definição ampla de saúde, o índice daqueles que se vincularam ao campo já no início de suas carreiras profissionais sobe para mais de 70%.

Trata-se de um ponto importante, uma vez que esse dado pode ser indicador de tendências: de abertura de oportunidades profissionais para o psicólogo recém-formado nos hospitais, de um direcionamento dos psicólogos da área, desde o início de suas atividades profissionais para o campo da saúde e, finalmente, de um eventual decréscimo da influência do viés clínico na prática hospitalar. São pontos a serem verificados posteriormente.

Uma vez que dentre nossos propósitos figura uma caracterização tão precisa quanto possível da prática desses psicólogos e do campo, um dado que complementa aqueles acerca da trajetória seguida, diz respeito às razões pelas quais esses psicólogos tomaram tais decisões profissionais.

A Tabela 3 apresenta o rol de motivos alegados pelos psicólogos, seguindo-se a classificação sugerida por Carvalho, Ulian, Bastos, Sodré, e Cavalcante (1988):

Um dado expressivo desse conjunto é que quase a metade dos profissionais abraça a atividade atual por circunstâncias fortuitas, tais como abertura de concursos públicos, convites e, em alguns casos, de reenquadramento funcional. Não estamos concluindo que tais profissionais não tenham identificação com a área, mas não nos parece desarrazoado supor que, dadas circunstâncias outras, as suas escolhas fossem diversas da atual.

Tal suposição é confirmada por alguns dos depoimentos, nos quais a insatisfação com a presente ocupação é patente. À alegação de constituir-se em um campo novo, desconhecido por muitos e agravado pela já aludida deficiência teórico-técnica da sua formação básica, não raro são premidos a assumir um trabalho em condições precárias. Veja-se, a título de ilustração, o que diz E17:

Não tinha nenhuma motivação para trabalhar em hospital, não. Nunca pensei em trabalhar em hospital.(...). Trabalhava no interior e pedi transferência. Depois de muita batalha, consegui. Quando cheguei aqui, me colocaram quatro opções de trabalho, cada uma mais complicada que a outra. (...) Foi difícil no começo.

Inverso é o quadro pintado por aqueles que fizeram opção precoce pela área. Neste grupo, é importante destacar um contingente não desprezível (44%) de profissionais que optaram pela área pelas suas características intrínsecas. É ilustrativa a entrevista E16: "O hospital sempre me chamou atenção. Psicólogo hospitalar sempre me fascinou. Trabalhar em instituição é uma coisa muito fascinante e possibilita trabalhar várias coisas, com o paciente, com a equipe, com a família e consigo mesmo". Ou então E7: "Pensava em fazer Medicina, mas depois vi que não era o estilo de vida que eu queria. Escolhi fazer Psicologia por questões pessoais, a profissão, achei que combinava comigo e quando casou de juntar com o hospital, deu certo".

Os profissionais se vêem também identificados com o campo da saúde pela eventual possibilidade de uma atuação com significado social mais amplo que o da clínica tradicional. E6 afirma: "Foi um desejo muito grande de ajudar as pessoas que não tinham condições financeiras de ter um suporte psicológico. A maneira que encontrei de concretizar isso foi no hospital".

Esses profissionais demonstraram ter um conhecimento prévio da atuação no campo através de estágios, cursos específicos ou até mesmo disciplinas cursadas durante a graduação. E25 declara: "Fiz (...) dois anos e meio de estágio extra-curricular na área de hospitalar em pediatria. Aqui na UFRN, pude ver clínica geral, CTI, maternidade. O estágio me despertou para eu vir para essa maternidade trabalhar".

A situação profissional atual é apresentada nos cinco conjuntos de dados da Tabela 4.

Observa-se que aproximadamente 70% dos psicólogos ocupam cargo e/ou função de "psicólogo", importante indicador da inserção formal desse profissional na instituição hospitalar. Quanto aos 30% restantes, excluindo-se a modalidade de estagiário voluntário, que não caracteriza vinculação formal, constituem-se em exemplos evidentes de desvios de função: agentes administrativos ou técnicos em enfermagem. Restaria replicar o estudo no futuro, com o objetivo de verificar se tais desvios estarão ou não, tendencial-mente em declínio.

Se examinarmos outro corte, o dos serviços aos quais o psicólogo se vincula, teremos um vislumbre das formas de inserção desse profissional. Os dados nos indicam que menos da metade dos entrevistados exerce atividades nos setores de Psicologia. Os 60% que não pertencem aos serviços de Psicologia das instituições dispersam-se em setores bastante diversos, desde aquelas de natureza mais administrativa (administração propriamente dita, recursos humanos e direções diversas) até as mais técnicas (ambulatórios de dependência química, assistência integrada).

O terceiro conjunto de dados confirma uma característica dedutível dos outros, qual seja, a absorção dos profissionais pelos hospitais potiguares tem uma tendência ascendente: 44% dos psicólogos vinculou-se ao serviço atual nos últimos três anos. Trata-se, novamente, de uma ilação que necessita ser confirmada por estudos posteriores.

Ainda com relação à situação funcional dos psicólogos, em que pese à diversidade de trabalhos desenvolvidos pelos profissionais, exigindo muitas vezes dedicação integral (36%), a atração exercida pelo trabalho clínico tradicional permanece bastante viva, traduzida pela busca de realização pessoal, profissional e/ou financeira através do exercício paralelo em consultório (44%).

O cotidiano desses profissionais que acumulam diversas atividades não é certamente tranqüilo, conforme ilustra o depoimento da entrevista E20: "Trabalho três dias na semana no posto de saúde e dois no hospital, em um só turno. (...) No outro turno trabalho em meu consultório".

Atividades relativas a outras áreas da Psicologia também são referidas pelos profissionais, mas como forma de complementar seus orçamentos. Como afirma E10, "às vezes eu tenho que fazer trabalhos fora do hospital, mas é por necessidade, não por vontade".

Todavia, além da questão pecuniária, as ocupações paralelas são justificadas por razões de ordem teórico-técnica: "Eu trabalho em consultório também por causa da segurança em atuar e outra coisa é a questão da escuta, que é fundamental (...) Seja onde for, eu percebo que a escuta do consultório facilita também a escuta institucional" (E16).

As duas tabelas que se seguem apresentam os dados referentes às atividades que desenvolvem atualmente nos hospitais. A Tabela 5 apresenta dois conjuntos de dados gerais, referentes aos alvos da atenção do psicólogo e os locais específicos de atuação.

Com relação aos alvos da atenção do psicólogo, com uma única exceção, todos os profissionais atendem os pacientes dos hospitais (96%). Aquele psicólogo que não atende pacientes, tem o seu trabalho dirigido à instituição (desenvolvendo prioritária, mas não exclusivamente, ações no campo dos recursos humanos).

Seguem-se, com freqüência expressiva, familiares e equipe de saúde (72% e 64% respectivamente). A instituição como alvo, conquanto pouco freqüente com relação aos demais, já figura no rol das preocupações do psicólogo norte-rio-grandense.

Os locais onde os psicólogos entrevistados desenvolvem suas atividades são bastante diversificados, não obstante a alta incidência das Salas de Psicologia/Ambulatórios (76%) e das Enfermarias (72%). Pode ser, de acordo com E1, "qualquer lugar que requeira sua presença: o leito do paciente, a sala de espera, o pátio, o centro cirúrgico, o setor de Psicologia".

Trata-se de um dado que permite uma dupla leitura. De uma parte, ela pode indicar uma certa dificuldade de o profissional consolidar-se no espaço hospitalar, obrigado a buscar alternativas as mais diversas (como é o caso de Salas de Espera, por exemplo). Por outra, pode ser um interessante indicador tanto da capilaridade quanto da diversificação do trabalho do psicólogo nos hospitais.

Se a tabela anterior respondeu às questões "com quem" e "onde" realizam suas atividades, nada nos disse sobre "o que" fazem, aspecto mais importante. A Tabela 6 apresenta os dados dos alvos de atenção desagregados com relação às atividades desenvolvidas com cada um daqueles.

Observa-se, em primeiro lugar, um dado notável: todos os profissionais que trabalham diretamente com os pacientes, desenvolvem atividades psicoterápicas em suas diversas modalidades (breve, de apoio, individual ou grupal). Em seguida, figuram as mais diversas variantes de trabalhos que agrupamos sob o rótulo de "orientação/aconselhamento": grupos informativos, trabalhos pré e pós-cirurgia, preparação para diagnóstico, esclarecimentos diversos e aconselhamento psicológico propriamente dito (60% do total de psicólogos). A avaliação psicológica (também tomada de forma ampla, incluindo psicodiagnósticos, elaboração de pareceres, triagens e demais modalidades), embora praticada por pouco menos da metade dos profissionais, o que não deixa de ser um dado expressivo, aparece apenas em terceiro lugar dentre as atividades dos psicólogos nos hospitais potiguares.

Estes trabalhos objetivam, segundo E7, "ajudar o paciente a se adaptar ao novo estágio da vida dele, (...) reestruturar sua identidade, sua imagem corporal". Esta mesma entrevistada afirma prestar acompanhamento à família, pois, em alguns casos, "se entra(r) um familiar muito ‘descompensado’ para visitar o paciente, agrava o estado de todos os outros".

O excerto acima nos dá uma indicação do quadro: a utilização de recursos tradicionais para enfrentar situações pouco usuais na prática clínica convencional. O depoimento de E17 ilustra isso:

Eu faço um trabalho de atendimento em enfermarias. Tem pacientes aqui que passam muito tempo porque o grande queimado passa, no mínimo, dois meses. Então dá para se fazer um acompanhamento mais sistemático, mais efetivo que se configura como uma psicoterapia, às vezes até a longo prazo.

Prossegue o mesmo profissional:

O paciente queimado sofre muito, tem um sofrimento muito cru, muito intenso. E o acompanhante sofre muito com isso, por ver, testemunhar aquele sofrimento. (...) Então, eu acompanho o paciente queimado e faço atendimento sistemático, também, ao acompanhante, para que ele fale da angústia, da preocupação, da ameaça de morte (E17).

As circunstâncias específicas que fazem parte do cotidiano do trabalho nos hospitais ficam evidentes no depoimento da entrevista E7:

Atendi uma paciente que estava na UTI, grave e todo o trabalho foi feito com a família porque a pessoa estava em coma, impossibilitada de atendimento psicológico. O trabalho foi com a mãe, com a tia e com o esposo. Essa paciente veio a falecer e então houve o acompanhamento durante a comunicação do óbito.

Também são realizadas atividades que não necessariamente deveriam ser realizadas dentro dos hospitais, mas que certamente fazem parte dos problemas que se oferecem aos psicólogos. Afirma E25 em seu trabalho com gestantes: "Uso a técnica de apoio em crise para desmistificar o parto, para aliviar a ansiedade, principalmente das primigestas".

Os exemplos acima também confirmam que os dados referentes à atenção aos familiares não apresentam um quadro diverso: as duas atividades mais freqüentemente citadas são "orientação/aconselhamento" (84% dos psicólogos que atendem familiares; 60% do total de psicólogos em hospitais) e "psicoterapia" (56% e 40%, respectivamente) – mas desencadeadas por circunstâncias presentes no cotidiano hospitalar.

Os dois conjuntos seguintes de dados merecem nossa atenção pelas tendências que, eventualmente, possam indicar. Com relação à equipe de saúde, o tipo de atividade mais freqüentemente desenvolvido é a "interconsulta" (82% dos psicólogos que atendem familiares; 53% do total de psicólogos em hospitais), seguido de "discussão de casos" (63% e 40%, respectivamente) e "atendimento em equipe multiprofissional" (38% e 24%, respectivamente). Nota-se que, no contingente de mais de 60% dos psicólogos que desenvolvem atividades com as equipes de saúde, a maioria logra obter uma inserção importante tanto do ponto de vista de uma atenção integrada aos pacientes quanto de sua aceitação nas equipes técnicas.

Se é inegável que tal incidência de trabalho nas equipes seja um dado positivo como indicação de aceitação do psicólogo como profissional da saúde, as dificuldades também não são poucas. De acordo com o relato de E7, apesar de utilizarem interconsulta, "o trabalho em equipe poderia até ser bem maior, mas a própria instituição não permite. Os profissionais têm pouco tempo até para atender pacientes, quanto mais para estar reunidos em grupo, discutindo casos".

Além disso, nem sempre equipe significa o corpo todo de profissionais que a compõe. O depoimento de E17 é bastante elucidativo não somente quanto às atividades possíveis e os seus limites, mas sobretudo no que diz respeito à hierarquia da equipe de saúde e a aceitação do psicólogo:

Com a equipe eu realizo um trabalho de grupo. Eu digo a equipe, mas por enquanto, só os auxiliares de enfermagem e enfermeiros estão participando (...). Minha proposta era um trabalho de reuniões, em que os profissionais que trabalham com queimados participassem, falassem das suas dificuldades em termos de relacionamento com o paciente e entre a equipe também (...). Os médicos alegam que não têm tempo, mas que acham a iniciativa muito boa. Acham importante, mas não se dispõem a participar.

Excluindo-se as atividades realizadas com estagiários e voluntários, que não nos trazem dados relevantes, o trabalho que tem como alvo a instituição é o nosso último ponto de análise. Com relação a esses dados, observa-se que as atividades desenvolvidas enquadram-se no campo de atuação classicamente conhecido como "Psicologia do Trabalho e/ou Organizacional", e não propriamente um trabalho no campo da psicologia institucional.

Finalmente, as respostas obtidas com relação à avaliação do trabalho são sugestivas (Tabela 7). Foi solicitado que informassem acerca da receptividade por parte daqueles a quem o trabalho é dirigido, por parte da equipe de trabalho e uma auto-avaliação. As respostas foram agrupadas em duas categorias amplas e polares, para estabelecer tendências.

A julgar pelas avaliações, os psicólogos consideram que seus trabalhos têm boa aceitação, apesar dos percalços na formação e das dificuldades no exercício profissional. Os entrevistados não hesitam em colocar uma receptividade positiva do trabalho, transmitida, segundo E19, "através do retorno que eu tenho, quando os médicos entram em contato comigo, encaminhando casos", ou ainda como afirma E16, "quando os auxiliares nos procuram para solicitar atendimento e as próprias mães reconhecem o trabalho da gente". Contudo, a despeito da avaliação positiva, diversas dificuldades e barreiras são relatadas.

Boa parte da equipe de saúde ainda seria reticente à presença do psicólogo na instituição hospitalar, em que pesem as solicitações, demandas, encaminhamentos e interconsultas. São constantes as queixas quanto à precariedade de material, local, baixa remuneração e falta de integração entre profissionais, fatos que, por si, prejudicam a aquisição de elementos essenciais para um trabalho de maior qualidade.

E22 avalia de forma bastante realista o seu trabalho: "Gostaria de avaliar meu trabalho como ótimo, mas a situação é precária, poderia ser bastante melhorada, principalmente com a equipe que não funciona como equipe". Como afirma E6: "O ideal seria que todos sentassem, conversassem, no sentido de um trabalho interdisciplinar".

Discussão

Partimos do duplo objetivo de caracterizar a atuação do psicólogo nas instituições hospitalares do Rio Grande do Norte e contribuir para o debate acerca da natureza da sua inserção no contexto hospitalar, enquanto um profissional de saúde. Embora nossa ênfase estivesse no primeiro deles, é evidente que não são questões apartadas, exigindo um tratamento conjunto. É a linha que adotaremos na discussão dos nossos resultados.

Convém esclarecer, preliminarmente, que estamos descartando a denominação de "Psicologia Hospitalar" que tem se popularizado em eventos e publicações dos profissionais que atuam nesse campo.

Tal denominação é inadequada por duas razões básicas. A primeira diz respeito à reiteração de uma lógica que toma como referência o local de atuação para denominar as áreas de atuação. É a forma pela qual as chamadas áreas tradicionais da Psicologia são conhecidas: "industrial", "escolar" e mesmo "clínica" (Bastos, 1988; Mello, 1975). O critério que toma como referência principal o local, sem levar em conta as atividades nele desenvolvidas, produz classificações que são muito pouco elucidativas. Seria necessário ainda, conforme lembra Bastos (1988), considerar outros parâmetros, como os objetivos, os alvos de intervenção e os tipos de problemas.

A segunda razão é que a identificação por local tende à pulverização de áreas – teríamos, no limite, uma "psicologia" específica para cada novo espaço de intervenção do psicólogo. Se já é grande a fragmentação das práticas e a dispersão teórica da Psicologia, a adoção dessa lógica caminha, no nosso modo de ver, no sentido oposto à busca de uma identidade para o psicólogo que atua em hospitais como um profissional da saúde.

Retomemos, pois, o fio da meada, discutindo o que sugerem os dados acerca da conformação da área no Rio Grande do Norte.

Uma primeira constatação, já esboçada em estudos anteriores (Yamamoto et al., 1997; Yamamoto et al., 1999) é que o psicólogo está, de fato, ingressando de forma significativa nos hospitais do Rio Grande do Norte. Já havíamos constatado uma opção na ordem de 7,5% dos profissionais do Estado atuando em hospitais, no estudo de 1997. Os dados deste estudo mostram que 18% dos hospitais não-psiquiátricos do Rio Grande do Norte contam com o concurso de psicólogos em seus quadros.

Se existem evidências suficientes para a afirmação acima, o mesmo não se pode dizer com relação à estabilidade de sua inserção. Vimos, de início, que aproximadamente a metade dos profissionais ingressa nesse campo por circunstâncias fortuitas, que denominamos, acompanhando Carvalho et al. (1988), de "motivos extrínsecos à profissão" (oferta de empregos, abertura de concursos públicos etc.).

Além disso, os dados apontam uma certa fragilidade da vinculação, expressa pela predominância do regime parcial de trabalho e pela recentidade nos atuais empregos.

Evidentemente, a consolidação da inserção profissional num determinado campo não se faz sem dificuldades. Os depoimentos apresentados mostram que uma das barreiras para a aceitação do psicólogo no ambiente hospitalar reside na resistência dos demais profissionais. Não se trata de uma exclusividade brasileira: a literatura registra, em nações em que o psicólogo já tem um reconhecimento de mais longa data, as dificuldades desse processo (Enright et al., 1990; Enright et al., 1993; Tanney, 1983). Um exemplo extremamente significativo dessas dificuldades nos é fornecido por Cummings (1992, p. 78): após uma apresentação do programa de diálise, um dos entusiasmados médicos presentes afirma, à guisa de elogio, que "este homem (Cummings) é tão profissional como qualquer um de nós"!5 1 Endereço para correspondência: Oswaldo H. Yamamoto, Depto. de Psicologia, UFRN, Caixa Postal 1622, CEP: 59078-970, Natal, RN. Endereço eletrônico: ohy@uol.com.br

Por outro lado, não se pode negligenciar o fato de que a outra metade dos profissionais faz a opção com uma convicção fundada na identificação com a área e com o conhecimento das características do trabalho.

Cotejando os resultados atuais com o do levantamento preliminar (Yamamoto & Cunha, 1998) no qual sugerimos que o caminho preferencial dos profissionais da área seria consultórios particulares® hospitais ou saúde pública® hospitais, observaremos que metade dos psicólogos deste estudo já inicia suas atividades nos hospitais. Isto pode, eventualmente, indicar tanto uma maior abertura de possibilidades de trabalho, quanto a prevalência, em termos tendenciais, dos profissionais efetivamente identificados com esse campo de trabalho.

Uma vez estabelecido o fato de que o psicólogo norte-rio-grandense tem logrado, ainda que com as dificuldades assinaladas, uma significativa inserção nos hospitais do Estado, a questão seguinte a ser tratada é: o que tem feito esse profissional?

Esta questão desdobra-se em outras. Quais os alvos da atenção do psicólogo nos hospitais potiguares e quais as atividades desenvolvidas com cada um deles?

Vimos que, virtualmente, todos os psicólogos trabalham diretamente com os pacientes. E que todos aqueles que se ocupam dos pacientes desenvolvem alguma modalidade de trabalho psicoterápico. As orientações e aconselhamento, seguidos de avaliações psicológicas também aparecem com destaque. Um quadro semelhante também é registrado com relação aos familiares, o segundo alvo privilegiado da ação dos psicólogos.

Esses dados sugerem que, conquanto considerado um campo novo (LoBianco et al., 1994), a ação dos psicólogos nos hospitais norte-rio-grandenses não se distingue, em termos amplos, daqueles praticados pelos profissionais da área clínica tradicional no que tange às atividades desenvolvidas.

Esta situação também não é diferente do relatado em outros países. Enright et al. (1990) lembram que realizar psicodiagnóstico era o papel principal dos psicólogos norte-americanos quando de sua inserção em hospitais gerais. Em seguida, após acirrada contenda com os psiquiatras, é que entra em cena o "tratamento dos problemas psicológicos" (p. 1062). Enfim, o rol de atividades apresentada por Enright et al. (1990) ou Ludwigsen e Albright (1994) não difere, essencialmente, da que obtivemos neste estudo.

O tema da utilização de recursos classicamente empregados na prática clínica no atendimento aos dois alvos privilegiados, isto é, da reiteração de uma ação tradicional em detrimento do desenvolvimento de novas modalidades necessita ser, contudo, qualificada.

Se os recursos são convencionais, as situações e as exigências enfrentadas no dia-a-dia do hospital não o são. Cummings (1992) lembra que, do cotidiano dos psicólogos nos hospitais fazem parte, por exemplo, as formas diferenciadas pelas quais pacientes (e familiares) respondem à enfermidade e ao tratamento e a perspectiva, sempre presente, da morte e do morrer.

O ponto a ser colocado, aqui, não diz respeito à novidade das práticas, mas à sua adequação. Considerando-se que os hospitais sejam locais privilegiados para a modalidade de atenção terciária, uma intervenção mais direta utilizando os recursos tradicionalmente desenvolvidos e empregados pelos psicólogos clínicos talvez seja a única escolha possível. Isso, entretanto, não isenta os profissionais que trabalham nos hospitais de demonstrar que tais práticas resistem às críticas que têm acompanhado o trabalho clínico tradicional. Dito de outra forma, essa "nova" modalidade terá herdado não somente os recursos como também as objeções a tal abordagem individualista.

Além dessas críticas, uma outra questão concernente à adequação diz respeito à transposição relativamente linear dos modelos tradicionais (Yamamoto & Cunha, 1998). Apenas para exemplificar, examinemos um dado (que optamos por não apresentar nos resultados): as referências teóricas que enquadram os trabalhos dos profissionais potiguares. Dos 25 profissionais, 14 (56%) afirmaram trabalhar com o referencial psicanalítico (em suas diversas modalidades); a segunda em preferência são as abordagens comportamentais, com 12% das escolhas. Seria o referencial psicanalítico, para tomar o exemplo mais evidente, o mais adequado para um trabalho nos hospitais, partindo-se da constatação de que a psicoterapia é a atividade mais desenvolvida?6 1 Endereço para correspondência: Oswaldo H. Yamamoto, Depto. de Psicologia, UFRN, Caixa Postal 1622, CEP: 59078-970, Natal, RN. Endereço eletrônico: ohy@uol.com.br Ao que parece, a expectativa expressa por Lamosa (1987) de que a ação do psicólogo exigiria a busca de novas referências teórico-metodológicas não está sendo cumprida.

O transplante das práticas de intervenção psicoterápica consagradas no trabalho clínico exercido em consultórios traz outras implicações. Além de questões ligadas à eficácia das formas de atendimento (Cummings, 1992), o trabalho com pacientes hospitalizados exige uma reflexão mais acurada acerca dos preceitos éticos que confinam o tratamento – erros e acertos aí incluídos – às quatro paredes de um consultório, sob alegação de requisitos da teoria. Uma das críticas mais agudas às convenções da prática clínica tradicional é a ausência de controle externo sobre o trabalho executado nos consultórios. Um trabalho com um tipo bastante especial de "cliente" (enfrentando uma situação de crise), e realizado em íntima articulação com outros profissionais de saúde, certamente exige uma revisão desses preceitos.

A questão das formas de exercício profissional nos hospitais nos conduz, inescapavelmente, a outra: a formação desse profissional. Os dados do presente estudo nos indicam que a formação proporcionada pela universidade é deficiente e que uma complementação nas diversas formas de estudos pós-graduados e supervisões é necessária.

Mas, para além dos depoimentos, existem alguns pontos que merecem destaque. Mesmo supondo que os recursos empregados sejam os mesmos utilizados na prática clínica convencional, dificilmente alguém sustentará que a formação clínica tradicional seja suficiente para que esse profissional tome as decisões mais apropriadas em sua ação nos hospitais.

Não é possível transpor diretamente avaliações e propostas de outras realidades para a nossa. Todavia, tais comparações são, eventualmente, fecundas para promover o debate.

Enright et al. (1990) afirmam que um psicólogo para atuar nos hospitais deve ter um treinamento clínico completo, isto é, em um prazo médio de 7,1 anos, concluir os estudos até o nível de doutoramento. Adicionalmente, uma residência de, no mínimo, um ano é requerida. "Após obter o grau de doutor e passar em exames orais e escritos, um psicólogo (...) deve ser supervisionado por aproximadamente dois anos" (p. 1061), completam.

Ludwigsen e Albright (1994), ao propor um esquema de formação para o profissional atuar em hospitais, sugerem, entre outros pontos, alguns já contemplados nas exigências acima arroladas, prática em clínica que incluiria, especificamente, psicodiagnóstico, psicoterapia, cursos de psicofarmacologia clínica e treino em competências específicas (como entendimento de tomógrafos e outros recursos médicos).

Enright et al. (1993) lembram, ainda, que os psicólogos, de uma forma geral, têm poucos conhecimentos acerca da cultura hospitalar, daí decorrendo os esforços da American Psychological Association na elaboração de manuais com informações básicas para os profissionais que desejavam ingressar nesse campo.

O confronto desse conjunto, que guarda as especificidades da formação norte-americana, com a realidade da formação brasileira, descrita na literatura (Boarini, 1996; CFP, 1988; Yamamoto & Cunha, 1998) põe a nu a precariedade das condições nas quais os psicólogos brasileiros e, no caso específico, norte-rio-grandenses, enfrentam o trabalho na instituição hospitalar.

Uma questão conexa, que não será tema de discussão aqui, mas que merece um exame cuidadoso, diz respeito à forma pela qual os psicólogos que trabalham em hospitais estão se credenciando: os diversos cursos de pós-graduação lato senso. Sem um controle estrito, tais cursos estão proliferando e, devido à precariedade da formação no nível de graduação, virtualmente se apresenta como uma exigência. Não teríamos nada a aprender, aqui, do modelo norte-americano ao qual fizemos referência acima?7 1 Endereço para correspondência: Oswaldo H. Yamamoto, Depto. de Psicologia, UFRN, Caixa Postal 1622, CEP: 59078-970, Natal, RN. Endereço eletrônico: ohy@uol.com.br

Se parece indiscutível que o psicólogo norte-rio-grandense está conseguindo seu espaço nas instituições hospitalares do Estado, algumas questões ficam em aberto.

Uma delas, e talvez a mais urgente, seja a questão da formação, conforme apontado acima. Considerando-se que o psicólogo seja, conforme afirmam Enright et al. (1993), um profissional de saúde bona fide, não somente as constatações de Boarini (1996) acerca da debilidade da formação do psicólogo, quanto as exigências para a formação dos trabalhadores da saúde expostas por LoBianco et al. (1994) e Silva (1992), são absolutamente pertinentes. Discutir a formação desse profissional é uma questão grave e um primeiro desafio para aqueles que trabalham nesse campo.

No que concerne à prática profissional, além do cuidado na transposição de recursos clínicos tradicionais para a realidade dos hospitais, o desenvolvimento de novas modalidades de ação parece ser uma questão vital. Os psicólogos norte-rio-grandenses, a despeito das dificuldades, têm conseguido progressos na sua relação com a equipe médica. O trabalho institucional, contudo, está bastante aquém do que se poderia esperar.

Mesmo em uma realidade extremamente desfavorável como é a norte-americana no que concerne às profissões médicas, a literatura tem registrado avanços não desprezíveis – como é o caso da participação dos psicólogos em comitês de ética dos hospitais (Mozdzierz et al., 1992). No terreno da prática, portanto, ao lado do questionamento da adequação dos recursos clínicos clássicos para as situações enfrentadas nos hospitais, coloca-se o segundo grande desafio para o profissional: superar as formas conservadoras de inserção, buscando ampliar seu espaço de atuação, com todas as implicações desse processo.

Agradecimentos

A execução do projeto que deu origem a este trabalho recebeu apoio do CNPq (O.H.Y., processo no 520218/96-5; L.C.B.O.T., bolsa PIBIC/CNPq/UFRN). Os autores agradecem à psicóloga Adriana Dias Araújo, pela participação nas etapas iniciais do trabalho.

Yamamoto, O. H. (2002). Psychologists in Rio Grande do Norte Hospitals. Psicologia USP, 13 (1), 217-246.

Abstract: The purpose of this paper was to study the situation of psychology in hospital settings of Rio Grande do Norte State (Northeast of Brazil). A range of 59% of the psychologists working in general hospitals was interviewed. The results describe the undergraduate training and the professional practice of these psychologists. It also discusses the current professional realities considering psychology as a health-care profession and the training requirements for competency.

Index terms: Psychologist. Vocational education. Hospitals. Health psychology. Public health.

Yamamoto, O. H. (2002). Psychologues Dans les Hôpitaux du Rio Grande do Norte. Psicologia USP, 13 (1), 217-246.

Résumé: Cette étude présente une caractérisation de la situation des psychologues qui opèrent dans les hôpitaux du Rio Grande do Norte. On a interrogé 59 % de l'ensemble des psychologues rattachés aux institutions hospitalières non psychiatriques de l'État. Les conditions de formation académique et de pratique des psychologues sont mises en valeur ainsi que les questions qui se réfèrent à la vision du psychologue comme un professionnel de santé et les implications qui en découlent pour sa formation.

Mots-clés: Psychologues. Formation professionnelle. Hôpitaux. Psychologie de la santé. Santé publique.

Recebido em 17.12.2001

Aceito em 05.02.2002

2 Uma discussão acerca das questões envolvidas nesse movimento inovador da Psicologia no Brasil pode ser encontrado em Yamamoto e Campos (1997).

3 Spink (1992), por exemplo, prefere considerar a Psicologia da Saúde uma nova área e, situada na interface individual-social, especialidade da Psicologia Social.

4 Veja-se, apenas a título de exemplo, a análise de Teixeira (1989).

5 É importante salientar que o reconhecimento profissional das chamados "paramédicos" nos Estados Unidos é uma questão bastante complexa, em grande medida devido ao estatuto profissional dos médicos. Trata-se de um aspecto fundamental para que possamos fazer comparações frutíferas entre a situação dos psicólogos nos hospitais do Brasil e dos Estados Unidos. Para análises da questão, ver Freidson (1988, 1994).

6 Trata-se de uma questão complexa, que desborda os limites do presente estudo. Todavia, cabe uma observação: a questão que está sendo posta diz respeito à transposição linear e acrítica dos pressupostos e recursos das tendências psicológicas consagradas. Esforços de reflexão, como a análise de Tourinho (1994), sobre a possibilidade de absorção do psicanalista, ao lado do psicólogo, no contexto hospitalar são, independentemente dos resultados, certamente bem vindos.

7 É importante salientar que não estamos desqualificando tais experiências in totum; tão somente estabelecendo a exigência de controle. Também é conveniente lembrar que existem, no Brasil, diversas experiências fecundas, como as residências realizadas em alguns hospitais como requisito e parte da formação especializada do psicólogo para atuar nesse campo.

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    Endereço para correspondência: Oswaldo H. Yamamoto, Depto. de Psicologia, UFRN, Caixa Postal 1622, CEP: 59078-970, Natal, RN. Endereço eletrônico:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Set 2002
    • Data do Fascículo
      2002

    Histórico

    • Aceito
      05 Fev 2002
    • Recebido
      17 Dez 2001
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