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As vivências: questões de tradução, sentidos e fontes epistemológicas no legado de Vigotski

Les expériences: affaires de tradution, significations et sources épistémologiques dans l'héritage de Vigostki

The experiences: Topics of translation, senses and epistemological references in the legacy of Vygotsky

Las vivencias: cuestiones de traducción, sentidos y fuentes epistemológicas en el legado de Vigotski

Resumos

O objetivo deste artigo é abordar a questão das vivências na perspectiva de L.S. Vigotski, tratando de suas fontes epistemológicas, de suas raízes na língua russa e de seus sentidos específicos, priorizando "A Tragédia do Hamlet, Príncipe da Dinamarca" (1916) e os textos pedológicos dos anos 1930, com destaque para "A questão do meio na pedologia". Destacam-se as transformações das ideias do autor sobre vivências e sua contribuição metodológica à  análise da relação indivíduo-meio no desenvolvimento humano, articulada aos conceitos de consciência e sistema.

Vivências; Psicologia histórico-cultural; Consciência; Pedologia


L'objectif de cet article c'est considérer la question de les expériences dans l'oeuvre de L.S. Vigotski: ses sources épistémologiques, ses racines dans la langue russe et ses sens especifiques, principalement dans le livre "The Tragedy of Hamlet, prince du Danemark" (1916) et les textes pédologiques des années 1930, en particulier, la conférence "La question du milieu dans la pédologie". On estime des transformations des idées du auteur concernant les expériences et sa contribuition methodologique à  la analyse de l'unité individu-milieu dans le développement humain, considerant davantage les relations fondamentales avec les concepts de conscience et système dans les oeuvres de Vygotski.

Expérience; Psychologie Historico-Culturelle; Conscience; Pédologie


The aim of this paper is to address the experiences over the work of LS Vygotsky, dealing with their epistemological sources, from its roots in the Russian language and its specific directions, emphasizing "The Tragedy of Hamlet, Prince of Denmark" (1916) and paedological texts of the 1930s, in particular, "The problem of the environment". The paper highlights the changes the author's ideas about experiences and methodological contribution to the analysis of the relationship between individual and environment in human development, in the midst of their connections with the concepts of consciousness and system elaborated by Vygotsky.

Experiences; Historical-cultural psychology; Consciousness; Paedology


El objetivo de este artículo es plantear la cuestión de las vivencias en la perspectiva de L.S. Vigotski, tratando sus fuentes epistemológicas, sus raíces en lengua rusa y sus sentidos específicos, priorizando " La Tragedia de Hamlet, Prínciped e Dinamarca" (1916) y lo s textos pedológicos del os años 1930, dando destaque para " El problema del entorno en pedología". Se destacan las transformaciones del as ideas del autor sobre vive ncias y su contribución metodológica al análisis de la relación individuo- médio en el desarrollo humano, articulada a los conceptos de conciencia y sistema.

Vivencias; Psicología Histórico-Cultural; Conciencia; Pedología


Dossiê Vigotski

As vivências: questões de tradução, sentidos e fontes epistemológicas no legado de Vigotski11Trabalho resultante da tese de doutorado defendida pela primeira autora, no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, em 2009. Apoio financeiro: CNPQ.

The experiences: Topics of translation, senses and epistemological references in the legacy of Vygotsky

Les expériences: affaires de tradution, significations et sources épistémologiques dans l'héritage de Vigostki

Las vivencias: cuestiones de traducción, sentidos y fuentes epistemológicas en el legado de Vigotski

Gisele ToassaI; Marilene Proença Rebello de SouzaII

I Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO

II Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo

RESUMO

Palavras-chave: Vivências. Psicologia histórico-cultural. Consciência. Pedologia.

ABSTRACT

The aim of this paper is to address the experiences over the work of LS Vygotsky, dealing with their epistemological sources, from its roots in the Russian language and its specific directions, emphasizing "The Tragedy of Hamlet, Prince of Denmark" (1916) and paedological texts of the 1930s, in particular, "The problem of the environment". The paper highlights the changes the author's ideas about experiences and methodological contribution to the analysis of the relationship between individual and environment in human development, in the midst of their connections with the concepts of consciousness and system elaborated by Vygotsky.

Keywords: Experiences. Historical-cultural psychology. Consciousness. Paedology.

RÉSUMÉ

Mots-clés: Expérience. Psychologie Historico-Culturelle. Conscience. Pédologie.

RESUMEN

El objetivo de este artículo es plantear la cuestión de las vivencias en la perspectiva de L.S. Vigotski, tratando sus fuentes epistemológicas, sus raíces en lengua rusa y sus sentidos específicos, priorizando " La Tragedia de Hamlet, Prínciped e Dinamarca" (1916) y lo s textos pedológicos del os años 1930, dando destaque para " El problema del entorno en pedología". Se destacan las transformaciones del as ideas del autor sobre vive ncias y su contribución metodológica al análisis de la relación individuo- médio en el desarrollo humano, articulada a los conceptos de conciencia y sistema.

Palabras clave: Vivencias. Psicología Histórico-Cultural. Conciencia. Pedología.

Este artigo procura apresentar, de forma sintética, questões concernentes ao conceito de perejivânie (vivência) no legado de L. S. Vigotski. Objeto de escassa produção bibliográfica no Brasil,22 Em revisão bibliográfica realizada em 2006, encontramos comentários ao conceito de vivência apenas em textos de González-Rey (2000), Bonin (1996), Smolka (2006) e Camargo (1997), autores cujas contribuições principais - diversamente do presente artigo - consistem em retratar as relações entre vivência e afetividade. é um termo pouco associado à teoria histórico-cultural, problema que atribuímos à pouca difusão dos textos pedológicos e de crítica de arte do autor. Que posição é atribuída a este conceito na obra de L.S. Vigotski? Qual a sua etimologia, suas fontes epistemológicas e seus sentidos? Responder a essas perguntas faz-se essencial para a crítica histórica e epistemológica do conceito, expandindo e aprofundando as bases da psicologia histórico-cultural no Brasil. Nossa metodologia agregou à pesquisa etimológica e semântica do idioma russo a bibliográfica da crítica literária na Rússia, dos interlocutores de Vigotski e da produção do próprio autor entre 1916 e 1934. Também foram decisivos nossos contatos com tradutores do russo ao português.

Um primeiro aspecto: perejivânie não é um termo que se apresente incidentalmente na obra vigotskiana. Conforme verificamos em Vigotski (1916-1925/1986; 1931/2005; 1934/2005; 1933-1934/2001), ele atravessa a sua obra e adquire uma história própria, constituída numa interlocução textual com diversos outros autores (mormente russos e alemães). Contudo, acessar tais textos é árdua tarefa - razão pela qual muitos estão completamente à margem do trabalho dos comentadores do bielorusso, no Brasil e no exterior. A carência de traduções do próprio Vigotski também é um sério problema. Com isso, longe de superar as dificuldades que cercam os textos do autor, procuramos trabalhar no seu espólio (como herança ainda em estado bruto), nele enxergando, mais que uma unidade estática donde a verdade emana, um todo que estamos, ainda, a inventariar, polir e usufruir. Essa condição é similar ao próprio conceito de vivência, palavra imperfectiva na qual se expressam mutantes relações dos processos psíquicos individuais e do meio social do qual eles constituem uma parte.

Em primeiro lugar, vale notar que perejivânie33 A transliteração do alfabeto cirílico ao latino, aqui utilizada, segue a acentuação de Paulo Bezerra (comunicação pessoal, 22/02/2006). Pronuncia-se "pirijivânie". , como confirmam Bytsenko, tradutora de Biély (2005, p. 253), e o linguista Bóris Schnaiderman (comunicação pessoal, dia 08/12/2006), é um termo usado no cotidiano da língua russa (e também nos círculos de crítica literária dos anos 1910/1920). Vigotski dota-o, contudo, de sentidos singulares que sofrem importantes transformações.

A tradução para o português de seu sentido culto, a partir do dicionário russo Ojegov (1968), seria: "perejivânie - substantivo de gênero neutro. Estado de espírito (alma), expressão da existência de um(a) forte (poderosa) impressão (sentimento); impressão experimentada" (Toassa, 2009, p. 55). Para Schnaiderman (comunicação pessoal, dia 08/12/2006), o autor empregou-a de modo próximo a esse sentido.

Teresa Prout, tradutora de "A questão do meio na pedologia" ao inglês (1935), comenta que o termo russo não tem equivalente neste idioma e serviria a expressar a ideia de que uma situação objetiva pode ser interpretada, percebida, experimentada ou vivida diferentemente por diversos sujeitos. Nem a expressão "experiência emocional" - que se refere apenas ao aspecto afetivo do significado de perejivânie - nem "interpretação", signo de cunho racional, traduziriam adequadamente o substantivo. Segundo Prout, seu significado ligar-se-ia intimamente ao do verbo alemão erleben, especialmente Erlebnis.44 Vigotski dominava o alemão e era muito ligado à cultura alemã. De fato, o sentido do termo alemão é parecido com o de perejivânie: "Erleben: v. tr. Viver; presenciar, assistir a; ser testemunha de; (erleden) experimentar; sofrer; suportar; aguentar. Erlebnis: nt (-se pl.) acontecimento m, ocorrência f; (Erfahrung) experiência f; (Abenteuer) aventura f; emoção f (causada por); vivência f; zum ~ werden - causar profunda emoção" (Departamento de Dicionários da Porto Editora, 2000, p. 255). No dicionário russo-alemão de Pruck (n.d.), Erlebnis é traduzida como perejivânie, fato que nos ajuda a compreender como a psicologia e a filosofia alemãs marcaram esse conceito vigotskiano em vários textos pedológicos dos anos 1930. O sentido geral de perejivânie, explorado por Vigotski em vários textos, coaduna-se parcialmente com aquele apontado pelas tradutoras Prout e Bytsenko, indicando um tipo de apreensão do real que não é mera interpretação, não é mera emoção, mas integra vários aspectos da vida psíquica. Mas Vigotski não define seu conceito, fato nada incomum em sua obra, conforme aponta Pino (2005).

Segundo Bóris Schnaiderman, os verbos russos se agrupam em pares de significado praticamente idêntico, diferenciando-se pelo seu aspecto: perfectivo ou imperfectivo. Um desses pares seria пережйть (perejit) e переживaть (perejivát), ambos originários do verbo жить (jit). No seu sentido amplo, tanto "jit" quanto "perejit" significam viver. Ambos, bem como os substantivos deles derivados, são bastante utilizados no idioma russo. Schnaiderman afirmou que "Pieriejit é sofrer algo. Pier dá sempre a ideia ‘através de', dá uma ideia de ‘trans', ‘através'. Então, quer dizer, você ‘atravessou um pedaço de vida difícil'. Diz-se "pieriejit" para sofrer algo. Vencer uma etapa da vida." (Schnaiderman, comunicação pessoal, 08/12/2006). Jit significa simplesmente "viver", abarcando também condições de vida particulares (viver do seu trabalho; viver na abastança; viver regaladamente etc.). Schnaiderman afirmou, ainda, que há um significado coloquial para os verbos переживáть - пережйть (e perejivânie - переживание), o qual exprime a ideia de sofrer ou padecer, atravessar uma difícil situação de vida. Esta é a tradução mais comum, que pode ser encontrada mesmo em pequenos dicionários russo-português, francês, inglês ou espanhol. Os verbos de aspecto imperfectivo denotam ações inacabadas, seja no presente, pretérito ou futuro, referindo-se ao fluxo de seu acontecer. Verbos de aspecto perfectivo apenas empregam-se no pretérito ou no futuro, referindo-se a ações/processos finalizados ou que certamente ocorrerão e serão finalizados.

Também existem verbos perfectivos no português. Segundo Schnaiderman (comunicação pessoal, 08/12/2006), um exemplo de par de verbos perfectivo-imperfectivo seria dizer (determinado: "ele disse que iria jantar")/falar (indeterminado - "ele fala muito"). Mas, enquanto no português essa distinção não chega a ser relevante, no russo ela é fundamental. Verbos imperfectivos referem-se tanto a ações que foram/são/serão realizadas uma só vez, mas não se sabe dizer se terminaram/terminarão, quanto a ações habituais ou de sentido progressivo ("eu estava vivendo uma angústia", "eu viverei uma angústia", "eu vivo/estou vivendo uma angústia"). É assim que se emprega o verbo perejivát e a palavra perejivânie: para significar a vivência de conteúdos de finalização incerta, seja sua ocorrência habitual ou não (University of Denver, 2006). Frise-se: a vivência é sempre vivência de algo, pois o verbo exige declinação do objeto no acusativo, ou seja, complementa-se com um objeto direto. perejivânie é um substantivo originado do verbo; é criado pelo que chamamos de derivação anômala (pois normalmente são os substantivos que dão origem aos verbos), designando tanto o processo como o resultado dos atos de vivenciar55 Enquanto Bezerra (comunicação pessoal, 22/02/2006) diferencia-os em "vivenciamento" e "vivência", noutras traduções não encontramos a mesma distinção. .

Essas características semânticas, com exceção da intensidade de sentimentos (tal como explanaremos adiante), podem ser atribuídas sem dificuldade ao conjunto da obra de Vigotski. Apresentaremos os dois principais sentidos do conceito, entre os quais se estabelecem relações de ruptura e continuidade: 1) A monografia "A Tragédia do Hamlet, Príncipe da Dinamarca" (1916/1999); 2) os textos pedológicos dos anos 1930, em particular, "A questão do meio na pedologia".

Em "A Tragédia de Hamlet" (Vigotski, 1916/1999b), é possível perceber que a vivência pode estender-se ao passado e ao futuro da existência humana, presentificando elementos importantes na orientação das ações humanas. É substantivo abstrato que delimita um processo psicológico unificador de sujeito e objeto numa relação imediata, podendo exprimir diversos conteúdos mentais e ser permeado por qualidades variadas ("vivências estéticas", "vivências complexas", "a vivência de uma obra", "vivências de si" etc.). Uma terceira tradução seria emoção (ou feeling), tal como aparece em Vigotski (1925/1971). Como sua etimologia está relacionada à "vida", para nosso idioma, vivência, e não "experiência" ou "sentimento", é a tradução mais adequada, embora a intensidade emocional indissociável do vocábulo culto perca-se tanto na tradução ao inglês, quanto para o espanhol e o português. perejivânie e emotsia/tchuvstvo/affekt (emoção/sentimento/afeto) são termos próximos do início ao fim da obra vigotskiana. São, contudo, duas categorias que tendem a uma progressiva diferenciação (Toassa, 2009).

Vivência (perejivânie), conforme afirmamos anteriormente, é palavra de uso corrente na língua russa, sendo, segundo Schnaiderman (comunicação pessoal, 08 de dezembro de 2006), termo importante nos círculos eruditos do início do século XX, nas artes e na filosofia de modo geral. Na primeira obra de Vigotski (1916/1999), o termo é empregado de forma quase coincidente com o seu uso culto, qualificando um estado mental de exceção suscitado por impressões e sentimentos fortes. "Emoção" e "vivência" têm, aí, um sentido praticamente coincidente, opondo-se ao intelecto. Seguindo o cânone simbolista russo (Biéli, 2005, Ivanov, 2005), a vivência da obra artística deveria desempenhar o papel principal na sua crítica, fazendo com que Vigotski torne perejivânie o conceito mais importante deste primeiro trabalho do autor. Nesse contexto, a vivência define uma relação imediata, direta, irrefletida, entre crítico e obra, entre crítico e leitor:

E é possível que, recorrendo à leitura da tragédia, à sua percepção artística integral, o leitor ouça em seu som o que nós ouvimos. Só assim é possível transmitir a emoção do crítico; sua meta é direcionar a percepção de algum modo. O resto fica com o leitor: vivenciar nessa direção, nesses tons (entonações), a tragédia. De sorte que esse estudo é apenas o direcionamento da emoção, o seu tom, apenas os contornos da sombra lançada pela tragédia. E, se pela vivência (sonho) artística o leitor perceber a tragédia nesse sentido, nesses tons, a meta do estudo estará realizada e a inefabilidade do pensamento do crítico verterá e submergirá no silêncio elevado e infinito que cerca as palavras da tragédia e conclui o seu mistério. (Vigotski, 1916/1999, p. 37)

Deveras importante: trata-se do único texto irracionalista que conhecemos, na autoria do bielorusso. A ideia de vivência para Vigotski, tal como aparece em "A Tragédia do Hamlet" (1916/1999), designa uma apreensão e reconstituição ativa da obra pelo leitor-crítico, cuja fagulha inicial é o forte impacto nele produzido pela leitura. Mas a linguagem obscurecedora e poética convive com muitos artifícios racionais dirigidos à compreensão da obra: trata-se de uma análise minuciosa do enigma hamletiano e das razões de seu impacto no receptor, ao mesmo tempo em que o próprio texto de Vigotski tem o propósito de afetar os leitores. O termo "vivência" também é um processo básico da vida humana, é acontecimento profundo na existência da pessoa real ou do personagem na arte.

O simbolismo permeia a apologia de Vigotski à indizibilidade do Hamlet, às sublimes vivências produzidas pela peça. E não é à toa: segundo Andrade (2005, p. 144), o auge do simbolismo concentrou-se entre 1890 e 1910; época próxima aos anos de formação de Vigotski, mas declinava nos anos 1915-1916, quando o autor escreveu sua monografia. Outras influências, contudo, também se apresentam em Vigotski (1916/1999): destacamos a concepção do pragmatista William James (1906) sobre as vivências religiosas. Note-se ainda que a segurança do jovem Vigotski na sua crítica a uma peça tão complexa escuda-se numa sólida tradição russa de comentário ao Hamlet (Toassa, 2009).

Os monólogos de Hamlet são, para Vigotski, fragmentos das vivências do príncipe, os principais responsáveis pela criação de tantas possíveis interpretações para a peça. Não são nem o princípio nem o fim de suas reflexões: oferecem-nos um quadro do mundo interior do protagonista, escondido pela engenhosa cortina de aparências estendida sobre o texto (Vigotski, 1916/1999, p. 39-40). Surgem logo que ele descobre, por meio do espectro do pai, o fratricídio cometido pelo tio. Suas vivências não têm relação com os acontecimentos imediatos do mundo exterior, mas com o sentido deles para o protagonista - completamente desconexas no que se refere à realidade imediata (p. 81), tal qual a própria aparição do espectro. Aos dois mundos externos (o aqui e o além) passam a corresponder dois mundos internos (o imediato e o existencial). Sua vida está dissociada: Hamlet produz dois diálogos - um externo (quase sempre ambíguo) e um interno (consigo próprio). Lutam nele o racional e o místico; o consciente e o condicionado; a peça esconde seus sentimentos, disposições, emoções, estados de ânimo: ao lado do drama externo, transcorre um drama interno.

Em linhas gerais, podemos dizer que, para o Vigotski de 1916, vivenciar é participar de uma realidade impactante, apreendida pelo sujeito sem julgamento a priori - no caso da peça, um drama complexo, pois Hamlet vive não o mundo de aparências que o cerca, mas aquele revelado pelo espectro (que, além de assassinado pelo próprio irmão, diz penar as próprias culpas no fogo do inferno). As angustiadas vivências de Hamlet como herói trágico, contudo, não refletem um universo egocêntrico, solipsista: é a angústia produzida pelo próprio enredo, em interação com a complexa personalidade do príncipe.

As vivências do protagonista, complexo estado mental, determinam a própria evolução dos acontecimentos: não se trata, aí, de um subjetivismo inócuo, de um idealismo, e isso tampouco ocorrerá nos posteriores textos pedológicos vigotskianos. O conceito de vivência continua a ligar-se, como se verifica de pronto em "A questão do meio na pedologia", à análise dos dramas e conflitos humanos. As características pessoais de Hamlet (de seu ser singular) são um filtro para o modo como ele vivencia diversas situações, ideia consonante com as duas conferências de psicologia infantil mais importantes, tal como tivemos acesso, para análise do conceito ("La crisis de los siete años" e "A questão do meio na pedologia", ambas proferidas entre 1933-1934): também nelas a vivência relaciona o sujeito, em suas características pessoais, ao meio em que se encontra. Negativas ou positivas, as vivências sublinhadas na peça são singulares a Hamlet, personagem nobre, inteligente e complexo; singulares como também são, por exemplo, as vivências de cada filho nas circunstâncias de violência do primeiro caso da clínica pedológica relatado por Vigotski (1935/2008).

As vivências, nos primeiros livros do autor (1916/1999, 1925/2001, 1926/2001), revestem-se de um caráter irracional, marcado por sentimentos e sensações que demandam compreensão após vivenciados. Traduzindo o engolfamento do receptor pela obra de arte (1925/2001), possibilitam que o sujeito mais participe, reaja, do que julgue, com a criação de uma espécie de campo psicológico entre receptor e obra, que contém a ambos e alcança a sua triunfal dimensão catártica no conflito entre forma e conteúdo. A monografia sobre o Hamlet enfoca as relações mútuas sujeito-mundo; de modo similar à fenomenologia, abole-se, no plano analítico, o limite entre sujeito e objeto. Este campo tem, então, propriedades híbridas, abarcando interno e externo numa unidade, tal como nos aponta Meshcheriakov (no prelo). No seu conjunto, essas ideias completam o primeiro sentido de perejivânie na obra de L. S. Vigotski. Note-se: a ideia de "sentido" aqui empregada refere-se a um amplo ato de pensamento verbal, explicativo das essenciais relações discursivas estabelecidas por uma palavra. Assumimos também que o sentido da palavra implica na compreensão dos fundamentos históricos do texto de um autor, no qual ele perde suas características isoladas para tornar-se um conceito num sistema de conceitos, e um autor em interlocução com outros autores num zeitgeist determinado.

Vivência e sistema

Transformações importantes ocorrem nos textos pedológicos de Vigotski, embora conservando as demais características que comentamos na monografia sobre o Hamlet. São elas: as vivências deixam de ser baluarte do irracional no psiquismo; deixam de ter, exclusivamente, forte intensidade; o pensamento passa a não se dar isoladamente das emoções. Vai se configurando uma concepção vigotskiana de consciência como sistema psicológico que não se restringe às operações da razão, e que tem nas vivências a sua unidade de análise sistêmica, a qual engloba aspectos tidos como irracionais (caso dos afetos e sensações) e racionais (caso do pensamento, do raciocínio para resolução de problemas nas suas mais diversas variantes, conforme Toassa, 2009).

Nessas obras, Vigotski ratifica sua deserção quanto ao simbolismo (consumada em torno de 1917, segundo Etkind, 1994) e de outras contribuições de pendor irracionalista. O marxismo é sua nova referência principal, e as contribuições teórico-metodológicas construídas vêm criar novos sentidos para vários de seus antigos conceitos. Então, compreendemos o trecho:

Junto com uma compreensão dinâmica do meio, nós começamos a entender que a relação de diversos aspectos do desenvolvimento para com o meio é diferente. E por isso nós devemos estudar a influência do meio de forma diferenciada, tal como o crescimento da criança, em que se vê a influência do meio sobre o crescimento de partes específicas e sistemas específicos do seu organismo. (Vigotski, 1935/2010, p. 13)

O problema dos sistemas psicológicos aí emergente, de forma sutil, perpassa a conferência toda. O fato não é isolado: em Vigotski (1933-1934/1996a, p. 383) também se definem as vivências como unidade sistêmica da consciência/personalidade; unidades da relação interna consciência-meio. Os textos dos anos 1930 desenvolvem uma teoria histórico-cultural dos sistemas psicológicos, da consciência humana, no contexto dos interesses presentes em sua obra ao menos desde 1924 (Toassa, 2006).

Sistema é uma noção ampla, de difícil definição, fato admitido pelo próprio autor (Vigotski, 1930/1991b, p. 73). Com fontes na psicologia da Gestalt, na estrutural (de Lewin) e no materialismo histórico, sustentam-se nesse conceito: 1) a primazia do todo com relação à soma das partes; 2) a importância da análise de relações (estruturas) componentes desse todo, com respeito a objetos isolados. A rigor, sistema é mais um princípio geral que um conceito definido, intimamente vinculado à compreensão de cérebro de Vigotski e Luria.

Não há consciência, personalidade ou caráter invariáveis, "em-si", entretanto, existem regularidades individuais formadas histórico-culturalmente. Vigotski (1928/1997, p. 170-172), elogiando Adler, criticara Kretschmer e outros autores por considerarem a formação do caráter como algo fixo, rígido, definido de uma vez para sempre. Contudo, os conceitos de personalidade e consciência acabam se sobrepondo em alguns de seus textos, como na "Historia del desarrollo de las funciones psíquicas superiores". Isso se retrai um tanto na conferência "A questão do meio na pedologia": nela, reforça-se a tendência de Vigotski a classificar uma psicologia das diferenças humanas/do caráter como questão para o estudo da personalidade - e não da consciência (Toassa, 2009)66 Tais como as conferências, e diferente dos textos que tratam a personalidade exclusivamente a partir do problema da conduta voluntária, "Sobre los sistemas psicológicos" (Vygotski, 1930/1991, p. 92) defende que a personalidade, nos seus traços diferenciais e caracteriológicos é, mais do que tudo, as conexões caracteriológicas. É o resultado do que surgiu e se desenvolveu na ontogênese em um sistema determinado de conexões neurais: de ações, representações, percepções. Vigotski (1935/1997) elogia que Adler tivesse restituído a temporalidade na análise do caráter, entendendo o caráter como a conduta típica da personalidade que se solidificou, cristalizou na luta por uma posição social. Compreendido dialeticamente, é função mais da posição do sujeito em sociedade do que de suas disposições internas; é o traçado da linha fundamental e do plano inconsciente, profundo, da vida; mutável e não consolidado de uma vez para sempre; relacionado a cada ato psicológico do indivíduo; com o passado e o futuro da personalidade. . Nossa sugestão para futuros estudos é de que não podemos (nem devemos) separar esses sistemas, que se encontram no plano das relações concretas entre o indivíduo e seu meio social. Trata-se mais de uma divisão metodológica e didática que propriamente a expressão de processos psicológicos radicalmente distintos.

As vivências são um conceito-coringa que delimita a nossa relação com o mundo desde o nascimento, relação que se complexifica com a estruturação dos sistemas psicológicos terciários (como consciência e personalidade). A possível desagregação dos mesmos também impacta as vivências - caso da esquizofrenia, condição na qual elas são regidas pela associação, e não pelo pensamento consciente. O processo de tomada de consciência, unidade de análise da consciência que se atém exclusivamente às relações de compreensão que estabelecemos com o meio, inscreve-se no desenvolvimento das vivências.

Os textos pedológicos dos anos 1930

Embora de modo algo irregular de texto para texto, o interesse no conceito de vivência reafirmou-se nos últimos anos da vida de Vigotski. Justamente no período de 1931-1934, que sucedeu o de estudos experimentais do desenvolvimento dos processos psíquicos superiores e no qual Elkonin (1996, p. 394) identifica uma maior concentração de trabalhos de Vigotski sobre a estruturação semântica da consciência. O bielorusso, pois, voltava-se para o problema da personalidade/consciência em seu todo apenas após um período intensivo de estudo dos processos psíquicos superiores parciais.

Existem, contudo, algumas dificuldades relativas ao emprego do termo perejivânie por Vigotski nos trabalhos pedológicos dos anos 1930. Por exemplo: não se pode dizer que as vivências das crianças/adolescentes fossem detalhadas a cada idade, mas apenas em seus marcos e facetas principais. As condições em que foi empregado, vinculando-se à clínica pedológica, são ainda pouco claras para os comentadores (como constatamos em Meshcheriakov, no prelo): onde, como, quando essa clínica se realizou? Não obstante, nas "Lições sobre pedologia" (1933-1934/2001), perejivânie e palavras etimologicamente próximas aparecem com frequência tanto em "A questão do meio na pedologia" quanto numa conferência de 1933: "Krisis 3 i 7 liét" ("Crise dos 3 e 7 anos"). Esta última apresenta leituras críticas de Vigotski sobre os conflitos na relação criança-meio: críticas, por exemplo, a contribuições psicopatológicas que ele considerava burguesas (como a de Adolf Busemann, psicólogo alemão) e a maneira como interpretavam manifestações como teimosia, obstinação, contrariedade, protesto das crianças em momentos difíceis do seu desenvolvimento, nos quais, aparentemente, não havia mudança no meio externo. Donde surgiam tais manifestações? Responde-se Vigotski: da relação sistêmica da consciência/personalidade com o meio, ou seja, das vivências.

Embora solicitando a seus ouvintes que limitassem a abrangência de suas afirmações, sem as considerar como uma teoria completa das idades, Vigotski criticou a forma como os estudos europeus interpretavam as crises da infância e adolescência, acusando-os tanto de atribuir maior atenção às idades estáveis, como de considerar inevitáveis as crises, com o fim dos ciclos de desenvolvimento. Inevitabilidade mais que duvidosa, pois, segundo o bielorusso, tais estudos limitavam-se a famílias burguesas com uma educação autoritária, sem notar o impacto particular e negativo dessa educação no desenvolvimento infantil.

É fato que as principais conferências que discutem o conceito de vivência trazem poucas referências, mas quase todos os autores mencionados por Vigotski (1930-1934/1996c) são alemães, ou de língua alemã. A crítica a Busemann é apenas um dos episódios da ambivalente relação entre a produção de Vigotski sobre as vivências e a psicologia germânica. Suas ideias sobre sistema e vivência respondem ao debate soviético sobre o papel do meio social no desenvolvimento a partir de uma psicologia alemã impregnada de fenomenologia e gestaltismo, que o autor não deixava de criticar77 Vigotski considerava "subjetivistas" e "idealistas" várias contribuições da filosofia e da ciência alemãs, como a fenomenologia husserliana, a psicologia descritiva de Dilthey e o personalismo crítico de Stern (Vigotski, 1926/1991, pp. 62-64). . Tais conceitos adquirem um sentido próprio em sua obra, como ocorre com muitas outras contribuições emprestadas de terceiros, sem recair no dualismo ou idealismo, mas expressando um monismo radical que, para ele, aproximava-se da psicologia da Gestalt.

A principal virtude do gestaltismo, para Vigotski, era a proposta de fundamentar um método subjetivo-objetivo que abarcasse os pontos de vista descritivo-introspectivo e o funcional (objetivo-reactológico). Mas, diversamente dos gestaltistas, o bielorusso focava diferentes problemas de psicologia (como percepção, consciência, personalidade) no quadro único de suas múltiplas determinações, a partir de uma perspectiva materialista dialética que relacionava indivíduo e meio, diferenciando-se da Gestalt. Suas relações com essa psicologia mostram um autor tentando se esquivar das dicotomias dualistas de outras psicologias, nas quais cindiam-se meio e indivíduo, subjetivo e objetivo. Essa cisão poderia ser superada, segundo ele, por meio de conceitos metodologicamente inovadores, como estrutura e sistema.

É digna de nota a simpatia de Vigotski para com Kurt Lewin. Este psicólogo trocou correspondência com o bielorusso e conheceu-o pessoalmente (Van Der Veer e Valsiner, 2001, pp. 313-314). Lewin (1926/1961) utiliza o termo "experience" com um sentido semelhante ao de Vigotski. Os conceitos de espaço vital e campo psicológico são similares ao de vivência na obra do bielorusso88 A presença de Lewin marcou-se precocemente na obra de Vigotski. Relaciona-se, via de regra, com os debates de Vigotski sobre a psicologia da motivação, a experimentação com crianças e também com seus princípios metodológicos mais gerais. O principal texto lewiniano comentado nos trabalhos pedológicos de Vigotski (1930-1934/1996c) é o "Vorsatz, Wille und Bedürfnis" ("Intention, will and need", 1926) A tomar por Cairns (1983, pp. 84-85) Lewin também enfatizava o estudo de crianças na situação concreta, total, levando em conta a relatividade contextual da experiência em detrimento de métodos estatísticos. .

Embora sempre sustentando que a história do comportamento determina a estrutura do mesmo, ideia que, para ele, inexistia em Lewin, Vigotski valoriza as descrições lewinianas sobre a imersão da criança no seu meio. Toda a conduta da criança pequena era, segundo Lewin, determinada pela situação - pela estrutura do campo psicológico, como se de cada objeto emanasse um afeto de atração ou repulsão que conduzisse a uma determinada ação (Vigotski, 1933-1934/1996b, pp. 342-343). O meio social vigotskiano, à moda de Lewin, mas de forma histórico-cultural, marxista, reveste-se de valências positivas e negativas, ou mesmo de sentidos opostos na relação da criança com um mesmo objeto (Vigotski, 1931/1995, p. 287). Isso se articula com o estado da criança: para Lewin (1926/1961, pp. 1254-1255), a valência de uma estrutura não é constante, mas depende do encontro entre a situação interna e externa da pessoa.

Em Lewin, uma situação psicológica precisa ser entendida como situação num certo momento, podendo ser representada topologicamente a partir dos fatores conscientes e inconscientes que a determinam, como também pela situação de vida do sujeito, a qual pode não ser consciente no momento (Garcia-Roza, 1974, pp. 60-61). Os exemplos de Lewin e Vigotski remetem a uma análise profunda da vivência humana e dos sentidos atribuídos a ela. Mas, diferentemente de Lewin, o bielorusso não torna precisa a distinção entre situação psicológica (momentânea) e espaço vital.

O exemplo mais ilustrativo da similaridade entre os autores, segundo pensamos, está no relato de Vigotski (1935/2008) sobre três diferentes crianças que têm uma mãe alcoolista e violenta com elas. Diante dos acessos de violência da mãe, suas vivências e características são muito diferentes: o caçula desenvolveu sintomas de natureza defensiva, com ataques de terror, enurese e gagueira. O segundo filho apresentou um conflito pautado pelo vínculo ambivalente com a mãe, repleto de amor e terror99 Vigotski (1932/1999, p. 96) admitiu a ambivalência das emoções nas primeiras etapas do desenvolvimento. As emoções incluem sentimentos contraditórios. Segundo Vigotski, a Freud teria cabido o mérito de demonstrar a ambivalência das emoções infantis - fenômeno que o bielo-russo identificaria, posteriormente, nos seus estudos sobre as crises de desenvolvimento infantil. . O filho primogênito mostrou sinais de maturidade precoce, seriedade e solicitude para com os irmãos, protegendo-os da mãe.

Mostra-se, assim, como a mesma situação social, composta pelos mesmos eventos, influencia as crianças de vários modos, dependendo: 1) da idade (o que determina, principalmente, o seu nível de compreensão); 2) da diferente vivência da situação, permeada pelos vínculos singulares com a mãe. Parece-nos clara a relação de "A questão do meio na pedologia" com experimentos de Vigotski e seus colaboradores, que, realizados com crianças de diversas idades, mostraram a progressiva importância da representação consciente das situações vividas nas ações livres da criança. O desenvolvimento cultural na perspectiva vigotskiana implica na aquisição de maiores capacidades de pensar verbalmente, o que torna os sujeitos mais ativos em seu meio - tal como ocorre com o primogênito no exemplo de Vigotski.

Em trabalho anterior, Toassa (2004) discute experimentos vigotskianos nos quais estímulos neutros tornam-se motivos representados pelo signo na consciência infantil, que pode conhecê-los e neles interferir, elaborando ações livres: um autêntico salto qualitativo na vida dos indivíduos e do gênero humano. Porém, nem sempre essa transformação é bem recebida pelo meio social - uma das razões para as potenciais crises de desenvolvimento, que evidenciam (via de regra) o não acolhimento das novas capacidades conscientes da criança pelo referido meio. A criança vivencia sua realidade de um modo qualitativamente superior com relação à idade antecedente, mas não tem a possibilidade de efetivar seus novos interesses e capacidades. Núcleo externo (ligado à percepção da criança sobre sua identidade social) e interno (percepção de suas próprias memórias, pensamentos, percepções etc.) das vivências opõem-se, e este aspecto é fundamental para a emergência de uma crise1010 As crises de desenvolvimento, ou idades críticas, como mostrou Polivanova (2002), foram bastante controversas na psicologia soviética. Para Vigotski, as idades críticas eram próprias à lógica da ontogênese, como processo de construção/domínio consciente de novas capacidades e destruição das antigas, reorganizando as relações do sujeito consigo mesmo e com o mundo. Ocorrem no nível do todo em desenvolvimento, ou seja, da consciência e da personalidade da criança e adolescente. Para o bielo-russo, as idades críticas são as seguintes: neonato, um ano de vida, três, sete, treze e dezesseis anos de vida. Acreditamos ser necessário estudos mais amplos para uma revisão da teoria vigotskiana sobre as idades de crise. . Conforme Polivanova (2002, p. 48), as crises mostram uma contradição entre a estrutura da personalidade individual e do ser social.

O problema das crises de desenvolvimento tornava necessária a ideia de vivência, pois elas surgiam sem modificações no meio. O bielorusso defendeu que se deveria esclarecer a natureza interna desses processos, de análise muito difícil, por demandarem do pedólogo uma compreensão mais profunda das vivências da criança e do meio em processo de internalização. Nesse contexto, o conceito de vivência relaciona-se à negação da preeminência das características da personalidade ou do meio, privilegiando o encontro de ambos como unidade de análise, sem buscar fatores transcendentais, inacessíveis ao investigador - caso, por exemplo, da fé na preponderância das causas biológicas do comportamento (Vigotski, 2001).

Nos textos pedológicos dos anos 1930, e mesmo no "Pensamento e Linguagem", as vivências são unidades da relação entre a personalidade/consciência e o meio; da relação interior da criança com um ou outro acontecimento externo, ou as circunstâncias particulares que a envolvem (1935/2008). Assumem um lugar importante na metodologia histórico-cultural de análise psicológica, recebendo adjetivos que seriam francamente descabidos em 1916, em que razão e emoção se opunham; adjetivos como "vivências intelectuais" (Vigotski, 1932/1999a, p. 101) e "vivenciamento do conceito" (1934/2001, pp. 367, 424, 474). O conceito de vivência passa a contemplar todo tipo de conteúdo mental, de forma ainda mais variada que em Vigotski (1916/1999), pois se refere a diversas idades e situações de vida. Vivências intelectuais, discursivas, sensoriais, motoras e afetivas; sexuais, sociais, dolorosas são algumas das novas expressões emergentes na obra do autor (Toassa, 2009).

No decorrer da ontogênese, as vivências adquirem o papel de unidade dinâmica da vida consciente. Passa a articular-se em dois núcleos: interno (que, como podemos deduzir, abrange corpo, representações e ideias; fantasias, lembranças e outros processos mentais singulares ligados ao eu que não estão presentes na realidade objetiva), e externo (principalmente as percepções de objetos); com maior atividade desta ou daquela função psíquica (baseado em Vigotski, 1933-1934/1996a, p. 379-380). Estes núcleos, que já se esboçavam na dissociação das vivências de Hamlet com respeito à sua realidade imediata, não se opõem: constituem um todo unitário, expressivo da dominância desta ou daquela função psicológica superior na atividade cerebral. Nas palavras do autor: as vivências gradativamente se articulam em dois núcleos básicos de reflexo. Isso vai se tornando nítido a partir da crise dos sete anos de vida (baseado em Vigotski, 1929/2000, 1996a).

Sin embargo, hemos visto ya que la conciencia de la realidad y la autoconciencia de la personalidad también se apoyan en la experiencia interna y externa sistematizada en conceptos. Por ello, la compleja desintegración de la vivencia de la realidad y de sí mismo, el complejo cambio de la conciencia objetal y personal, propias de la afasia, quedan fuera del campo de estudio de los investigadores. (Vigotski, 1930-1931/1996d, p. 185, itálicos nossos)

As fronteiras psicológicas das vivências implicam em duas dimensões fundamentais frente a um evento, insurgentes com a diferenciação externa e interna da personalidade. Em nossa leitura: há vivências marcadas por uma base perceptual dominante na realidade (externa) ou no próprio sujeito, ou seja, marcadas pela referência a objetos externos ou ao próprio corpo/aos processos mentais singulares ao sujeito, significando processos articulados pelos quais o indivíduo conscientiza-se de si próprio no mundo (baseado em Vigotski, 1933-1934/1996a, pp. 379-380)1111 Noutro trecho: Vigotski (1933-1934/1996a, p. 383) divide a vivência em dois núcleos básicos de reflexo: por um lado, o meio na sua relação com o sujeito e o modo que ele o vive e, por outro, as peculiaridades do desenvolvimento do próprio eu. . A consciência das vivências não é mais do que a tomada de consciência destes processos por parte de seu sujeito psicológico.

A linguagem é o laço que relaciona os conceitos de tomada de consciência (no sentido da relação de compreensão que estabelecemos com algo) e vivência. Expliquemos: a generalização das vivências na linguagem é central para a tomada de consciência, ou seja, o fato de se tornarem objeto da linguagem é um aspecto novo emergente no desenvolvimento, e que exerce uma transformação significativa nas relações sociais - pois a criança torna-se consciente não apenas dos objetos e das outras pessoas, mas também de si mesma. Atribui sentido e adquire conceitos sobre seus afetos peculiares, e, na perspectiva histórico-cultural, esse é o principal fundamento do processo de tomada de consciência.

A tomar a tradução espanhola (Vigotski, 1930-1934/1996c), de sentido bastante semelhante à americana, existem duas dimensões principais no núcleo interno das vivências de si próprio: a primeira são os estados internos - apenas as sensações definidas do corpo - frio, fome, calor etc. A segunda, são as formações afetivas: partes de vivências mais complexas, pelas quais a criança pode compreender e utilizar expressões genéricas como: "estou alegre", "estou desgostoso", "sou bom" etc. Trata-se de formações de sentido consciente sobre a própria personalidade, ou sobre seu estado passageiro, que o bielorusso considera como fusões de pensamento, linguagem e emoção/afeto.

Um conceito-chave da teoria histórico-cultural está implícito na discussão de Vigotski sobre as mudanças vivenciais ao longo de diferentes períodos de desenvolvimento: a lei genética geral de desenvolvimento humano. Essa lei define que qualquer processo psicológico começa em-si, torna-se para-os-outros e depois para-si (Vigotski, 1994, p. 75), configurando uma tomada de consciência estreitamente dependente das relações sociais para que a criança possa formar conceitos sobre o todo de sua personalidade e a de outras pessoas. Podemos até mesmo traçar uma analogia entre Vigotski e Ciampa (1994), para quem a identidade constitui-se em fundamento na formação da personalidade. É em função dos outros que se define nossa igualdade e diferença com relação a nós mesmos e aos outros. As crianças são como pequenos Hamlets transitando na casa-de-espelhos de uma linguagem particular ao seu meio, demarcada por relações de significação e sentido1212 Vigotski (1934/2001, p. 465) esclarece que o significado é a face social da palavra, um ponto (relativamente) imóvel e imutável, o qual permanece estável nas mudanças de sentido da palavra. Assim, a face mais estável do sentido sempre relaciona-se à experiência social do sujeito, acabando por remeter-se à língua de que se apropriou. O significado é uma potência que se realiza no discurso vivo, uma pedra no edifício do sentido, a soma dos fatos psíquicos que uma palavra desperta em nossa consciência.. É nessa problematização pedológica que compreendemos, pois, o segundo sentido do termo perejivânie para Vigotski: o de uma ferramenta metodológica fundamental na análise do desenvolvimento infantil. E, quiçá, também da vida psicológica do adulto, problema que foge aos limites deste artigo.

Considerações finais

Nos últimos, como nos primeiros textos vigotskianos aos quais tivemos acesso, a vivência é campo de conflitos, entreposto do funcionamento psíquico concreto, linguagem do impacto vital do entorno no sujeito. Nos sistemas psicológicos mais amplos, como consciência e personalidade, têm lugar processos conscientes e inconscientes, racionais e irracionais (associativos, por exemplo).

A diversidade de processos psicológicos que pode, nas obras dos anos 1930, exprimir-se no conceito de vivência, relaciona-se à etimologia e à semântica da palavra perejivânie, como termo que, inaplicável aos animais (caso também de "consciência" e "personalidade"), significa a própria existência do sujeito psicológico na ontogênese; de um cérebro ativo desde o seu nascimento; de um "estado espiritual suscitado por impressões e sensações" (à parte o ranço espiritualista da definição de Ojegov, 1968). Suas raízes linguísticas e a própria inserção na obra de Vigotski denotam um caráter de processo e produto, inconcluso no tempo, significativo de relações sujeito-meio cujo caráter é interpretativo, existencial e pessoal. A princípio, ideias fundadas na crítica de arte russa do início do século XX, especialmente a simbolista.

Parece-nos cabível afirmar que toda função psíquica superior, na teoria histórico-cultural, tem uma face vivencial - ao lado, propriamente, de sua ação no mundo. O autor não afirma, por exemplo, que o vivenciamento do discurso acompanha qualquer forma de linguagem (Vigotski, 1934/2001, p. 424). A vivência torna-se unidade sistêmica da vida consciente, marcada pela referência ao corpo, às representações e ideias, ou ao mundo externo; com a atividade dominante desta ou daquela função psíquica. A lógica empregada é dialética, pois Vigotski observa o humano em permanente movimento, relações de parte-todo, síntese e mudança histórico-cultural pela qual o sujeito reconhece-se como objeto social no meio, elaborando relações singulares com as condições particulares encontradas.

Já no marco da teoria histórico-cultural, a ideia de vivência nos textos pedológicos do bielorusso abrange vários tipos de estado da consciência e de intensidade afetiva - pois se trata simplesmente da relação interior da consciência com o meio e não um estado psicológico especial. Embora nas vivências se realizem também as dinâmicas profundas da personalidade e do discurso, não se relacionam apenas às situações de grande impacto emocional. Cremos ser mais coerente definir tais situações não apenas como "vivências", mas sim "vivências afetivas", cuja expressão linguística na forma de vocábulos determinados (ódio, amor, raiva etc.) tem uma íntima relação com o desenvolvimento cultural (Vigotski, 1930/1991).

O bielorusso, no decorrer de sua obra, também debate esporadicamente o papel metodológico do conceito de vivência, concluindo que este serviria como fonte de informações sobre o funcionamento neuropsicológico humano (Toassa, 2009). Na clínica pedológica do autor, a análise das vivências era essencial para explanar as causas do desenvolvimento infantil, além da observação, entrevista etc. (Meshcheriakov, no prelo). Se até a idade pré-escolar tais conflitos envolviam apenas as relações entre a criança e seu meio (entre os motivos externos que se lhe ofereciam), nas eventuais crises dos sete anos os conflitos passam a transcorrer também no núcleo interior das vivências infantis - existe uma mediação das memórias e das percepções de si/do mundo na relação criança-meio.

Para conclusão deste artigo, julgamos apropriado salientar a importância do conceito de vivência em três aspectos importantes. O primeiro: os sentidos principais do conceito demarcam o engano, nada incomum entre os estudiosos de Vigotski, de se enquadrar suas ideias sobre a consciência humana num modelo rígido, no qual existem apenas as regulações voluntárias. Julgamos mais proveitoso, contudo, atentar para a variedade de estados de consciência, e a dialética entre voluntário e involuntário, que podem se apresentar no conceito de vivência. O segundo: o valor do conceito sobressai, também, na afirmação da psicologia de Vigotski como psicologia dialética, psicologia dos conflitos e não um determinismo materialista e mecanicista, cuja tônica seja a evolução sem rupturas, pautada pelas ideias de normalidade e adaptação da criança ao meio, na qual a criança parece não produzir efeitos na sua realidade social (e, num certo sentido, nem mesmo tem o direito de produzi-los). O terceiro: auxilia a demarcar a importância da relação singular entre criança e meio social, indicando a influência das circunstâncias e dos modelos particulares de educação na ontogênese. Mas é forçoso observar que o importante conceito do qual tratamos nesse artigo não foi plenamente desenvolvido por Vigotski, aguardando ainda futuros estudos teóricos, pesquisas práticas e novos campos para sua problematização.

Aceito: 26/08/2010

Gisele Toassa, Professora Doutora, Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO.Endereço para correspondência: Av. Primeira Avenida, 206, Apto 204, St. Leste Universitário,Goiânia,GO, CEP: 74605-020.

Endereço eletrônico: gtoassa@gmail.com.

Marilene Proença Rebello de Souza: Docente do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.Endereço para correspondência: Departamento de Psicologia da Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Personalidade, Av. Prof. Mello Moraes, 1721, São Paulo, SP,

CEP: 05508-030.

Endereço eletrônico : mprdsouz@usp.br.

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  • 1
    Trabalho resultante da tese de doutorado defendida pela primeira autora, no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, em 2009. Apoio financeiro: CNPQ.
  • 2
    Em revisão bibliográfica realizada em 2006, encontramos comentários ao conceito de vivência apenas em textos de González-Rey (2000), Bonin (1996), Smolka (2006) e Camargo (1997), autores cujas contribuições principais - diversamente do presente artigo - consistem em retratar as relações entre vivência e afetividade.
  • 3
    A transliteração do alfabeto cirílico ao latino, aqui utilizada, segue a acentuação de Paulo Bezerra (comunicação pessoal, 22/02/2006). Pronuncia-se
    "pirijivânie".
  • 4
    Vigotski dominava o alemão e era muito ligado à cultura alemã. De fato, o sentido do termo alemão é parecido com o de
    perejivânie: "Erleben: v. tr. Viver; presenciar, assistir a; ser testemunha de; (erleden) experimentar; sofrer; suportar; aguentar. Erlebnis: nt (-se pl.) acontecimento m, ocorrência f; (Erfahrung) experiência f; (Abenteuer) aventura f; emoção f (causada por); vivência f; zum ~ werden - causar profunda emoção" (Departamento de Dicionários da Porto Editora, 2000, p. 255).
  • 5
    Enquanto Bezerra (comunicação pessoal, 22/02/2006) diferencia-os em "vivenciamento" e "vivência", noutras traduções não encontramos a mesma distinção.
  • 6
    Tais como as conferências, e diferente dos textos que tratam a personalidade exclusivamente a partir do problema da conduta voluntária, "Sobre los sistemas psicológicos" (Vygotski, 1930/1991, p. 92) defende que a personalidade, nos seus traços diferenciais e caracteriológicos é, mais do que tudo, as conexões caracteriológicas. É o resultado do que surgiu e se desenvolveu na ontogênese em um sistema determinado de conexões neurais: de ações, representações, percepções. Vigotski (1935/1997) elogia que Adler tivesse restituído a temporalidade na análise do caráter, entendendo o caráter como a conduta típica da personalidade que se solidificou, cristalizou na luta por uma posição social. Compreendido dialeticamente, é função mais da posição do sujeito em sociedade do que de suas disposições internas; é o traçado da linha fundamental e do plano inconsciente, profundo, da vida; mutável e não consolidado de uma vez para sempre; relacionado a cada ato psicológico do indivíduo; com o passado e o futuro da personalidade.
  • 7
    Vigotski considerava "subjetivistas" e "idealistas" várias contribuições da filosofia e da ciência alemãs, como a fenomenologia husserliana, a psicologia descritiva de Dilthey e o personalismo crítico de Stern (Vigotski, 1926/1991, pp. 62-64).
  • 8
    A presença de Lewin marcou-se precocemente na obra de Vigotski. Relaciona-se, via de regra, com os debates de Vigotski sobre a psicologia da motivação, a experimentação com crianças e também com seus princípios metodológicos mais gerais. O principal texto lewiniano comentado nos trabalhos pedológicos de Vigotski (1930-1934/1996c) é o "Vorsatz, Wille und Bedürfnis" ("Intention, will and need", 1926) A tomar por Cairns (1983, pp. 84-85) Lewin também enfatizava o estudo de crianças na situação concreta, total, levando em conta a relatividade contextual da experiência em detrimento de métodos estatísticos.
  • 9
    Vigotski (1932/1999, p. 96) admitiu a ambivalência das emoções nas primeiras etapas do desenvolvimento. As emoções incluem sentimentos contraditórios. Segundo Vigotski, a Freud teria cabido o mérito de demonstrar a ambivalência das emoções infantis - fenômeno que o bielo-russo identificaria, posteriormente, nos seus estudos sobre as crises de desenvolvimento infantil.
  • 10
    As crises de desenvolvimento, ou idades críticas, como mostrou Polivanova (2002), foram bastante controversas na psicologia soviética. Para Vigotski, as idades críticas eram próprias à lógica da ontogênese, como processo de construção/domínio consciente de novas capacidades e destruição das antigas, reorganizando as relações do sujeito consigo mesmo e com o mundo. Ocorrem no nível do todo em desenvolvimento, ou seja, da consciência e da personalidade da criança e adolescente. Para o bielo-russo, as idades críticas são as seguintes: neonato, um ano de vida, três, sete, treze e dezesseis anos de vida. Acreditamos ser necessário estudos mais amplos para uma revisão da teoria vigotskiana sobre as idades de crise.
  • 11
    Noutro trecho: Vigotski (1933-1934/1996a, p. 383) divide a vivência em dois núcleos básicos de reflexo: por um lado, o meio na sua relação com o sujeito e o modo que ele o vive e, por outro, as peculiaridades do desenvolvimento do próprio eu.
  • 12
    Vigotski (1934/2001, p. 465) esclarece que o significado é a face social da palavra, um ponto (relativamente) imóvel e imutável, o qual permanece estável nas mudanças de sentido da palavra. Assim, a face mais estável do sentido sempre relaciona-se à experiência social do sujeito, acabando por remeter-se à língua de que se apropriou. O significado é uma potência que se realiza no discurso vivo, uma pedra no edifício do sentido, a soma dos fatos psíquicos que uma palavra desperta em nossa consciência.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Fev 2011
    • Data do Fascículo
      2010

    Histórico

    • Recebido
      27 Set 2010
    • Aceito
      26 Ago 2010
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