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O nascimento de um bebê prematuro ou deficiente: questões de bioética na comunicação do diagnóstico

El nacimiento de un bebé prematuro o com discapacidad: cuestiones de la bioética en la notificación del diagnóstico

La naissance d'un bébé prématuré ou handicapé: questions de bioéthique dans la communication du diagnostic

The birth of a premature baby or deficient: matters of bioethic in the diagnosis communication

Resumos

O nascimento prematuro de uma criança ou acompanhado de alguma anomalia congênita representa para os pais um impacto sobre as expectativas de ter um filho saudável. Este trabalho fez um recorte sobre o referencial bioético da solidariedade, na intervenção em saúde como mecanismo de humanização da comunicação do diagnóstico aos pais sobre o nascimento de um bebê prematuro ou deficiente. A pesquisa qualitativa foi realizada numa maternidade pública do Estado de São Paulo onde foram entrevistadas doze mães e dois casais que vivenciaram o nascimento de uma criança prematura ou deficiente, além de quinze médicos neonatologistas. Os dados obtidos mostram que comunicar o diagnóstico de deficiência ou prematuridade nãoé tarefa simples para ambas as partes envolvidas no processo. A solidariedade permite construir um espaço de reflexão de dois aspectos importantes encontrados nesta pesquisa: o acolhimento aos pais e a possibilidade de construção de redes sociais de apoio.

Bioética; Solidariedade; Comunicação; Nascimento prematuro; Deficiência


El nacimiento prematuro de un niño o acompañado de alguna anomalía congénita representa para los Padres un impacto sobre las expectativas de tener un hijo sano. Esta investigación hace un análisis focalizado en el referencial bioético de la solidaridad, en la intervención en salud como forma de humanización en la comunicación del diagnóstico a los Padres por el nacimiento de un bebé prematuro o con discapacidad. La investigación cualitativa fue realizada en una maternidad pública del Estado de San Pablo entrevistando doce madres y dos parejas que tuvieron la experiencia del nacimiento de un hijo prematuro o discapacitado, además de quince médicos neonatólogos. Los datos obtenidos muestran que comunicar el diagnóstico no es una tarea fácil para ninguna de las partes involucradas en el proceso. La solidaridad permite construir un espacio de reflexión de dos aspectos importantes encontrados en esta investigación: La acogida a los padres y la posibilidad de construcción de redes sociales de apoyo.

Bioética; Solidaridad; Comunicación; Nacimiento prematuro; Discapacidad


La naissance d'un enfant prématuré ou porteur d'une anomalie congénitale représente pour les parents un choc envers leurs attentes d'avoir un enfant sain. Ce travail propose un relevé concernant la bioéthique de la solidariété à  propos de l'intervention dans la santé en tant que mécanisme d'humanisation de la communication du diagnostic aux parents, de la naissance d'un bébé prématuré ou handicapé. La recherche qualitative fut réalisée dans une maternité publique de l'état de São Paulo où eurent lieu des entrevues avec douze mères et deux couples qui vécurent la naissance d'un enfant prématuré ou handicapé, et aussi de quinze médecins spécialisés en néonatalogie. Les données obtenues montrent que communiquer le diagnostic d'un handicap ou d'une naissance prématurée n'est simple pour aucune des parties concernées. La solidarité amène à  réfléchir sur les deux aspects importants révélés par cette recherche: l'accueil aux parents et la possibilité de création de réseaux d'aides sociales d'appui.

Bioéthique; Solidarité; Communication; Naissance prématurée; Handicap


The premature birth of a child or accompanied of some congenital anomaly represents for the parents an impact on the expectations of have a healthy son. This work did a cutting on bioethic referential of the solidarity, in the intervention in health like diagnosis communication humanization mechanism to the parents on the birth of a premature or deficient baby. The qualitative research was going accomplished in a São Paulo's State public maternity where were going interviewed twelve mothers and two couples that lived the birth of a premature or deficient child, besides fifteen medical neobornlogistes. The obtained data show that communicate the deficiency or prematureness diagnosis isn't simple task for both the parts involved in the process. The solidarity allows to build a reflection space of two found important aspects in this research: the reception to the parents and the support social nets construction possibility.

Bioethic; Solidarity; Communication; Premature birth; Deficiency


ARTIGOS

O nascimento de um bebê prematuro ou deficiente: questões de bioética na comunicação do diagnóstico1 1 Artigo derivado de Dissertação de Mestrado em Bioética pelo Centro Universitário São Camilo, defendida pela primeira autora, em 31/07/2008.

The birth of a premature baby or deficient: matters of bioethic in the diagnosis communication

La naissance d'un bébé prématuré ou handicapé: questions de bioéthique dans la communication du diagnostic

El nacimiento de un bebé prematuro o com discapacidad: cuestiones de la bioética en la notificación del diagnóstico

Solimar FerrariI; Vera Lúcia ZaherI; Maria De Jesus Gonçalves

I Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

RESUMO

O nascimento prematuro de uma criança ou acompanhado de alguma anomalia congênita representa para os pais um impacto sobre as expectativas de ter um filho saudável. Este trabalho fez um recorte sobre o referencial bioético da solidariedade, na intervenção em saúde como mecanismo de humanização da comunicação do diagnóstico aos pais sobre o nascimento de um bebê prematuro ou deficiente. A pesquisa qualitativa foi realizada numa maternidade pública do Estado de São Paulo onde foram entrevistadas doze mães e dois casais que vivenciaram o nascimento de uma criança prematura ou deficiente, além de quinze médicos neonatologistas. Os dados obtidos mostram que comunicar o diagnóstico de deficiência ou prematuridade não é tarefa simples para ambas as partes envolvidas no processo. A solidariedade permite construir um espaço de reflexão de dois aspectos importantes encontrados nesta pesquisa: o acolhimento aos pais e a possibilidade de construção de redes sociais de apoio.

Palavras-chave: Bioética. Solidariedade. Comunicação. Nascimento prematuro.

ABSTRACT

The premature birth of a child or accompanied of some congenital anomaly represents for the parents an impact on the expectations of have a healthy son. This work did a cutting on bioethic referential of the solidarity, in the intervention in health like diagnosis communication humanization mechanism to the parents on the birth of a premature or deficient baby. The qualitative research was going accomplished in a São Paulo's State public maternity where were going interviewed twelve mothers and two couples that lived the birth of a premature or deficient child, besides fifteen medical neobornlogistes. The obtained data show that communicate the deficiency or prematureness diagnosis isn't simple task for both the parts involved in the process. The solidarity allows to build a reflection space of two found important aspects in this research: the reception to the parents and the support social nets construction possibility.

Keywords: Bioethic. Solidarity. Communication. Premature birth. Deficiency.

RÉSUMÉ

La naissance d'un enfant prématuré ou porteur d'une anomalie congénitale représente pour les parents un choc envers leurs attentes d'avoir un enfant sain. Ce travail propose un relevé concernant la bioéthique de la solidariété à propos de l'intervention dans la santé en tant que mécanisme d'humanisation de la communication du diagnostic aux parents, de la naissance d'un bébé prématuré ou handicapé. La recherche qualitative fut réalisée dans une maternité publique de l'État de São Paulo ooù eurent lieu des entrevues avec douze mères et deux couples qui vécurent la naissance d'un enfant prématuré ou handicapé, et aussi de quinze médecins spécialisés en néonatalogie. Les données obtenues montrent que communiquer le diagnostic d'un handicap ou d'une naissance prématurée n'est simple pour aucune des parties concernées. La solidarité amène à réfléchir sur les deux aspects importants révélés par cette recherche: l'accueil aux parents et la possibilité de création de réseaux d'aides sociales d'appui.

Mots clés : Bioéthique. Solidarité. Communication. Naissance prématurée. Handicap.

RESUMEN

El nacimiento prematuro de un niño o acompañado de alguna anomalía congénita representa para los Padres un impacto sobre las expectativas de tener un hijo sano. Esta investigación hace un análisis focalizado en el referencial bioético de la solidaridad, en la intervención en salud como forma de humanización en la comunicación del diagnóstico a los Padres por el nacimiento de un bebé prematuro o con discapacidad. La investigación cualitativa fue realizada en una maternidad pública del Estado de San Pablo entrevistando doce madres y dos parejas que tuvieron la experiencia del nacimiento de un hijo prematuro o discapacitado, además de quince médicos neonatólogos. Los datos obtenidos muestran que comunicar el diagnóstico no es una tarea fácil para ninguna de las partes involucradas en el proceso. La solidaridad permite construir un espacio de reflexión de dos aspectos importantes encontrados en esta investigación: La acogida a los padres y la posibilidad de construcción de redes sociales de apoyo.

Palabras clave : Bioética. Solidaridad. Comunicación. Nacimiento prematuro. Discapacidad.

Gestação, processo de idealização e confronto com o bebê real

O nascimento de um bebê está acompanhado de um crescente processo de idealizações e expectativas, que se frustram quando a realidade impõe uma condição diferente daquela esperada. O nascimento de um bebê prematuro ou deficiente causa um impacto emocional aos pais e também à equipe de saúde responsável por comunicar o diagnóstico.

A comunicação do diagnóstico pode representar um fator de sofrimento para os pais e de dificuldades para o profissional médico que geralmente é o responsável pela informação. O presente trabalho é o resultado de uma pesquisa realizada em uma maternidade pública do estado de São Paulo, cujo objetivo foi investigar quais os sentimentos envolvidos neste processo e discutir formas de intervenção baseado em um referencial da Bioética que é a solidariedade.

Para Sales (2000) o desejo de ser mãe é construído social e culturalmente e o desejo narcísico em ser mãe representa um compromisso com a transmissão de sua história pessoal e da herança familiar. Para a autora, o compromisso com a procriação é da ordem simbólica e não instintiva, como muitas vezes acredita-se.

A gestação representa para a mulher o auge de seu desenvolvimento psicossexual, sendo marco importante na vida da mulher, sedimentando sua identidade social e possibilitando condições favoráveis para o seu desenvolvimento pessoal (Bortoletti, Silva, & Tirado, 2007).

Pode-se dizer que o bebê pré-existe ao nascimento. A criança chega ao mundo com um lugar já demarcado pelo desejo dos pais, de maneira simbólica. Dessa maneira, ele já existe no imaginário dos pais. Por essa razão, trata-se de um bebê idealizado, pois ele é imaginado e muito investido em suas características e capacidades.

A idealização corresponde a um mecanismo psicológico em que as qualidades do objeto são vistas em sua perfeição. Nesse processo, o outro é investido de qualidades perfeitas e é engrandecido em sua importância; ele não é visto em sua integralidade, pois é visto apenas parcialmente, nos seus aspectos bons (Laplanche & Pontalis, 1988).

Para Debray (1988) existe um projeto de filho em que o desenvolvimento da gravidez intensifica o processo de idealização. As modificações corporais comprovam o crescimento do bebê e aproximam a sua chegada. O bebê dos sonhos torna-se cada vez mais presente, reforçando a possibilidade de devaneio sobre ele. As interações fantasiosas, presentes desde antes do nascimento, tornam esse filho um bebê de fantasia, onipotente, dotado de todos os poderes e todas as qualidades, um bebê perfeito, sem falhas.

Freud (1914/1969) descreve a relação afetuosa dos pais com os filhos, numa atitude emocional de supervalorização, atribuindo todas as perfeições ao filho e ocultando e esquecendo todas as deficiências dele:

A criança terá mais divertimentos que seus pais; ela não ficará sujeita às necessidades que eles reconheceram como supremas na vida. A doença, a morte, a renúncia ao prazer, restrições a sua vontade própria não a atingirão; as leis da natureza e da sociedade serão ab-rogadas em seu favor; ela será mais uma vez realmente o centro e o âmago da criação - sua majestade o bebê.... A criança concretizará os sonhos dourados que os pais jamais realizaram. O menino se tornará o grande homem e um herói em lugar do pai, a menina se casará com um príncipe em compensação para sua mãe. (p.108)

A mulher, quando gestante, carrega um temor frente à possibilidade de defeitos no bebê e, em grande parte das vezes, ele está associado à impossibilidade de ver o bebê dentro da barriga, o que aumenta a ansiedade referente ao seu desenvolvimento (Bortoletti et al., 2007; Maldonado, 1997; Noronha & Montgomery, 1993; Quayle, 1997).

Esta fantasia torna-se realidade quando a mulher recebe o diagnóstico ou a confirmação de alguma anomalia com seu bebê e isto, inevitavelmente, produz muita angústia (Bortoletti et al., 2007). A expectativa pelo filho, que antes era cheia de esperanças, dá lugar ao choque, à angústia, à tristeza, à solidão e à sobrecarga (Maldonado, 1992).

O nascimento de um bebê deficiente não vem acompanhado de alegrias e congratulações, mas, em grande parte das vezes, por um sentimento de desconforto por parte de todos, inclusive dos profissionais. É um momento que os pais precisam de apoio e de atenção, pois surgem muitas dúvidas ao longo do tempo. Muitas vezes os pais têm que abrir seus próprios caminhos à custa de muito sofrimento, medo, raiva, desespero e confusão (Buscaglia, 2006).

Em outras situações, como quando o parto ocorre prematuramente, o bebê pode vir a ter comprometimentos em seu desenvolvimento psíquico e motor, podendo levar os pais, diante das dificuldades advindas desta situação, a estabelecer formas de relação com esta criança que também comprometam o seu desenvolvimento Além disso, o nascimento prematuro envolve a hospitalização e, portanto, a separação entre os pais e da criança que precisa de cuidados especializados. A capacidade de se vincular ao bebê, que nasceu diferente do que se esperava e, ainda, separado da família, fica comprometida, daí a importância das equipes de saúde para salvaguardar esse vínculo (Mathelin, 1997, 1999).

O diagnóstico de prematuridade e a vivência dos pais diante da hospitalização e suas consequências, "leva a uma perda abrupta da ilusão" (Battikha, 2001, p. 46). A autora afirma ainda, que o diagnóstico médico pode tornar-se um destino a ser cumprido, se o profissional não está atento às reações dos pais diante de todos esses fatos.

Mathelin (1997) enfatiza a dificuldade dos pais em compreender as informações médicas diante do impacto da hospitalização: Os médicos frequentemente se espantam: "Nós falamos com os pais, explicamos de que padecem as crianças, mas frequentemente eles não escutam. Algumas vezes eles nos tranquilizam, afirmando que com certeza não é nada grave, enquanto acabamos de anunciar-lhes notícias muito ruins. Outras, ao contrário, eles estão convencidos que o filho deles vai morrer, enquanto nós havíamos tentado de tudo para explicar-lhes que não havia com que se preocupar". (p. 131)

Segundo Manoni (1988) quando o filho carregado de sonhos nasce doente, a constatação da realidade produz um choque na mãe. Enquanto que um vazio estava sendo preenchido pela imaginação, o confronto com o real renova as insatisfações anteriores. Nos casos de diagnóstico de deficiência da criança, os pais entram em processo de luto a partir da informação do diagnóstico. Nesses casos, as fases do enlutamento são as mesmas identificadas em outras situações. Pode-se notar entorpecimento - acompanhado frequentemente de raiva - negação do diagnóstico, desespero, recuperação (Bromberg, 2000).

Vários sentimentos podem ser descritos como a culpa pelo possível sofrimento do filho, a impossibilidade de sentir-se mãe ou pai, a angústia de separação quando o bebê ainda está hospitalizado, a raiva deslocada para a equipe, a cobrança de familiares e equipe do hospital para que sejam sempre fortes, as dúvidas quanto ao diagnóstico e à gravidade da doença e a solidão (Chaillou, Ollivier, & Raynaud, 1999).

Bortoletti et al. (2007) descreve alguns momentos vivenciados por pais de bebês que nasceram com alguma anomalia. O choque é a reação esperada no primeiro momento. Nesse momento o nível de angústia é muito exacerbado e as informações da equipe podem não ser compreendidas de maneira adequada. O nível de angústia é tão grande que a própria equipe de saúde fica contaminada, não sabendo lidar com ela. Num segundo momento, a negação da realidade aparece. Em seguida, é possível o contato com a realidade do diagnóstico, evidenciando-se, muitas vezes, um período de indignação e revolta. Há, também, um quarto momento em que os sentimentos de resignação e aceitação aparecem e a depressão reativa é compreensível e natural dentro desse processo. Somente a partir daí é que são possíveis a vivência e elaboração do luto. Aí, então, vão se desligando do seu bebê ideal para aceitar paulatinamente o seu bebê real. Os pais podem aceitar a realidade, mas precisam da equipe para isso. O acontecimento faz parte da vida de todos. Não se pode passar alheio a ele. A indiferença é que provoca reações cada vez mais difíceis de lidar.

O momento de informações penosas ao paciente é de grande dificuldade por parte do profissional médico, que é o responsável por tais informações. O modo como uma notícia é comunicada também é importante. Esse fator muitas vezes é desvalorizado, e se deveria dar mais atenção durante o ensino da medicina ou a supervisão dos residentes. A pergunta formulada deveria ser: "Como partilhar o que sei ao paciente?" (Kubler-Ross, 2005, p. 40).

Bazon, Campanelli e Blascovi-Assis (2004), em seu artigo sobre humanização na comunicação do profissional no diagnóstico de deficiências, discutem que a forma com que é feita a comunicação do diagnóstico influencia a reação dos familiares e em sua posterior adaptação, enquanto que a comunicação adequada pode favorecer o estabelecimento do vínculo dos pais com a criança. O sentimento de amparo é fundamental no momento do diagnóstico. Somente quando o profissional vê o paciente, de maneira global, é que ele consegue oferecer um atendimento mais humanizado, preocupando-se com o impacto das informações.

Segundo Nogueira-Martins (2005) a equipe médica também se mobiliza emocionalmente com todas estas questões apresentadas. Algumas características comportamentais que demonstram uma dificuldade adaptativa aos fatores estressantes é a construção de uma couraça impermeável às emoções e sentimentos, demonstrado por meio de um embotamento afetivo.

A opinião de Kubler-Ross (2005) é de que o médico deveria examinar sua atitude pessoal frente o diagnóstico que vai transmitir, de modo a poder falar desse assunto sem bloqueios ou excessiva ansiedade. Deveria prestar atenção nas dicas que o paciente dá, conseguindo extrair dele boa disposição para enfrentar a realidade.

Buscaglia (2006) informa que a equipe pode ajudar os pais não somente com informações técnicas, que auxiliam muito, mas também a preencher suas necessidades emocionais. Os pais precisam estudar seus sentimentos, compreendê-los e a equipe é que pode ajudá-los nisso. O autor aconselha, na informação aos pais sobre o nascimento de uma criança com alguma deficiência, usar linguagem clara, oferecer um ambiente informal e tranquilo, de modo que os pais possam se sentir a vontade para fazer perguntas, incluir ambos os pais no momento da notícia, indicar material de leitura não técnica para ajudar na compreensão dos pais, oferecer relatórios por escrito para os encaminhamentos e oferecer assistência educativa a eles, posteriormente. Enfatiza, ainda, que o paciente tem direito: à informação médica sobre o problema físico ou mental da criança; à informação útil, relevante e específica quanto à importância de seu papel no atendimento às necessidades físicas e emocionais das crianças; ao conhecimento dos recursos disponíveis e serviços de reabilitação; a um bom material de leitura para que possam obter o máximo de informações possíveis; à interação com os outros pais de deficientes; e direito à esperança, apoio e solidariedade por parte dos profissionais.

A solidariedade, na perspectiva bioética, como ponto de aproximação da comunicação em saúde

O termo bioética surgiu em 1970 num artigo de Van Rensselaer Potter, um cancerologista americano. O nome do artigo é "Bioethics, the science of servival". Posteriormente, em 1971, Potter retoma o tema e a palavra bioética em seu livro: "Bioethics: bridge to the future" (Potter, 1971).

Nesta mesma época, André Hellegers, ginecologista holandês, fundador do Kennedy Institute of Ethics, utiliza também o termo bioética. Hoje considera-se um duplo nascimento da bioética, por Potter e Hellegers. Potter utilizou o termo bioética de maneira mais ampla, enquanto que Hellegers a utilizou num conceito restrito a ética biomédica (Durand, 2003).

Para Potter, a Bioética diz respeito a um vasto campo de aplicação e não somente à prática médica. Ele inclui a paz, a pobreza, o controle da população, a ecologia, a vida animal, o bem estar da humanidade e do planeta. Potter propõe uma nova ciência, em que a Bioética faria uma aliança entre o saber biológico (bio) e os valores humanos (ética). Ele propõe uma ponte para o futuro em que os dois possam se articular e se influenciar (Potter, 1971).

A Bioética passou a ser conhecida e apresentada em torno de quatro princípios fundamentais: autonomia, beneficência e justiça, posteriormente sendo acrescido a não maleficência, a partir do relatório Belmont, em 1978, para Comissão Nacional para a Proteção de Seres Humanos em Pesquisas Biomédicas e Comportamentais. Esses princípios ajudam a resolver inúmeros dilemas éticos, mas não todos. Hoje, porém, é sabido que esses quatro princípios são insuficientes para responder todas as reflexões que a Bioética contempla. O principialismo, assim chamado, foi considerado num passado, como sinônimo dos princípios éticos da bioética mas hoje é uma das leituras possíveis, surgindo outros referenciais que embasam o estudo da Bioética.

Assim, é Hossne (2006) que propõe o uso do termo referenciais da bioética, ao invés de princípios. O autor amplia o conceito e também quais são os referenciais da Bioética e cita: sabedoria, dignidade, solidariedade, fraternidade, vulnerabilidade, confidencialidade, privacidade, responsabilidade, qualidade de vida, sobrevivência e serenidade.

A Bioética faz repensar a vida e todas as suas relações. Na área da saúde, ela faz repensar as intervenções profissionais, o tipo de cuidado oferecido e a relação existente entre o profissional de saúde e o cliente/paciente.

A palavra solidariedade hoje, muitas vezes é utilizada de maneira autoexplicativa. Como se a repetição do seu uso tornasse senso comum o seu significado, não havendo necessidade de conceituá-la ou contextualizá-la.

Segundo o Dicionário de Filosofia (Durozoi & Roussel, 1996) a palavra solidariedade vem do latim: solidus, que significa: maciço. É uma noção moral de dever de consciência das obrigações recíprocas, que vinculam o homem a seus semelhantes. Inclui nesse conceito a ideia de uma dependência recíproca dos elementos de um todo.

Segundo o Dicionário de Bioética (Leone, Privitera, & Cunha 2001), a solidariedade se interessa, fundamentalmente, pela relação entre o bem individual e o bem comum. É a categoria capaz de mediar entre as exigências individuais e as comunitárias, ou seja, de estender o valor ético individual para o coletivo. O entendimento da humanidade como comunidade.

A solidariedade é o laço recíproco que une pessoas como corresponsáveis pelo bem e uma das outras. "A determinação firme e perseverante de empenhar-se para o bem comum, isto é, para o bem de todos e de cada um, para que sejam verdadeiramente responsáveis por todos". (Barchifontaine, 2004, p. 249)

Lévinas (2004) em seus ensaios sobre a alteridade explora o conceito de responsabilidade sobre o outro. O reconhecimento da alteridade dá-se a partir do encontro com o outro. Entende-se esse encontro como o saber, a compreensão, a captação do outro. Captação não no sentido de posse, mas sim de proximidade. Ou seja, não pela violência, mas pela socialidade. Encontro entendido como reconhecimento da alteridade. O nome desta responsabilidade é amor ao próximo.

Todo outro é único em sua essência. É o que Lévinas (2004) chama de encontro com o rosto de alguém. É na relação pessoal com o outro que há a possibilidade de um acontecimento ético, no encontro com a singularidade e diferença do outro. Quando se está face a face com alguém, não se estabelece relação de poder entre as partes. A violência existe quando há negação do outro em sua singularidade. Na intersubjetividade há amor ao próximo.

Utilizando-se da metáfora do rosto, Lévinas (2004) fala do respeito à singularidade do outro, diferente em sua essência. Respeito ao sofrimento do outro é a não indiferença ao outro. Só quando se reconhece como parte de um todo é que é possível a solidariedade.

A partir de Lévinas e suas reflexões sobre a alteridade, na metáfora do rosto enquanto reconhecimento do outro é que podemos situar o valor da solidariedade. Para o autor se for possível respeitar o outro já se está em condição de alteridade. Reconhecer a alteridade já implica em respeitá-la. Na intencionalidade em interessar-se pelo outro é que reside a solidariedade. A violência está na indiferença com o outro, na negação do outro.

Para pensar em práticas humanizadas em saúde é necessário considerar a solidariedade enquanto responsabilidade inerente ao processo de reconhecimento do outro, em sua vulnerabilidade. Estar inteiro na experiência de outrem é ser sensível a seu sofrimento, do risco de padecimento, em sua dor.

O conceito de solidariedade articulado à relação entre o profissional de saúde e o paciente se dá a partir da concepção de afetividade no vínculo estabelecido - de não indiferença ao sofrimento e à vulnerabilidade do mesmo. A forma de não indiferença se dá pela linguagem, pelo diálogo. Há numa extrema dificuldade de aceitação por parte do profissional de saúde de acreditar que o êxito terapêutico se dá em grande parte pelo estabelecimento de afetividade na relação.

Este trabalho pretende descrever quais as percepções, opiniões e sentimentos de um grupo de pais e de médicos sobre a comunicação do diagnóstico de prematuridade ou anomalia congênita pela leitura do conceito de solidariedade - um referencial da Bioética.

DELINEAMENTO METODOLÓGICO

Foi utilizada a pesquisa qualitativa como referencial metodológico. Utilizou-se a análise de conteúdo que segundo Bardin (2007) é:

Um conjunto de técnicas de análise das comunicações, que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens. (p. 33)

O estudo foi realizado em uma maternidade pública localizada na zona leste da cidade de São Paulo e referência para gestação de alto risco. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas com os pais que tiveram o nascimento de uma criança prematura ou com alguma deficiência, internados em uma Unidade Neonatal e os médicos que atuam nesse setor e normalmente dão as informações aos pais sobre essas condições. A amostra foi composta de 14 mães, sendo que duas estavam acompanhadas de seus companheiros e 15 médicos. Foi utilizado um roteiro de entrevista para cada grupo de voluntários, ou seja, um para o grupo de pais e outro para os profissionais, contendo perguntas abertas e fechadas e ocorreram sempre com o consentimento dos participantes.

Os entrevistados foram incentivados a falar livremente sobre a situação vivenciada. O roteiro de entrevista foi construído de forma a permitir uma flexibilidade na conversa e absorver novos temas e questões trazidas pelo interlocutor, consideradas de extrema relevância.

No momento da visita dos genitores foi realizado um convite verbal aos mesmos. Tendo sido aceito o convite, os pais foram encaminhados a uma sala próxima à Unidade Neonatal, para garantir maior privacidade. Em seguida foi explicado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e a entrevista foi gravada para garantir maior fidelidade aos dados coletados. Ambos os pais foram convidados quando presentes. Porém, só foram encontrados dois pais, pois alguns deles só visitavam o filho nos finais de semana ou no período noturno. Algumas mulheres estavam sem seus companheiros.

O profissional médico entrevistado foi o neonatologista, uma vez que é ele quem dá a informação após o nascimento do bebê na instituição estudada. Inicialmente foi utilizada uma carta-convite, para em seguida ser realizado um convite verbal aos mesmos. As entrevistas com os médicos também foram gravadas e seguiram os mesmos procedimentos das entrevistas com os pais, sempre com a anuência dos voluntários.

Após cada entrevista realizada elas foram transcritas na íntegra e o material foi utilizado para análise dos dados.

RESULTADOS

Foram entrevistadas 14 mães, sendo que duas estavam acompanhadas de seus companheiros, com idade variando de 25 a 50 anos, com religião católica em sua maioria (75%).

Foram entrevistados 15 médicos neonatologistas. Desses, 20% tinham de 1 a 10 anos de profissão, 53,3% de 11 a 20 anos e 26,7% eram profissionais com mais de 21 anos de atuação na área de Neonatologia.

Das 14 mães, 36% receberam a informação sobre seu filho estando acompanhada da mãe ou do marido e 64% estavam sozinhas no momento da notícia.

As mães e pais entrevistados tiveram seus filhos hospitalizados em UTI neonatal e nos seus relatos pode-se observar que as situações de seus filhos trazem ideias associadas à morte.

Lá na minha cidade, a UTI pra gente é um pé na cova. É assim, só vai pra UTI quando está morrendo. Então, quando fala assim: saiu da UTI, fala: nasceu de novo! (Jasmim)

Os principais resultados encontrados neste estudo foram divididos em categorias: Comunicação, Sentimentos dos pais, Sentimento dos médicos e Sugestões.

Comunicação

Margarida relata a maneira como o profissional médico passa as informações sobre o seu bebê que nasceu prematuro, demonstrando que quando os fatos negativos são falados de maneira abrupta, torna-se difícil lidar com eles

Dependendo dos médicos que conversa, fala tudo, as notícias boas e as ruins, mas acaba te passando um pouco de segurança. Mas, tem uns médicos que conversa, assim, que dá aquela, tipo uma punhalada, pelo jeito deles fala, que você acaba ficando com aquele medo. Mais medo ainda do que você já tinha.

Um aspecto relatado é o fato de algumas informações sobre doenças genéticas virem acompanhadas de informações restritas à descrição física da síndrome, como nos relatos de três mães a seguir:

Que meu filho tinha a suspeita do Síndrome de Down, pela formação dos olhos, da orelha, dos traços da mão, dedinho que falou que tinha uma formação diferente, que eu não vejo nada disso. (Tulipa)

Até então a médica tinha falado pro meu marido que o que chamava a atenção na minha nenê era só um furinho que ela tem na orelha, parece um furinho de agulha. (Girassol)

Falou que a orelhinha era pequenininha, ficava um pouco abaixo da linha dos olhos, e o olho era meio inchadinho e tal.... Ela me passou mais assim, características, que as crianças normalmente tem, que ela falou, que normalmente fica com o dedinho dobradinho, as pontas dos dedos dobradas. A mãozinha não tem todas as linhas das mãos. (Lilás)

Duas mães relataram ter recebido informações diferentes sobre o diagnóstico de seus filhos, como no exemplo seguir:

Foi quando eu estava na UTI e a primeira médica veio conversar comigo e falou que o meu filho tinha a suspeita de Síndrome de Down. Só que até então eu recebi a minha notícia normal. A segunda achou que ele não tinha, que pelos traços meus e do meu marido seria normal. Falou que, assim como eu tinha os olhos grandes, assim, meu marido também, os traços, então ela achava que meu filho puxou pela gente. Quando veio a terceira já passou completamente diferente. Ela passou que a gente tinha que se conformar porque era mais certo de que ele teria a Síndrome de Down do que não. (Tulipa)

Outro aspecto observado por duas mães e um pai na comunicação é o fato de que o médico não tem todas as respostas de imediato e que muitas delas virão com o tempo:

Eu pergunto muita coisa, aí os médicos falam: O tempo vai dizer. (Estefânia)

A seguir o relato de uma mãe dentre três que descrevem atitudes acolhedoras por parte do médico e a atenção que foi dada a elas pelo médico que as acompanhou nas informações sobre suas crianças:

Foi quando eu passei no médico, a cardiologista, ela fez o eco-fetal, ela viu que tinha um probleminha, ela falou que era um bebê cardiopata. Mas ela falou com muito cuidado, me preparou, é lógico eu chorei, fiquei triste. Ela falou que ia ver melhor meu caso, analisar melhor meu caso. Mas não era pra eu ficar preocupada porque tinha cirurgia, que tinha conserto. Aí eu fiquei mais tranquila, eu até brincava com ela, eu falava que ela não era uma médica, era o anjo da guarda da minha filha, eu sempre brinquei com ela assim. (Jasmim)

Nas entrevistas com os médicos também apareceram relatos relacionados à maneira como eles entendem que é a comunicação de diagnósticos à família.

O aspecto trabalhoso da tarefa, a necessidade de tempo para executá-la e a sobrecarga que ela representa foram algumas respostas obtidas nas entrevistas com os médicos:

Eu acho assim, que é trabalhoso. Porque dependendo da minha condição de trabalho na unidade, em geral o médico está atarefado, sempre tem muitas obrigações e responsabilidades, e pra dar essa notícia, é preciso de um pouco de tempo, pra não chocar, pra não ser agressivo com o pai ou com a mãe. E, dependendo da forma como é falada, eles podem se sentir agredidos, assustados. E... exige um certo cuidado, que toma tempo. Não é chegar e comunicar. Não é uma coisa instantânea, que eu falo e acabou. (M1)

Alguns profissionais definiram o momento do diagnóstico como um momento delicado, ruim, complicado ou difícil devido o momento de vida dos pais frente a expectativa frente a chegada de seu filho. E relacionam sentimentos a este momento tais como: tristeza, angústia, frustração ou constrangimento, insatisfação:

É ruim. A gente nunca quer dar uma informação ruim pros pais. (se emociona) A gente quer um momento de alegria, a gente quer passar coisa boas. Mas, ao mesmo tempo a gente tem que passar esta informação, é um compromisso que a gente tem que estar seguindo, a sinceridade com os pais, não pode esconder. É bem ambíguo . (M9)

Sentimentos dos pais

De todos os sentimentos descritos, seis mães relataram a emoção na hora do nascimento do filho, mesmo não tendo sido uma pergunta realizada nas entrevistas. O relato a seguir é de uma mãe que havia recebido o diagnóstico de Síndrome de Down de seu filho ainda no pré-natal.

Na hora do parto, fiz o parto normal. A enfermeira, a moça que fez o parto colocou ela em cima de mim, aí o meu marido cortou o cordão, ficou emocionado. Aí já levou ela, subiu pra fazer os procedimentos do hospital quando o bebê tá com dificuldade respiratória. (Jasmim)

Nas histórias contadas há inúmeros sentimentos descritos. O sentimento mais frequentemente relatado foi o de medo, que apareceu na fala de dez mães e um pai. O medo de maneira genérica, ou o medo descrito sobre algo em específico, como por exemplo: medo da perda, medo de não saber cuidar do recém-nascido prematuro ou deficiente, medo pela criança ser muito pequenininha, entre outros:

Cada vez que vem alguém assim, falar, você já fica até... Ai meu Deus, que que é dessa vez. Cada vez que vai fazer um exame, alguma coisa, você fica com medo, do que vão vim de falar, o resultado, tal. Acaba ficando com medo. (Lilás)

Outro sentimento diversas vezes relatado foi de tristeza ou manifestação de choro, relatado por seis mães e um pai, como no exemplo a seguir:

Eu não consigo controlar o choro... A lágrima. A lágrima fica saindo. E, quer dizer... Tava molhando toda a incubadora. E eu achei que eu ia passar pra ele o que eu tava sentindo. Eu fui lá fora conversar com a segurança pra me acalmar. Até eu me acalmar, até eu colocar o coração no lugar, de novo. Depois eu voltei, aí a médica conversou comigo, me explicou. Aí eu me acalmei porque eu fiquei sabendo do acontecido. (Lírio)

Três mulheres referiram a fantasia de que os médicos escondem alguma informação, como no relato a seguir:

As informações que eles me davam, que elas estavam bem. Eu ficava muito nervosa, pensando que tinha algo acontecendo e eles não queriam falar. (...) Eu ficava com medo. Eu dizia: Ai, meu Deus será que tão escondendo alguma coisa, que está acontecendo com elas e eles não querem me falar. Eu ficava pensando aquilo. O que eu imaginava era tudo negativo. (Liz)

Um relato demonstra a preocupação com o futuro da criança no que diz respeito ao preconceito que ela pode passar:

Acho que o pior é o preconceito contra ele mesmo, depois que ele tiver maior, que as pessoas acabam tendo. Essas coisas mais que eu pensei, porque eu acho que agora não muda muito, ele como bebê acho que não faz muita diferença. O negócio é mais pra frente, quando ele for pra escola, essas coisas todas. Acho que se tivesse me explicado melhor sobre que é a Síndrome de Down, talvez ia abalar, mas você sabendo do que se trata fica um pouco mais tranquila. (Lilás)

Alguns relatos denotam mecanismos de defesa diante de situações de intenso impacto emocional. O impacto da notícia pode ser exemplificado pelo relato a seguir:

A mãe nunca espera. A gente espera ficar nove meses tendo um filho, gerar um filho e sair no terceiro dia bem com ele. Quer o filho perfeito, lindo e maravilhoso, e de repente vem essa notícia de que o menino vai ficar, num vai poder procriar, num vai poder ser uma criança normal. Então é um choque, porque vai ficar dependente dos pais pro resto da vida. Pra mim foi um choque. Porque eu já não esperava dele nascer prematuro. E de repente veio esta notícia, que me chocou. (Tulipa)

A seguir alguns relatos que sugerem um mecanismo de defesa ligado à negação:

Só que o meu coração de mãe eu repito que meu filho não tem esse problema. Não que eu não aceite, não sou contra as crianças que têm. Eu vejo meu filho assim, uma criança normal. (Tulipa)

Enquanto você olhava e aguardava o resultado, você pensava: o ultrassom pode ter me enganado, a gente tem certeza que no cariótipo não vai dar nada, é, então a gente vai acreditar nisso. Foi o resultado final. Foi a soma de todas as ultrassom, do que eu vinha sabendo no pré-natal. O cariótipo foi a martelada final. (Girassol)

O sentimento de revolta, ou de questionamento do por que aconteceu justamente comigo, é expresso no relato a seguir:

Olha, daquele momento, são tantos sentimentos misturados. A primeira assim, a gente às vezes não está tão preparado, que você começa a achar assim que foi um castigo de Deus, e... foi olho gordo de alguém, muita coisa. Por mais que você tenha fé em Deus. Os sentimentos ruins que você tem: Porque Deus fez isso comigo, Deus não me ama, Deus não olhou pra mim. Tanto que eu pedi um filho assim, e Deus me deu um filho assim. (Girassol)

Os relatos a seguir são de Girassol, uma mãe que teve um bebê com Síndrome de Turner e Pierre Robin, que demonstram a aceitação.

E quanto assim, hoje o impacto com esse problema da minha filha, foi transferido. Minha filha é um ser especial, uma coisa tão gostosa que não dá pra ficar vendo detalhezinhos, que ela é uma Pierre Robin, que ela tem um Turner, e esquecer que ela é minha filha. Não, eu vivo mil vezes mais lembrando que ela é minha filha, que ela é sangue do meu sangue, que ela é amor que ela foi gerada com amor, por amor, e que a gente ama tanto ela, que Pierre Robin e Turner, não existe. A gente vai cuidar. Vai atrás de todo o que ela precisa.

Sentimentos dos médicos

O sentimento de tristeza foi relatado por oito médicos, algumas vezes associado ao sentimento de angústia como no exemplo a seguir: Eu acho que eu partilho um pouco da tristeza da família, eu acho triste ver que o nenezinho nasceu malformado, de preocupação com o que vai acontecer, de como o bebê vai ser inserido naquela família. Eu acho que é mais de tristeza e de preocupação. (M12)

Três médicos referiram a angústia frente a impotência, como no relato a seguir: Meu sentimento é impotência, quando se trata de síndrome ou malformação grave, que pouco a gente vai poder cuidar. (M5)

O sentimento de solidão na hora de dar a notícia foi trazido na entrevista de um médico:

O médico fica sozinho neste momento. E sai todo mundo! Ou na hora da morte. Tem a parada e morreu, vai cada um pra um canto. Você vira, quer conversar. Não tem ninguém. O nenê malformado é como uma perda eu comparo com uma perda. Porque é um começo que você não esperava, é como se tivesse andando já algum tempo. É um sentimento de perda também, o nascimento de um malformado. É uma perda grande. (M5)

Cinco profissionais relataram a dificuldade de lidar com os próprios sentimentos:

É difícil a gente lidar com a dor da gente e do próximo ao mesmo tempo. (M5)

O sentimento de tranquilidade foi relatado por um médico, associado ao tempo de profissão:

Eu consigo passar com uma certa tranquilidade. Com o tempo nós vamos adquirindo maior naturalidade. Eu acho que quanto mais jovem é o profissional, é mais difícil. (M5)

O sentimento de solidariedade foi manifestado por alguns médicos. Considerou-se solidariedade como as falas relacionadas a colocar-se no lugar dos pais, sensibilizando-se com seu sofrimento:

Eu tenho, assim, sentimento de solidariedade com os pais, porque a gente sabe que são problemas difíceis de resolver, problemas que implicam em muito sacrifício da parte deles.... Eu tenho noção do que representa isso pra eles, então, eu tenho uma solidariedade com eles.... Eu entendo como uma visão ética, de a gente se colocar no lugar deles (emociona-se). Os pais percebem isso. Como eu gostaria de receber essa notícia se eu estivesse na pele dele ou dela. É uma coisa ética, uma coisa da profissão. (M1)

Eu sou mãe... (emociona-se). É horrível, gente, é... assim. É uma tristeza muito grande, porque a gente se coloca no lugar daquela mãe que está li esperando o bebezinho dela. Você imagina sempre um bebê lindo, maravilhoso, perfeito, mamando no seu peito, e de repente vem um bebê malformado. (M2)

Sugestões

Com relação à maneira de dar o diagnóstico, foram relatadas algumas sugestões por parte das mães. Uma mãe salientou que para ela o médico só deveria comunicar o diagnóstico quando tivesse certeza:

Como ninguém tem a certeza ainda de nada, eu acho que, pelo fato de os pais passarem por uma situação difícil de ter, que nem no meu caso, da criança ter nascido prematura, a gente já ta abalado. Então os pais ficam meio que, assim, é meio chateados com a situação. Então eu acho que eles deveriam de, eu acho, no meu caso, esperar, vê a notícia, pra chegar e falar pros pais de problema, preparar, esperar a criança normalizar pra depois chegar e falar pros pais da situação difícil que a criança tá vivendo, que é esse problema da Síndrome de Down. (Tulipa)

Já Lilás afirma que a notícia deve ser dada imediatamente:

Acho que tem que ser assim mesmo, não tem muito que ficar fazendo rodeio, acho que é melhor falar logo. (Lilás)

Tulipa sugere que os resultados de exames sejam mais rápidos:

Eu acho que esses exames deviam ser mais ligeiros, porque a gente já está vivendo uma tribulação de ver o filho sofrendo e ainda tem que esperar de um a dois meses pra chegar o exame, e a ansiedade da gente aumenta cada vez mais. (Tulipa)

Margarida refere que se deve falar a verdade:

Tipo que nem eu falei. Falar a verdade que tá acontecendo, que é o que o médico tem que fazer. (Margarida)

Margarida também afirma que os médicos devem ouvir o que os pais tem a dizer:

Tem médico que acaba até te ouvindo um pouco. Eu acho que eu pergunto mais do que ele tem pra falar. Acho que é por isso que eles me ouvem. Porque ele está lá pra passar a informação e pra ouvir o que a gente tem de dúvida. Eu acho que tem que ser assim. (Margarida)

O depoimento a seguir demonstra como a atitude acolhedora por parte do médico na hora da informação do diagnóstico de deficiência de seu filho é mais importante, muitas vezes do que a notícia em si.

Que os médicos tenham sempre esse cuidado de falar com as mães. Com as pessoas que tem um sonho de ser mãe e que venham a ter algum probleminha, que eles sejam sempre cuidadosos. Eu encontrei pessoas cuidadosas, mas nem todo mundo é. E a gente às vezes, vem de pouco estudo, vem de uma estrutura financeira muito baixa, e tem muita gente que coloca um título em primeiro lugar e esquece do amor do ser humano, de um afeto. (Girassol)

Os relatos a seguir evidenciam opiniões dos médicos com relação a que situações poderiam ajudar a equipe no momento de diagnóstico de situações especiais aos pais.

A importância da participação de algum familiar no momento da notícia foi considerada importante por quatro médicos, como no relato a seguir:

Eu acho assim, algum familiar do lado, fora a mãe, a parturiente, algum familiar que esteja presente pra gente poder estar passando alguma informação a mais. Que seja um modo de visualização melhor, porque eu acho que pra mãe é meio sofrido. Eu acho que ela está num momento tão delicado. E alguém da família do lado pra gente poder passar a informação e poder amparar, no momento da informação é muito importante. (M9)

A presença de um psicólogo ou de algum membro da equipe multiprofissional no momento da notícia como uma forma de auxiliar na comunicação foi relatado por onze médicos entrevistados, como podemos observar em algumas falas a seguir:

Porque quando tem um caso muito grave, que nasceu um bebê malformado ou prematuro, a maioria das vezes que eu fui dar uma informação tinha uma psicóloga ao lado, que veio falar com a mãe. Ela ficou do lado. Eu senti que diminuiu um pouco minha angústia de estar sozinha com este monte de coisas horríveis pra falar pra esta mãe. Então, dá um apoio pra mãe e pra mim também (sorri). (M4)

O psicólogo. Com certeza. O psicólogo ajuda muito. Então nesse momento, às vezes, a gente está sozinho, não vai ter o psicólogo na sala de parto, mas logo a seguir, contando com esse apoio, ele dá continuidade a esse trabalho, quanto mais precoce melhor. (M5)

O psicólogo ele tem um preparo muito melhor que qualquer outra pessoa pra saber o momento que é pra falar, o momento que não é pra falar, o momento que é pra ficar em silêncio. A gente não, a gente às vezes erra, e a hora que é pra ficar quieto a gente está falando o tempo inteiro. Eu acho que é importante sim, principalmente quando a mãe começa a confiar no psicólogo. Não só o psicólogo, mas outros profissionais. Vê que é uma pessoa que ele pode conversar, pode se abrir mais, contar coisas. Eu acho importante todos os envolvidos, eu acho importante. (M10)

O que pode ajudar é o grupo se juntar. O casal se balança muito, uma sensação de perda. O envolvimento do médico, da equipe multiprofissional, sentar, os pais tem que saber que eles têm que perguntar, não ter vergonha de perguntar. Eles precisam de um carinho especial, uma atenção especial, o malformado também, e é uma ansiedade própria de cada um, tem o medo. (M15)

A fala a seguir denota a importância que alguns profissionais dão para a intervenção do psicólogo para eles mesmos, e não somente para os pais:

A gente acaba se frustrando. Pra nós seria muito importante também, por mais que eu trabalhe vai ter um caso que me frustre também. A perda com o médico é muito bem trabalhada depois de alguns anos, mas eu não acredito que todas as pessoas estão capacitadas e tenham condições a vida toda, pra lidar com todas essas coisas que a gente vê. Eu acho que o psicólogo é importante pro profissional também, não é só pro paciente. (M5)

DISCUSSÃO

Os principais resultados encontrados neste estudo foram divididos em categorias: Comunicação, Sentimentos dos pais, Sentimento dos médicos, Sugestões.

Neste estudo puderam ser observados diversos aspectos relacionados à comunicação entre médico e paciente quanto ao nascimento de um bebê prematuro ou com alguma anomalia congênita.

A atitude acolhedora por parte dos médicos é reconhecida pelos pais como necessária diante de uma situação de impacto emocional. É descrita como aquela que prepara os pais para a notícia, que espera a reação dos pais, explica e tira dúvidas, que usa uma linguagem acessível, explica o tratamento quando ele existe, passa segurança, oferece apoio, carinho e quando envolve algum contato físico. É quando os pais percebem o profissional envolvido com sua problemática e quando não sentem que são alheios a ela, apenas transmitindo uma informação.

Para Kubler-Ross (2005) o que mais conforta o paciente é o sentimento de empatia do médico, mais do que a notícia. O paciente deve sentir que o médico está ao seu lado e que fará todo o possível para confortá-lo. Acrescenta ainda: Os pais identificam alguns profissionais que são mais acolhedores na maneira de informar e outros que o fazem de maneira mais abrupta, parecendo não se importar com os sentimentos deles.

Os pais que descreveram atitudes de acolhimento por parte da equipe médica o fizeram de maneira bastante afetuosa e descreveram esta maneira como uma forma de amenizar o impacto da informação.

O acolhimento inicial aos pais e a garantia de acompanhamento e informação sobre a doença ou condição do bebê, respeitando o processo de assimilação e aceitação gradual, diminui a vulnerabilidade em que se encontram, possibilitando o resgate da autonomia. A ação do médico deve ser conjunta com toda a equipe. A notícia é dada pelo médico, mas a equipe toda deve acompanhar. O trabalho em equipe pode ajudar profundamente aos pais, à criança, sua família como um todo e, também, o próprio profissional. (Chaillou, Ollivier & Raynaud, 1999).

Apesar de os médicos relatarem sentimentos de solidariedade aos pais, os sentimentos de tristeza, angústia e impotência revelam que esta não é uma tarefa fácil, despertando muitos sentimentos também nos profissionais. Alguns relataram dificuldades em lidar com os próprios sentimentos, acreditando que estes podem atrapalhar a relação com o paciente levando a uma tentativa de controle da emoção. Os pais esperam atitudes de acolhimento por parte dos profissionais, enquanto que estes nem sempre estão preparados para agir desta forma. Para os médicos, este é um momento de ansiedade e estresse por considerarem a tarefa trabalhosa e desgastante pela sobrecarga que ela representa.

Um fator de angústia para os pais é quando recebem informações diferentes sobre o mesmo caso, dadas por mais de um profissional, ou quando as informações são inconsistentes como explicar a síndrome por meio de uma descrição física. Essa situação, em particular, deixou algumas mães confusas e reafirmou a incerteza do diagnóstico. A característica física pode não ser percebida pelos pais naquele momento e não fazer sentido para eles como explicação sobre o diagnóstico. Nos relatos descritos, duas mães afirmam não reconhecer o que foi descrito pela médica. Nessas duas situações os sentimentos de negação dos pais encontram terreno propício para se manifestar, o que acaba por dificultar a aceitação da realidade.

Outros fatores de angústia para os pais são a incerteza do diagnóstico e a necessidade de esperar para ter certezas mais exatas, por exemplo, quando o médico não sabe quais as limitações que a criança poderá ter aumentando a angústia com relação ao futuro, incluindo a preocupação com a possibilidade do filho sofrer alguma forma de preconceito.

Na opinião de Kubler-Ross (2005) a atitude médica de não se defrontar com a verdade, preferindo não olhar diretamente para ela induz o paciente a esta mesma atitude. A reação do paciente não depende única e exclusivamente da reação do médico ou de como ele conta, mas representa um fator importante. Se a equipe não pode encarar o problema que está transmitindo para o paciente, isso irá interferir na aceitação do paciente.

Os sentimentos dos pais são de medo, tristeza, impotência, nervoso e preocupação com a saúde das crianças. Os mecanismos de defesa psicológicos de adaptação dos pais diante do impacto da notícia também puderam ser percebidos nos relatos dos pais. Foram descritos sentimentos como, choque, negação, revolta, culpa, aceitação e esperança. A necessidade de negação vai e volta, e quando o paciente foge para um sonho impossível de realizar ele está dando uma pausa para seu pensamento e psiquismo processar todas as vivências. Comumente, a negação é uma defesa temporária, sendo logo substituída por uma aceitação parcial. A maioria dos pacientes não utiliza a negação por muito tempo. Quando o diagnóstico ainda não é definitivo ou vem acompanhado de informações contraditórias, pode alimentar o mecanismo de negação. (Kubler-Ross, 2005).

Os pais apontam sugestões para a melhora no diagnóstico como serem informados da verdade e maior rapidez na chegada dos resultados. Sugerem que os médicos ouçam os pais em suas dúvidas e sejam acolhedores na hora de dar o diagnóstico, por meio de manifestações de carinho na hora de dar a notícia.

Para os médicos, a comunicação do diagnóstico é descrita como delicada, ruim e complexa devido o momento de vida dos pais e suas expectativas quanto ao nascimento do bebê. O sentimento de tristeza foi frequentemente relatado pelos médicos, assim como a dificuldade em lidar com as suas emoções. Outros sentimentos descritos foram: angústia, impotência, frustração, preocupação com o bebê, pena dos pais, ansiedade, raiva, solidão na hora de dar o diagnóstico, tranquilidade e aprendizado. Apenas um relatou não ter sentimentos. O sentimento de solidariedade foi diversas vezes relatado pela equipe médica, sendo este entendido como a atitude de se colocar no lugar dos pais.

Com relação ao que os médicos consideram como ajuda aos pais, neste momento, foi quase consenso a necessidade da presença da equipe, especialmente de um psicólogo ou um familiar no momento da notícia.

O profissional de saúde muitas vezes utiliza-se de defesas contra o seu próprio sofrimento. Há a angústia no próprio profissional de saúde que se defronta com a dor do outro, sem condições e preparo para lidar com ela, refém de sua impotência. Quando os profissionais de saúde têm disponibilidade para compartilhar a dor e o sofrimento do paciente, a comunicação acontece.

Neste trabalho, utilizamos o conceito de solidariedade baseado em duas iniciativas que visam à melhora na comunicação do diagnóstico do médico para os pacientes, amenizando as dificuldades decorrentes desse processo.

A primeira, que já foi discutida anteriormente, fala sobre como as maneiras de comunicação de informações, de forte impacto emocional, podem trazer consequências para a vida futura do sujeito ou podem estar relacionadas às situações de perda ou luto.

A segunda diz respeito à utilização do conceito de solidariedade, a partir da possibilidade de construção de redes sociais de apoio, como as associações de pacientes.

Andrade (2002) realizou uma pesquisa qualitativa em que discute formas de participação dos usuários nos serviços públicos de saúde que levam a um avanço na qualidade dos serviços e das ações em saúde, contribuindo para aumentar a autonomia e elevar a autoestima dos usuários, melhorando sua qualidade de vida. O artigo conta a experiência de uma instituição não governamental e todos os recursos e avanços que foram conseguindo em torno de laços construídos em torno de objetivos comuns. Uma rede de solidariedade contra o isolamento, em prol da retomada dos laços de sociabilidade, e a capacidade dos indivíduos sentirem-se participantes nos processos de suas vidas.

Durante os últimos dez anos, as associações de pacientes têm crescido no Brasil sob a égide da solidariedade, com objetivos que vão desde a defesa dos direitos dos pacientes, à busca por mais informações, maior autonomia e responsabilidade pela própria saúde (Andrade, 2002).

Em uma sociedade que tem precariedade dos vínculos sociais e, também, um esvaziamento das relações afetivas entre as pessoas, as redes sociais seriam uma forma de ativar e estreitar os relacionamentos entre os envolvidos, impedindo o isolamento. Na área da saúde, tais associações podem exercer importante papel para melhorar as condições de pacientes.

Estas associações podem funcionar como formas de revitalizar a solidariedade social desgastada em nossa sociedade contemporânea pelo excesso de ações individualizadas e desintegração social (Andrade, 2002).

Ao se utilizar o referencial da solidariedade, neste segundo aspecto pretende-se sugerir que o incentivo da formação ou inclusão de pais que passaram pela experiência do nascimento de uma criança prematura ou deficiente, em redes sociais de apoio, podem ajudar a torná-los sujeitos de seus processos como, por exemplo, os de cuidado com a saúde, consciência de seus direitos, autonomia e defesa de seus próprios interesses. O conceito de solidariedade pressupõe a relação entre o indivíduo e seu semelhante, com um objetivo comum de buscar o bem coletivo em detrimento ao bem individual.

Outros referenciais da Bioética poderiam ter sido utilizados para discutirmos a comunicação do diagnóstico de prematuridade ou deficiência, como a vulnerabilidade ou autonomia. Mas foi por meio do referencial da solidariedade que foi possível articular reflexões sobre propostas de intervenção em saúde, de maneira a tornar a comunicação eficaz, amenizando possíveis conflitos em busca do bem comum. Bem do profissional que se sente eficiente em sua tarefa, dos pais que se sentem acolhidos e da criança que encontra pais e profissionais mais aptos a pensar em encaminhamentos e maneiras de solucionar dificuldades.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho abordou-se a comunicação do diagnóstico de prematuridade ou anomalias congênitas aos pais. O responsável por esta tarefa, no universo por nós estudado, é a equipe médica. Há diversas questões que envolvem tanto os pais quanto os profissionais neste momento. Diante do impacto da notícia, os pais terão dificuldades de conseguir apreender todas as informações de maneira completa, como os profissionais muitas vezes esperam.

Diante do impacto emocional que a informação gera aos pais, os médicos devem estar atentos e saber observar quais são as reações emocionais dos mesmos. É importante também que os médicos e toda a equipe saibam que os sentimentos que emergem variam em sua diversidade e no tempo em que acontecem.

A informação aos pais sobre o nascimento de uma criança prematura ou com alguma deficiência é vivenciada por eles como um evento traumático, que provoca diversas reações, incluindo a ativação de mecanismos psicológicos de adaptação para a nova condição imposta pela realidade. A informação precisa ser repetida em vários momentos, sempre respeitando o momento emocional em que os pais se encontram. É importante para os profissionais saberem que o mecanismo de negação da realidade é necessário no processo de aceitação dos pais.

Os médicos têm dificuldade para dar esta informação, sentem-se sozinhos e não estão preparados para esta tarefa. A presença de alguém da equipe - principalmente de um psicólogo - pode ajudar tanto aos pais quanto aos médicos que sentirão um apoio neste momento. A presença de um familiar também é muito importante, pois pode aliviar a carga do profissional pelo apoio que este pode oferecer aos pais. Ao receber a notícia a mãe ou pai não deveriam permanecer sozinhos sem o auxílio de um profissional ou de algum familiar e, na medida do possível, não deveriam receber a notícia sem a presença de alguém da família.

A comunicação é um processo que envolve uma série de atitudes que vão além da simples informação do diagnóstico. Os pais e seus familiares têm direito à informação e os profissionais devem considerar esta tarefa fundamental para o estabelecimento de vínculo afetivo entre os pais e o bebê. Os médicos devem ter prudência, acolhimento, garantia de acompanhamento e informações sobre a doença, assim como respeito ao processo de assimilação gradual dos pais.

A atitude de apoio por parte do profissional é importante e esperada pelos pais, que a consideram fator fundamental para amenizar o impacto da notícia. A atitude acolhedora favorece o entendimento da informação e o vínculo com o profissional, favorecendo, também, a participação dos pais no desenvolvimento da criança.

Os profissionais de saúde - em particular, o médico - precisam compreender que não têm como poupar os pais no momento de comunicar-lhes uma informação dolorosa. Mas ele pode acolher e amenizar este momento, oferecendo um suporte para que os pais sintam-se mais fortalecidos.

Outra maneira de articular o referencial bioético da solidariedade é por meio do incentivo aos pais na participação em redes sociais de apoio, pois as associações de pais podem levar à interação de forças, construção e crescimento da confiança no grupo, potencializando a geração de recursos.

É importante os pais pertencerem a grupos de pais, pois isso auxilia na percepção dos próprios sentimentos, no desenvolvimento da autonomia para alcançar resultados e superação de dificuldades.

A solidariedade pode ser um conceito norteador para este momento de conflitos e dificuldades. Solidariedade por parte do profissional ao oferecer apoio aos pais permitindo que se fortaleçam, pensando num objetivo comum que é a inclusão desta criança num ambiente saudável, do ponto de vista emocional e afetivo. Solidariedade por parte dos pais na formação ou pertencimento a redes de apoio, como as associações de pacientes, para que possam fortalecer mecanismos de enfrentamento da situação. A presença de um psicólogo neste momento pode decifrar as angústias envolvidas no processo, facilitando a comunicação entre o médico e o paciente, servindo de elo para que o sentimento de solidariedade se fortaleça e possa ser exercido. Os médicos em sua maioria afirmaram a importância da presença do psicólogo como facilitador desse processo instrumentalizando os profissionais no refinamento da comunicação e amenizando o impacto emocional para ambas as partes.

A comunicação do diagnóstico aos pais diante de um nascimento prematuro ou com alguma deficiência deve ser valorizado enquanto um momento de extrema importância pois representa uma situação traumática pelo impacto que a informação acarreta, sendo que esta vivência pode determinar situações futuras no vínculo com a criança.

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Recebido: 20/08/2009

Aceito: 24/06/2010

Solimar Ferrari, Psicóloga, Assistente Técnica do Núcleo de Planejamento e Gestão do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Endereço para correspondência: Rua Martins Pena, nº290. CEP: 03066-000, São Paulo, SP. Endereço eletrônico: solimarferrari@gmail.com

Vera Lúcia Zaher, Médica e psicóloga do Laboratório de Investigações Médicas 01 da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Endereço para correspondência: Alameda Itu, nº 999, apto. 81. CEP: 01421-001, São Paulo, SP. Endereço eletrônico: zaher@usp.br

Maria de Jesus Gonçalves, Fonoaudióloga. Endereço para correspondência: Rua Eng. Monlevade, nº 166, apto. 10A CEP: 01308-070, São Paulo, SP. Endereço eletrônico: mariadejesusfono@hotmail.com

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  • 1
    Artigo derivado de Dissertação de Mestrado em Bioética pelo Centro Universitário São Camilo, defendida pela primeira autora, em 31/07/2008.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Fev 2011
    • Data do Fascículo
      2010

    Histórico

    • Recebido
      20 Ago 2009
    • Aceito
      24 Jun 2010
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