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Arqueologia fenomenológica, fenomenologia genética e psicologia: rumo à gênese das manifestações culturais

Phenomenological archaeology, genetic phenomenology and psychology: towards the genesis of cultural manifestations

Archéologie phénoménologique, phénoménologie génétique et psychologie: vers la genèse des manifestations culturelles

Arqueología fenomenológica, fenomenología genética y psicología: hacia la génesis de las manifestaciones culturales

Resumo

Neste artigo é realizada uma investigação teórica de fundamentos e princípios da fenomenologia clássica enquanto orientação metodológica para o estudo de fenômenos culturais. Tal investigação se inscreve no domínio qualitativo de pesquisa em psicologia e, portanto, no domínio da psicologia da cultura. Porém, ao considerar o domínio geral dos estudos fenomenológicos em psicologia, constata-se a regularidade de críticas à fenomenologia clássica, pondo em questão alguns pressupostos metodológicos adotados por Husserl, tendo por referência, sobretudo, seus trabalhos publicados em vida. Com base em autores contemporâneos que têm se dedicado ao estudo de suas últimas obras e manuscritos ainda não publicados, o debate em torno dessas críticas é atualizado de modo a inovar as reflexões sobre a aplicação empírica de sua fenomenologia. Verificam-se então equivalências entre a arqueologia fenomenológica das culturas e a fenomenologia genética que delineiam as primeiras orientações metodológicas para o estudo de fenômenos culturais.

Palavras-chave:
fenomenologia; psicologia; gênese e cultura

Abstract

This paper presents a theoretical investigation of the fundamentals and principles of classical phenomenology as a methodological approach for the study of cultural phenomena. This research is inscribed in the realm of qualitative research in psychology, therefore in the field of psychology of culture. However, in considering the general area of phenomenological studies in psychology, regular criticism of classical phenomenology is observed, questioning some methodological assumptions adopted by Husserl, referring primarily to the works published during his lifetime. Based on contemporary authors dedicated to the study of Husserl´s later works and unpublished manuscripts, the debate around these criticisms is updated to innovate reflections on the empirical application of his phenomenology. As conclusion, some equivalences between phenomenological archeology of culture and genetic phenomenology confers the first methodological guidelines for the study of cultural phenomena.

Keywords:
phenomenology; psychology; Genesis and Culture

Résumé

Cet article présente une enquête théorique sur les fondements et les principes de la phénomenologie classique en tant que guide méthodologique pour l'étude des phénomènes culturels. Cette recherche s'inscrit dans le domaine de la recherche qualitative en psychologie et donc dans le domaine de la psychologie de la culture. Toutefois, compte tenu les études phénoménologiques en psychologie pris de façon générale, il y a la critique régulière de la phénoménologie classique, mettent en question certaines hypothèses méthodologiques adoptées par Husserl, particulièrement en ce qui concerne leurs oeuvres publiées en vie. Basé sur des auteurs contemporains qui se sont consacrés à l'étude de leurs oeuvres passées et manuscrits inédits, le débat autour de ces critiques est mis à jour et permet d'innover les réflexions sur l'application empirique de sa phénoménologie. À titre de conclusion, des équivalences entre l'archéologie phénoménologique des cultures et la phénoménologie génétique sont presentés comme des lignes méthodologiques directrices pour l'étude des phénomènes culturels.

Mots-clés:
phénoménologie; la psychologie; la Genèse et de la Culture

Resumen

Este artículo presenta una investigación teórica de los fundamentos y principios de la fenomenología clásica como guía metodológica para el estudio de los fenómenos culturales. Esta investigación se inscribe en el campo de la investigación cualitativa en psicología y, por lo tanto, en el campo de la psicología de la cultura. Sin embargo, teniendo en cuenta el dominio general de los estudios fenomenológicos en psicología, se verifica la regularidad de críticas a la fenomenología clásica, que cuestionan algunos presupuestos metodológicos adoptados por Husserl, teniendo por referencia, sobre todo, sus obras publicadas en vida. Con base en autores contemporáneos que se han dedicado al estudio de sus obras pasadas y manuscritos no publicados, el debate en torno a estas críticas fue actualizado para innovar las reflexiones sobre la aplicación empírica de su fenomenología. Son verificadas equivalencias entre la arqueología fenomenológica de las culturas y la fenomenología genética que delinean las primeras orientaciones metodológicas para el estudio de fenómenos culturales.

Palabras clave:
la fenomenología; la psicología; Génesis y Cultura

Introdução

A partir do trabalho seminal de filósofos como Angela Ales Bello, Natalie Depraz e Dan Zahavi, os últimos anos têm testemunhado o desenvolvimento da fenomenologia clássica em diversos campos de pesquisa em ciências humanas. Neste texto, destaca-se a arqueologia fenomenológica das culturas (Ales Bello, 1998Ales Bello, A. (1998). Culturas e religiões: uma leitura fenomenológica (A. Angonese, trad.). Bauru, SP: EDUSC.) aplicada, por exemplo, em psicologia, como ilustram investigações em psicologia social1 1 A exemplo de (Gaspar e Mahfoud 2012), (Leite e Mahfoud 2010, 2007), (Araújo 2009), (Araújo e Mahfoud 2004). e nos estudos de práticas corporais2 2 A exemplo de (Barreira 2006a, 2006b, 2013, 2013b); (Barreira e Massimi 2006, 2008); (Barreira, Ranieri e Carbinato 2009); (Benvindo e Barreira 2009); (Ottoni, Ranieri e Barreira 2008); (Ranieri e Barreira 2011). . A arqueologia fenomenológica das culturas consiste no desdobramento metodológico da fenomenologia clássica quando a mesma se interessa e aplica à exploração de fenômenos culturais, portanto conjuga o pensamento fiel à fenomenologia transcendental inicialmente proposta por Edmund Husserl (1859-1938). Assim, simultaneamente, a fenomenologia genética fornece orientações com finalidades e procedimentos profundamente afinados com os propósitos da arqueologia fenomenológica.

Em contraste, vê-se uma insistente repetição não só no domínio da filosofia, mas também no da psicologia, de várias críticas endereçadas a Husserl e sua fenomenologia, críticas essas que supostamente desautorizariam suas ambições analíticas. Naturalmente, o antagonismo à fenomenologia transcendental tem raiz em domínio filosófico, mas, refletindo-se na psicologia, insere-se num profícuo colóquio onde se pensam e propõem posições e aplicações fenomenológicas, orientando uma perspectiva que, contemplando as muitas variantes fenomenológicas, vem sendo denominada como psicologia fenomenológica. Ao mesmo tempo em que Ales Bello, Depraz e Zahavi trabalham numa extensa e minuciosa análise dos manuscritos da obra de Husserl, gradativamente renovam o debate filosófico com aquelas críticas e as respondem de modo a, se não refutá-las cabalmente, ao menos nuançá-las significativamente.

Tomando fontes secundárias da literatura como ponto de partida, a presente proposta não deixa de, em um e outro ponto, recorrer à fonte primária, citando Husserl em primeira mão. Mas seu objetivo não é apenas trazer à tona a articulação desses autores e suas considerações sobre a fenomenologia clássica, mas contrastá-las com o que se diz no domínio psicológico de pesquisa, respondendo às críticas ali recorrentes. Isto porque, ao demarcar contrastes, revela-se também o diálogo entre fenomenologia genética e arqueologia fenomenológica que produz aprofundamentos compreensivos da fenomenologia enquanto método para investigação de fenômenos culturais em psicologia, delineando apontamentos e orientações possíveis para o que continua ainda em curso: o desenvolvimento e sistematização do método fenomenológico clássico apli cado à psicologia e à cultura.

Essa reascensão da fenomenologia clássica vem renovando sua força e potencial, o que estimula um constante aprofundamento em nível teórico na psicologia3 3 A exemplo de (Barreira 2011), (Coelho Júnior e Mahfoud 2006), (Mahfoud e Massimi 2008), (Ranieri e Barreira 2012), (Salum e Mahfoud 2012). Veja-se especialmente a coletânea organizada por (Mahfoud e Massimi 2013). que tem se mostrado capaz de subsidiar etapas procedimentais e dialogar com a esfera empírica de aplicação investigativa, visando principalmente fenômenos em que a esfera da corporeidade humana seja central ou intensamente presente. Temáticas como o esporte, as diversas práticas corporais, danças, artes marciais, bem como outros fenômenos culturais e artísticos, populares e tradicionais, alheias aos interesses filosóficos imediatos da fenomenologia clássica, têm na arqueologia fenomenológica um recurso pelo qual seu desvelamento fertiliza o vínculo entre psicologia e cultura. Amplia-se então o entendimento da fenomenologia enquanto método de investigação de fenômenos culturais, contribuindo para o estabelecimento de uma relação construtiva entre psicologia e cultura, tal como contemplada por (Massimi 2012Massimi, M. (Org.) (2012). Psicologia, cultura e história: perspectivas em diálogo. Rio de Janeiro, RJ: Outras Letras.), sem, contudo, haver a pretensão de se cumprir uma revisão do estado da arte de quaisquer outras vertentes fenomenológicas.

A fenomenologia clássica: Husserl e o debate do método fenomenológico em psicologia

Ao se realizar esse percurso sem uma retomada detalhada de algumas peculiaridades históricas, cumpre-se uma possível apropriação do método frente ao que já vem sendo desenvolvido por vários pesquisadores como proposta aplicativa de recursos husserlianos no domínio da psicologia (Depraz, Varela, & Vermersch, 2006Depraz, N., Varela, F. J., & Vermesch, P. (2006). A redução à prova da experiência. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 58(1), 75-86.; Giorgi & Souza, 2010Giorgi, A., & Souza, D. (2010). Método fenomenológico de investigação em psicologia. Lisboa, Portugal: Fim de Século.; Vilela Petit, 2001), apropriando-se também da retomada recente de estudos que recolocam as interpretações sobre a fenomenologia clássica e realizam novos avanços na sua compreensão no domínio da filosofia (Ales Bello, 1998Ales Bello, A. (2000). A fenomenologia do ser humano: traços de uma filosofia no feminino (A. Angonese, trad.). Bauru, SP: EDUSC.; Depraz, 2006Depraz, N., Varela, F. J., & Vermesch, P. (2006). A redução à prova da experiência. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 58(1), 75-86., 2008Depraz, N. (2008). Compreender Husserl (2a ed., F. Santos, trad.). Petrópolis, RJ: Vozes.; Sokolowski, 2010Sokolowski, R. (2010). Introdução àfenomenologia. São Paulo, SP: Loyola.; Zahavi, 2003Zahavi, D. (2003). Husserl phenomenology. California: Stanford University Press.). Assim, devido também à complexidade irredutível a esquemas do desenvolvimento da fenomenologia (Ales Bello, 2004Ales Bello, A. (2003). Il simbolo nell´esperienza sacrale-religiosa: un'analisi fenomenologica. Memorandum5, 134-147.), há aqui uma abordagem em nível mais geral e corrente, porém não menos fundamental, do atual debate em torno de sua fenomenologia no campo da psicologia, buscando-se explicitar e pensar a aplicação da redução fenomenológica e da epoché, em grandes linhas, em sentido genético e arqueológico. Em função dessa proposta de abordagem, a opção adotada aqui é a de tangenciar trabalhos em psicologia que pautam o debate interpretativo com críticas à fenomenologia de Husserl.

Na grande maioria das vezes em que Husserl é citado criticamente, principalmente quando se mencionam suas últimas obras e seus manuscritos não publicados em vida, costuma-se permanecer em exposições superficiais sobre suas características. Ao se deter sobre a fenomenologia de Husserl em suas relações com a de Merleau-Ponty, o trabalho de (Capalbo 2007Capalbo, C. (2007). A subjetividade na experiência do outro: Maurice Merleau-Ponty e Edmund Husserl. Revista da Abordagem Gestáltica13(1), 25-50., 2008Capalbo, C. (2008). Fenomenologia e Ciências Humanas. Aparecida, SP: Idéias e Letras.) encontra-se entre as raras exceções, mostrando aproximações da abordagem existencial do filósofo francês com a abordagem genética de Husserl. Exemplos de grandes semelhanças entre análises husserlianas e determinadas análises de Merleau-Ponty e Heidegger também são demonstrados por (Zahavi 2003Zahavi, D. (2008). La transformation intersubjective de la philosophie transcendantale. In J. Benoist (Org.), Husserl (pp. 249-279) Paris, França: Les Éditions du CERF.) e (Depraz 2008Depraz, N. (2008). Compreender Husserl (2a ed., F. Santos, trad.). Petrópolis, RJ: Vozes.).

Conforme argumenta (Zahavi 2003Zahavi, D. (2003). Husserl phenomenology. California: Stanford University Press.), esse quadro de desconhecimento, por si só, gera equívocos quanto à fenomenologia clássica, pois, na primeira parte de seu trabalho, a fenomenologia demasiado descritiva de Husserl traz uma série de ambiguidades e limitações com as quais o filósofo se debate num constante movimento de aperfeiçoamento, correção, crítica e aprofundamento que se prolonga por toda a sua vida. O próprio Husserl critica aspectos dos resultados a que chegara em Investigações Lógicas (1900-1901) e nas Ideias 1 (1913). Isto, com efeito, demonstra mudanças e aprofundamentos ao longo de seu percurso filosófico, mas não uma ruptura entre seus momentos (Zahavi, 2003Zahavi, D. (2003). Husserl phenomenology. California: Stanford University Press.) que contradiga os princípios da unidade consistente que tem sua fenomenologia. Heidegger, Sartre e Merleau-Ponty criticaram a fenomenologia transcendental de Husserl, retrabalharam e desenvolveram as ideias do fundador do método (Allen-Collinson, 2009Allen-Collinson, J. (2009). Sporting embodiment: sports studies and the (continuing) promise of phenomenology. Qualitative Research in Sport and Exercise1(3), 279- 296.; Capalbo, 2007Capalbo, C. (2007). A subjetividade na experiência do outro: Maurice Merleau-Ponty e Edmund Husserl. Revista da Abordagem Gestáltica13(1), 25-50.; Casanova, 2010Casanova, M. A. (2012). Compreender Heidegger (3a ed.). Petrópolis, RJ: Vozes.; Moreira & Cavalcante Junior, 2004Moreira, V., & Cavalcante Junior, F. S. (2004). O método fenomenológico crítico (ou mundano) na pesquisa em psico(pato)logia e a contribuição da etnografia. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 2, 249-245.; Schneider, 2011Schneider, D. R. (2011). Sartre e a psicologia clínica. Florianópolis, SC: Editora da UFSC.; Zahavi, 2003Zahavi, D. (2003). Husserl phenomenology. California: Stanford University Press.), havendo uma influência filosófica desses autores sobre a mencionada psicologia fenomenológica (Amatuzzi, 2001Amatuzzi, M. M. (2001). Por uma psicologia humana. Campinas, SP: Alínea.; Castro & Gomes, 2011Castro, G. T., & Gomes, B. W. (2011). Movimento fenomenológico: controvérsias e perspectivas na pesquisa psicológica. Psicologia: Teoria e Pesquisa27(2), 233-240.; Langridge, 2008Langdridge, D. (2008) Phenomenology and critical social psychology: Directions and Debates in Theory and Research. Social in Personality Psychology Compass2 (3), 1126-1142.; Moreira, 2008Moreira, V. (2008). O método fenomenológico de Merleau-Ponty como ferramenta crítica na pesquisa em psicopatologia. Psicologia: Reflexão e Crítica13, 447-456.; Moreira & Tatossian, 2012Moreira, V., & Tatossian, A. (2012). Clínica do Lebenswelt: psicoterapia e psicopatologia fenomenológicaSão Paulo, SP: Escuta.;).

Porém, como no entendimento do próprio Husserl, "a práxis da fenomenologia se atém à efetuação real de experiências, a sua re-efetuação, assim como a sua descrição nos termos invocados por sua adequação à experiência vivida." (Depraz, 2008Depraz, N. (2008). Compreender Husserl (2a ed., F. Santos, trad.). Petrópolis, RJ: Vozes.). Não enveredando em discussões filosóficas específicas, segue-se, embora ainda em caminhada teórica, em afinidade com (Depraz 2008Depraz, N. (2008). Compreender Husserl (2a ed., F. Santos, trad.). Petrópolis, RJ: Vozes.), na pista de criar condições para abrir outros campos de experiência não enclausurados por um comentário filosófico interno.

Das críticas frequentes à fenomenologia husserliana

De uma forma geral, as críticas, muito bem situadas no debate fenomenológico, se centram em alguns aspectos. Um é a aplicação da epoché sem o consequente engajamento do sujeito que a realiza no mundo (Allen-Collinson, 2009Allen-Collinson, J. (2009). Sporting embodiment: sports studies and the (continuing) promise of phenomenology. Qualitative Research in Sport and Exercise1(3), 279- 296.; Capalbo, 2007Capalbo, C. (2007). A subjetividade na experiência do outro: Maurice Merleau-Ponty e Edmund Husserl. Revista da Abordagem Gestáltica13(1), 25-50.; Casanova, 2010Casanova, M. A. (2012). Compreender Heidegger (3a ed.). Petrópolis, RJ: Vozes.; Langridge, 2010Langdridge, D. (2008) Phenomenology and critical social psychology: Directions and Debates in Theory and Research. Social in Personality Psychology Compass2 (3), 1126-1142.; Matthews, 2010Matthews, E. (2011). Compreender Merleau-Ponty (2a ed., P. Marcus, trad.). Petrópolis, RJ: Vozes.; Moreira, 2004Moreira, V., & Cavalcante Junior, F. S. (2004). O método fenomenológico crítico (ou mundano) na pesquisa em psico(pato)logia e a contribuição da etnografia. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 2, 249-245.). Deriva daí a reivindicação da facticidade que constitui o sujeito e da questão da existência com a consequente reivindicação da impossibilidade de se executar a epoché e prescindir do mundo no qual o sujeito se insere. Tal argumento da impossibilidade de suspender a própria visão de mundo e a semântica fática da conceptualidade tradicional do sujeito que realiza a suspensão incorre como acusação de ingenuidade que Heidegger dirige a Husserl (Casanova, 2010Casanova, M. A. (2012). Compreender Heidegger (3a ed.). Petrópolis, RJ: Vozes.). É comum também o entendimento de que só fenomenólogos posteriores teriam reconhecido a epoché como uma operação que nunca se efetiva por completo, como presente em (Allen-Collinson 2009Allen-Collinson, J. (2009). Sporting embodiment: sports studies and the (continuing) promise of phenomenology. Qualitative Research in Sport and Exercise1(3), 279- 296.). Essa "visão de lugar nenhum", na verdade, se encontraria ainda enredada pela estrutura fática numa absorção inopinada (Casanova, 2010Casanova, M. A. (2012). Compreender Heidegger (3a ed.). Petrópolis, RJ: Vozes., p. 52).

Haveria, então, uma pura imanência dos atos da consciência, imanência na qual se constituiria a intencionalidade. Relações puras e transcendentais com os objetos se encontram nesses atos de consciência, o que leva a entender o lema de Husserl, rumo às coisas mesmas, como uma atitude não rumo aos objetos, mas aos campos intencionais desligados do mundo e da existência das coisas (Casanova, 2009Casanova, M. A. (2012). Compreender Heidegger (3a ed.). Petrópolis, RJ: Vozes.), ou ainda, a uma fenomenologia idealista (Allen-Collinson, 2009Allen-Collinson, J. (2009). Sporting embodiment: sports studies and the (continuing) promise of phenomenology. Qualitative Research in Sport and Exercise1(3), 279- 296.; Schneider, 2011Schneider, D. R. (2011). Sartre e a psicologia clínica. Florianópolis, SC: Editora da UFSC.)4 4 É fato que Husserl reivindica sua fenomenologia como idealista. A ques tão filosófica aqui se coloca em como o termo é compreendido por ele e por seus críticos. .

Todavia, uma leitura diferente lembrará que Husserl não concebe qualquer fenômeno de forma independente da consciência e, numa consequência coerente, desde os princípios da fenomenologia não há oposição entre atos de consciência e objeto intencionado (Zahavi 2003Zahavi, D. (2003). Husserl phenomenology. California: Stanford University Press.). O objeto implica operações intencionais sedimentadas (Husserl, 1954/2006bHusserl, E. (2006b). Expérience et jugement. (D. Souche-Daques, trad.). Paris, França: PUF (Trabalho original publicado em 1928, publicação póstuma em 1954)). Portanto, a dimensão transcendental não deixa de contemplar a busca por compreender o que está "fora" da consciência, apesar destas sempre serem constituídas em uma relação intencional. Desse modo, "Husserl afirmaria que não faz sentido distinguir entre o objeto intencional e o real" (Zahavi, 2003Zahavi, D. (2003). Husserl phenomenology. California: Stanford University Press., p. 22, tradução nossa). Ao contrário do que essa crítica possa sugerir, a fenomenologia de Husserl não se propõe em absoluto a um mero abandono do horizonte mundano, a uma espécie de neutralidade em relação a este ou a um apagamento da existência em benefício da visão de essência.

Muito menos se crê no acesso a uma verdade absoluta, mas no acesso ao solo absoluto da possibilidade da verdade, este em que "Husserl toma a verdade adequada e conclusiva apenas enquanto ideal regulativo, isto é, uma meta atingível só em esforço infinito" (Zahavi, 2003Zahavi, D. (2003). Husserl phenomenology. California: Stanford University Press., p. 67, tradução nossa). Questões referentes ao conceito de horizonte e afins serão abordadas mais adiante.

O sentido transcendental husserliano não corresponde ao lugar dos pensamentos em si mesmos, desligados do mundo e, portanto, dos objetos aos quais tais pensamentos fazem referência, cabendo às essências o papel de distinguir os conceitos uns dos outros, sem qualquer ligação existencial e mundana (Matthews, 2010Matthews, E. (2011). Compreender Merleau-Ponty (2a ed., P. Marcus, trad.). Petrópolis, RJ: Vozes.; Moreira, 2004Moreira, V., & Cavalcante Junior, F. S. (2004). O método fenomenológico crítico (ou mundano) na pesquisa em psico(pato)logia e a contribuição da etnografia. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 2, 249-245.). Isto porque o termo transcendental em Husserl, segundo Ales Bello, parte "da consideração do ato da percepção: este não deriva do objeto externo, mas depende das potencialidades do sujeito humano . . . é relacionada inten cionalmente ao objeto enquanto percebido" (Ales Bello, 2004Ales Bello, A. (2004). Fenomenologia e ciências humanas: psicologia, história e religião (M. Mahfoud & M. Massimi, Orgs., trads.). Bauru, SP: Edusc., p. 49). Transcendental se refere às estruturas das vivências, como no caso da percepção: o conteúdo e o modo de percepção, nas diferentes culturas, por exemplo, pode variar, mas trata-se sempre de um perceber, de um ato de percepção. Nesse sentido, "a percepção que se define por estrutura transcendental tem o sentido de que o ser humano já possui essas estruturas e, portanto, elas transcendem o objeto físico . . . Transcendental é aquilo que faz parte da subjetividade, é próprio do sujeito" (Ales Bello, 2004Ales Bello, A. (2006). Introdução àfenomenologia. (J. T. Garcia & M. Mahfoud, trads.). Bauru, SP: Edusc., p. 49). O termo "transcendental" não expõe uma dimensão desenraizada do mundo e da realidade, desvinculando puros conceitos de qualquer relação com os objetos reais ou com o mundo, mas revela, a partir do fenômeno, isto é, de algo que se manifesta à consciência, a estrutura que dá as potencialidades e atualidades necessárias para que se realizem as diversas vivências.

Estrutura transcendental, corpo e processo constitutivo

Não se nega a possibilidade da existência do objeto e do mundo "independentes" de uma consciência, mas se reconhece que todo conhecimento, em última instância, tem como solo central a intencionalidade, seja ela mais situada num plano consciente e objetivo, ou pré-consciente e pré-reflexivo. Não se pode conhecer, ouvir falar, ter notícia, ler sobre algo etc. que nunca foi, em algum momento, vivido, intencionalmente presente a uma consciência, de modo mais ou menos direto. Há, na verdade, uma correlação constitutiva, necessária e essencial entre eu, subjetividade, intersubjetividade e mundo, e tal correlação é a condição de possibilidade para a constituição do mundo e da realidade, estrutura evidenciada no processo da epoché e da redução transcendental de Husserl (Zahavi, 2003Zahavi, D. (2003). Husserl phenomenology. California: Stanford University Press.). Abre-se espaço para um importante ponto desenvolvido por Husserl: o conceito de constituição.

Constituição é entendida como um processo que dá condições e permite a manifestação dos fenômenos como eles são, sendo a subjetividade, a intersubjetividade e o mundo formadores de uma estrutura pela qual esse processo ocorre (Zahavi, 2003Zahavi, D. (2003). Husserl phenomenology. California: Stanford University Press.). Portanto, tal processo é condição necessária para a constituição dos objetos, e "a constituição do mundo, o desdobrar do eu, e o estabelecimento da intersubjetividade são todos parte de um simultâneo processo" (Zahavi, 2003Zahavi, D. (2003). Husserl phenomenology. California: Stanford University Press., p. 76, tradução nossa). O processo constitutivo se revela, então, conforme descrito em alguns escritos tardios de Husserl, em "certa reciprocidade na medida em que o sujeito que constitui é ele próprio constituído no mesmo processo de constituição" (Zahavi, 2003Zahavi, D. (2003). Husserl phenomenology. California: Stanford University Press., p. 76, tradução nossa). Há, conforme argumenta Zahavi, um processo no qual o sujeito transcendental é afetado pelo seu próprio ato de constituir, que por sua vez implica em uma autoconstituição daquele sujeito que constitui.

Destaca-se nesse processo a corporeidade, pois, para Husserl, "o mundo está dado para nós como corporalmente investigado, e o corpo é revelado para nós nesta exploração do mundo" (Zahavi, 2003Zahavi, D. (2003). Husserl phenomenology. California: Stanford University Press., p. 103, tradução nossa). As análises sobre a corporeidade descrevem passagens fundamentais para a empatia e para o processo constitutivo: "a decisiva diferença entre tocar o próprio corpo e qualquer outra coisa, seja um objeto inanimado ou o corpo do outro, implica, consequentemente, em uma dupla sensação" (Zahavi, 2003Zahavi, D. (2003). Husserl phenomenology. California: Stanford University Press., p. 104, tradução nossa). Então, "a relação entre o tocar e o tocado é reversível, desde que o tocar é tocado, e o tocado é tocar. Esta reversibilidade demonstra que a interioridade e a exterioridade são diferentes manifestações do mesmo" (Zahavi, 2003Zahavi, D. (2003). Husserl phenomenology. California: Stanford University Press., p. 104, tradução nossa). Tal processo é fundamental para a empatia (Ranieri & Barreira, 2012Ranieri, L. P., & Barreira, C. R. A. (2012). A empatia como vivência. Memorandum, 23, 12-31.). Nela, o sujeito pode perceber que há um outro corpo vivo, pois ele próprio se percebe como tal. Nesse sentido, em uma "única condição sujeito-objeto do corpo, a reparável inter-relação entre ipseidade e alteridade caracteriza dupla-sensação, a qual me permite reconhecer e experienciar outro sujeito incorporado" (Zahavi, 2003Zahavi, D. (2003). Husserl phenomenology. California: Stanford University Press., p. 104, tradução nossa). Desta forma, como a estrutura de condição de possibilidade para o processo constitutivo - eu-subjetividade-intersubjetividade-mundo - está originariamente implicada na corporeidade, evidencia-se tal dimensão como essencial à empatia, nesta "nossos respectivos egos estão pois em relação de associação encarnada" (Depraz, 2008Depraz, N. (2008). Compreender Husserl (2a ed., F. Santos, trad.). Petrópolis, RJ: Vozes., p. 83).

Portanto, em Husserl, se é pertinente a possibilidade de uma redução intersubjetiva que exponha uma intencionalidade compartilhada entre consciências puras e desencarnadas (reduzidas de seu estrato sensível) do ponto de vista constitutivo, antes é necessário ter em conta que "a auto-doação de minha corporeidade permite-me confrontar-me com minha própria exterioridade" (Zahavi, 2003Zahavi, D. (2003). Husserl phenomenology. California: Stanford University Press., p. 104, tradução nossa) e "a possibilidade de socialidade pressupõe uma certa intersubjetividade do corpo" (Zahavi, 2003Zahavi, D. (2003). Husserl phenomenology. California: Stanford University Press., p. 104, tradução nossa). Nesse sentido, "além das percepções, das sensações em comum, a experiência empática se apresenta originariamente como uma prova interafetiva, onde cada um recebe do outro afetos que o constituem como tal" (Depraz, 2008Depraz, N. (2008). Compreender Husserl (2a ed., F. Santos, trad.). Petrópolis, RJ: Vozes., p. 83).

O corpo é condição de possibilidade para o conhecimento. Em relação ao espaço, por exemplo, Husserl compreende o corpo como ponto zero, no sentido de que "minha carne está na origem de todo espaço sem ser ela mesma espacial, uma vez que ela é, em seu núcleo pulsional último, a inobjetividade mesma" (Depraz, 2008Depraz, N. (2008). Compreender Husserl (2a ed., F. Santos, trad.). Petrópolis, RJ: Vozes., p. 63). Desta forma, as sensações, ao antecederem em seu advir qualquer tomada de consciência, ao serem independentes da vontade consciente para se manifestarem, deixam à consciência e ao sujeito volitivo apenas a opção de acolherem sua gênese e, partindo desse acolhimento originário, se posicionar optando por uma aproximação ou afastamento das mesmas. Nos escritos Sobre as sínteses passivas há análises desta dimensão "que de fato surge de uma pré-consciência da consciência, e que não pode ser objeto de uma localização objetivante a não ser em uma reflexão posterior: sua gênese é imanente, totalmente situada em minha carne, pré-reflexiva, passiva e, portanto, inobjetivável" (Depraz, 2008, p. 63). É nessa dimensão que se encontra o caminho de investigação, no retorno à emergência genética das vivências, situadas nesse plano pré-reflexivo.

Arqueologia fenomenológica das culturas: o método como ressonância do fenômeno

Se o objeto implica operações intencionais sedimentadas, a arqueologia fenomenológica das culturas deve escavar tais sedimentos recorrendo à via genética de redução a fim de operar sua desobjetivação e revelar o fenômeno em suas estruturas constitutivas. Buscar de antemão a relação de um sujeito e seus atos de consciência e o objeto pode já produzir um percurso viciado, com restrito potencial de ir às coisas mesmas. Como conduzir toda a complexidade de um fenômeno cultural a atos de consciência de um sujeito em relação a um objeto? Convém um olhar aberto, ampliado, sensível, mas não menos penetrante no fenômeno. Um exemplo desta visão crítica é dado por Ales Bello em suas reflexões sobre a hilética na fenomenologia (Ghigi, 2003Ghigi, N. (2003). A hilética na fenomenologia: a propósito de alguns escritos de Angela Ales Bello, 4, 48-60.). Ales Bello destaca que Husserl considera as análises noéticas muito mais fecundas que as hiléticas. Estas dizem respeito a experiências vivenciais no sentido de conteúdos primários, relativos às sensações, impressões sensoriais e momentos sensuais pertinentes à esfera dos impulsos (Ales Bello, 1998Ales Bello, A. (2006). Introdução àfenomenologia. (J. T. Garcia & M. Mahfoud, trads.). Bauru, SP: Edusc.; Husserl, 1952/2004Husserl, E. (2004). Idées directrices pour une phénoménologie et une philosophie phenomenologique pures, Livre Second: Recherches Phénoménologiques pour la constitution. (É. Escoubas, trad.). Paris, França: PUF. (Trabalho original publicado em 1921-1928, publicação póstuma em 1952)., 2006Husserl, E. (2006). Idéias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica. (M. Suzuki, trad.). Aparecida, SP: Idéias & Letras. (Trabalho original publicado em 1913)). Esses elementos são incorporados nas experiências vivenciais que, de forma geral, são mais de caráter sensual do que "intencional" deliberativo. Conforme a citação de Husserl, usada pela autora, há "sobre aqueles momentos sensuais, uma camada que por assim dizer os anima, lhes dá sentido (ou que implica essencialmente doação de sentido)" (Husserl, 2006Husserl, E. (2006). Idéias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica. (M. Suzuki, trad.). Aparecida, SP: Idéias & Letras. (Trabalho original publicado em 1913), p. 194). Os dados hiléticos são, então, matéria para a significação. Enquanto que o termo noesis "indica o elemento específico da intencionalidade" (Ales Bello, 1998Ales Bello, A. (2006). Introdução àfenomenologia. (J. T. Garcia & M. Mahfoud, trads.). Bauru, SP: Edusc., p. 87).

O termo noese, portanto, indica o aspecto da intencionalidade que anima o material hilético, enquanto que noema faz referência ao objeto enquanto percebido ou visado. Porém, Ales Bello "sustenta que nas culturas 'outras' (contemporâneas, arcaicas chamadas de 'primitivas') o momento hilético assume tamanha importância a ponto de ser predominante e mais 'produtivo' do que o momento noético" (Ghigi, 2003Ghigi, N. (2003). A hilética na fenomenologia: a propósito de alguns escritos de Angela Ales Bello, 4, 48-60., p. 48)5 5 Não se trata aqui, ao aplicar o termo arcaico, de busca por uma volta nostálgica ao passado, rumo às origens remotas, desligadas ou acima da história e puras de um fenômeno, mas de retorno a um campo, como já exposto, no qual há uma impossibilidade de efetivação de atitudes puramente racionais e abstrato-conceituais ou teóricas. Trata-se de um sentido que tem como correlato a singularidade de momentos concretos, históricos e culturais vividos e o que é essencial a qualquer experiência humana, do que é condição de possibilidade para relatividades e objeti vidades. É o que aparece em sua singularidade e não esconde um sentido que é oposto ao aparecer, mas se manifesta na própria coisa que aparece, não há oposição entre aparição e sentido. Ao mesmo tempo, não é desli gado, mas se constitui dentro das estruturas culturais, sociais e históricas. . Assim, numa relação noética-hilética, o momento hilético é "entendido como noema de uma noética não egocentrada (contrariamente ao que acontece na mentalidade ocidental, na qual a noética é egocentrada)" (Ales Bello in Ghigi, 2003Ghigi, N. (2003). A hilética na fenomenologia: a propósito de alguns escritos de Angela Ales Bello, 4, 48-60., p. 49).

Desse modo, para analisar essa dimensão é necessário "abandonar aquela atitude objetivante (abstrativo-conceitual) própria de nossa cultura, que nos impede de enxergar a produtividade do momento hilético" (Ghigi, 2003Ghigi, N. (2003). A hilética na fenomenologia: a propósito de alguns escritos de Angela Ales Bello, 4, 48-60., p. 49). Segue-se, então, buscando, como afirma Ghigi, não permanecer na agência interpretativa das bases cognoscitivas próprias da nossa cultura e tempo. É destacada então a dimensão pré-categorial, pois o modo como se percebe a realidade em outras matrizes culturais se dá por um conhecimento mais "intuitivo" situado nesta dimensão. Nesse rumo, o mundo da vida dos sujeitos dessa cultura outra, "conectado desde o interior à natureza, se diferencia profundamente do nosso mundo que, ao invés, é desancorado dela na dicotomia entre subjetividade e objetividade" (Ghigi, 2003Ghigi, N. (2003). A hilética na fenomenologia: a propósito de alguns escritos de Angela Ales Bello, 4, 48-60., p. 51). Há, então, nesse modo de conhecimento das coisas, como demonstra Ghigi, não uma ênfase abstrativo-conceitual, mas empática.

O corpo vivo é o lugar, o ponto de encontro entre a esfera hilética e noética, e Ghigi cita diretamente Husserl, para quem a "inteira consciência do homem fica num certo modo ligada a seu corpo vivo através de sua base hilética" (Husserl 1952/2004Husserl, E. (2004). Idées directrices pour une phénoménologie et une philosophie phenomenologique pures, Livre Second: Recherches Phénoménologiques pour la constitution. (É. Escoubas, trad.). Paris, França: PUF. (Trabalho original publicado em 1921-1928, publicação póstuma em 1952)., tradução nossa, p. 153/217). Assim, deve-se precisar que, na verdade, o domínio hilético não é privado de intencionalidade, mas tal intencionalidade não é subjetivo-egológica, se manifesta na "localização de um ricochete que o objeto dirige a nós" (Ghigi, 2003Ghigi, N. (2003). A hilética na fenomenologia: a propósito de alguns escritos de Angela Ales Bello, 4, 48-60., p. 51,). O corpo, portanto, é a sede dos elementos hiléticos que nele acontecem, e caracteriza-se uma intencionalidade "passiva e latente", pois o corpo assume "sobre si a irradiação à qual a realidade objetual o solicita" (Ghigi, 2003Ghigi, N. (2003). A hilética na fenomenologia: a propósito de alguns escritos de Angela Ales Bello, 4, 48-60., p. 51). A dimensão pré-categorial é um campo muito expressivo do humano e as experiências vivenciais, ou Erlebnis, tem como condição necessária para sua manifestação a hyle (Ghigi, 2003Ghigi, N. (2003). A hilética na fenomenologia: a propósito de alguns escritos de Angela Ales Bello, 4, 48-60.). Então, o que se manifesta não obedece ao próprio processo de objetivação presente nos conceitos de nossa cultura, pois há um "conjunto de dados hiléticos, ou seja, de sons, cores, visões que se manifestam na realidade com tamanha força e potência a ponto de já serem parte ativa e autônoma da realidade, como 'presenças animadas'" (Ghigi, 2003Ghigi, N. (2003). A hilética na fenomenologia: a propósito de alguns escritos de Angela Ales Bello, 4, 48-60., p. 49).

A arqueologia fenomenológica pode, portanto, em reduções progressivas, de modo diacrônico-sincrônico em sua exploração da realidade material, acessar as estruturas originárias do fenômeno, através da esfera da investigação no domínio hilético (Ghigi, 2003Ghigi, N. (2003). A hilética na fenomenologia: a propósito de alguns escritos de Angela Ales Bello, 4, 48-60.). Devido a essa constatação, a epoché fenomenológica deve realizar um ato receptivo, "como escuta, espera das solicitações e manifestações por parte do próprio objeto; vale dizer, como uma espécie de dinamismo ou potência do objeto" (Ghigi, 2003Ghigi, N. (2003). A hilética na fenomenologia: a propósito de alguns escritos de Angela Ales Bello, 4, 48-60., p. 52).

Observa-se o alinhamento desta concepção de epoché e redução, em certo aspecto, com o modo hilético e o modo pré-científico e pré-conceitual de conhecimento presentes em diversos fenômenos culturais, o que também ecoa em continuidade com a redução e epoché próprias à já exposta desobjetivação pela via genética de acesso ao mundo da vida (Depraz, 2008Depraz, N. (2008). Compreender Husserl (2a ed., F. Santos, trad.). Petrópolis, RJ: Vozes.).

A primeira, a via do mundo-da-vida vai de encontro com as colocações de Ales Bello sobre uma arqueologia fenomenológica das culturas que evidencia a subjetividade não egocentrada. Ambas, Depraz e Ales Bello, destacam a importância de uma epoché mais sensível em determinado sentido, apesar de voluntário, receptivo e um tanto passivo: a escuta e a espera. Ghigi reforça, então, a atenção adequada ao conteúdo material, pré-categorial, seguindo as reflexões de Ales Bello junto aos passos de Husserl. No caso de (Depraz 2008Depraz, N. (2008). Compreender Husserl (2a ed., F. Santos, trad.). Petrópolis, RJ: Vozes.), demonstra-se como Husserl concebe suas vias redutivas genéticas, destacando a atenção sobre uma relação mais sensível e originária, pré-categorial e corporal, com o mundo e os objetos. Privilegia-se o gesto de observação da dinâmica genética da emergência das vivências na consciência.

Nessa maneira de compreender a redução fenomenológica não há "interrupção do curso da atitude natural, nem inibição do interesse pelo mundo, [já que] a epoché tem por ofício desconstruir nossas elaborações mentais, ideais ou sociais: ela nos reconduz ao solo sensível e prático de toda doação de sentido" (Depraz, 2008Depraz, N. (2008). Compreender Husserl (2a ed., F. Santos, trad.). Petrópolis, RJ: Vozes., p. 63). Mostra-se, então, um modo de aplicação da epoché que privilegia de modo mais sensível o mundo, as vivências e os objetos. Tal método se encontra, então, mundanizado, não havendo aí uma separação entre sujeito empírico e sujeito transcendental, mas sim uma implicação necessária entre eles (Zahavi, 2003Zahavi, D. (2003). Husserl phenomenology. California: Stanford University Press.). Sujeito empírico e transcendental são, então, um único sujeito: a diferença entre eles está nos modos de apreensão pertinentes a esses dois domínios (Zahavi, 2003Zahavi, D. (2003). Husserl phenomenology. California: Stanford University Press.). Analiticamente é possível distingui-los, o que não significa que sejam compreendidos desprovidos de sua implicação mútua e necessária. Em sentido genético, pode-se dizer que essa implicação na qual está situado o retrocesso ao originário sensível equivale a assistir à emergência genética das vivências, mostrando-se a quase coincidência da carne com o mundo, como aponta (Depraz 2008Depraz, N. (2008). Compreender Husserl (2a ed., F. Santos, trad.). Petrópolis, RJ: Vozes.). O modo de apreensão, então, é transcendental, portanto situado no que é condição de possibilidade para as vivências se manifestarem.

Das desobjetivações arqueológicas e genéticas à dimensão originária e histórica dos fenômenos

Vista essa implicação necessária e essencial entre sujeito empírico e transcendental, entre corpo, pré-reflexividade, subjetividade, intersubjetividade e mundo, constitutivos necessários do domínio transcendental, observa-se que "toda experiência tem seu horizonte próprio" (Husserl, 1954/2006bHusserl, E. (2006b). Expérience et jugement. (D. Souche-Daques, trad.). Paris, França: PUF (Trabalho original publicado em 1928, publicação póstuma em 1954), tradução nossa, p. 36). Portanto, quando se investiga uma experiência, investiga-se sua estrutura segundo o horizonte no qual ela está inseparavelmente englobada (Husserl, 1954/2006bHusserl, E. (2006b). Expérience et jugement. (D. Souche-Daques, trad.). Paris, França: PUF (Trabalho original publicado em 1928, publicação póstuma em 1954), p. 37). Portanto, a percepção do mundo tem como correlato o horizonte subjetivo e intersubjetivo (normativo - num sentido muito especial) dos quais participam constitutivamente os hábitos, mas sem os quais a objetividade e a validade não teriam lugar na experiência.

Com essas considerações, pode-se pensar que o mundo culturalmente configurado e o horizonte como seu correlato intencional encontrariam na fenomenologia uma via interpretativa. Não é o caso, pois, como Husserl entende; "a interpretação do mundo onde se realiza nossa experiência é, desde o início, mediada por uma idealização" (Husserl, 1954/2006bHusserl, E. (2006b). Expérience et jugement. (D. Souche-Daques, trad.). Paris, França: PUF (Trabalho original publicado em 1928, publicação póstuma em 1954), p. 50, tradução nossa). Interpretar corresponderia a ler a experiência, compartilhada intersubjetivamente, com base em um conjunto de idealizações já prontas, não refletidas desde seus fundamentos. Zahavi lembrará que isso é o que Husserl chama de "objetividade 'normal', que é correlata a uma intersubjetividade limitada" (Zahavi, 2008Zahavi, D. (2008). La transformation intersubjective de la philosophie transcendantale. In J. Benoist (Org.), Husserl (pp. 249-279) Paris, França: Les Éditions du CERF., p. 274, tradução nossa), isto é, uma comunidade de sujeitos que já compartilham um conjunto de idealizações, em outras palavras normas intersubjetivas. É por isso que não a interpretação, mas a descrição contempla melhor o processo de desvelamento fenomenológico.

Como, então, analisar essa relatividade normativa (intersubjetiva) sedimentada em fenômenos culturais? Para que a investigação se queira fenomenológica é necessário buscar o substrato comum implícito, pois "o fato de que haja um desacordo indica já uma base comum" (Zahavi, 2008Zahavi, D. (2008). La transformation intersubjective de la philosophie transcendantale. In J. Benoist (Org.), Husserl (pp. 249-279) Paris, França: Les Éditions du CERF., p. 273, tradução nossa). O alcance dessa base mostra que o desacordo é relativo, mas ainda pode permanecer na esfera do consensus normativo de uma cultura. O mergulho nessa base comum corresponderia, então, a um aprofundamento transcendental capaz de achar os elementos últimos que conduzem a uma "objetividade 'rigorosa', que é correlata à intersubjetividade ilimitada de todos os sujeitos" (Zahavi, 2008Zahavi, D. (2008). La transformation intersubjective de la philosophie transcendantale. In J. Benoist (Org.), Husserl (pp. 249-279) Paris, França: Les Éditions du CERF., pp. 274-275, tradução nossa). Husserl dirá que "as naturezas subjetivas e relativas divergem umas das outras, mas, na compreensão recíproca e na experiência da comunidade o núcleo do que é comum as atravessa a todas e se liberta ou pode se libertar da multiplicidade total das divergências subjetivas" (Husserl, 1925-1928/2001bHusserl, E. (2001b). Psychologie Phenoménologique (1925- 1928). (P. Cabestan, N. Depraz & A. Mazzú, trads.). Paris, França: Vrin. (Trabalho original publicado em 1925-1928, publicação póstuma em 1968)., pp. 128-129, tradução nossa).

Para Husserl, "nós não poderíamos compreender este surgimento histórico determinado de operações significantes em sujeitos históricos se nós não as re-efetuássemos em nós" (Husserl, 1954/2006bHusserl, E. (2006b). Expérience et jugement. (D. Souche-Daques, trad.). Paris, França: PUF (Trabalho original publicado em 1928, publicação póstuma em 1954), p. 48/57, tradução nossa). É justamente nesse movimento de reefetuação destas operações, observando-as em seu surgimento na experiência e na história, que se dá um dos passos redutivos necessários. Para tal, é preciso reviver "esta emergência de operações de idealização a partir da experiência originária do mundo da vida" (Husserl, 1954/2006bHusserl, E. (2006b). Expérience et jugement. (D. Souche-Daques, trad.). Paris, França: PUF (Trabalho original publicado em 1928, publicação póstuma em 1954), p. 48/57, tradução nossa). Nesse sentido, por esse retorno originário ao mundo da vida "nós repetimos toda a história já realizada das atividades subjetivas que nos foram precedentemente escondidas e que são agora tornadas, em sua reativação, patentes e, como tais, inteligíveis" (Husserl, 1954/2006bHusserl, E. (2006b). Expérience et jugement. (D. Souche-Daques, trad.). Paris, França: PUF (Trabalho original publicado em 1928, publicação póstuma em 1954), p. 48/57, tradução nossa). Esse movimento redutivo fenomenológico é genético, porque interroga a gênese, simultaneamente histórica, pré-reflexiva e existencial, podendo-se dizer também arqueológico, uma vez que, para se cumprir, busca desconstruir as idealizações e agências interpretativas, pondo entre parênteses tudo aquilo que não é essencial ao fenômeno e colocando em evidência as matrizes ou archai dos fenômenos - também perceptivas, históricas e culturais. Assim, "nós nos compreendemos, neste desvelamento de implicações intencionais, na interrogação relativa à origem de sentidos sedimentados do mundo a partir de operações intencionais, como uma subjetividade transcendental" (Husserl, 1954/2006bHusserl, E. (2006b). Expérience et jugement. (D. Souche-Daques, trad.). Paris, França: PUF (Trabalho original publicado em 1928, publicação póstuma em 1954), p. 48/57, tradução nossa).

É nessa caminhada concreta que tal método genético se situa. Segundo (Depraz 2008Depraz, N. (2008). Compreender Husserl (2a ed., F. Santos, trad.). Petrópolis, RJ: Vozes.), ele não pode ser descrito sem sua efetivação concreta. Firmando-se em uma redução intersubjetiva originária, dá-se de forma pluralizada e não se pauta ou se limita por um objetivo intencional. Assim, "o fio condutor da descrição não é mais o objeto intencional (compreendido na tematização privilegiada do ato que o visa), mas a gênese - cultural e histórica - da vivência do objeto em seu modo de acesso à consciência" (Depraz, 2008Depraz, N. (2008). Compreender Husserl (2a ed., F. Santos, trad.). Petrópolis, RJ: Vozes., p. 49).

A tarefa da fenomenologia genética é, então, a de explorar a origem e a formação de vivências pré-linguísticas. E isto no sentido das "estruturas essenciais a que tal formação está subordinada. Ele não está interessado na investigação de qualquer gênese factual [onto- ou filogenética]" (Zahavi, 2003Zahavi, D. (2003). Husserl phenomenology. California: Stanford University Press., p. 94, tradução nossa). Neste sentido, para Husserl, "as estruturas intencionais elas mesmas, tem uma origem e uma história" (Zahavi, 2003Zahavi, D. (2003). Husserl phenomenology. California: Stanford University Press., p. 94, tradução nossa).

Verifica-se um processo de sedimentação de vivências passadas ao longo da vida, de modo que "os padrões de compreensão e as expectativas são gradualmente estabelecidas e vem a influenciar constitutivamente as experiências subseqüentes" (Zahavi, 2003Zahavi, D. (2003). Husserl phenomenology. California: Stanford University Press., p. 94 tradução nossa). Porém, esse processo de sedimentação não está situado somente nas vivências de um determinado sujeito, tendo origem histórica, colocando-se naquilo que é transmitido de modo geracional, constitui a visão de mundo e, consequentemente, os modos e estruturas intencionais, bem como as configurações pré-reflexivas das vivências. Tem-se aí a realidade objetiva, o mundo comum, histórica, social e culturalmente constituído. O ser no mundo existente para os homens é numa história constantemente vivente e infinita: "possui enquanto tal seu rosto histórico sempre novo, o qual deve ser examinado com relação à gênese, deve ser interrogado com relação a ela" (Husserl, 1973/2001Husserl, E. (2001). Sur l´intersubjetivité II(N. Depraz, trad.). Paris, França: PUF. (Trabalho original publicado em 1905/1935, publicação póstuma em 1973)., p. 323, tradução nossa).

Há então dois momentos. Um se refere à epoché - desobstrução das barreiras cognitivas e espirituais - e à emergência genética das vivências: elas emergem em sua indissociabilidade com relação à sua cultura e história. A segunda, o exame, via epoché e redução, das vivências em seu processo de engendramento na consciência, descrevendo-as e revelando suas estruturas e matrizes. A submissão destas estruturas à redução fenomenológica corresponde a uma escavação cuidadosa e paulatina, um movimento aberto e sensível, mas também crítico.

Duas faces aí coexistem: uma, a colocação, passo a passo, de tudo aquilo que não é necessário e indispensável para a manifestação do fenômeno cultural. Feito isto, as matrizes evidenciadas são próprias e indissociáveis à cultura na qual ele se encontra inscrito e em que se manifesta constituído no presente: na vivência com suas estruturas intencionais e pré-reflexivas constituídas histórica e socialmente. A outra, a redução do modo de investigação, da visão e da apreensão do fenômeno pelo próprio pesquisador, o que potencializa uma investigação coagida pelo modo como o fenômeno se manifesta e desobstruída de pré-conceitos, teorias etc. Seguindo esse raciocínio, a fenomenologia não nega, portanto, aquilo que corresponde, em linhas gerais ao habitus e ao hábito (Allen-Collinson, 2009Allen-Collinson, J. (2009). Sporting embodiment: sports studies and the (continuing) promise of phenomenology. Qualitative Research in Sport and Exercise1(3), 279- 296.; Bizerril, 2007Bizerril, J. (2007). O retorno àRaiz: uma linhagem Taoísta no BrasilSão Paulo, SP: Attar editorial.), mas possibilita compreendê-los a partir de seu direcionamento metodológico.

Habitus e redução fenomenológica

Pode-se não evitar essa dimensão estruturada por idealizações, agências subjetivas e culturais não próprias ao fenômeno estudado, mas apreendê-las tomando consciência de seus modos de aparição, visar compreender os fenômenos, desconstruindo tais agências por uma ação voluntária e reflexiva que é capaz de se mover mais desobstruída delas. Contudo, ao se deparar com as vivências próprias a um dado fenômeno cultural, depara-se com esse "caldo" de habitus, de estruturas pré-reflexivas próprias e não próprias a um fenômeno cultural em específico: distinguir aquilo que é e o que não é próprio ao fenômeno cultural em questão é tarefa a ser realizada pela redução fenomenológica. Assim, partindo de seu modo vivo de manifestação - também histórico e cultural - ilumina-se uma cultura e uma história manifestada na carne, na consciência, na vivência.

Permanece, com o avançar suspensivo e redutivo, a vivência constitutiva do fenômeno, aquela vivência cuja ausência coincidiria com a própria ausência do fenômeno. Mas como obter o que permanece? A variação eidética ou imaginária pode integrar esse processo não de modo apenas ideativo: imaginação de situações puramente abstratas, hipotéticas e ficcionais, já desligadas ou distanciadas do vivido concreto, mas sim, mesmo ainda sendo imaginárias, encarnadas nas lembranças, nas experiências já vividas solicitadas para a investigação do fenômeno, encarnadas na própria corporeidade, trata-se de realizá-la aproximando-a do entrelaçamento cooriginário, evidenciado por Husserl, da imaginação e da percepção (Depraz, 2008Depraz, N. (2008). Compreender Husserl (2a ed., F. Santos, trad.). Petrópolis, RJ: Vozes.). A variação imaginária pode então, ao surgir e ser aplicada a partir do vivido, em meio às suas emergências genéticas, liberar as matrizes originárias do fenômeno.

Em uma segunda face desse mesmo processo, a arqueologia ou via genética de redução investiga a história e a cultura no sentido de, numa indagação regressiva, identificar diferentes contextos históricos nos quais o fenômeno investigado aparece, isto é, o que e o como dessas estruturas em manifestação. Isso não implica em procurar uma causa histórica, nem uma origem cronológica precisamente situada, implicando uma linearidade causal da história, mas clarificar como um habitus atual - que constitui estas estruturas intencionais atuais - é constituído geracionalmente: uma arqueologia que vai aos contextos históricos diferenciados em que aparecem os fenômenos que participam da constituição histórica do sentido sedimentado em habitus (Depraz, 2006Depraz, N., Varela, F. J., & Vermesch, P. (2006). A redução à prova da experiência. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 58(1), 75-86.) de uma manifestação cultural. A gênese do fenômeno é "pré-consciente": são estruturas pré-reflexivas que dão a ver o que é cultural, social e historicamente constituído - o habitus - correlato do que é estrutural em qualquer vivência humana, fornecendo as condições de possibilidade para as mesmas. O habitus e o domínio transcendental constituem necessariamente uma mesma matriz ou gênese de um fenômeno cultural, da mesma forma que há uma implicação necessária entre sujeito empírico e transcendental. Essas indicações metodológicas se encontram também em sintonia com modalidades de pesquisa norteadas por um retorno ao mundo da experiência originária, tal como realizados por (Leite e Mahfoud 2010Leite, R. V., & Mahfoud, M. (2010). Contribuciones de la fenomenología a la investigación sobre la cultura popular y la educación. Krinein (Santa Fe), 7, 127-150.).

Mas como fazer esta incursão geracional e histórica no domínio da psicologia? Uma alternativa é apreender em sentido genético as vivências de sujeitos entrevistados. Para tanto, não basta realizar transcrições e análises das entrevistas abertas e em profundidade (Barreira & Ranieri, 2013Barreira, C. R. A. (2013). O sentido do karate-do: faces históricas, psicológicas e fenomenológicas. Rio de Janeiro, RJ: E-papers.) para obter os sentidos vividos essenciais de um determinado fenômeno, mas também é necessário partir para a conexão essencial destes sentidos com aquilo que se revela na literatura histórica, antropológica, sociológica e em registros diversos sobre o dado fenômeno. Traça-se, assim, uma possibilidade de constituição geracional, da estrutura de um habitus e de seu desenrolar dinâmico na história, nas raízes desses saberes e sentidos que se geraram no desenrolar de vivências várias em contextos históricos diversos, ligados pela transmissão e criação geracional ao longo do tempo.

A fenomenologia, em sua demanda de mover-se livremente na experiência do pensar, é um aprender a ver, diferenciar e descrever que requer afinco e estudos próprios (Husserl, 1913/2006Husserl, E. (2006). Idéias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica. (M. Suzuki, trad.). Aparecida, SP: Idéias & Letras. (Trabalho original publicado em 1913)). Uma abertura, uma desobstrução cognitiva e experiencial, um deixar vir (Depraz et al., 2006Depraz, N., Varela, F. J., & Vermesch, P. (2006). A redução à prova da experiência. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 58(1), 75-86.). Fazer fenomenologia implica em viver, experimentar e desenvolver novas formas, numa busca laboriosa e constante do pesquisador. No plano filosófico, o fenomenólogo tem como ponto de partida e centralidade sua própria experiência. Indo ao campo empírico da psicologia, há um descentramento que recai sobre outros sujeitos e suas vivências relatadas. Contudo, a apreensão dessas vivências é impossível sem a aparição correlata (empática) das vivências de quem as apreende, com traços mais ou menos semelhantes a elas em algum nível (Barreira & Ranieri, 2013Barreira, C. R. A. (2013b). Fenomenologia do combate: da ética da luta à luta pela vida ética. In M. Mahfoud & M. Massimi (Orgs.), Edith Stein e a psicologia: teoria e pesquisa (pp. 413-447). Belo Horizonte, MG: Artesã.). Assim, isto se afina com a pontuação de (Zahavi 2008Zahavi, D. (2008). La transformation intersubjective de la philosophie transcendantale. In J. Benoist (Org.), Husserl (pp. 249-279) Paris, França: Les Éditions du CERF.): "só minha experiência de e minha relação com outro sujeito, e aquelas minhas experiências que pressupõem outrem, merecem realmente o nome de 'intersubjetivas'" (p. 254, tradução nossa).

Seria possível reviver a emergência das idealizações para ir até a raiz das operações significantes, subjetivas, culturais e históricas, para desviar-se delas enquanto agentes interpretativos, sem dirigir-se ao conhecimento da origem de atitudes e ações próprias a quem realiza uma redução fenomenológica em sentido genético e arqueológico? A implicação empírico-transcendental se manifesta em sentido genético, revela, a partir de uma experiência fenomenológica originária do mundo da vida, a exigência de um mergulho no fenômeno que torna inevitável um mergulho na própria subjetividade e existência do pesquisador e seu horizonte, como Husserl aponta. Desse modo, como então realizar essa experiência? No que ela consiste? Como efetivar uma descrição genética da experiência vivida de um fenômeno cultural em psicologia? O que é de fato fazer fenomenologia do ponto de vista de quem a aplica e, consequentemente, vive sua aplicação? Visto isso, é mais do que interessante que o pesquisador procure trabalhar, exercer e desenvolver tais reefetuações, se aprofundando na fenomenologia através da vivência do seu fazer no mundo, e não apenas abstrativa e teoricamente. Para além disso, quando possível, é eventualmente interessante que ele viva o fenômeno estudado - não enquanto observador ou apenas observador participante, mas enquanto aquele que de fato aprende e vivencia com suas motivações existenciais aquele mesmo fenômeno que ele investiga.

Indo em direção às matrizes desse fenômeno, ele vai em direção à reefetuação originária de sua subjetividade e idealizações para desconstruí-las, invalidá-las enquanto agentes interpretativos e compreendê-las em suas raízes, compreendendo a si próprio, pois, no mínimo, terá que tomar consciência daquilo que o constitui, ou constitui seu modo de sentir, perceber e compreender, mas não é próprio ao fenômeno, para fazer as distinções e clarificações que desvelarão sua gênese, clarificando-a naquilo que está imerso e misturado nesse "caldo" intersubjetivo, cultural, nesse entrecruzamento de faces de horizontes e habitus.

Isso pode levá-lo a obter apreensões transcendentais das dimensões da sua subjetividade que tem traços essenciais e genéticos em comum com a subjetividade própria ao entrevistado e ao fenômeno cultural que ele manifesta, fazendo essas distinções e caminhando nessas trajetórias genéticas trazidas à luz pelas sucessivas reduções. Ao percorrer esse trajeto redutivo, que perfaz e constitui ambas, subjetividade e intersubjetividade - a do pesquisador, a dos sujeitos pesquisados e a do fenômeno em sua gênese - obtêm-se um desvelamento de um ponto de vista interno, uma compreensão não só predominantemente espiritual, mas afetiva, corporal, pré-reflexiva, talvez valha dizer, mais genética e transcendental. Apontar para essa dimensão prática e vivida do fazer fenomenológico e suas possibilidades empíricas em psicologia através de uma clarificação teórica é o que cumpre este artigo. Tais indagações e considerações podem nortear e produzir novos rumos fenomenológicos em psicologia para o estudo de fenômenos culturais. Descrevê-los e desenvolvê-los é tarefa a ser realizada e descrita em outros trabalhos.

Levantados esses direcionamentos-chave para aplicar uma possibilidade fenomenológica bastante coerente em seus fundamentos com a fenomenologia tardia de Husserl, deve-se buscar reflexões, aplicações e aperfeiçoamentos constantes também em diálogo e contraste com ramos da fenomenologia, a exemplo da antropologia fenomenológica (Bizerril, 2007Bizerril, J. (2007). O retorno àRaiz: uma linhagem Taoísta no BrasilSão Paulo, SP: Attar editorial.; Downey, 2005Downey, G. (2005). Lessons in Cunning from an Afro- Brazilian Art. Oxford University Press.), no domínio dos estudos fenomenológicos do esporte, da fenomenologia interpretativa e existencial (Allen-Collinson, 2009Allen-Collinson, J. (2009). Sporting embodiment: sports studies and the (continuing) promise of phenomenology. Qualitative Research in Sport and Exercise1(3), 279- 296.) e com o que já vem sendo feito em psicologia social por meio de procedimentos metodológicos orientados pela arqueologia fenomenológica das culturas (Gaspar & Mahfoud, 2010Gaspar, Y. E., & Mahfoud, M. (2010). Contribuições da fenomenologia para apreensão da articulação entre subjetividade e cultura: desafios e possibilidades. In Anais do IV Seminário Internacional de Pesquisa e Estudos Qualitativos. Rio Claro, SP [Versão eletrônica]. Recuperado de http://www.sepq.org.br/IVsipeq/anais/artigos/4.pdf
http://www.sepq.org.br/IVsipeq/anais/art...
; Leite & Mahfoud, 2010Leite, R. V., & Mahfoud, M. (2010b). Rigor e generalização em pesquisas sobre fenômenos culturais: contribuições de um percurso de pesquisas fenomenológicas. In Anais do IV Seminário Internacional de Pesquisa e Estudos Qualitativos, Rio Claro, SP. [Versão eletrônica]. Recuperado de http://www.sepq.org.br/IVsipeq/anais/artigos/12.pdf
http://www.sepq.org.br/IVsipeq/anais/art...
).

Conclusão

Nota-se, a partir do percurso feito aqui, a abertura de vias de redução para realizar estudos que retomem o diálogo entre o plano filosófico e empírico de aplicação do método fenomenológico em psicologia. Trata-se de um enorme desafio: realizar, numa aplicação prática da fenomenologia, a abertura a outros campos da experiência (Depraz, 2008Depraz, N. (2008). Compreender Husserl (2a ed., F. Santos, trad.). Petrópolis, RJ: Vozes.). Tal domínio, destacado aqui, coloca a fenomenologia clássica em psicologia em sentido genético ou arqueológico, de modo a contribuir e dialogar com o domínio mais geral da fenomenologia, relativo às questões de ordem ético-normativas (Barreira, 2011Barreira, C. R. A. (2006a). A dimensão hilética como componente primário da constituição ética em uma tradição existencial do Oriente: aproximações a partir de Ales Bello e Paul Ricouer. In III Seminário Internacional de Pesquisa e Estudos QualitativosV Encontro de Fenomenologia e Análise do Existir: Ética na PesquisaSão Bernardo do Campo, SP: SE&PQ.), bem como ético-metodológicas, afins aos temas da descrição, linguagem e autoetnografia discutidas recentemente, a exemplo de (Allen-Collinson 2009Allen-Collinson, J. (2009). Sporting embodiment: sports studies and the (continuing) promise of phenomenology. Qualitative Research in Sport and Exercise1(3), 279- 296.). Reconstituem-se, então, no delineamento da orientação fenomenológica aqui explicitada, conceitos husserlianos cuja apreensão sistematiza os passos necessários, enquanto gestos fundamentais para a aplicação da arqueologia fenomenológica aqui explorada, gestos de abertura à manifestação de novas faces dos fenômenos em vista.

Pelo contraste entre críticas ao método husserliano e respectivas respostas, pontua-se o que é raramente colocado em questão ou prática: um caminho empírico fenomenológico que leve às matrizes e gênese de fenômenos culturais em psicologia, não só do ponto de vista teórico e abstrativamente distanciado, como ocorre na maioria dos casos. Procedimento que está em contínuo movimento de descoberta, ajuste e aprofundamento, necessitando experimentações práticas e continuidade no aprofundamento da compreensão filosófica dos fundamentos metodológicos, de seus passos e das necessidades de criação adequada de sua transposição empírica e desenvolvimento prático.

O alcance do desenvolvimento dessa perspectiva em psicologia fenomenológica ainda está por ser explorado. Que Husserl dê indicações de uma correlação entre cultura e pessoa (Husserl, 1968/2001Husserl, E. (2001). Sur l´intersubjetivité II(N. Depraz, trad.). Paris, França: PUF. (Trabalho original publicado em 1905/1935, publicação póstuma em 1973).; Barreira, 2013bBarreira, C. R. A. (2006b). A alteridade subtraída: o outro no esvaziamento do karate e na redução fenomenológica. Mnemosine, 2(2), 106-118.) é apenas o preâmbulo da relevância da arqueologia fenomenológica para os avanços de uma psicologia ao mesmo tempo rigorosa e não reducionista, capaz de contemplar o estudo da pessoa humana em sua integralidade.

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    A exemplo de (Barreira 2011Barreira, C. R. A. (2011). Da história da fenomenologia a ética na psicologia: tributo ao centenário de Filosofia como Ciência Rigorosa (1911). Memorandum, 20, 135- 144.), (Coelho Júnior e Mahfoud 2006Coelho Júnior, A. G., & Mahfoud, M. (2006). A relação pessoa-comunidade na obra de Edith Stein. Memorandum, 11, 08-27.), (Mahfoud e Massimi 2008Mahfoud, M., & Massimi, M. (2008). A pessoa como sujeito da experiência: contribuições da fenomenologia. Memorandum14, 52-61.), (Ranieri e Barreira 2012Ranieri, L. P., & Barreira, C. R. A. (2012). A empatia como vivência. Memorandum, 23, 12-31.), (Salum e Mahfoud 2012Salum, C. C., & Mahfoud, M. (2012). A vivência do outro em Edmund Husserl a partir das Meditações Cartesianas. Memorandum, 22, 92-116.). Veja-se especialmente a coletânea organizada por (Mahfoud e Massimi 2013Mahfoud, M., & Massimi, M. (2013). Edith Stein e a psicologia: teoria e pesquisa. Belo Horizonte, MG: Artesã.).
  • 4
    É fato que Husserl reivindica sua fenomenologia como idealista. A ques tão filosófica aqui se coloca em como o termo é compreendido por ele e por seus críticos.
  • 5
    Não se trata aqui, ao aplicar o termo arcaico, de busca por uma volta nostálgica ao passado, rumo às origens remotas, desligadas ou acima da história e puras de um fenômeno, mas de retorno a um campo, como já exposto, no qual há uma impossibilidade de efetivação de atitudes puramente racionais e abstrato-conceituais ou teóricas. Trata-se de um sentido que tem como correlato a singularidade de momentos concretos, históricos e culturais vividos e o que é essencial a qualquer experiência humana, do que é condição de possibilidade para relatividades e objeti vidades. É o que aparece em sua singularidade e não esconde um sentido que é oposto ao aparecer, mas se manifesta na própria coisa que aparece, não há oposição entre aparição e sentido. Ao mesmo tempo, não é desli gado, mas se constitui dentro das estruturas culturais, sociais e históricas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    08 Ago 2014
  • Aceito
    05 Dez 2014
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