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Sempre a exclusão (e o preconceito, e a marginalização, e a discriminação) na sociedade e na escola!

Freller, C. C.; Crochik, J. L.; Koratsu, L. N.; Dias, M. A. L.; Casco, R.. 2013. Inclusão e discriminação na educação escolar. Campinas, SP: Alínea

Freller, C. C., Crochik, J. L. Koratsu, L. N. Dias, M. A. L., & Casco, R. (Orgs.). (2013). Inclusão e discriminação na educação escolar. Campinas, SP: Alínea.

O excelente livro Inclusão e Discriminação na Educação Escolar, organizado por José Leon Crochík e seus colegas Lineu Norio Kohatsu, Marian Ávila de Lima e Dias, Cintia Copit Freller e Ricardo Casco, originou-se da pesquisa Preconceito em Relação aos 'Incluídos' na Educação Inclusiva. Tal livro foi desenvolvido no Laboratório de Estudos sobre o Preconceito do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, que se vincula à área de pós-graduação denominada Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano. No entanto, como explicam seus autores na Apresentação, "não trata nem da psicologia escolar, nem do desenvolvimento humano, mas sim de um fenômeno social que tem implicações sociais e individuais: o preconceito como forma de exclusão social" (p. 6). Portanto, trataria da educação na medida em que se insere e dialoga com as pesquisas que estudam a educação escolar, seus problemas, seus desafios, seus questionamentos, as políticas governamentais que a formatam, em especial a escola pública, e as inúmeras formas de exclusão que ao longo das décadas recentes vem punindo os alunos mais pobres da sociedade, após ter-se aberto a eles, configurando o que alguns autores denominam de "escola de inclusão das massas".

O tema da inclusão na sociedade brasileira e em especial na educação escolar começa a ser discutido, analisado, pautado nas pesquisas, nas políticas educacionais e incluído na legislação com pelo menos cinco séculos de atraso. Nas últimas décadas do século passado e ainda em curso no século XXI tivemos a tardia ampliação da escola pública em nosso país, o que possibilitou a inclusão das maiorias, as crianças e jovens dos segmentos desfavorecidos da sociedade, até então excluídas. Essa inclusão, no entanto, dissimula os mecanismos de exclusão por dentro, resultado de políticas governamentais que vem desqualificando os professores e demais profissionais da educação, como intelectuais e com condições de trabalho que lhes possibilitem elevar a qualidade do ensino e das aprendizagens o que resultaria numa inclusão social, de fato, pela inclusão escolar. Essa dívida histórica é ainda mais acentuada em relação aos portadores de algum tipo de deficiência - física ou mental - além da social.

É nesse contexto de políticas educacionais que reiteram a exclusão, que o livro torna-se sumamente necessário. Mas de que trata a educação e a educação escolar ? Quais desafios que a contemporaneidade lhes coloca?

A educação é uma práxis social que tem por finalidade inserir os sujeitos no processo histórico ao mesmo tempo em que contribui para a construção da subjetividade destes. Portanto, é um processo de humanização, de inserção dos sujeitos na sociedade humana historicamente construída, de socialização e construção da identidade. A educação é, pois, produto do trabalho de seres humanos, e como tal, responde aos desafios que diferentes contextos políticos e sociais lhe colocam. A educação reflete, retrata e reproduz a sociedade, mas também projeta a sociedade que se quer, vinculando-se profundamente ao processo civilizatório e humano. A sociedade humana, por sua vez, é responsável por esse processo através de suas instituições das quais a escola é partícipe. Enquanto práxis histórica tem o desafio de responder às demandas que os contextos históricos colocam.

Dentre esses desafios destacamos quatro no cenário contemporâneo: o de incluir todos os seres humanos como partícipes dos processos civilizatórios, respondendo aos problemas que esse processo gera, corrigindo suas distorções que resultam em graves danos à humanidade e, ao mesmo tempo, usufruindo dos avanços conquistados; o de avançar da sociedade da informação para a sociedade do conhecimento; o de superar os problemas decorrentes da sociedade do não emprego e das novas configurações do trabalho e de exploração do trabalhador; e, decorrente destes, o esgarçamento das condições humanas traduzidos na competitividade e no individualismo, violência, concentração de renda na mão de minorias, exclusão da maioria da população e na destruição da vida através das drogas, da destruição do meio ambiente, da destruição das relações interpessoais entre outras.

Esse cenário aponta para a ampliação cada vez maior de uma exclusão que contraditoriamente é gerada nas ações de inclusão que a sociedade brasileira vem praticando. É a exclusão por dentro da inclusão, conforme os autores do livro.

Nesse sentido, é interessante constatar que nosso país conseguiu colocar (quase) todas as crianças do país dentro da escola pública e gratuita (e de qualidade), o que se deu por pressões dos intelectuais educadores em momentos históricos marcantes como o da década de 1930, com os Pioneiros da Educação, na década de 1960, com os intelectuais Pioneiros, "Mais uma vez convocados", com a Conferência Brasileira de Educação (CBEs), nos anos de 1980, e várias entidades da sociedade civil - ABI, OAB, SBPC, entre outras. Hoje, no século XXI, constatamos que a bandeira "qualidade" não foi desfraldada, ficou recolhida e desapareceu. Atendemos a demanda quantitativa, mas as políticas de governos neoliberais trabalharam na contramão de uma valorização qualitativa do ensino, do trabalho docente, das aprendizagens. Isso teve consequência nos nossos sistemas de ensino e escolas em que os alunos terminam o Ensino Fundamental (e mesmo o Médio) semialfabetizados, sem os instrumentos necessários para se inserirem e realizarem uma leitura crítica do mundo; o acesso aos instrumentos do saber lhes é negado, quer para se inserirem socialmente, quer para se desenvolverem como sujeitos. A práxis educativa, nesses sistemas, sonega aos estudantes o direito ao processo de humanização. Como esse fenômeno se dá no caso das crianças e jovens com deficiências nas escolas?

A fim de promover um diálogo com a referida pesquisa, trazemos algumas contribuições das pesquisas na área da educação escolar, de didática e de formação de professores.

Enquanto uma das instituições sociais, compete à escola contribuir com o processo de humanização, realizando a educação de crianças e jovens visando sua inserção na sociedade existente ao mesmo tempo em que se desenvolvem como sujeitos. Especificamente o faz dispondo os conhecimentos produzidos historicamente pelos seres humanos, de tal modo a permitir que os sujeitos desenvolvam suas capacidades de pensar, de se situar no mundo, compreender a si em relação ao outro, ler o mundo, analisá-lo, compreendê-lo, contextualizar seus avanços e seus problemas, para propor novas formas de organizar a sociedade humana. Nesse processo desenvolve a sensibilidade, a emoção, o compromisso ético, a consciência de si e do outro no diálogo com o mundo: suas belezas, seus encantos e seus problemas. A escola é, pois, um espaço para trabalhar o conhecimento, instrumento importantíssimo para a construção do humano, fazendo-o pensar, refletir, conhecer, dominar a cultura acumulada, as formas de construção da sociedade, as tecnologias e as formas de construí-las constituindo tais formas em conhecimento. Por isso é inaceitável que movimentos e políticas gerem a banalização do conhecimento no interior das escolas, que não por acaso estão postas para as escolas de massa. As políticas neoliberais geraram dois tipos de escola: as que desenvolvem os conhecimentos para os ricos e as de acolhimento social para os pobres, como afirmam diversos autores. É neste segundo tipo que observamos o movimento contraditório no qual na inclusão (quantitativa) se pratica e se refina os mecanismos de exclusão social, de modo explícito e implícito. A política de ciclos, por exemplo, em princípio uma boa ideia, que como mostram as pesquisas, por falta de condições pedagógicas e de apoios institucionais às escolas e aos professores, acabou por converter-se na aprovação automática, com graves danos à qualidade do ensino, funcionando como um processo que promove e refina a exclusão social por dentro da escola.

Nesse contexto, a inclusão de crianças e jovens com deficiências é ainda mais problemática, porque é atravessada por comportamentos arraigados na sociedade de preconceito, discriminação e marginalização. Estes comportamentos são problematizados como conceitos-chave na pesquisa para sustentar e discutir os conceitos de exclusão e inclusão na educação escolar.

Realizada em duas escolas públicas e duas particulares, situadas na cidade de São Paulo, a pesquisa teve como sujeitos alunos, considerados em situação de inclusão, coordenadores/diretores e professores.

No primeiro capítulo os autores apresentam o suporte teórico para desenvolver os conceitos-chave - preconceito, discriminação, marginalização - baseados principalmente em Adorno (1985) e Jodelet (2006), que lhes permitem discuti-los em suas diferenças, desdobramentos e imbricações a partir de fatos históricos paradigmáticos como o nazismo e de manifestações sociais como as diversas formas de capitalismo e suas inúmeras facetas de exclusão. Dentre os achados mais significativos nessa densa e consistente arquitetura teórica, destacamos o que se refere ao debate sobre inclusão/exclusão social. Respaldados em Martins (1997), os autores afirmam que:

  • a respeito do termo "exclusão", preocupa-se (o autor referido), com seu uso idealista, que esconde as contradições sociais; o movimento de exclusão que busca incluir de forma distinta... é próprio da sociedade capitalista, de modo a podermos nos referir a uma inclusão marginal. (p. 10)

Ainda nesse capítulo, são discutidos assuntos que envolvem a problemática da pesquisa. Para compreender se a educação inclusiva é semelhante no ensino público e no ensino particular, tais autores trazem a contribuição de vários estudos em diferentes países, além do Brasil sobre o sistema de ensino dual que se configura a partir do momento em que a escola inclui indivíduos antes marginalizados ou segregados, apresentando neles as políticas e práticas de inclusão adotadas. O panorama de pesquisas realizadas sobre o tema pelos autores entre outros completa o referencial teórico.

Ao final do capítulo são apresentadas as finalidades da pesquisa em comparar as duas escolas públicas e as duas particulares no que se refere ao rendimento dos alunos em situação de inclusão; a percepção dos professores sobre estes; a preferência/rejeição de colegas; e a interação e participação na sala de aula. Essas categorias orientam a elaboração dos instrumentos para coleta de dados: questionários, entrevistas, observação, e conforme a sólida fundamentação metodológica qualitativa com suporte em procedimentos estatísticos. E a hipótese geral: "quanto maior o grau de inclusão, independentemente de a escola ser particular ou pública, menor será o preconceito sob as formas de segregação e marginalização" (p. 40).

O segundo capítulo é dedicado à apresentação do Método, que sustenta a metodologia e os procedimentos, dissolvendo a "querela entre técnicas quantitativas e técnicas qualitativas", que segundo os autores da referida pesquisa, os teóricos Horkheimer e Adorno (1973) defendem que "para enfrentar os problemas sociais expressados pela violência em suas diversas formas, devemos utilizar as técnicas mais avançadas" (p. 42).

Cuidadosamente analisados no terceiro capítulo, os dados são interpretados nas Considerações Finais à luz do referencial teórico, e permitem aos autores apresentar os principais resultados, que analisados em seus contextos poderão subsidiar as escolas e os sistemas de ensino que assumem compromisso com a inclusão, sem discriminação:

  • a presença de um professor específico para alunos considerados em situação de inclusão erguia uma barreira para que esses tentassem a já difícil aproximação dos demais e vice-- versa;... as tarefas diversificadas, caracterizadas por serem propícias a alunos de séries anteriores, quando dadas a esses alunos, algumas vezes, proporcionaram situações de humilhação. (p. 145)

E indicam aspectos a serem considerados na recriação da classe (ou instituição) especial:

  • Deve-se reconhecer a importância de mais de um educador em sala de aula e não se deve desconhecer as dificuldades que alguns dos alunos considerados em situação de inclusão podem ter, mas quando há exclusividade da atuação desse educador em relação a esses alunos, dificulta-se a compreensão de que pertencem àquela classe. (p.145).

Por fim, os autores apontam nas páginas finais do livro aspectos negativos, mas também aspectos positivos que encontraram nas escolas estudadas e apontam indicadores para as políticas públicas de educação inclusiva.

Tal pesquisa e livro possuem uma ótima qualidade que recomendamos aos pesquisadores e professores na área de educação inclusiva (sem discriminação) ou os professores, diretores, coordenadores, pedagogos, psicólogos, sociólogos compromissados com uma educação de qualidade que, de fato, inclua sem discriminar, na escola, na família, nas organizações civis, nos governos e demais instituições sociais.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2014
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