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Leitura literária, experiência e formação do indivíduo: reflexões a partir da crítica de Adorno

Lecture littéraire, expérience et formation de l’individu: réflexions à partir de la critique de Adorno

Lectura literaria, experiencia y formación del individuo: reflexiones a partir de la crítica de Adorno

Resumo

O objetivo deste artigo é discutir as relações entre a leitura de livros de literatura e a formação cultural do indivíduo [Bildung], partindo das contribuições críticas de Theodor Adorno. Esta discussão é norteada pelas seguintes perguntas: Como a leitura de livros participa da formação do indivíduo (ou da semiformação)? Qual o papel da experiência estética para a análise da obra literária? Como a semiformação pode comprometer esta experiência? Para conduzir essa reflexão, recupero alguns conceitos e categorias estéticas utilizados por Adorno, como aqueles de experiência, esquema e análise imanente, bem como pesquisas sociológicas do autor capazes de contribuir para uma caracterização da experiência de leitura. Sob essa perspectiva, proponho uma reflexão acerca dos problemas que envolvem a leitura de livros e a formação cultural do indivíduo no contexto atual.

Palavras-chave:
leitura; experiência; formação do indivíduo; literatura; Theodor Adorno

Résumé

Le but de cet article est de discuter de la relation entre la lecture de livres littéraires et la formation culturelle de l’individu [Bildung], sur la base des contributions critiques de Theodor Adorno. Cette discussion est guidée par les questions suivantes :Comment la lecture des livres contribue à la formation de l’individu (ou de la semi-formation) ? Quel est le rôle de l’expérience esthétique pour l’analyse de l’œuvre littéraire? Comment la semi-formation, à son tour, peut affecter cette expérience ?Pour mener à bien cette réflexion, je récupère certains concepts et catégories esthétiques utilisés par Adorno, comme ceux d’expérience, schéma et analyse immanente, aussi bien des recherches sociologiques de l’auteur en mesure de contribuer à une caractérisation de l’expérience de lecture. Dans cette perspective, je propose une réflexion sur les problèmes concernant la lecture de livres et la formation culturelle de l’individu dans le contexte actuel.

Mots-clés:
lecture; expérience; formation de l’individu; littérature; Theodor Adorno

Resumen

El propósito de este artículo es discutir sobre la relación entre la lectura de libros de literatura y la formación cultural del individuo [Bildung], basándose en las contribuciones críticas de Theodor Adorno. Esta discusión se guía por las siguientes preguntas: ¿Dé que manera el hecho de leer libros contribuye a la formación del individuo (o de la pseudocultura)? ¿Cuál es el papel de la experiencia estética para el análisis de la obra literaria? ¿Cómo la pseudocultura, a su vez, puede afectar esta experiencia? Para llevar a cabo esta reflexión, recupero algunos conceptos y categorías estéticas utilizados por Adorno, como los de experiencia, esquema y análisis inmanente, así como la investigación sociológica que puede contribuir a una caracterización de la experiencia de lectura. Desde esta perspectiva, propongo una reflexión sobre los problemas que afectan a la lectura de libros y la formación cultural del individuo en el contexto actual.

Palabras clave:
lectura; experiencia; formación del individuo; literatura; Theodor Adorno

Abstract

The aim of this paper is to discuss the relationship between reading literary books and education [Bildung] inspired by Theodor Adorno’s critical contributions. This discussion is guided by the following questions: How does reading books contribute to a cultural education (or pseudoculture)? What is the role of the aesthetic experience in the analysis of a literary work? How might a frame of pseudoculture jeopardize this experience? To guide this examination, I have called upon some of the concepts and aesthetic categories used by Adorno, such as experience, schema, and immanent analysis, as well as his sociological investigations that may contribute to understanding the reading experience. From this perspective, I present some comments on the problems involving reading books and the education of the individual in the current context.

Keywords:
reading; experience; education; literature; Theodor Adorno

A leitura de livros tem exercido um papel significativo em nossa história cultural. Oferecendo acesso a conhecimentos alheios ao círculo de relações imediatas do leitor e ajudando a consolidar modos mais individualizados de leitura e reflexão, os livros concorreram de forma importante para a constituição de uma subjetividade moderna. Integrando-se intimamente à educação e à cultura, os livros associaram-se aos próprios ideais iluministas, tornando-se símbolos do projeto burguês de formação do indivíduo: objetos capazes de nutrir a autodeterminação do sujeito e promover autonomia.

As modificações na forma do livro e da leitura ocorridas em meio à digitalização da cultura nas últimas décadas tornam pertinente retomar a pergunta sobre o caráter crítico e/ou ideológico presente na leitura de livros, bem como sobre o lugar da leitura literária em um projeto crítico de formação cultural.

O objetivo deste artigo é discutir, com base nas contribuições críticas de Theodor Adorno, as relações entre a leitura de livros de literatura e a formação cultural do indivíduo [Bildung]. Esta reflexão é norteada pelas seguintes perguntas: Como a leitura de livros participa da formação do indivíduo (ou da semiformação)? Qual o papel da experiência estética para a análise da obra literária? Como um quadro semiformativo pode comprometer essa experiência?

Para conduzir esta reflexão, recupero alguns conceitos e categorias estéticas presentes no pensamento adorniano, como aqueles de experiência, esquema e análise imanente, assim como pesquisas sociológicas de Adorno capazes de contribuir para uma caracterização da experiência de leitura. Sob essa perspectiva, proponho uma reflexão acerca dos problemas que envolvem a leitura de livros e a formação cultural do indivíduo no contexto atual.

Contingências da formação: esquematismo e experiência

Em “Teoria da semiformação”, Adorno (2010Adorno, T. W., & Eisler, H. (2010). Composing for the films. New York: Continuum.) realiza uma crítica contundente da formação cultural, tanto como categoria definida a priori quanto em sua realização presente. Analisando o modo como a sociedade burguesa se estabelece contraditoriamente às expensas da autodeterminação da consciência que outrora seu projeto nutria, ele constata que a reificação passou a comandar as realizações da subjetividade e do espírito às quais a formação cultural se articulava. Isso fez que as condições para que a formação do indivíduo aconteça fossem solapadas, de um modo perverso, já em seu nascedouro: ao invés de se empreender uma crítica dos mecanismos e circunstâncias que impedem a formação, passou-se a oferecer uma “semiformação” [Halbbildung]. Tomado o parcial pelo todo, a semiformação engendra uma consciência falsa, ao mesmo tempo agente e produto de uma pseudocultura. Neste ensaio, Adorno explora as condições pelas quais esse processo se instaura.

Adorno sustenta que a formação do indivíduo e a experiência estão relacionadas em sentido inverso, ou seja, o declínio da experiência está intrinsecamente articulado ao problema da semiformação. Desde que a experiência foi perdendo espaço no processo formativo, revelando a contradição entre formação e sociedade, o indivíduo foi expropriado de seu lugar na produção da cultura:

A semiformação é uma fraqueza em relação ao tempo, à memória, única mediação capaz de fazer na consciência aquela síntese da experiência que caracterizou a formação cultural em outros tempos. . . . Quem dispensa a continuidade do juízo e da experiência se vê provido, por tais sistemas, apenas com esquemas para subjugar a realidade. (Adorno, 2010Adorno, T. W., & Eisler, H. (2010). Composing for the films. New York: Continuum., pp. 33-34)

Quando a capacidade de ter experiências arrefece, com seus desdobramentos no tempo e trabalhos da memória, são os esquemas típicos em um quadro de semiformação que se tornam os mediadores da consciência. A própria definição a priori da formação como categoria ideal e invariante passa a figurar então como um esquema, contradizendo seu sentido e enredando-se às contingências sociais da crise formativa, à conversão da cultura em valor.

Referência a um momento importante do processo formativo, o conceito de esquema não vem empregado neste texto com o sentido de uma simplificação ou síntese, mas reporta-se aos conceitos de esquema e esquematismo descritos na Crítica da razão pura (Kant, 2010Kant, I. (2010). Crítica da razão pura (M. P. Santos & A. F. Mourão, trads., 7a ed.). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.) - ou, melhor, à leitura de Adorno da filosofia kantiana -, com a intenção de ressaltar os efeitos deletérios da reificação e da apropriação dos esquemas pela indústria cultural.

Kant (2010Kant, I. (2010). Crítica da razão pura (M. P. Santos & A. F. Mourão, trads., 7a ed.). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.) dá o nome de esquema à “condição formal e pura da sensibilidade a que o conceito do entendimento está restringindo no seu uso e o de esquematismo do entendimento puro ao processo pelo qual o entendimento puro opera com esses esquemas” (p. 183, grifo do autor). O processo de constituição das formas do entendimento nutre-se tanto da intuição sensível quanto do conceito; o conceito pode ser puro (como aquele de círculo) ou empírico (como o de prato). A questão que decorre daí é que:

não havendo a possibilidade de um relacionamento direto entre o material empiricamente recebido pela sensibilidade e a capacidade organizadora, mediante conceitos, do entendimento, resta o recurso a um tipo de mediação, que, para Kant, coincide com o próprio procedimento do esquematismo. (Duarte, 2003Duarte, R. (2003). Esquematismo e semiformação. Educação e sociedade, 24(83), 441-457., p. 448)

Segundo Adorno (2010Adorno, T. W., & Eisler, H. (2010). Composing for the films. New York: Continuum.), Kant resolve a discrepância entre a categoria que descreve o objeto e o objeto em si argumentando a favor da existência de um “estágio intermediário entre intuição e conceito, uma espécie de modelo ou imagem” (p. 131). É o uso desses modelos que torna possível reconhecer aquilo que percebemos, além de conferir uma imagem ao conceito, a qual passa a atuar como elo representativo da imaginação. Exemplificando o processo, Kant afirma que o conceito de número (digamos, cinco) poderia ser descrito mediante a imagem de uma sequência de pontos; mas o número só será devidamente esquematizado quando se dispuser de um método para representar esse número, com o emprego, no caso, do algarismo. Quantidade, causalidade e substância dentre outras determinações a priori do tempo e do espaço são igualmente utilizadas pelo filósofo como exemplos de esquemas. Assim, para Kant (2010Kant, I. (2010). Crítica da razão pura (M. P. Santos & A. F. Mourão, trads., 7a ed.). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.), “os conceitos sensíveis puros não se assentam sobre imagens dos objetos, mas sobre esquemas” (p. 183): “as categorias [suscetíveis de uso empírico] sem os esquemas são apenas funções do entendimento relativas aos conceitos, mas não representam objeto algum” (p. 187).

Partindo dessa compreensão, um problema já denunciado na Dialética do esclarecimento (Adorno & Horkheimer, 1985Adorno, T. W., & Horkheimer, M. (1985). Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos (G. A. Almeida, trad.). Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar.) toca o fato de que a indústria cultural ao “vender” esquematismos prontos poupa o sujeito da necessidade de lidar com a multiplicidade sensível que os conceitos sensíveis buscam homogeneizar. Uma vez que os dados da experiência foram previamente agrupados pela indústria cultural, não se exige mais do sujeito nenhum esforço próprio de classificação - o que comporta um conjunto de implicações relevantes do ponto de vista psicológico.

A apropriação dos esquemas pela indústria cultural atravessa simultaneamente o processo de construção do conceito (conduzindo a generalizações que já não guardam semelhança com seus objetos) e a percepção dos objetos, ora distorcida e comprometida por falsas projeções. Para Adorno e Horkheimer (1985Adorno, T. W., & Horkheimer, M. (1985). Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos (G. A. Almeida, trad.). Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar.), se “a mimese se torna semelhante ao mundo ambiente, a falsa projeção torna o ambiente semelhante a ela” (p. 174). A “recognição no conceito”, por sua vez, exerce um papel relevante na passagem da mimese refletora para a reflexão controlada, operando como substituto da assimilação física da natureza ao reduzir o diverso a um denominador idêntico. Na medida em que a percepção do objeto é ultimada por elementos interiores ao sujeito e exteriores ao objeto, abre-se espaço para a interveniência do sofrimento recalcado - que atua na base psicológica do preconceito. O parentesco entre a mimese e a experiência estética em Adorno possibilita de algum modo uma inversão no sentido da apercepção patológica, fundada em uma falsa projeção.

Uma das questões que Adorno dirige ao idealismo kantiano está voltada a seu caráter ideológico, visto que o objeto aparece aos sentidos como parte de um mundo humano, dado a conhecer a um sujeito potencialmente livre ou cativo apenas de si próprio, quando na verdade somos cativos de um mundo previamente estabelecido pelas relações de troca, pela mercadoria e pela reificação das relações humanas. Um mundo no qual a subjetividade não é efetivamente livre para dispor de sua imaginação para produzir novos esquemas.

No trecho extraído do citado ensaio sobre a semiformação, Adorno contrapõe os “esquemas” - utilizados “para subjugar a realidade” na sociedade administrada - à “síntese da experiência”, enfatizando que, quando o sujeito se vê provido com esquemas prontos, a experiência particular do sujeito deixa de participar do processo formativo. Em parte, esse seria o motivo pelo qual o declínio da experiência contribui para a corrosão da formação e a difusão de um espírito alienado: a autodeterminação da consciência é substituída por elementos culturais aprovados de antemão, enquanto, na outra ponta, a consciência cindida e distante da práxis manifesta-se sob a forma de um simulacro da experiência, através da qual o semiexperimentado fortalece sua própria reificação - produzindo uma consciência falsa.

O semiformado excluído da cultura, mas submetido a ela, toma então partido de uma cultura sui generis, que longe de apresentar-se a um meio passo da formação, toma seu lugar “graças a um autêntico encontro marcado pela indústria cultural: o mundo dos livros que não deixa nas estantes sem ler e que parecem ser igualmente a-históricos e tão insensíveis perante as catástrofes da história como seu próprio inconsciente” (Adorno, 2010Adorno, T. W., & Eisler, H. (2010). Composing for the films. New York: Continuum., p. 37). A semiformação mina a constituição da subjetividade, outrora nutrida pela experiência e pelo conceito. Ambos acabam enredados em um círculo perverso de determinações extemporâneas.

Notas sobre o conceito adorniano de experiência

No ensaio sobre a semiformação, Adorno resiste em oferecer uma definição precisa do conceito de experiência, evitando o anúncio de uma experiência ideal, redentora, ao mesmo tempo que, em um leque que dialoga com Kant, Benjamin, Hegel, Husserl e Lukács, amplia e tensiona os limites de sua significação, abrindo-se à discussão de seus diferentes aspectos - incluindo seu caráter metafísico e contingências sociais de sua crise.

A despeito de suas indefinições1 1 Segundo Jay (2004), é preciso admitir que a obra de Adorno não resolve totalmente a “confusão de denotações e conotações que se agarram à palavra ‘experiência’”, oscilando entre o lamento pela experiência perdida e a ironia diante da romantização de um suposto “estado pré-queda” (p. 144). , o conceito de experiência figura como ponto-chave da filosofia adorniana (Negt, 2005Negt, O. (2005). Nascido da miséria da compreensão filosófica: do conceito de experiência em Adorno. In R. Duarte, V. Figueiredo, & I. Kangussu, Theoria aesthetica: em comemoração ao centenário de Theodor W. Adorno. Porto Alegre, RS: Escritos.): é ele quem lhe permite defender a necessidade e a atualidade do pensamento filosófico, por meio daquilo que oferece contraponto ao exercício do pensamento, em suas tentativas de construção identitária - isto é, do não-idêntico que atravessa a relação entre o sujeito, os conceitos e os objetos empiricamente percebidos.

Longe de constituir-se como metáfora filosófica, o não-idêntico designa “o outro do pensamento, aquilo que lhe resiste e que ainda assim não é apenas dado, mas mediado pelo trabalho vivo e pelo conceito” (Negt, 2005Negt, O. (2005). Nascido da miséria da compreensão filosófica: do conceito de experiência em Adorno. In R. Duarte, V. Figueiredo, & I. Kangussu, Theoria aesthetica: em comemoração ao centenário de Theodor W. Adorno. Porto Alegre, RS: Escritos., p. 87) - ideia que se encontra na base da dialética negativa de Adorno. Se todo pensamento legítimo advém das exigências e contradições do material, também os fatos são conduzidos pelo pensamento. Daí a importância da experiência em conduzir a filosofia à investigação dos problemas que cercam a relação entre sujeito e objeto em nossa sociedade, sem desconsiderar o sofrimento que o estado irreconciliado do sujeito comporta. É por isso que “a objetividade do conhecimento dialético precisa de mais, não de menos sujeito” (Adorno, 2009Adorno, T. W. (2009). Dialética negativa (M. A. Casanova, trad.). Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar., p. 42). É a experiência quem torna o pensamento possível.

No ensaio sobre a semiformação, a perda da autoridade comunitária, a queda da metafísica e o dano à experiência espiritual são associados à perda da “continuidade da consciência” que caracteriza a experiência vinculada à tradição e projetada para além do tempo presente (Adorno, 1993/2010Adorno, T. W. (2010). Teoria da semiformação. In B. Pucci, A. S. Zuin, & L. A. Lastória (Orgs.), Teoria crítica e inconformismo: novas perspectivas de pesquisas. Campinas, SP: Autores Associados., p. 33). A despeito da evidente proximidade dessa formulação com o conceito de experiência consagrado por Benjamin, em outros momentos, as ideias de ambos sobre o tema guardam diferenças profundas. É o caso do peremptório afastamento de Adorno do messianismo judeu e da tentativa de reconciliar experiência e absoluto - propósitos que, segundo Jay (2004Jay, M. (2004). Is experience still in crisis? Reflections on a Frankfurt School lament. In T. Huhn (Ed.), The Cambridge companion to Adorno. Cambridge, UK: Cambridge University Press.), estariam subjacentes à ideia benjaminiana de uma experiência originária2 2 As diferenças entre ambos se estenderiam à leitura do conceito hegeliano de experiência, qualificado por Benjamin como redutivo e violento, mas elogiado por Adorno (2013) enquanto antítese de uma “experiência fenomenológica originária” (p. 133) ou algo ontológico (como pretendido por Heidegger), mas momento particular da contradição que moveria dialeticamente a busca do objeto verdadeiro para a consciência, implicado pela mediação do saber. .

Segundo Negt (2005Negt, O. (2005). Nascido da miséria da compreensão filosófica: do conceito de experiência em Adorno. In R. Duarte, V. Figueiredo, & I. Kangussu, Theoria aesthetica: em comemoração ao centenário de Theodor W. Adorno. Porto Alegre, RS: Escritos.), ao invés de vivências religiosas originárias, a experiência metafísica adorniana designaria “os súbitos instantes de felicidade, juntamente com a relação precária de proximidade e distância que acompanha essa experiência de felicidade” (p. 87). Com recurso à obra literária de Proust, Adorno (2009Adorno, T. W. (2009). Dialética negativa (M. A. Casanova, trad.). Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar.) mostra como é exatamente a impossibilidade de encontrar a felicidade em meio a vivências originárias que faria a rememoração de lugares específicos do passado substituir-se à sua promessa: a proximidade das imagens evocadas pela memória faria que essas imagens recuassem, tal como ocorre em nossa visão do arco-íris (por mais que as imagens da infância se avizinhem das paisagens reais). Levando ao limite um preceito defendido pelo próprio Benjamin, Adorno mostra como a proximidade revela-se contraditória com a experiência.

Essa posição em relação ao papel das imagens para a experiência faz que Adorno rejeite também a estética surrealista defendida por Benjamin3 3 Nas palavras de Adorno (2003), “as imagens dialéticas do Surrealismo são as de uma dialética da liberdade subjetiva em uma situação de não-liberdade objetiva” (p. 138). Por isso, não se trata de imagens “de uma interioridade, mas sim fetiches – fetiches da mercadoria – nos quais uma vez se fixou algo de subjetivo: a libido”. (p. 139) . Enquanto Benjamin buscava encontrar ecos mútuos da literatura na filosofia e na ciência, evidenciando entrelaçamentos entre reflexão e arte, Adorno procurava aprofundar os desdobramentos da dialética entre sujeito e objeto, trabalhando para instruir uma epistemologia crítica que entendia possível apenas na medida em que estivesse preservada a cisão entre os dois polos, com todas as suas contradições, e estabelecida a primazia do objeto - dribladas assim falsas saídas subjetivistas (Adorno, 1995Adorno, T. W. (1995). Palavras e sinais: modelos críticos 2. Rio de Janeiro, RJ: Vozes.).

A despeito da crítica comum a Kant, o foco desta não está na arbitrariedade da separação entre sujeito e objeto, como no caso de Benjamin4 4 Sobre a crítica de Benjamin a Kant e a Hegel, conferir Caygill (1998). , mas nas circunstâncias que envolvem essa separação e suas consequências. Aí um dos motivos para o alerta, ao lado de Horkheimer, de que o jugo do mito pelo pensamento ocidental teria se convertido em uma mitologização da razão (Adorno & Horkheimer, 1985Adorno, T. W., & Horkheimer, M. (1985). Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos (G. A. Almeida, trad.). Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar.) - ideia reafirmada na obra madura de Adorno (2009Adorno, T. W. (2009). Dialética negativa (M. A. Casanova, trad.). Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar.), com a defesa da inevitabilidade da metafísica: “A metafísica trata de um elemento objetivo sem, contudo, poder se dispensar da reflexão subjetiva. Os sujeitos são engajados em si mesmos, em sua ‘constituição’: cabe à metafísica pensar sobre o quanto ela consegue, porém, enxergar além de si mesma” (p. 311). A experiência metafísica é defendida como parte integrante da vida.

Não apenas o sujeito não consegue prescindir da experiência metafísica, mas esta apresenta-se como condição para que o momento de verdade possa resultar da experiência. Dessa maneira, a metafísica seria vivida como algo próprio ao sujeito, específico como suas recordações pessoais, dizendo respeito, exatamente por isso, à possibilidade de um universal que se afirma somente por meio de sua particularidade. Longe de ser negada, a metafísica desponta, para Adorno, como negação e pergunta a respeito daquilo que constitui a si e aos objetos, sobre o sentido da vida, fuga do sofrimento e exigência de felicidade. Condição objetiva da relação estabelecida entre sujeito e objeto no mundo empírico, a experiência metafísica torna-se parte integrante também da atividade especulativa.

A “boa” reificação e a crítica imanente da obra literária

O intenso diálogo que Adorno estabelece com Benjamin sobre a experiência não exclui o caráter materialista que o conceito encerra. Convencido da centralidade do marxismo para a crítica da filosofia e da história, Adorno questiona incisivamente a formulação que o conceito teria assumido no ensaio “Sobre alguns temas em Baudelaire” de Benjamin. Em correspondência endereçada ao amigo, Adorno acusa as articulações benjaminianas entre experiência, memória e inconsciente de não serem dialéticas o bastante. O cerne dessa crítica reportava-se ao conceito de reificação (que, não por acaso, Adorno recupera no ensaio sobre a semiformação), o qual demandaria uma “teoria dialética do esquecimento” como elo dialético necessário entre a vivência [Erlebnis] e a experiência [Erfahrung] (Adorno & Benjamin, 2012Adorno, T. W., & Benjamin, W. (2012). Correspondência 1928-1940 (J. M. M. Macedo, trad., 2a ed. rev.). São Paulo, SP: Unesp., p. 450).

De acordo com Jay (2005Jay, M. (2005). Songs of experience: modern American and European variations on a universal theme. Berkeley, CA: University of California Press.), a crítica ao hegelianismo marxista de György Lukács teria sido responsável por conduzir Adorno à elaboração de uma teoria própria da reificação, segundo a qual seria possível distinguir uma “boa” de uma “má” reificação (p. 340). Seguindo essa linha, o que Adorno estaria propondo na carta endereçada a Benjamin aponta, por um lado, para uma leitura do conceito benjaminiano de aura como boa reificação. Por outro, sugere que o esquecimento que implica a reificação constituiria um obstáculo para que a experiência [Erfahrung] pudesse se realizar: “Não seria a aura sempre o vestígio de um traço humano esquecido na coisa e não estaria ela presa, justamente pelo esquecimento, àquilo que você chama experiência?”, pergunta Adorno (Adorno & Benjamin, 2012Adorno, T. W., & Benjamin, W. (2012). Correspondência 1928-1940 (J. M. M. Macedo, trad., 2a ed. rev.). São Paulo, SP: Unesp., p. 450).

As diferentes perspectivas em relação à ideia de experiência resultam em diferenças também na crítica estética proposta por ambos (e para a crítica literária, especificamente), descritas por Hansen (2012Hansen, M. (2012). Cinema and experience. Oakland, CA: University of California Press.) nos seguintes termos:

Benjamin propunha uma teoria da estética como aisthesis, que englobava mais do que aspectos estilísticos e formais das obras, vinculando seus questionamentos às transformações da percepção sensorial e da experiência na modernidade. As microanálises literárias e musicais de Adorno demonstravam um modo dialético de leitura que levava a sério os apelos à autonomia estética destas obras, na medida em que afirmavam sua dependência socioeconômica em verdadeira negação do mundo empírico. (p. xvi, tradução minha)

Adorno não nega as contribuições benjaminianas sobre a experiência para a compreensão da dialética meio, autor, receptor e forma artística - sem o que a análise imanente da obra de arte recairia em mero formalismo -, mas problematiza o locus da resistência possível, que Benjamin acreditava encontrar-se também nos novos meios de reprodução (especialmente no cinema) e nas fronteiras artísticas abertas por eles - possibilidade que Adorno nega veementemente (Hansen, 1987Hansen, M. (1987). Benjamin, cinema and experience: the blue flower in the land of technology. New German Critique, (40), 179-224.). Adorno procura mostrar como a reprodução massiva da arte afeta não apenas a experiência, mas a própria obra de arte de forma estrutural.

Se a experiência com todas as suas contradições apresenta-se como corolário de determinada configuração social, cultural e subjetiva, a crítica é aquilo de que o sujeito dispõe para que a experiência possa superar a si mesma, invertendo o circuito nefasto da semiformação. O foco da crítica estética adorniana volta-se progressivamente para as condições que possibilitam a análise imanente da obra de arte autônoma. A aproximação entre arte e filosofia é entendida como necessária para que a experiência da obra se expresse como crítica.

O giro empreendido por Adorno na direção de uma análise imanente da obra mostra-se possível porque, para ele, o jogo de tensões envolvido no processo de criação faz que a experiência, em intrínseca relação com o todo social, materialize-se na própria obra. Isso não se dá, segundo Adorno, de maneira direta, mas decorre do fato que a forma artística comporta em sua apresentação uma negação do mundo material - o que faz que a arte não coincida com a realidade, nem apareça como mera reprodução do existente5 5 Essa assertiva contrapõe-se ao realismo do Lukács maduro, a quem Adorno acusa de manter-se indiferente ao problema filosófico gerado pela identidade entre a “realidade objetiva” e a obra concreta, de quem esta se tornaria mero reflexo, expressão de um “materialismo vulgar”. (Adorno, 2007, p. 153) . Resultante desse processo de construção em negativo, a forma estética se apresenta no momento seguinte como conteúdo social sedimentado (Adorno, 2006Adorno, T. W. (2006). Teoria estética (A. Mourão, trad.). Lisboa: Edições 70.). Isso porque apesar da obra de arte ser ela mesma fruto de um trabalho social (também empírico, portanto), é ao negar o todo social que a arte passa a espelhar a realidade, nutrindo-se de seu potencial crítico:

Os estratos fundamentais da experiência, que motivam a arte, aparentam-se com o mundo objetivo, perante o qual retrocedem. Os antagonismos não resolvidos da realidade retornam às obras de arte como os problemas imanentes de sua forma. É isto, e não a trama dos momentos objetivos que define a relação da arte à sociedade. (Adorno, 2006Adorno, T. W. (2006). Teoria estética (A. Mourão, trad.). Lisboa: Edições 70., p. 16)

A obra de arte encontra-se, com o intercurso da experiência, mediada pela totalidade social, ou, melhor dizendo, pela estrutura social dominante naquele respectivo momento histórico. Se a análise imanente não pode prescindir do contexto em que a obra se insere, mesmo em épocas remotas, como na Grécia Antiga, no contexto da indústria cultural essa exigência torna-se ainda mais candente (Adorno & Eisler, 2010Adorno, T. W., & Eisler, H. (2010). Composing for the films. New York: Continuum.). “As questões estéticas e sociológicas da arte mostram-se, assim, indissolúvel e constitucionalmente mescladas entre si” (Adorno, 2011Adorno, T. W. (2011). Introdução à sociologia da música: doze preleções teóricas. (F. R. M. Barros, trad.). São Paulo, SP: Unesp., p. 366). Isso significa dizer que na sociedade capitalista a reificação é intrínseca à arte, tornando-se mesmo essencial para a autonomização da obra (Adorno, 2006Adorno, T. W. (2006). Teoria estética (A. Mourão, trad.). Lisboa: Edições 70., p. 118) - o que se dá mesmo que a arte não esteja reduzida a seu caráter de mercadoria (posto que nem a obra, nem o artista estão encerrados em seu destino exterior, e a experiência expressa pela obra ultrapassa aquela do artista)6 6 Isso não significa que a arte não possa vir a ser dominada pela ratio comercial, mas que esta ao sequestrar as formas artísticas impinge a elas a irracionalidade que caracteriza os produtos da indústria cultural (Adorno, 2002). . Em meio a esse circuito de negações, ao expressar a lei de sua reificação, a obra de arte torna-se antítese do inessencial, no mesmo passo em que a autonomização da obra oferece ocasião para a crítica imanente.

No lugar de uma análise transcendente, imantada por elementos exteriores, ou mesmo anteriores à obra de arte, a obra autônoma agora não apenas permite, mas requer uma análise imanente [werkimmanente Betrachtung] - a única que possibilitaria uma crítica dialética da cultura. Nascida no interior da própria ideologia, a análise imanente se opõe ao engodo de uma ruptura fictícia que a análise transcendente - desprovida da experiência que lhe forneceria lastro - viria a promover (Adorno, 1998Adorno, T. W. (1998). Prismas: crítica cultural e sociedade (A. Wernet & J M. B. Almeida, trads.). São Paulo, SP: Ática., p. 22).

Os princípios de uma análise imanente da obra literária foram descritos por Adorno em uma conferência sobre Sociologia da Literatura na cidade francesa de Royaumont, por ocasião de uma homenagem a Lucien Goldmann. Em muitos pontos inspirada pela crítica de Benjamin à obra As afinidades eletivas, de Goethe, Adorno explicita ali a ideia de que o conteúdo de verdade [Wahrheitsgehalt] (ou “teor de verdade”, em uma melhor tradução da palavra “Gehalt”) da obra de arte constitui o principal critério para avaliação da obra literária, distinto de seu teor factual [Sachgehalt]. O teor factual da obra seria aquele passível de ser explorado por meio do comentário, contraposto, por sua vez, à crítica em sentido pleno.

Respondendo à insuficiência de uma análise filológica focada na gênese das obras, Adorno explicita o modo pelo qual torna-se possível alcançar tanto o teor factual quanto o conteúdo de verdade, integrados na unidade do texto. A crítica literária aparece entrelaçada à descrição do conjunto de elementos que compõe a obra. Na impossibilidade de se efetuar uma descrição neutra do objeto, Adorno sustenta que a descrição não prescinde da compreensão, ambas as etapas inseparáveis nesse processo: “não somente é impossível descrever sem compreender, mas contrariamente ao pretendido pela opinião geral dominante, não é possível compreender sem o momento da crítica”. (Adorno, 1975Adorno, T. W. (1975). Discussion extraite des actes du second colloque international sur la sociologie de la littérature tenue à Royaumont, par L. Goldmann et T. W. Adorno. In L. Goldmann, Lucien Goldmann et la sociologie de la littérature : hommage à Lucien Goldmann. Bruxelles: Éditions de l’Université de Bruxelles., p. 34)

Adorno sistematiza esse exercício propondo uma divisão entre níveis de análise, que em conjunto seriam capazes de oferecer uma visão articulada de seus momentos. O primeiro desses níveis seria a compreensão. Tomando o exemplo da peça O pato selvagem, de Ibsen, este nível volta-se aos elementos da ação, como a motivação dos personagens expressa pelo comportamento - tudo aquilo que poderia eventualmente situar-se em um nível factual, mas não é dado de modo evidente no texto, exigindo uma atividade dedutiva do leitor.

O segundo nível seria o do significado que alcançaria a “intenção” do autor ao emprestar certas falas e características aos personagens: o ato falho do personagem Hjalmar Ekdal ao se esquecer de trazer o menu da ceia que prometera à sua filha, expressando o caráter autista e a incapacidade de amar do Sr. Ekdal.

O terceiro nível de compreensão é aquele da ideia, presente em momentos variados da obra. Em O pato selvagem, desenvolve-se concretamente no conceito de “mentira” [Lebenslüge], aquela que torna possível ao homem existir. Essa ideia expressaria a dialética envolvida na impossibilidade de se eliminar individualmente a mentira, baseando a vida na verdade e consciência da realidade, iniciativa que torna o personagem fonte de grandes desgraças, sendo ele mesmo uma vítima.

Criticando a provisoriedade da crítica literária tradicional, tida como tautológica e reificada (restrita a decifrar mensagens ocultas no texto ou listar motivações que comparecerão nos manuais de literatura), Adorno introduz aquele que ele destaca como nível decisivo da crítica: o conteúdo de verdade. É aqui, segundo Adorno, que se pode tomar uma decisão sobre a qualidade estética de uma obra, afirmada a partir da existência ou não de um conteúdo de verdade. O conteúdo de verdade da peça de Ibsen poderia ser a representação do mundo burguês como um mundo mítico, em virtude do nó de culpabilidade que constitui as relações na sociedade burguesa - como se um destino cego reinasse sobre um mundo primitivo, efêmero e incerto, no qual a figura do filho (em sentido mitológico) torna-se uma vítima desse nó. Daí a emergência dos conceitos filosóficos de destino, mito, culpabilidade, reconciliação, que não são, como sublinha, expressos abstratamente, mas assumem dada configuração em função dos elementos que essa peça em especial busca articular. A Literatura comunica-se com a Filosofia não por meio de abstrações que ultrapassam a obra, mas por meio das configurações concretas de seus momentos pragmáticos.

Por fim, Adorno introduz o conceito de explicação, identificado com o exato momento da crítica. Assumindo a forma de comentário, a explicação torna-se o momento capaz de reunir todos os elementos da análise antes arbitrariamente distintos.

Adorno discute as contradições embutidas no fato de se mobilizar pressupostos e saberes que transcendem o texto durante a análise imanente. Mostrando a inutilidade do “fazer-se de bobo” diante da obra, Adorno ressalta que os saberes transcendentes não devem ser esquecidos no processo de análise, mas mobilizados e submetidos à experiência da obra, diante da qual se esvanecem. A experiência estética é alçada ao primeiro plano. Dessa maneira, revela-se o caráter transgressivo da análise imanente: os limites da própria crítica precisam ser continuamente superados para sua realização (Adorno, 1975Adorno, T. W. (1975). Discussion extraite des actes du second colloque international sur la sociologie de la littérature tenue à Royaumont, par L. Goldmann et T. W. Adorno. In L. Goldmann, Lucien Goldmann et la sociologie de la littérature : hommage à Lucien Goldmann. Bruxelles: Éditions de l’Université de Bruxelles., p. 37).

Expostos os princípios da análise imanente, resta a pergunta sobre as condições dadas para que a experiência de leitura possa levar essa análise a termo.

Tipos de ouvintes… tipos de leitores?

A despeito da importância da crítica literária adorniana, o principal foco de sua estética, como se sabe, não era a literatura, mas a música. As primeiras ideias de Adorno sobre uma tipologia da escuta musical foram desenvolvidas em 1939, com o Princeton Radio Research Project7 7 Conferir Carone (2011). . Cerca de vinte anos depois, algumas dessas ideias integrariam um conjunto de preleções transmitidas via rádio (Adorno, 2011Adorno, T. W. (2011). Introdução à sociologia da música: doze preleções teóricas. (F. R. M. Barros, trad.). São Paulo, SP: Unesp.), dentre as quais aquela sobre “tipos de comportamento musical” mostra-se particularmente interessante: sendo iminentemente sociológico o núcleo de suas reflexões, exibe uma visão detalhada dos critérios que compõem a experiência estética no caso da escuta musical - mas que não foram igualmente referidas à literatura por Adorno.

Para compor uma tipologia de ouvintes, Adorno estabelece inicialmente uma diferenciação qualitativa da experiência musical. Isso era possível porque a obra vinha concebida como “algo pleno de sentido e, em si, objetivamente estruturado, abrindo-se à análise e podendo ser apreendido e experimentado em diferentes níveis de acuidade” (Adorno, 2011Adorno, T. W. (2011). Introdução à sociologia da música: doze preleções teóricas. (F. R. M. Barros, trad.). São Paulo, SP: Unesp., p. 59, meu grifo). Deixando claro que não pretende fixar uma “completude” da experiência, Adorno delimita o que entende como “adequação da escuta”, equiparada a uma “escuta estrutural” - própria aos experts no topo da lista de tipos: aquela na qual não somente o ouvinte mostra-se consciente das qualidades formais e complexidades subjetivas daquilo que ouve, mas também capaz de relatar sua experiência musical.

Enquanto o grupo dos experts corresponderia a um número restrito de profissionais da música, nos demais estratos seriam encontrados tanto os tipos socialmente deslocados - como os bons ouvintes, antes pertencentes aos círculos aristocráticos (capazes de uma fruição espontânea e fundamentada, mas não associada a critérios técnicos ou modismos) - quanto aqueles cuja recepção encontra-se internamente mediada pelo fetichismo da música - como o consumidor cultural, o ouvinte emocional, o ressentido ou o fã de jazz. Para Adorno (2011Adorno, T. W. (2011). Introdução à sociologia da música: doze preleções teóricas. (F. R. M. Barros, trad.). São Paulo, SP: Unesp.), essa descrição dos tipos de ouvintes pode ser levada a cabo de modo coerente a uma crítica imanente, sem o recurso a elementos exteriores ao objeto porque “a interpretação do conteúdo musical se decide na composição interna das obras”. (p. 60)

Mas qual a pertinência de uma abordagem sociológica similar no caso da experiência de leitura literária? A situação da leitura literária é equivalente à da escuta musical, a ponto de justificar uma classificação dessa experiência, ou uma tipologia de leitores? Qual a pertinência de se fixar graus mais ou menos acurados de leitura, com base nos princípios de uma análise imanente da obra literária?

A leitura literária como experiência: possibilidades

Quando Habermas (2010Habermas, J. (2010). Mudança estrutural da esfera pública: investigações sobre uma categoria da sociedade burguesa (D. L. Werle, trad.). São Paulo, SP: Unesp.) teceu críticas ao conceito de indústria cultural, valendo-se da literatura, ele defendia que as “leis de mercado” propiciam o acesso à produção literária, mas não têm o poder de comprometer a literatura pela via de sua facilitação econômica (por meio de uma política de preços). Caso o texto não fosse submetido a uma facilitação psicológica, apresentando-se de forma simplificada, o fetichismo da mercadoria, por si só, não comprometeria a produção literária.

Ainda que uma obra não tenha sido submetida a qualquer facilitação psicológica evidente, Habermas desconsidera o fato de que a experiência do público leitor transforma-se em um contexto produtor de semicultura. Caso generalizássemos não as qualidades do objeto, e sim essa experiência, incorreríamos em um positivismo pouco fiel à teoria adorniana. Então, o que diferencia especificamente a experiência estética oferecida pela escuta musical e a experiência de ler? O que as aproxima?

Se pensarmos que a experiência corresponde não apenas à atividade momentânea que cerca o objeto, mas às possibilidades (ou limites) para que o sujeito se relacione com o material, não seria absurdo propor uma tipologia de leitores semelhante àquela que Adorno pleiteou para os ouvintes. Afinal, as contingências que cercam a crise da experiência são as mesmas, moldadas tanto pelo lugar social do indivíduo em relação à cultura quanto pelos padrões afetivos que a condição objetiva do sujeito enseja. É precisamente a cristalização das vicissitudes da experiência estética que Adorno denuncia em diferentes momentos de sua obra, mostrando como elas reduzem a potência crítica da arte. Existem, contudo, diferenças substanciais entre a escuta musical e a leitura literária, que tornam as duas experiências qualitativamente distintas.

A primeira dessas diferenças refere-se à linguagem. Como requisito para a leitura, a obra literária pede uma proficiência linguística mais acessível ao cidadão escolarizado. Os conhecimentos básicos de música (notação, ritmo, harmonia etc.) são difundidos de forma bastante mais restrita. Em certo sentido, as contradições postas à experiência literária entrelaçam-se de maneira mais estreita às idiossincrasias dos sistemas nacionais de ensino, em suas diversas facetas. Enquanto a literatura possui um lugar historicamente privilegiado no interior das escolas, a formação musical, estratificada e retroalimentada pela indústria cultural, faz-se mais dependente de ambientes socioculturais específicos e dos esforços individuais do ouvinte para seu aprendizado.

Essa situação aproxima a literatura enquanto arte do indivíduo médio, ao mesmo tempo que as características do livro promovem uma atividade mais autônoma do leitor. Diferentemente do rádio, o livro autoriza o leitor a empregar tanto tempo quanto seja necessário à leitura, que a repita, ou que se movimente livremente pelo texto sem que isso prejudique a priori uma apreensão estrutural da unidade do texto. Isso não acontece com o ouvinte musical. Mesmo que as gravações permitam ao ouvinte repetir trechos da música quantas vezes quiser, desde que o ritmo, por exemplo, é parte inerente da música, a segmentação compromete a escuta estrutural, que será diretamente atingida pela reprodutibilidade do rádio.

Além disso, as dificuldades do ouvinte em perceber a estrutura de uma peça musical independem da qualidade da música, enquanto a atividade de leitura se faz mais dependente da complexidade do material. Uma classificação dos leitores de literatura estaria assim sujeita a uma transitoriedade maior entre supostamente diferentes tipos de leitor, gerando uma classificação imprecisa. Isso porque a qualidade da leitura está associada a uma variedade ampla de fatores, promovendo experiências menos uniformes e/ou discrepantes. De certa maneira, pode-se dizer que o livro possui as chaves de sua própria experiência, tornando o leitor mais capaz de nutrir sua formação.

As características imanentes do livro colaboraram para que a literatura alcançasse um lugar tão significativo no projeto burguês de formação cultural. Entretanto, isso não quer dizer que a experiência estético-literária não seja afetada pela semiformação, nem que a literatura seja poupada dos prejuízos impostos pela indústria cultural, como pretendido por Habermas. Quer dizer apenas que a crise da leitura apresenta-se sob condições histórico-culturais peculiares, e desponta em um momento próprio - condições estas que diferem quanto ao desenvolvimento das demais modalidades artísticas, e produzem efeitos (ou danos) distintos para a experiência do receptor com a obra.

A leitura no circuito semiformativo atual

Quando Adorno sustenta uma análise imanente da obra literária calcada no conteúdo de verdade, ele expressa uma visão de literatura coerente com a ideia de que a arte não é definida por sua finalidade, seja como art pour l’art ou como fonte de “prazer estético”, mas, constituída como fetiche, faz-se capaz de revelar as contradições que atravessam tanto suas formas e a afirmação de seu caráter artístico, quanto as condições (objetivas e subjetivas) que participam na conformação da experiência naquele contexto. Do ponto de vista do leitor, isso significa que a experiência estética defendida por Adorno não está centrada na fruição, mas na possibilidade de exercício da crítica.

A crítica, por sua vez, não é fruto de uma atividade meramente especulativa, mas nasce de uma recepção da obra tecida em meio à percepção das formas estéticas nutrida pela experiência do leitor. Avaliações conteudísticas não colaboram para a experiência da obra enquanto unidade estrutural, assim como as generalizações teórico-filosóficas não bastam para compor a crítica, pois deixam de alcançar a obra em sua concretude. A especulação filosófica, por sua vez, é imprescindível na medida em que o conceito e os esquemas tomam parte na apercepção da obra, e que a crítica imanente não se completa sem atingir o nível da explicação.

Abertas as potencialidades críticas inauguradas pela literatura e estipulados os critérios para sua análise imanente, a questão que se coloca nessa ponta do espectro adorniano é como encontrar, em um quadro de semiformação generalizada, condições para que a experiência estético-literária tenha lugar. Especialmente considerando os efeitos nefastos da reificação, a preponderância dos esquemas produzidos pela indústria cultural e sua participação no aluimento da experiência.

No caso da literatura, a reificação da experiência estética se expressa principalmente por duas vias, imiscuídas entre os problemas da formação cultural: 1) em âmbito escolar, associada aos impasses do ensino de literatura nas escolas; 2) na cena cultural ampliada, no que toca à crítica literária e circunstâncias de sua crise.

A missão doutrinária das escolas estimula como tendência a oferta de um ensino de literatura moralizante, afetando tanto a indicação de títulos quanto a indução de modos determinados de leitura. Além de desestimular a leitura em si, a necessidade de avaliação e quantificação dos resultados produzidos pelo aluno contribui para a substituição de uma análise imanente pela descrição factual da obra, mais facilmente estipulável como resposta correta. Esse fenômeno não se separa de forma estanque dos problemas relacionados à crítica literária, em um contexto mais amplo, desde que “intelectuais autorizados” acabam exercendo a função de informar as escolas, nos níveis inferiores de ensino, sobre parâmetros em voga para a análise, especialmente daquelas consideradas canônicas. A reprodução de fórmulas inauguradas por especialistas, substituindo a experiência particular do leitor, tende a transformar a atividade de leitura em momento de introjeção para esquemas pré-instituídos, promovendo uma leitura estereotipada. Assim, a própria crítica literária, que surgiu com o propósito de ampliar as possibilidades abertas para a compreensão do texto, torna-se parte do círculo vicioso que concorre para a semiformação - fenômeno que prenuncia o declínio da crítica em si e a perda da autonomia das instituições escolares diante da indústria cultural.

Sem experiência, não há crítica. Mas a experiência não é possível sem risco8 8 Importante ressaltar que o risco não é bem-vindo em um contexto no qual a educação é concebida como investimento, destinado a integrar o indivíduo a uma sociedade administrada. Dentro desse projeto educativo, espera-se que o aprendiz seja capaz de produzir resultados, não ensaios ou dúvidas. . Nesse caso, o risco de que seus esquemas perceptivos revelem-se inadequados para a formulação de um juízo individual sobre a obra, demandando a construção de novos esquemas. Se a leitura de boas obras literárias favorece uma reconstrução desses esquemas fundada na experiência, a crítica à semiformação reinante, por sua vez, será tanto mais árdua quanto mais prisioneiro o sujeito for de esquemas prévios e alheios a si - condição que afeta o indivíduo, mas não pode ser completamente resolvida na solidão da leitura.

Ainda que Adorno concorde com a crítica de Habermas de que a facilitação do acesso econômico a certas obras não compromete sua estrutura9 9 Para Adorno (1993/2010), “não é possível se opor a publicações de textos filosóficos importantes do passado em edições de bolso, com o argumento de que os danos atinjam a própria substância das obras, suas formas e funções, pois isso tornaria o autor um ridículo defensor de uma ideia de formação já historicamente superada. . .” (p. 28). , a “edição de bolso” de uma obra literária complexa transforma-se em engodo quando ilude o leitor acerca da aparente simplicidade de seus conteúdos. O livro tradicional, ambivalente na qualidade de mercadoria, vende-se como ocasião para uma experiência de leitura que, a despeito da aparência de seu invólucro, não conseguirá oferecer a tantos leitores enredados nas vicissitudes da semiformação. A obra não perde sua aura, tampouco aproxima-se do leitor. Isto é, o preço baixo de uma edição de bolso não torna O Príncipe, de Maquiavel, necessariamente mais acessível para um leitor médio brasileiro, pois faltarão a este tempo e preparo educacional para que o texto se torne de fato compreensível (Dadico, 2012Dadico, L. (2012). A “fisiognomia” do livro no estudo psicológico da leitura. Psicologia em Estudo, 17(4), 629-638.). O objeto mediador participa da experiência que propicia mesmo ao veicular uma arte alográfica como a literatura.

Apesar de o livro não constituir um meio por excelência da indústria cultural - como o rádio, o cinema ou a televisão -, nem a experiência do leitor, como vimos, nem a qualidade da obra literária, tampouco o próprio meio encontram-se isolados de seu contexto. Na verdade, uma das tendências mais perspicazmente notadas por Adorno em suas pesquisas refere-se à propensão ao “amalgamamento” entre as diversas formas de produção cultural em função de seu consumo (Adorno & Eisler, 2010Adorno, T. W., & Eisler, H. (2010). Composing for the films. New York: Continuum.), que conduzem a uma perda gradativa da autonomia da arte. Diante dessa perda, torna-se progressivamente mais difícil compreender a obra literária como um objeto único, ou sua recepção como uma experiência apartada dos demais meios de reprodução. A digitalização da cultura10 10 Para esclarecimentos sobre o conceito, conferir Digitalization and digitization (Kreiss & Brennen, 2014). hoje em franca expansão, ao abarcar indistintamente as diversas esferas de produção artística, parece revelar-se como coroamento desse prognóstico. Esse fenômeno sugere que a experiência de leitura esteja eventualmente caminhando, assim como a experiência outrora mediada pelos meios de massa, rumo ao estabelecimento de indesejáveis estereotipias.

O leitor que faz uso de um livro tradicional dispõe de uma autonomia relativamente grande em relação ao meio, podendo planejar sua leitura de muitas maneiras: regulando o tempo e o ritmo empregados na atividade, escolhendo o ambiente e o grau de concentração almejados, optando pelo recurso ou não de elementos exteriores à leitura etc. (Dadico, 2012Dadico, L. (2012). A “fisiognomia” do livro no estudo psicológico da leitura. Psicologia em Estudo, 17(4), 629-638.). Essas condições vêm se modificando rapidamente. Submetidos às determinantes dos dispositivos em rede, não apenas as obras e a leitura transformam-se nesse novo ciclo da indústria cultural, mas o próprio livro, enquanto mediador privilegiado de certa experiência estética, vai se adaptando, de forma radical, a padrões em grande parte extrínsecos às exigências da obra literária e da atividade de leitura. A leitura de uma obra literária na tela de um celular, por exemplo, promove um melhor acesso e maior portabilidade do livro, mas isso não significa que o leitor irá conseguir ler mais ou melhor por conseguir acessar o texto ubiquamente disponível na rede por meio de seu smartphone.

As condições que o livro tradicional oferecia para a modalidade de leitura que o projeto burguês de formação individual fomentava parecem encontrar-se cada vez menos presentes no livro digital - objeto que se torna representante e agente do conjunto de transformações da leitura no contexto das novas mídias. O tempo e a solidão que certo tipo de leitura requer modificam-se quando o objeto mediador não promete mais ao leitor um afastamento do mundo ao redor - como ocorria com o livro em papel -, mas antes uma imersão na corrente de conexões que os aparelhos digitais ora oferecem. Ao mesmo tempo, a ampla oferta de serviços disponíveis via Internet em websites, blogs, redes sociais e outros, faz que as instituições escolares deixem de ser as únicas ou as principais fontes de referência de que o leitor dispõe para ser introduzido no mundo dos livros e da leitura.

Um aprofundamento efetivo dessa discussão enseja a realização de pesquisas empíricas voltadas especificamente à crítica dos novos objetos de mediação da obra literária, e das obras literárias mesmas, assim como estes vêm percebidos pelos leitores - objetivo que, infelizmente, ultrapassa as possibilidades e a medida deste ensaio. Espero, contudo, que as reflexões levantadas aqui ajudem a melhor identificar os problemas que a digitalização da literatura pode vir a comportar para a experiência de leitura. Espero, outrossim, ter conseguido evidenciar a importância de compreender melhor o conjunto de transformações em andamento, a fim de avaliar se e como essas mudanças darão lugar a novas experiências de leitura - as quais, por sua vez, podem tanto contribuir como oferecer resistência à consolidação de um novo ciclo semiformativo.

Referências

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  • 1
    Segundo Jay (2004Jay, M. (2004). Is experience still in crisis? Reflections on a Frankfurt School lament. In T. Huhn (Ed.), The Cambridge companion to Adorno. Cambridge, UK: Cambridge University Press.), é preciso admitir que a obra de Adorno não resolve totalmente a “confusão de denotações e conotações que se agarram à palavra ‘experiência’”, oscilando entre o lamento pela experiência perdida e a ironia diante da romantização de um suposto “estado pré-queda” (p. 144).
  • 2
    As diferenças entre ambos se estenderiam à leitura do conceito hegeliano de experiência, qualificado por Benjamin como redutivo e violento, mas elogiado por Adorno (2013Adorno, T. W. (2013). Três estudos sobre Hegel (U. R. Vaccari, trad.). São Paulo, SP: Unesp.) enquanto antítese de uma “experiência fenomenológica originária” (p. 133) ou algo ontológico (como pretendido por Heidegger), mas momento particular da contradição que moveria dialeticamente a busca do objeto verdadeiro para a consciência, implicado pela mediação do saber.
  • 3
    Nas palavras de Adorno (2003Adorno, T. W. (2003). Notas de literatura I (J. Almeida, trad.). São Paulo, SP: Editora 34.), “as imagens dialéticas do Surrealismo são as de uma dialética da liberdade subjetiva em uma situação de não-liberdade objetiva” (p. 138). Por isso, não se trata de imagens “de uma interioridade, mas sim fetiches – fetiches da mercadoria – nos quais uma vez se fixou algo de subjetivo: a libido”. (p. 139)
  • 4
    Sobre a crítica de Benjamin a Kant e a Hegel, conferir Caygill (1998Caygill, H. (1998). Walter Benjamin: the colour of experience. New York: Routledge.).
  • 5
    Essa assertiva contrapõe-se ao realismo do Lukács maduro, a quem Adorno acusa de manter-se indiferente ao problema filosófico gerado pela identidade entre a “realidade objetiva” e a obra concreta, de quem esta se tornaria mero reflexo, expressão de um “materialismo vulgar”. (Adorno, 2007Adorno, T. W (2007). Reconciliation under duress. In T. W. Adorno, W. Benjamin, E. Bloch, B. Brecht, & G. Lukács, Aesthetics and politics. London: Verso., p. 153)
  • 6
    Isso não significa que a arte não possa vir a ser dominada pela ratio comercial, mas que esta ao sequestrar as formas artísticas impinge a elas a irracionalidade que caracteriza os produtos da indústria cultural (Adorno, 2002Adorno, T. W. (2002). Filosofia da nova música (M. França, trad.). São Paulo, SP: Perspectiva.).
  • 7
    Conferir Carone (2011Carone, I. (2011). A face histórica de “On Popular Music”. Constelaciones: Revista de Teoria Crítica, (3), 148-178.).
  • 8
    Importante ressaltar que o risco não é bem-vindo em um contexto no qual a educação é concebida como investimento, destinado a integrar o indivíduo a uma sociedade administrada. Dentro desse projeto educativo, espera-se que o aprendiz seja capaz de produzir resultados, não ensaios ou dúvidas.
  • 9
    Para Adorno (1993/2010), “não é possível se opor a publicações de textos filosóficos importantes do passado em edições de bolso, com o argumento de que os danos atinjam a própria substância das obras, suas formas e funções, pois isso tornaria o autor um ridículo defensor de uma ideia de formação já historicamente superada. . .” (p. 28).
  • 10
    Para esclarecimentos sobre o conceito, conferir Digitalization and digitization (Kreiss & Brennen, 2014Kreiss, D., & Brennen, S. (2014). Digitalization and digitization. Retrieved from http://bit.ly/1aNhXfg
    http://bit.ly/1aNhXfg...
    ).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2017

Histórico

  • Recebido
    17 Fev 2016
  • Revisado
    07 Abr 2016
  • Aceito
    28 Abr 2016
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