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Crack! A redução de danos parou, ou foi a pulsão de morte?

Crack! Veut-t-on arrêter la réduction des dommages ou la pulsion de mort?

Crack! La reducción de daños paró, o fue la pulsión de muerte?

Resumo

O que a psicanálise tem a dizer sobre tantas questões que envolvem as drogas, que de longe ultrapassam a questão de seu uso? Questões, diríamos, históricas, clínicas e políticas. O objetivo desse texto é discutir vicissitudes que as perpassam. Não apenas nos acercarmos do “problema drogas”, mas pensar como a presença da psicanálise pode fazer frente a determinados discursos que se presentificam nesse campo de atuação e que estão longe de pôr o sujeito em questão. Trabalhar com a psicanálise é levar em conta a pulsão de morte. É lançar mão de um saber que nos permite uma orientação de tratamento que leve em conta o que há de mortífero no uso de drogas nas toxicomanias, pondo em relevo a posição de gozo do sujeito. É, além disso, pôr em questão o que há de mortífero em determinados direcionamentos políticos que transformam o sujeito em objeto.

Palavras-chave:
psicanálise; redução de danos; políticas públicas; toxicomania

Résumé

Qu’est-ce que la psychanalyse a à dire au sujet de nombreuses questions concernant la drogue, qui dépassent de loin la question de son utilisation? Questions historiques, cliniques et politiques. Le but de cet article est de discuter des vicissitudes qui les traversent. Non seulement nous approcher du « problème drogues », mais comment penser que la présence de la psychanalyse peut faire face à certains discours qui se présentifient dans ce champ d’activité, et qui sont loin de poser le sujet en question. Travailler avec la psychanalyse est de tenir compte de la pulsion de mort. Est de prendre en compte un savoir qui nous oriente vers un traitement qui tient compte du versant meurtifère dans l’utilisation des drogues dans les toxicomanies, mettant en évidence la position de jouissance du sujet. Par ailleurs, c’est mettre en question ce qui est mortifère dans certaines directions politiques qui transforment le sujet en objet.

Mots clés:
Psychanalyse; Réduction des dommages; Politiques publique; Toxicomanie

Resumen

¿ Lo que el psicoanálisis tiene que decir sobre tantas cuestiones que involucran a las drogas, que de lejos sobrepasan la cuestión de su uso? Cuestiones históricas, clínicas y políticas. El objetivo de este texto es discutir las vicisitudes que las atravesan. No sólo nos acercar al “problema drogas”, sino pensar cómo la presencia del psicoanálisis puede hacer frente a determinados discursos que pueden ser encuentrados en ese campo de actuación, y que están lejos de poner al sujeto en cuestión. Trabajar con el psicoanálisis es tener en cuenta la pulsión de muerte. Se trata de un saber que nos permite una orientación de tratamiento que tenga en cuenta lo que hay de mortífero en el uso de drogas en las toxicomanías, poniendo de relieve la posición de goce del sujeto. Es, además, poner en cuestión lo que hay de mortífero en determinados direccionamientos políticos que transforman al sujeto en objeto.

Palabras-clave:
Psicoanálisis; Reducción de daños; Políticas públicas; Toxicomanía

Abstract

What does psychoanalysis have to say about so many issues involving drugs, which far outpass the question of their use? Historical, clinical and political issues, as we could say. The purpose of this text is to discuss vicissitudes that pervade them. We do not only approach the “drug problem,” but also think about how the presence of psychoanalysis can deal with certain discourses that can be found in this field and which are far from questioning the subject. Working with psychoanalysis is to take the death drive into account. It is to use a knowledge that allows us a treatment orientation that considers what is deadly in the use of drugs in drug addiction, highlighting the position of jouissance of the subject. It is, moreover, to question what is deadly in certain political directions that transform the subject into an object.

Keywords:
Psychoanalysis; harm reduction; public policies; drug addiction

Introdução

Para o psicanalista, ou para o sujeito que depara com o irremediável “Mal-estar na cultura” (Freud,1930/2004Freud, S. (1977). Inibições, sintomas e ansiedade. In Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., Vol. 20, pp. 107-201). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Trabalho original publicado em 1926)) -, seja ele poeta, cientista, professor, político ou uma pessoa comum -, não há meios de revogar a pulsão de morte, pelo simples fato de que toda pulsão é, fundamentalmente, de morte (Lacan, 1998Lacan, J. (1998). Posição do inconsciente. In: Escritos, 1964 (pp. 843- 864). Rio de Janeiro: Zahar.), e como o ser falante é um ser pulsional - e não instintivo -, é a pulsão de morte que está na base da cultura, do sujeito, de toda prática que empreendemos e, de um modo, diz Freud, que é sem que nos apercebamos (Freud, 1920/2004Freud, S (2004). Más allá del principio de placer. In Obras completas: más allá del principio de placer, psicología de las masas y análisis del yo, y otras obras (Vol. 18, pp. 1-62). Buenos Aires, Argentina: Amorrortu. (Trabalho original publicado em 1920); Pernot, n.d.Pernot, P. (n.d.). Du sujet de l’inconscient au parlêtre. École de la Cause Freudienne. Recuperado de https://bit.ly/2INxiO3
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). Encarar esse fato não é fácil, pois isso promove angústia, desestabiliza certezas, exige uma dialetização e, sobretudo, na lida com outros seres falantes, nossos semelhantes, impõe trabalharmos advertidos de que retrocessos são sempre possíveis, assim como haverá sempre dissociações, desintrincações, desconstruções e, por que não dizer?, desmantelamentos. Associar, intrincar, construir serão, a partir daí, investimentos de esforços a mais, à altura dos quais estaremos sempre mais bem preparados quanto maior for nosso reconhecimento da existência da pulsão de morte, justamente.

Em 1914, Freud (1914/2006Freud, S. (2004). Psicología de las masas y análisis del yo. In Obras completas: más allá del principio de placer, psicología de las masas y análisis del yo, y otras obras (Vol. 18, pp. 63-136). Buenos Aires, Argentina: Amorrortu. (Trabalho original publicado em 1921)) se vê convocado a fazer uma modificação na sua teoria original das pulsões porque se deparara, na clínica, tanto com o fato de o eu ser também um objeto pulsional - o que não estava até então contemplado - quanto com o fato de a repetição ser a forma princeps de busca da satisfação da pulsão: “A compulsão de repetir substitui . . . o impulso de recordar” (Freud, 1914/2005Freud, S. (2004). Dos artículos de enciclopedia: ‘Psicoanálisis’ y ‘Teoría de la libido’. In Obras completas: más allá del principio de placer, psicología de las masas y análisis del yo, y otras obras (Vol. 18, pp. 227-254). Buenos Aires, Argentina: Amorrortu. (Trabalho original publicado em 1923[1922]), p. 153, tradução nossa). Tal modificação abriu a via para a grande reformulação, em 1920, mais uma vez impulsionada pelos fatos clínicos que, agora, lhe indicavam que havia um Mais além do princípio de prazer (Freud, 1920/2004Freud, S. (2004). El malestar en la cultura. In Obras completas: el porvenir de una ilusión, el malestar en la cultura, y otras obras (Vol. 21, pp. 57-140). Buenos Aires, Argentina: Amorrortu. (Trabalho original publicado em 1930[1929])), experiências que se impunham como uma compulsão à repetição. A pulsão de morte seria o que está na base dessa compulsão, ela “trabalha muda dentro do ser vivo” (Freud, 1930/2004Freud, S. (2004). Análisis terminable e interminable. In Obras completas: Moisés y la religión monoteísta, esquema del psicoanálisis, y otras obras (Vol. 23, pp. 211-254). Buenos Aires, Argentina: Amorrortu. (Trabalho original publicado em 1937), p. 115, tradução nossa), ao contrário do modo das pulsões de vida, “chamativas e ruidosas” (p. 115) que, ao ligarem as coisas entre si, produzem a cultura, nos encantam por meio da arte, nos fazem pesquisar e até amar. Mas são apenas segundas, já que originalmente, como dito, está a pulsão de morte, decorrente do fato de que, em suas palavras, “A meta de toda a vida é a morte” (Freud, 1920/2004Freud, S. (2005). Recordar, repetir y reelaborar. In Obras completas: “sobre un caso de paranoia descrito autobiograficamente” (caso Schreber), Trabajos sobre técnica psicoanalítica, y otras obras (Vol. 12, pp. 145-158). Buenos Aires, Argentina: Amorrortu. (Trabalho original publicado em 1914), p. 38, tradução nossa, grifo do autor), impossível de contrariar.

Quando Lacan retomou Freud, foi um dos poucos psicanalistas que, à época, assumiu como fundamental para a psicanálise o conceito de pulsão de morte. Trabalhou em sua base desde seus primeiros textos e seminários para, na última fase de seu ensino, associar esse conceito freudiano com a noção de gozo, noção que também implicava um Mais além do princípio do prazer (Alberti, 2007Alberti, S. (2007). O bem que se extrai do gozo. Stylus: Revista de Psicanálise, 14, 65-76.), um impossível. Tanto Freud quanto Lacan sustentam a teoria nesse dualismo pulsional no qual a pulsão de morte não é a vilã que deve ser extirpada, ela é constituinte do ser falante. Pulsão de morte e pulsões de vida trabalham em conjunto quando se leva em conta o sujeito do modo como a psicanálise o propõe. É justamente quando não trabalham em conjunto que, conforme Freud (1923/2004Freud, S. (2006). Introducción del narcisismo. In Obras completas: “contribución a la historia del movimento psicoanalítico”, trabajos sobre metapsicologia, y otras obras (Vol. 14, pp. 65-98). Buenos Aires, Argentina: Amorrortu. (Trabalho original publicado em 1914)), assistimos a uma desfusão, desintrincação das pulsões (1923/2004, p. 253). É nesse contexto que, muitas vezes, aparece o ódio, a “pura cultura da pulsão de morte” (Freud, 1923/2006Freud, S. (2006). El yo y el ello. In Obras completas: el yo y el ello, y otras obras (Vol. XIX, pp.1-66). Buenos Aires, Argentina: Amorrortu. (Trabalho original publicado em 1923), p. 54, tradução nossa), como também o que revela a clínica das toxicomanias em que essa pura cultura pode arrebatar o sujeito em sua relação com a droga.

É dever ético do psicanalista, em sua clínica, assim como no seu exercício político - enquanto atua, na sua especificidade prática -, perceber as manifestações da pulsão de morte, levá-las em conta, para oferecer a possibilidade de localizá-las e encontrar instrumentos de se haver com esse impossível conforme a própria escolha de cada um, mas visando sua associação com as pulsões de vida.

Assim como o psicanalista, também políticas públicas têm o dever ético de reconhecer a presença de um impossível, de modo a constituir diretrizes para a sociedade que permitam estabelecer as orientações das instituições que nela se erigem. Reconhecê-lo é não negar a pulsão de morte. É claro que não esperamos que as políticas públicas a conceituem do modo como o faz a psicanálise, mas é fundamental que tais políticas partam do princípio ético de um dualismo absolutamente distinto de todo e qualquer maniqueísmo. Esse dualismo não exclui um lado em detrimento do outro, ou seja, leva em conta o fato de que há um Bem em todo Mal e um Mal em todo Bem, dependendo do ângulo em que se olha. Um exemplo desse dualismo absolutamente distinto de todo e qualquer maniqueísmo é, justamente, a política da redução de danos que, embora reconheça os danos causados pelo uso de drogas, entende que nem todo uso é danoso. Nessa visão, o mundo sem drogas não corresponde ao mar de rosas em contraposição ao mundo com drogas. Leva-se em conta o fato de que a droga está no mundo, que em si mesma ela não faz mal, não é um demônio que tenta o ser humano, mas que pode haver um uso que seja danoso. Essa política visa não a erradicar o mal - isto é, a droga - mas a diminuir os danos de um uso quando o uso é danoso para o sujeito. Levantamos a hipótese de que toda e qualquer orientação maniqueísta nas políticas públicas, em particular aquelas que sustentam um proibicionismo quanto ao uso da droga, adviria da ignorância da pulsão de morte.

Conforme Teixeira, Ramôa, Engstrom e Ribeiro (2017Teixeira, M., Ramôa, M., Engstrom, E., & Ribeiro, J. (2017). Tensões paradigmáticas nas políticas públicas sobre drogas: análise da legislação brasileira no período de 2000 a 2016. Ciência & Saúde Coletiva, 22(5), 1455-1466. doi: 10.1590/1413-81232017225.32772016
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), o proibicionismo equivale a uma guerra às drogas, e numa guerra nunca houve nem haverá qualquer preocupação com a singularidade de cada um, enquanto uma política da redução de danos (RD) “tem como princípio o respeito à autonomia dos sujeitos”, tratando-se de “uma alternativa aos modelos moral/criminal e de doença” (p. 1.457). Essa hipótese sustentar-se-ia, mormente, no fato de que “O modelo da RD é entendido como uma estratégia norteadora do cuidado, um paradigma ético, clínico e político” (p. 1.457). Teixeira et al. (2017) propõem que “a RD . . . rompe com a ideia de uso abusivo de drogas, afirma que o mesmo pode ou não ser prejudicial” (p. 1.457), no que se lê que ela deve visar o bem de cada ser humano submetido a essa mesma política por razões de cidadania, o que evidentemente também distingue essa visada daquela que sustenta a ética do psicanalista, que, de forma estrita, não se ocupa do cidadão e, menos ainda, com um bem comum, na medida em que o psicanalista está advertido do fato de que nem sempre o que é bom para a sociedade o é também para cada um.

O problema drogas brevemente historizado

Convém lembrar que as substâncias psicoativas (MacRae, 2010MacRae, E. (2010). Substâncias psicoativas: não existe droga a priori! Opus Corpus: Antropologia das Aparências Corporais. Recuperado de https://bit.ly/2xbS3Si
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) são usadas pela sociedade de uma forma geral. Para Albuquerque (2010Albuquerque, S. (2010). “Idade doida da pedra”: configurações históricas e antropológicas do crack na contemporaneidade. In L. F. Sapori & R. Medeiros (Orgs.), Crack: um desfio social (pp.13-37). Belo Horizonte, MG: Editora PUC Minas.), “as ‘drogas’ são discursos apresentados, de forma variável, no decorrer da história” (p. 14). Esse autor se baseia na noção foucaultiana de discurso, ou seja, “esse conjunto regular de fatos linguísticos em determinado nível, e polêmicos e estratégicos em outro” (Foucault, 2002Foucault, M. (2002). A verdade e as formas jurídicas (3ª ed.). Rio de Janeiro, RJ: NAU Editora., p. 9), que implica uma correlação de forças entre os diversos agentes na cultura, como ocorre nos “jogos (games), jogos estratégicos, de ação e de reação, de pergunta e de resposta, de dominação e de esquiva, como também de luta” (p. 9). Isso porque a legalidade ou ilegalidade da droga é estabelecida muito mais por interesses internacionais ou nacionais do que propriamente por suas qualidades psicoativas intrínsecas. Se nas diretrizes do Ministério da Saúde (2003) o álcool é destacado das outras drogas no próprio título da lei, isso não se deve ao estatuto da legalidade/ilegalidade, mas sim ao fato de que o álcool e o tabaco eram, e ainda são, considerados as substâncias psicoativas que mais causam agravos à saúde e consequentemente são mais onerosas ao Estado. Nesse sentido, é possível verificar a importância que o crack toma no cenário brasileiro quando passa a ser nomeado, ao lado do álcool, em 2011, no texto da Raps que “institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS)” (Brasil, 2011bBrasil. (1988). Constituição da República Federativa do Brasil (35ª ed.). Brasília, DF: Câmara dos Deputados.).

Como observa Freitas (2014Freitas, D. (2014). A lei antidrogas no Brasil. Jusbrasil. Recuperado de https://bit.ly/2GPHNP5
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), “Tão certo quanto a história da humanidade, existe o fato de que o ser humano sempre fez uso de substâncias que alterassem seu estado de humor, seja o álcool, o ópio, etc.” (não paginado), e já no Brasil Colônia havia uma preocupação com a incriminação do uso, porte e venda de drogas, como se lê nas Ordenações Filipinas de 1603 (Pedrinha, 2008Pedrinha, R. (2008). Notas sobre a política criminal de drogas no Brasil: elementos para uma reflexão crítica. Rio de Janeiro, RJ: Lúmen Júris. Recuperado de https://bit.ly/2krcwte
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). Mas foi no século XX que se estabeleceram as primeiras leis do país com relação ao problema drogas (Alarcon, 2012Alarcon S.; Belmonte, P., & Jorge, M. A. (2012). O campo de atenção ao dependente químico. In S. Alarcon & M. A. Jorge (Orgs.), Álcool e outras drogas: diálogos sobre um mal-estar contemporâneo (pp. 63-82). Rio de Janeiro, RJ: Fiocruz.; Alves, 2009Alves, S. (2009). Modelos de atenção à saúde de usuários de álcool e outras drogas: discursos políticos, saberes e práticas. Cadernos de Saúde Pública, 25(11), 2309-2319. doi: 10.1590/S0102-311X2009001100002
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; Fonseca & Bastos, 2012Fonseca, E., & Bastos, F. (2012). Os tratados internacionais antidrogas e o Brasil: políticas, desafios e perspectivas. In S. Alarcon & M. A. Jorge (Orgs.), Álcool e outras drogas: diálogos sobre um mal-estar contemporâneo (pp. 15-44). Rio de Janeiro, RJ: Fiocruz.; Machado & Boarini, 2013Machado, L., & Boarini, M. (2013). Políticas sobre drogas no Brasil: a estratégia de redução de danos. Psicologia: Ciência e Profissão, 33(3), pp. 580-595. doi: 10.1590/S1414-98932013000300006
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).

Em verdade, no início do século XX, vimos tomar corpo a política de repressão às drogas que ficou conhecida como proibicionismo, responsável pelos tratados internacionais antidrogas, sendo essa a orientação hegemônica também no Brasil durante quase todo o século XX. Foi o questionamento sobre os danos advindos do próprio proibicionismo, bem como as configurações políticas, econômicas e sanitárias das duas últimas décadas do século XX que permitiram a entrada em cena do discurso da RD como uma forma possível de tratamento do problema drogas no Brasil.

De acordo com Ribeiro e Araujo (2006Ribeiro, C. (2010). Mesa redonda: ciência, verdade e gozo. Psicanálise e redução de danos: articulação possível? In Atas do IV Congresso Internacional de Psicopatologia Fundamental (não paginado). Curitiba, PR: Universidade Federal do Paraná. Recuperado de https://bit.ly/2M4BYky
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citado por Alves, 2009Alves, S. (2009). Modelos de atenção à saúde de usuários de álcool e outras drogas: discursos políticos, saberes e práticas. Cadernos de Saúde Pública, 25(11), 2309-2319. doi: 10.1590/S0102-311X2009001100002
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, p. 2.310), o proibicionismo data do crescimento exponencial da industrialização de bebidas alcoólicas no início do século XIX, nos Estados Unidos, tendo se propagado de tal forma que foi fundado, em 1869, o Partido Proibicionista. A lei seca norte-americana, que promulgou o álcool como droga ilícita nos Estados Unidos, vigorou de 1920 até 1932. Todo esse movimento se contrapunha à ampla difusão da “produção, comercialização e o consumo de substâncias hoje classificadas como drogas, como a cocaína e o ópio e seus derivados” (Fonseca & Bastos, 2012Fonseca, E., & Bastos, F. (2012). Os tratados internacionais antidrogas e o Brasil: políticas, desafios e perspectivas. In S. Alarcon & M. A. Jorge (Orgs.), Álcool e outras drogas: diálogos sobre um mal-estar contemporâneo (pp. 15-44). Rio de Janeiro, RJ: Fiocruz., p. 17) no século XIX, no mundo, e que produziu, entre 1834-1843 e 1856-1858, a conhecida guerra do ópio entre uma China que lucrava com esse comércio e uma Inglaterra que tinha outros interesses. Perdedora, a China firmara o Tratado de Nanquim, de acordo com o qual surgiu “uma tentativa de regulação de produção, comercialização e consumo do ópio” (Fonseca & Bastos, 2012, p. 18), modelo de outros tratados internacionais de regulação de substâncias que surgiram depois.

A guerra do ópio lastreou a subsequente guerra às drogas. À Inglaterra associaram-se os Estados Unidos e, ainda que tenham necessitado de um tempo para chegarem a um acordo que levasse em conta os interesses econômicos dos dois países, foi do interesse de ambas essas potências um discurso hegemônico sobre a regulação das substâncias psicoativas e que acabou incrementando os movimentos proibicionistas. De tudo isso, resultou a Conferência Internacional de 1912, ocorrida em Haia, e sua ratificação completa, em 1919, que deixou de fora do proibicionismo apenas o uso médico da morfina (Fonseca & Bastos, 2012Fonseca, E., & Bastos, F. (2012). Os tratados internacionais antidrogas e o Brasil: políticas, desafios e perspectivas. In S. Alarcon & M. A. Jorge (Orgs.), Álcool e outras drogas: diálogos sobre um mal-estar contemporâneo (pp. 15-44). Rio de Janeiro, RJ: Fiocruz.). Daí nasceu o “atual sistema de controle de diferentes drogas” (Fonseca & Bastos, 2012, p. 19), que depois gerou uma série de Tratados Internacionais, ratificados por 160 nações, visando a eliminação do consumo e propondo que o único tratamento eficaz para aqueles que usam drogas é a total abstinência.

No contexto nacional, observa-se a oscilação entre políticas que ora associavam, ora discriminavam o usuário do traficante, ou seja, respectivamente, uma oscilação quanto ao problema drogas ser exclusivamente da alçada da criminologia, ou de alçada tanto da criminologia quanto da saúde. De acordo com Batista (1997Batista, N. (1997). Política criminal com derramamento de sangue. Revista Brasileira de Ciências Criminais, 5(20), 129-146.), pelo Decreto 14.969 de 1921, determinava-se a criação de sanatórios para toxicômanos e, enquanto não fossem implantados, os usuários deveriam ser interditados na Colônia de Alienados - espécie de sistema médico-policial (Pedrinha, 2008Pedrinha, R. (2008). Notas sobre a política criminal de drogas no Brasil: elementos para uma reflexão crítica. Rio de Janeiro, RJ: Lúmen Júris. Recuperado de https://bit.ly/2krcwte
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) que impunha a interdição ao mesmo tempo em que propunha um tratamento, e “embora os usuários de drogas não fossem considerados criminosos, o tratamento para com os mesmos não pode ser considerado um mar de rosas” (Freitas, 2014Freitas, D. (2014). A lei antidrogas no Brasil. Jusbrasil. Recuperado de https://bit.ly/2GPHNP5
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, não paginado).

Segundo Machado e Boarini (2013Machado, L., & Boarini, M. (2013). Políticas sobre drogas no Brasil: a estratégia de redução de danos. Psicologia: Ciência e Profissão, 33(3), pp. 580-595. doi: 10.1590/S1414-98932013000300006
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), o Decreto nº 891, de 1938, regulamentou a fiscalização do uso de entorpecentes, que compreendiam não só o ópio e a cocaína, mas também a maconha e a heroína, além de classificar “a toxicomania como ‘doença de notificação compulsória’” (p. 583). Em consequência, ditava a “internação obrigatória ou facultativa por tempo determinado ou não” dos “toxicômanos ou os intoxicados habituais, por entorpecentes” (Machado e Boarini, 2013, p. 583, grifo nosso). Esse decreto foi incorporado ao código penal em 1941, pois, de acordo com Garcia, Leal e Abreu (2008 citados por Machado & Boarini, 2013), esse decreto “correspondia às aspirações do Governo Getúlio Vargas para conter comportamentos desviantes, tendo como foco o trabalhador” (p. 583). Note-se que, malgrado aventar a possibilidade de internações, o Decreto nº 891 não as impunha sumariamente. Isso porque estava submetido ao Código Penal que vigorou até 1976, no qual “o consumo de drogas não era considerado crime, o que demonstrava a característica da prevenção sanitária da drogo dependência” (Freitas, 2014Freitas, D. (2014). A lei antidrogas no Brasil. Jusbrasil. Recuperado de https://bit.ly/2GPHNP5
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, não paginado).

Contudo, após a institucionalização da última Ditadura Militar no Brasil, o Decreto nº 54.216, de 1964 promulgou uma Convenção Única sobre Entorpecentes, identificando traficantes e usuários (Carvalho, 1996Carvalho, S. (1996). A política criminal de drogas no Brasil: do discurso oficial às razões da descriminalização (2ª ed.). Rio de Janeiro, RJ: Luam.) e, em 1971, equiparando suas penas. Foi somente em 1976, com a Lei nº 6.368, que voltou a se distinguir “as figuras penais do tráfico e do usuário, especialmente no tocante à duração das penas” (Freitas, 2014Freitas, D. (2014). A lei antidrogas no Brasil. Jusbrasil. Recuperado de https://bit.ly/2GPHNP5
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, não paginado). Se por um lado, conforme Machado e Boarini (2013Machado, L., & Boarini, M. (2013). Políticas sobre drogas no Brasil: a estratégia de redução de danos. Psicologia: Ciência e Profissão, 33(3), pp. 580-595. doi: 10.1590/S1414-98932013000300006
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), em 1976 a lei revogou “o caráter compulsório dos tratamentos hospitalares” (p. 583), por outro, produziu um empuxo à medicalização da dependência química, dando legitimidade a que o saber médico se apropriasse do setor de segurança, separando criminosos de doentes.

Ainda então, a política, no que diz respeito ao problema drogas no Brasil, tendia a ser unívoca, sustentada por ideologias de cunho moral, sendo o isolamento e, portanto, a internação, a prática corrente na época (Alarcon, 2012Alarcon S.; Belmonte, P., & Jorge, M. A. (2012). O campo de atenção ao dependente químico. In S. Alarcon & M. A. Jorge (Orgs.), Álcool e outras drogas: diálogos sobre um mal-estar contemporâneo (pp. 63-82). Rio de Janeiro, RJ: Fiocruz.). Mas a crítica ao manicômio havia se tornado cada vez mais acirrada naqueles anos e, com a promulgação da nova Constituição, de 1988, que, entre outros, instituiu o Sistema Único de Saúde (SUS), foi possível introduzir, em 2003, uma nova diretriz, em termos de saúde pública, para o campo de atenção aos usuários de álcool e outras drogas, campo adscrito à saúde mental e consequentemente à Política Nacional de Saúde - separando-se, portanto, o setor médico da segurança pública.

Com o SUS, a nova Constituição introduziu, antes de tudo, uma preocupação com a saúde da população e de forma bastante progressista:

(Art. 196.) A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (Brasil, 1988Brasil. (2001). Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Recuperado de https://bit.ly/1VzP1v9
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, p. 116, grifo nosso).

Efetivando essa abordagem igualitária e democrática - porque não coercitiva, ao contrário -, criou-se e implementou-se, em 2003, uma política que retomou a ideia da RD que já tinha sido experimentada antes. A primeira vez foi em 1926, quando, na Inglaterra, houve a proposta de uma prescrição legal de opinácios para o tratamento de usuários de droga (Alarcon, 2012Alarcon, S. (2012). A síndrome de Elêusis: considerações sobre as políticas públicas no campo de atenção ao usuário de álcool e drogas. In S. Alarcon & M. A. Jorge (Orgs.), Álcool e outras drogas: diálogos sobre um mal-estar contemporâneo (pp. 45-62). Rio de Janeiro, RJ: Fiocruz.). A segunda, na Holanda, onde, na década de 1970, visava-se “afastar os usuários habituais de Cannabis dos riscos oferecidos pelo mercado negro . . . e apenas secundariamente, como tática acessória, inclui-se o ponto de vista médico de redução de danos físicos e psicológicos” (Alarcon, 2012, p. 57). Nossa Constituição orienta, em seu Artigo 198, que “As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único” (Brasil, 1988Brasil. (2002). Decreto nº 4.345, de 26 de agosto de 2002. Institui a Política Nacional Antidrogas e dá outras providências. Recuperado de https://bit.ly/2IEoHO5
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, p. 117). Tendo em vista essa orientação constitucional, também as Reformas Sanitária e Psiquiátrica, e a Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas, implementaram novas estratégias possibilitando uma maior eficácia com relação à inclusão social e contrárias à, até então vigente, imposição de uma abstinência para todos pela via do tratamento moral e da internação.

Além disso, desde o final do século XX, já se começava a lutar contra o antes inimaginável monstro da aids que ceifava cada vez mais vidas por falta de tratamento adequado, tendo na população usuária de drogas injetáveis (UDI) tantas e tantas vítimas, sendo, portanto, alvo das primeiras ações de RD no Brasil. Andrade (2011Andrade, T. (2011). Reflexões sobre políticas de drogas no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, 16(12), 4665-4674. doi: 1590/S1413-81232011001300015
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) observa que “Em várias partes do mundo [as] políticas públicas de saúde começavam a se voltar para as pessoas que usavam drogas, pela ameaça de que a epidemia de HIV/aids fugisse ao controle a partir desta população” (p. 4.665). Reduzir os danos implicava, internacionalmente, uma nova orientação nas políticas públicas: já não tanto explicitamente coibir o uso das drogas - o que se mostrava sem efeito -, mas, antes, orientar a população usuária para sobreviver! Cuidar dessa população, a ponto de vários países terem legalizado o uso, distribuído seringas descartáveis1 1 Conforme Mesquita (1994), já em 1989 teria havido, no Brasil, uma tentativa de implementação de um programa assim na cidade de Santos, mas era contrária à legislação vigente e, portanto, foi reprimida pelas autoridades brasileiras. , criado centros de atenção aos usuários em que estes pudessem buscar orientação para um consumo de drogas menos letal.

Eis, pois, como surgiu uma orientação política que não negava a impossibilidade da extinção do uso da droga, uso que Freud (1930/2004) já observava como sendo uma das apenas três possibilidades que o sujeito tem de fazer frente ao mal-estar na cultura, mas, ao contrário, levando essa impossibilidade em conta, buscou dialetizá-la, do modo como quer a nossa hipótese: é somente levando em conta a pulsão de morte que, com alguns esforços a mais, podemos instrumentalizar cada sujeito a associar, intrincar, desejar… na contramão da pura cultura da pulsão de morte.

Para avançar nesse sentido, a criação do SUS exigia separar o setor de saúde da segurança, no que tange o problema drogas. O Decreto Presidencial nº 4.345, de 26 de agosto de 2002 (Brasil, 2002Brasil. (2003). A política do Ministério da Saúde para a atenção integral a usuários de álcool e outras drogas. Brasília, DF: Ministério da Saúde. Recuperado de https://bit.ly/2kTJOkP
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), instituiu a primeira Política Nacional Antidrogas (PNAD) que, de um lado, imprescinde da repressão internacional ao tráfico de drogas, política sustentada no proibicionismo ao qual o Brasil se alia, sendo, como quase todos os países do mundo, signatário da Convenção única sobre entorpecentes de 1961 (United Nations Office on Drugs and Crime, n.d.United Nations Office on Drugs and Crime. (n.d.). Recuperado de: http://www.unodc.org/lpo-brazil/pt/drogas/marco-legal.html
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). Mas, de outro lado, em consonância com a Lei nº 10.216/2001 que “dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental”, o Ministério da Saúde foi levado a redirecionar o campo de práticas para usuários de álcool e outras drogas, para uma Política do Ministério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas (Brasil, 2003Brasil. (2006). Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad. Recuperado de https://bit.ly/Mba2eR
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). É essa segunda política que abre as portas para a prática da política da RD na clínica, em particular, da saúde mental (Alarcon, 2012Alarcon S.; Belmonte, P., & Jorge, M. A. (2012). O campo de atenção ao dependente químico. In S. Alarcon & M. A. Jorge (Orgs.), Álcool e outras drogas: diálogos sobre um mal-estar contemporâneo (pp. 63-82). Rio de Janeiro, RJ: Fiocruz.; Andrade, 2011Andrade, O. (1924/1971). Memórias sentimentais de João Miramar. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira.; Ramminger, 2014Ramminger, T. (2014). Modos de trabalhar em saúde mental: pensando os desafios das reformas sanitária e psiquiátrica para o cuidado de pessoas que usam drogas. In: T. Ramminger & M. Silva (Orgs.), Mais substâncias para o trabalho em saúde com usuários de drogas (pp. 27-49). Porto Alegre, RS: Rede Unida.; Silva, 2014Silva, C (2014). Da punição ao tratamento: rupturas e continuidades na abordagem do uso de drogas. In: Mais substâncias para o trabalho em saúde com usuários de drogas. In T. Ramminger & M. Silva (Orgs.) Porto Alegre, RS: Rede Unida. p. 51-68.).

Como tão bem nos mostram os autores supracitados, o campo das políticas públicas quanto à saúde mental, álcool e outras drogas teve vários avanços, mas também retrocessos, e que tanto uns como outros influenciam diretamente o tipo de tratamento efetivamente oferecido desde 2003. Às vezes pudemos avançar na direção progressista que deu origem ao texto constitucional, às vezes observamos retrocessos que implicam que se cedeu em relação aos avanços. Ressaltamo-lo porque foi no movimento de descriminalização que assistimos, nos primeiros anos do século XXI, à inserção da psicanálise nos serviços de atenção aos usuários de droga. Não foi o único avanço, houve outros igualmente importantes, mas é com ele que trabalhamos e é em função desse trabalho com ele que nos posicionamos quanto à situação atual. Se meio século depois de Getúlio Vargas muita coisa mudou no Brasil, com uma visada bastante progressista, nessa segunda década do século XXI, quando novamente somos testemunhas da internação obrigatória, ou melhor, compulsória, perguntamos: a que aspirações esse retrocesso de quase um século corresponde?

Crack

Apesar de criado por Oswald de Andrade (1924/1971) em referência aos prenúncios da quebra da Bolsa de Valores em 1929, intitulando com ele um de seus poemas, “Crackar”, utilizamos aqui o, dito por Oswald, verbo irregular para associar as políticas públicas mediante o uso da droga - tantas vezes reduzida, nos discursos, ao crack - à quebra da orientação anteriormente identificada como progressista, a que somos hoje confrontados no país. “Crackar” o fogo na pedra a faz estalar, som que se ouve e que dá nome à droga. Ao “crackar” a droga, o fogo no cachimbo muitas vezes leva aquele que acende a penetrar por várias quebradas2 2 Quebrada na gíria significa lugar sinistro, com pouca segurança, mas também um lugar alternativo. , por vezes quebra seus laços sociais e, outras, até a própria vida. Mas há também outras quebradas, outras alternativas, nem todo uso de crack leva à morte. Os discursos sobre o crack, esses sim têm causado segregação e ódio. O crack tem sido inclusive um ponto de quebra nas políticas públicas, pois no imaginário social - usou uma vez fica-se viciado para sempre.

Aqui retomamos nossa hipótese inicial: é necessário levar em conta a pulsão de morte, pois talvez não seja o crack que quebra o sujeito, mas o sujeito dele se utiliza para satisfazer sua compulsão à repetição. Se não se considera essa escolha do sujeito, mesmo se ela pode ser mortífera - satisfação pulsional que responde à posição de gozo de cada um -, acaba-se por oferecer um tratamento que entra em um outro tipo de repetição: internação - abstinência - recaída - internação. O posicionamento político ancorado no posicionamento moral ou orgânico (doença) imprime um desígnio: Se tu és usuário de drogas, és um criminoso ou és doente, tomando o outro como um objeto, com “‘falência’ moral e espiritual, descrita em termos psicológicos ou existenciais” (De Leon, 2014De Leon, G. (2014). A comunidade terapêutica: teoria, modelo e método (5ª ed.). São Paulo, SP: Edições Loyola., p. 41). Ao tomar o usuário de drogas como objeto, não se considera o cidadão e, menos ainda, o sujeito do inconsciente e suas escolhas.

O uso de drogas, tanto no que diz respeito ao tratamento como de suas implicações jurídicas e também em sua face mais violenta, a saber, a guerra às drogas, na qual estão inseridas as questões referentes ao tráfico de drogas, é tema que frequenta nosso cotidiano. Verifica-se que há uma tendência, em termos de mídia se assim podemos dizer, a associar atos de violência ao uso de drogas (Agência de Notícias dos Direitos da Infância, 2005Agência de Notícias dos Direitos da Infância. (2005). Mídia e drogas: o perfil do uso e do usuário na imprensa brasileira. Brasília, DF: Andi. Recuperado de https://bit.ly/2INHASc
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; Rommanini & Roso, 2012Romanini, M., & Roso, A. (2012). Mídia e crack: promovendo saúde ou reforçando relações de dominação? Psicologia: Ciência e Profissão, 32, 82-97. Recuperado de https://bit.ly/2kpmw63
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; Roso et al., 2010Roso, A., Romanini, M., Bianchini, M., Angonese, M., Macedo, F., Monaiar, A., & Silva, V. (2010). Discursos midiáticos sobre o crack: discutindo resultados preliminares. In XIV Simpósio de Ensino, Pesquisa e Extensão. Santa Maria, RS: Sepe-Unifra. Recuperado de https://bit.ly/2JtOOYc
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; Silva, 2014Silva, C (2014). Da punição ao tratamento: rupturas e continuidades na abordagem do uso de drogas. In: Mais substâncias para o trabalho em saúde com usuários de drogas. In T. Ramminger & M. Silva (Orgs.) Porto Alegre, RS: Rede Unida. p. 51-68.; Tomm & Roso, 2013Tomm, E., & Roso, A. (2013). Adolescentes e crack: pelo caminho das pedras. Fractal: Revista de Psicologia, 25(3), 675-692. doi: 10.1590/S1984-02922013000300016
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). E sabemos como o discurso veiculado na mídia produz efeitos e, por vezes, quase instantâneos! Quem trabalha em Centros de Atenção Psicossocial álcool e outros drogas (CAPSad) - mas pensamos que isso também seja verdadeiro em outros serviços -depara, geralmente na segunda-feira, com uma grande demanda por internação toda vez que, no domingo à noite, aparece publicada uma matéria sobre os ditos dependentes químicos. Ora, quando supomos que a guerra às drogas ignora a pulsão de morte, quando então predomina a cultura da pulsão de morte, visamos ao fato de que, como em toda guerra, o outro fica reduzido a objeto que pode ser torturado, isolado, encarcerado. . .

A interdição às drogas e sua manutenção através da militarização do processo repressivo alimentam os lucros de organizações criminosas que financiam e distribuem as drogas no atacado e diversificam suas atividades, incluindo o tráfico de armas, seres humanos, de espécies animais e vegetais, de objetos preciosos etc. (Alarcon, Belmonte, & Jorge, 2012Alarcon S.; Belmonte, P., & Jorge, M. A. (2012). O campo de atenção ao dependente químico. In S. Alarcon & M. A. Jorge (Orgs.), Álcool e outras drogas: diálogos sobre um mal-estar contemporâneo (pp. 63-82). Rio de Janeiro, RJ: Fiocruz., p. 77)

Nossa experiência ensina que, na maioria das vezes, as demandas por internação surgem de uma ligação direta entre violência e uso de drogas, criminalizando e taxionomizando o usuário, produzindo e/ou reforçando “subjetividades e modos de viver” (Roso et al., 2010Roso, A., Romanini, M., Bianchini, M., Angonese, M., Macedo, F., Monaiar, A., & Silva, V. (2010). Discursos midiáticos sobre o crack: discutindo resultados preliminares. In XIV Simpósio de Ensino, Pesquisa e Extensão. Santa Maria, RS: Sepe-Unifra. Recuperado de https://bit.ly/2JtOOYc
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, p. 1), sem levar em conta a diversidade de fatores implicados tanto na questão da violência como no uso de drogas (Minayo & Deslandes, 1998Minayo M. C., & Deslandes, S. (1998). A complexidade das relações entre drogas, álcool e violência. Cadernos de Saúde Pública, 14(1), 35-42. doi: 10.1590/S0102-311X1998000100011
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), ignorando a advertência da política do Ministério da Saúde, em 2003, contra os Principais fatores que reforçam a exclusão social dos usuários de drogas:

1. Associação do uso de álcool e outras drogas à delinquência, sem critérios mínimos de avaliação; 2. O estigma atribuído aos usuários, promovendo a sua segregação social; 3. Inclusão do tráfico como uma alternativa de trabalho e geração de renda para as populações mais empobrecidas, em especial à utilização de mão de obra de jovens neste mercado; 4. A ilicitude do uso impede a participação social de forma organizada desses usuários; 5. O tratamento legal e de forma igualitária a todos os integrantes da “cadeia organizacional do mundo das drogas” é desigual em termos de penalização e alternativas de intervenção. (Brasil, 2003Brasil. (2011a). Decreto nº 7.637, de 8 de dezembro de 2011. Altera o Decreto no 7.179, de 20 de maio de 2010, que institui o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas. Recuperado de https://bit.ly/2GSDKBO
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, p. 25, grifo nosso)

O Seminário mídia e drogas - O perfil do uso e do usuário na imprensa brasileira em 2004 verificou que a mídia faz uma relação estreita das drogas “com a violência urbana, levando o tema a adquirir proporções gigantescas, com reações da mesma ordem, traduzidas em ações cada vez mais repressivas” (Agência de Notícias dos Direitos da Infância, 2005, p. 6). A noção de epidemia de crack3 3 De acordo com Bertoni e Bastos (2014) “não podemos afirmar se há ou não no país uma epidemia do uso de crack e/ou similares, uma vez que uma epidemia só pode ser caracterizada tecnicamente a partir de resultados obtidos de uma série histórica de registros de estimativas/contagens do fenômeno sob análise” (p. 145). - que estamos colocando em destaque, na medida em que se alega “tratar de uma ‘epidemia’, mesmo na ausência de dados epidemiológicos que corroborassem essa afirmação” (Silva, 2014Silva, C (2014). Da punição ao tratamento: rupturas e continuidades na abordagem do uso de drogas. In: Mais substâncias para o trabalho em saúde com usuários de drogas. In T. Ramminger & M. Silva (Orgs.) Porto Alegre, RS: Rede Unida. p. 51-68., p. 59) - veiculada pela mídia (Roso et al., 2010Roso, A., Romanini, M., Bianchini, M., Angonese, M., Macedo, F., Monaiar, A., & Silva, V. (2010). Discursos midiáticos sobre o crack: discutindo resultados preliminares. In XIV Simpósio de Ensino, Pesquisa e Extensão. Santa Maria, RS: Sepe-Unifra. Recuperado de https://bit.ly/2JtOOYc
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, p. 5) retrocede da direção progressista que as reformas sanitária e psiquiátrica vinham imprimindo ao problema-drogas. Aliás, esse sintagma foi inicialmente utilizado por Alarcon (2012Alarcon S.; Belmonte, P., & Jorge, M. A. (2012). O campo de atenção ao dependente químico. In S. Alarcon & M. A. Jorge (Orgs.), Álcool e outras drogas: diálogos sobre um mal-estar contemporâneo (pp. 63-82). Rio de Janeiro, RJ: Fiocruz.), visando tanto designar com ele “os danos que elas podem causar no organismo humano em virtude do eventual uso inadequado”, quanto “os danos produzidos por todas as consequências inerentes às políticas antidrogas, à cultura da violência que lhe é subjacente e que perdura, paradoxalmente, em nome da saúde da população” (p. 46). A epidemia de crack serve como mote tanto para o alarde da mídia (Ramminger, 2014Ramminger, T. (2014). Modos de trabalhar em saúde mental: pensando os desafios das reformas sanitária e psiquiátrica para o cuidado de pessoas que usam drogas. In: T. Ramminger & M. Silva (Orgs.), Mais substâncias para o trabalho em saúde com usuários de drogas (pp. 27-49). Porto Alegre, RS: Rede Unida.; Silva, 2014), que o toma como causador da violência, fazendo “falta à sociedade meios que proporcionem um olhar realista e ponderado sobre o assunto, que evite cair nos estereótipos mais comuns das visões romantizadas ou associadas unicamente à violência” (Roso et al., 2010, p. 7), como a um retrocesso nas políticas voltadas para o campo de álcool e drogas. Esse é o caso das internações compulsórias que, desde maio de 2017, voltaram a ser notícia4 4 As internações compulsórias são previstas na Lei nº 10.216, de 2001. De acordo com esta, esse tipo de internação se dá por determinação da justiça. O Art. 4º dessa mesma lei afirma que: “A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes” (Brasil, 2001, não paginado). Vários episódios de intervenção do Estado em cracolândias suscitaram a discussão sobre a internação compulsória, tendo em vista a notória insuficiência – ou mesmo frequente ausência na aplicação – de recursos extra-hospitalares. Identificamos a operação policial ocorrida em 21 de maio de 2017, na cracolândia da Estação da Luz em São Paulo, como marco do recrudecimento das internações forçadas. O sucedido foi amplamente noticiado nos meios de comunicação, gerando uma grande discussão a respeito das internações compulsórias propostas, não só em meios acadêmicos ou sustentada pelos profissionais de saúde, mas no bojo da sociedade como um todo. . É digno de atenção o fato de que ações como estas, cuja justificativa é dada pelo sintagma epidemia de crack, veiculado - propagandeado - discursivamente e sustentado pelos meios de comunicação, manipulam a opinião pública em direção a uma associação imediata do uso de crack e drogas em geral e violência.

Pressupõe-se que os meios de comunicação podem estar colaborando com a manutenção de visões “distorcidas” sobre o tema, quando estabelecem uma relação causal entre violência e uso de crack, restringindo-se, na maioria das matérias, a apresentar “fatos”, não apresentando uma discussão mais aprofundada sobre as causas e consequências do fenômeno. (Roso et al., 2010Roso, A., Romanini, M., Bianchini, M., Angonese, M., Macedo, F., Monaiar, A., & Silva, V. (2010). Discursos midiáticos sobre o crack: discutindo resultados preliminares. In XIV Simpósio de Ensino, Pesquisa e Extensão. Santa Maria, RS: Sepe-Unifra. Recuperado de https://bit.ly/2JtOOYc
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, p. 7)

É digno de atenção que esse modo de tratar a questão acaba por gerar pânico na população, com a consequente promoção de discursos cada vez mais segregacionistas, traduzindo-se, finalmente, na expressiva aprovação da internação compulsória por uma boa parte da população.

A operação policial na cracolândia, em São Paulo (Gonçalves, 2017Gonçalves, G. (2017, maio 25). Doria pede à Justiça internação compulsória de usuários de drogas. Globo G1 São Paulo. Recuperado de https://glo.bo/2xbMCTo
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), por um lado, fere a Lei nº 10.216, de 2001, que afirma no artigo 4º que “a internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes” (Brasil, 2001Brasil. (2011b). Portaria nº 3.088, de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Recuperado de https://bit.ly/29zD847
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, não paginado). Por outro lado, mostra como a propaganda de que aquelas pessoas não têm condições de responder por si - posto que é o crack que fala por elas - incide sobre a população5 5 Segundo pesquisa Datafolha, “60% dos moradores de SP aprovam ação na Cracolândia” ainda que 80% sejam “a favor da internação à força para tratamento de usuários” (Brandt, 2017). , que acredita que a internação compulsória seja a única saída para esses possuídos pelo crack. É como se o uso de crack anulasse de um só golpe o sujeito, tanto no sentido psicanalítico do termo, sujeito do inconsciente, ao virar objeto de uso possuído pelo crack, como também o sujeito de direito que, diferentemente dos demais, não deve então circular na rua.

Entretanto, “uma revisão sistemática sobre a eficácia dos tratamentos compulsórios para o consumo de drogas concluiu que não há evidências de melhoras em tratamentos compulsórios”, identificando, “por outro lado, estudos que sugerem o risco de ampliação dos danos” (United Nations Office on Drugs and Crime, 2017United Nations Office on Drugs and Crime. (2017 junho 29). OPAS/OMS e UNODC expressam preocupação com as ações sobre drogas em São Paulo. Recuperado de https://bit.ly/2smyqkM
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).

A política de saúde mental é embasada na inclusão, mas o que se escuta na polis, quando se trata do uso de drogas, sobretudo do crack, é a demanda por segregação, e o que é pior, muitas vezes sustentada no discurso de políticas suportadas pelo discurso religioso e/ou biologizante. Não se está questionando a vulnerabilidade dessas pessoas, inclusive à violência, doenças etc., mas sim a forma de intervenção pública de que são alvo. E, ainda, ancorados no referencial psicanalítico, apontamos para o fato de que não há tratamento possível das toxicomanias sem que se leve em conta, para além do sujeito de direito, do cidadão, o sujeito do gozo.

A política da redução de danos e a psicanálise

Vários autores (Conte, 2004Conte, M. (2004). Psicanálise e redução de danos: articulações possíveis. Revista Tóxicos e Manias, (26), 23-33.; Melman, 2000Melman, C. (2000). Alcoolismo, delinquência e toxicomania: uma outra forma de gozar. São Paulo, SP: Escuta.; Queiroz, 2001Queiroz, I. (2001). Os programas de redução de danos como espaços de exercício da cidadania dos usuários de drogas. Psicologia: Ciência e Profissão, 21(4), 2-15. doi: 10.1590/S1414-98932001000400002
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) já trabalharam a importância que teve a política da RD para o avanço da psicanálise no campo da saúde mental na primeira década depois de 2003. Como diz Ribeiro (2010Ribeiro, C. (2010). Mesa redonda: ciência, verdade e gozo. Psicanálise e redução de danos: articulação possível? In Atas do IV Congresso Internacional de Psicopatologia Fundamental (não paginado). Curitiba, PR: Universidade Federal do Paraná. Recuperado de https://bit.ly/2M4BYky
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, não paginado), a “redução de danos implica um conjunto de intervenções que visam prevenir as conseqüências negativas do uso de drogas, sem haver a exigência da abstinência”, de modo que vários autores estimaram que tal política contribuiu para uma interlocução com a psicanálise. Isso porque ambas, a política da RD e a política da psicanálise, “combatem a demissão subjetiva implicada nos modelos de desintoxicação” (Ribeiro, 2010, não paginado). Cada uma a seu modo se contrapõe ao movimento de excluir o sujeito ativo e capaz de fazer escolhas, proposto pela orientação que apenas visa à abstinência, e cada uma atua na contramão da foraclusão do sujeito que o discurso biologizante impõe.

No entanto, há particularidades, e houve quem as sublinhasse. Segundo Araujo e Costa (2012Araujo, R., & Costa, R. (2012). Subjetividade e política sobre drogas: considerações psicanalíticas. Revista EPOS, 3(1), 1-19. Recuperado de https://bit.ly/2kpSSxF
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), “As políticas públicas priorizam a redução de danos e o usuário acaba sendo visto como um doente ou marginal”, pois “a política brasileira foca seu olhar na droga e não no sujeito, evidenciando o estigma ao usuário de drogas” (p. 1), enquanto, para a psicanálise, o que é preciso pôr em evidência é que o sujeito usuário faz da droga uma forma de vivenciar “o mal-estar, o excesso próprio da cultura contemporânea, percebendo que é preciso ouvir o que o toxicômano tem a dizer sem estigmatizá-lo” (Araujo & Costa, 2012, p. 1). O sujeito usuário é, para a psicanálise, no que diz respeito ao que há de mais genuíno nele, um sujeito capaz de responder de sua posição de gozo. Como tratar psicanaliticamente um sujeito se o que lhe é mais genuíno deve, a priori, ser deixado do lado de fora?

Quanto à crítica que Araujo e Costa fazem à RD, é preciso ressaltar que apesar de eles se basearem nas diretrizes do Ministério da Saúde (Brasil, 2003), também utilizadas pela saúde mental, o foco sobre o qual recai sua análise é a Política Nacional Sobre Drogas (PNAD) modificada, a partir de 2006, quando incorporou a RD, aliando-a ao proibicionismo. Portanto, parece-nos que o texto promove certa confusão ao chamar a PNAD de política de RD, pois ela não o é. A PNAD distorce, no texto de sua lei, o termo RD advindo do campo da saúde, adequando-o a seus próprios princípios, o que, aliás, constatam Araujo e Costa (2012) quando dizem que “as políticas públicas para o uso abusivo de álcool e outras drogas remetem-se à questão da abstinência forçada, redução de danos e proibicionismo” (p. 16). A associação da RD às políticas proibicionistas cria um abismo, de fato, por nela não se levar em conta nem o sujeito de direito, que dirá o do inconsciente! Mas não era isso o que visava a Lei do Ministério da Saúde que, portanto, não levava - como dizem os autores - à produção de estereótipos ou estigmas. Ao contrário, nela o estigma é um dos problemas mais enfatizados no que tange os usuários de drogas, sendo considerado produtor de agravos. A política original de RD não é contrária à da psicanálise, mas sua associação ao proibicionismo sim.

Para Santiago (2001Santiago, J. (2001). A droga do toxicômano: uma parceria cínica na era da ciência. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar.) - sua referência é lacaniana e não foucaultiana, com a qual trabalha Albuquerque (2010Albuquerque, S. (2010). “Idade doida da pedra”: configurações históricas e antropológicas do crack na contemporaneidade. In L. F. Sapori & R. Medeiros (Orgs.), Crack: um desfio social (pp.13-37). Belo Horizonte, MG: Editora PUC Minas.) -, as toxicomanias são efeito de discurso. Aqui, a noção de discurso implica a produção do gozo, ou seja, o modo como os sujeitos se relacionam numa dada cultura promovendo o gozo de cada um, nas diferentes posições que tal promoção se dá a partir do agenciamento que um indivíduo impõe a um outro. A psicanálise, de forma alguma, se desinteressa pela cultura e pelos discursos nela forjados, nem mesmo desconsidera o fato de que o estigma produz segregação, ela apenas não deixa escapar o fato de que entre o sujeito e o Outro há um a mais, um mais e mais e mais… que se repete no ato de se drogar. Se para alguns psicanalistas isso quer dizer, na prática, que “esse sujeito de que trata a psicanálise é freqüentemente eclipsado pelo cidadão de direitos preconizado pela abordagem político-social do sofrimento psíquico” (Ribeiro, 2010Ribeiro, C. (2010). Mesa redonda: ciência, verdade e gozo. Psicanálise e redução de danos: articulação possível? In Atas do IV Congresso Internacional de Psicopatologia Fundamental (não paginado). Curitiba, PR: Universidade Federal do Paraná. Recuperado de https://bit.ly/2M4BYky
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, não paginado), eclipsado, sobretudo, numa prática que não leva em conta o caso a caso, não podemos deixar de levar em conta a possível abertura da RD para a clínica psicanalítica na política.

Na realidade, há sim uma preocupação no texto da Lei de 2003 quanto ao caso a caso, apesar de ser uma lei universalizante, posto que é para todos. Senão, vejamos. A Lei é clara no que tange a caracterizar o uso de drogas como multifatorial e heterogêneo, frisando a necessidade de se levar em conta as diversidades, pois afirma: “quando se trata de cuidar de vidas humanas, temos que, necessariamente, lidar com as singularidades, com as diferentes possibilidades e escolhas que são feitas” (Brasil, 2003, p. 10).

Afirmando-se como clínico-política (Brasil, 2003, p. 11), a Lei preconiza que “a abordagem da redução de danos nos oferece um caminho promissor” justamente por reconhecer “cada usuário em suas singularidades”, o que permite traçar “com ele estratégias que estão voltadas não para a abstinência como objetivo a ser alcançado, mas para a defesa de sua vida” (p. 10). Já o fato de reconhecer a necessidade de defender a vida, esse texto testemunha levar em conta a existência da pulsão de morte. A Lei aponta a RD como um método, no sentido de caminho, que não exclui outros, “vinculado à direção do tratamento e, aqui, tratar significa aumentar o grau de liberdade, de corresponsabilidade daquele que está se tratando” (Brasil, 2003, p. 11). Implica, ainda, “no estabelecimento de vínculo com os profissionais, que também passam a ser corresponsáveis pelos caminhos a serem construídos pela vida daquele usuário, pelas muitas vidas que a ele se ligam e pelas que nele se expressam” (p. 11). Na política, a singularidade que está em jogo é a da história e das escolhas de cada pessoa, que irá perceber, à sua maneira, a subjetividade decorrente da “integração e inter-relação de vários fenômenos de manifestação biopsicossocial, sendo ainda o local de entrecruzamento para estas variáveis” (Brasil, 2003, p. 28).

Há, sim, particularidades que dizem respeito ao tratamento analítico - e talvez essa seja justamente sua força de resistência - que não se confundem com a RD. A psicanálise é subversiva na medida em que descentraliza o eu, privilegia a determinação inconsciente, reconhece o campo do gozo e visa um tratamento pela retomada do caminho do desejo. Mas à sua maneira, a redução de danos também é subversiva, pois questiona, aos moldes da reforma psiquiátrica, a dominação dos corpos pelo discurso moral/biológico. Também inverte a noção de dano associado às drogas, na medida em que assume que nem todo uso é prejudicial. A RD faz parte de toda uma estratégia de saúde pública e é nesse contexto que ela toma força, no que se articula com o conceito de clínica ampliada, que também tem em sua especificidade sua possibilidade de resistência, como nos lembra L. Elia:

É preciso manter a atenção psicossocial em sua especificidade, que se especifica por não ser afeita a nenhuma especialidade: todos os profissionais, todos os atores, todos os agentes podem e devem intervir na ação e cuidado, na ação clínica que é política ao mesmo tempo, pois sempre visa a posição do sujeito em relação ao corpo social concreto, ao laço social, à cidade e à cidadania. (comunicado em mesa, Rio de Janeiro, 6 de outubro de 2015)

Tanto a psicanálise como a política de RD partem do princípio de que é preciso escutar o outro, pois dele nada se sabe a priori. Na prática, vemos como é difícil para os profissionais não saberem o que é melhor para o paciente, a clínica com as toxicomanias gera muita angústia na própria equipe, particularmente quando a vida está em risco. Daí, mesmo que não seja necessário que os trabalhadores em saúde mental sejam psicanalistas - e provavelmente isso nem seria aconselhável, posto não tratar-se de uma clínica das especialidades, como afirmado por L. Elia (comunicado em mesa, Rio de Janeiro, 6 de outubro de 2015), e por ser uma clínica multidisciplinar, para a qual devem concorrer diferentes saberes e aportes teórico-técnicos (Brasil, 2003, p. 7), sendo o psicanalista um entre os vários atores que constituem o campo da atenção psicossocial -, a psicanálise tem muito a contribuir com a RD, dando voz sim ao sujeito de direito, pois é preciso que ele a tenha, como queria a reforma psiquiátrica. E para que isso não faça eclipsar o sujeito do inconsciente, é preciso que os psicanalistas não recuem diante dos impasses e participem dessa clínica, sendo apenas alguns.

Cada sujeito encontra no uso da droga uma relação muito particular com seu gozo e com o Outro, e isso não se universaliza, não funciona conforme as leis que - estas sim - precisam ser universalizantes. . . há um impossível entre a política universalizante e uma clínica do sujeito, ou seja, um não compreende o outro, mesmo se a lei pode ser mais ou menos coercitiva no que tange a inclusão ou exclusão de cada sujeito a ela, necessariamente, submetido. Pois, como já dizia Freud (1937/2004), governar (ou mandar), educar e psicanalisar são impossíveis.

Lacan (1997Lacan, J. (1997). O seminário, livro 7: a ética da psicanálise, 1959-1960. Rio de Janeiro, RJ: Zahar.) formula a própria ética da psicanálise como sendo aquela do desejo. Na prática, não ceder de apontar o sujeito ali onde ele é negligenciado, emudecido e inclusive, por vezes, literalmente calado. E, para calá-lo, não faltam discursos. Não é apenas o do tratamento psiquiátrico que, quando utiliza a droga lícita, não tem outra intenção senão impedir a manifestação fenomenológica dos conflitos subjetivos, orientação clínica colada à ideologia da remissão dos sintomas. Estes, já o dizia Freud (1926/1977), são manifestações subjetivas e seriam os últimos fenômenos a querermos, como psicanalistas, fazer desaparecer, pois o sintoma é signo da presença do sujeito (Quinet, 2000Quinet, A. (2000). A descoberta do inconsciente (2ª ed.). Rio de Janeiro, RJ: Zahar., p. 144), signo de cifra de gozo, do modo como cada sujeito pode cifrá-lo, na sua singularidade. E é com isso que a psicanálise trabalha.

Saúde versus segurança

Apesar das críticas que a política da RD pode ter sofrido por não levar em conta a singularidade da posição de gozo do sujeito, em razão de ser uma política pública - mas abrindo caminho para uma clínica que incluía a psicanálise -, ela possibilitou um verdadeiro questionamento do unilateral tratamento que impunha a abstinência para todos e, consequentemente, em termos de tratamento, a internação. Insistiu na necessidade de descriminalizar o uso de drogas na medida em que isso gera estigma aos usuários de drogas ilícitas. Abriu caminho, sobretudo, para que uma clínica pudesse avaliar, na singularidade de cada caso, de que maneira o sujeito utiliza a droga, dela goza, de que modo, para alguns, a abstinência talvez não seja a melhor solução terapêutica. Para além do campo da saúde mental, isso também implicou uma mudança no campo da segurança, não sem fazer surgir uma tensão entre ambas.

Um dos preceitos básicos das práticas de segurança é “buscar, incessantemente, atingir o ideal de construção de uma sociedade livre do uso de drogas ilícitas e do uso indevido de drogas lícitas” (Brasil, 2002, não paginado). Com a inclusão, em 2003, das práticas de promoção da saúde que visam à RD, entendendo o tratamento como singularizado, não tendo a abstinência como precondição e prevendo a responsabilidade do usuário por seu tratamento, passamos a ter dois grandes atores: de um lado, o Ministério da Saúde, de outro, a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas - Senad (Andrade, 2011Andrade, T. (2011). Reflexões sobre políticas de drogas no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, 16(12), 4665-4674. doi: 1590/S1413-81232011001300015
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). Inicialmente Gabinete de Segurança institucional da Presidência da República, a partir de 2011 o Senad faz parte do Ministério da Justiça (MJ) e, já em 2006, instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad), que não descriminaliza o uso para o qual, conforme o Art. 28, prevendo as “seguintes penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo”. Com a implantação do Sisnad, surge uma nova abordagem da RD, identificando esta ao modelo higienista! (Alarcon et al., 2012Alarcon S.; Belmonte, P., & Jorge, M. A. (2012). O campo de atenção ao dependente químico. In S. Alarcon & M. A. Jorge (Orgs.), Álcool e outras drogas: diálogos sobre um mal-estar contemporâneo (pp. 63-82). Rio de Janeiro, RJ: Fiocruz., p.78). Isso porque o Sisnad tomou o dano como fato, ligando diretamente o uso de drogas ilícitas a danos.

Foi aí que se deu a transposição do conceito de RD do campo da saúde para o da segurança e, posteriormente, em 2011, para o da justiça. Ao ser assimilada pelo campo jurídico, a RD perdeu a força de reduzir os danos do próprio proibicionismo que, conforme nossa hipótese, advém da ignorância da pulsão de morte. A cultura, de acordo com a psicanálise, é uma forma de organizar as relações entre os seres falantes. Não é possível a um fazer simplesmente do outro - seu objeto pulsional - aquilo que quer, pois há regras. A cultura, ou se preferirmos, os discursos prevalentes em uma determinada cultura, ditam a forma como o outro será tratado. Se na forma de tratar o outro prevalece a rivalidade, isto é, se o outro é tratado como objeto e não como sujeito, então o diferente será alvo de segregação. O proibicionismo gera um discurso de ódio, fruto da desintrincação pulsional que, na contramão das pulsões de vida, tem efeitos concretos. Efeitos esses fartamente alardeados pelos trabalhadores de saúde mental referidos à RD, tal como sua proposta original, e que retomamos a seguir.

Em primeiro lugar, as mortes causadas pela guerra às drogas. Combater as drogas introduz uma série de consequências que são totalmente desconsideradas, associadas ao próprio termo guerra. Numa guerra, se está num campo de batalha, é preciso vencer um inimigo; este, por sua vez, se arma para defender-se e contra-atacar. Numa guerra, incalculáveis baixas se justificam pelo fim almejado que, normalmente, é consequência de enorme devastação. Numa guerra, tudo é permitido em nome de um avanço para a vitória e as mais vis reações humanas; aquelas mesmas que fazem do homem o lobo do homem não são apenas desculpabilizadas como, muitas vezes, até mesmo incentivadas. Uma guerra jamais é desencadeada sem objetivos econômicos, e estes pululam no campo das drogas, não apenas na disputa entre os traficantes por uma maior faixa de comércio para seus lucros, como inconfessáveis interesses financeiros que sustentam indústrias e governos - a guerra do ópio já mencionada é apenas um exemplo disso, sem os requintes que vieram depois.

Em segundo lugar, o alto potencial de dano que as substâncias misturadas às drogas provocam no organismo, e que podem ser bem mais prejudiciais do que as próprias drogas. Reduz-se a guerra às drogas sem levar-se em conta que é preciso esclarecer a população de que há tais substâncias que em nada contribuem para o prazer que a droga, em si, proporciona. Ignora-se a possibilidade de haver muitos usuários que poderiam optar por não se drogarem em função do acréscimo dessas substâncias, essas, sim, muito prejudiciais. Esse foi o mote da RD na Holanda − ao se controlar o produto vendido, diminui-se o dano causado por substâncias a ele adicionadas.

Em terceiro lugar, os danos do preconceito e do estigma. Tema desenvolvido por Freud (1921/2004) no ano seguinte ao da redação do texto em que conceituou a pulsão de morte, a segregação de um grupo por outro, promove em ambos um espelhamento de eus fortalecidos nos embates entre grupos - justamente por fazerem Um como grupo -, que entre si não identificam diferenças, fazendo do outro - aquele que não é do grupo - o marginal, o segregável, o intratável. Qualquer que seja a ligação de um usuário com a droga, não interessa nessa segregação se o sujeito é com a droga muito comprometido, ou apenas a utiliza de vez em quando. A RD, para ser mais potente, deveria poder contrariar tudo isso, contrariar a própria maneira de se tomar todo usuário de drogas ilícitas como, não apenas criminoso, mas necessariamente como alguém que, se não é, será dependente.

Mas o que se vê hoje é que o que poderia ser um risco, passa a ser necessário, fazendo da droga A Causa6 6 Com o grifo e a letra maiúscula, procuramos frisar A Causa aqui tomada como única, uma causa plena, total. , e se é na substância que mora o perigo, a única coisa a fazer é erradicá-la (Alarcon, 2012Alarcon S.; Belmonte, P., & Jorge, M. A. (2012). O campo de atenção ao dependente químico. In S. Alarcon & M. A. Jorge (Orgs.), Álcool e outras drogas: diálogos sobre um mal-estar contemporâneo (pp. 63-82). Rio de Janeiro, RJ: Fiocruz.). Poderíamos dizer que esse discurso toma o possível como necessário excluindo qualquer contingência. Ele é fruto também do fato de que a Lei nº 11.343 (Brasil, 2006) amenizou “a lógica ampliada da redução de danos como antípoda do proibicionismo” (Alarcon et al., 2012, p. 80), reaproximando os dois campos, o da saúde e o da justiça, introduzindo a possibilidade de, em 2010, ser lançado o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas (Brasil, 2011a), que deu origem ao plano Crack é Possível Vencer e a discussão sobre o financiamento das comunidades terapêuticas. Conforme L Elia: “Pelo viés de um suposto combate ao uso abusivo de drogas, as forças conservadoras da sociedade” (comunicado em mesa, Rio de Janeiro, 6 de outubro de 2015), transferindo o Senad ao Ministério da Justiça, passaram a promover judicializações, criminalizações e recolhimentos em comunidades terapêuticas com internações compulsórias, ganhando “significativa parcela do terreno” (2015).

Crack! A pulsão de morte parou ou foi a redução de danos?

O consumo de substâncias psicoativas ao longo da história da humanidade “sempre esteve sob regulação social” (Alves, 2009Alves, S. (2009). Modelos de atenção à saúde de usuários de álcool e outras drogas: discursos políticos, saberes e práticas. Cadernos de Saúde Pública, 25(11), 2309-2319. doi: 10.1590/S0102-311X2009001100002
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, p. 2.310). Mais recentemente, porém, com o isolamento científico das substâncias psicoativas e sua consequente potencialização, bem como a industrialização da droga para uso tanto terapêutico como recreativo, extrapolaram a capacidade daquela regulação, gerando “um conjunto de questões sociais e de saúde a ele associado” (Alves, 2009, p. 2.310), que culminaram em uma “intervenção reguladora do Estado” (p. 2.310).

Conforme vimos desenvolvendo no texto, mais especificamente no item “O problema drogas brevemente historizado”, essa intervenção do Estado - e aqui nos referimos à história da política de drogas no Brasil, ainda que esta tenha sido construída em consonância com as políticas internacionais de regulamentação do uso de drogas - foi eminentemente proibicionista. No que tange à formulação de políticas públicas sobre drogas no país, como vimos, os dois grandes atores são: a segurança e a saúde. Os paradigmas sobre os quais cada um deles se sustenta podem incluir um antagonismo, tensões ou ainda uma aproximação. A esse respeito, Teixeira et al. (2017Teixeira, M., Ramôa, M., Engstrom, E., & Ribeiro, J. (2017). Tensões paradigmáticas nas políticas públicas sobre drogas: análise da legislação brasileira no período de 2000 a 2016. Ciência & Saúde Coletiva, 22(5), 1455-1466. doi: 10.1590/1413-81232017225.32772016
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) são bastante precisos:

No setor da justiça e da segurança pública dois paradigmas, o do proibicionismo e o do antiproibicionismo, se encontram em disputa. Já no campo da saúde e assistência social, os paradigmas asilar, psicossocial e de redução de danos (RD) sustentam as práticas em saúde mental/álcool e outras drogas. (p. 1.456)

O proibicionismo, ou a guerra às drogas, já amplamente discutido no texto, visa um mundo livre de drogas, tendo, portanto, um compromisso com “a prevenção do consumo e a repressão da produção e da oferta” (Teixeira et al., 2017Teixeira, M., Ramôa, M., Engstrom, E., & Ribeiro, J. (2017). Tensões paradigmáticas nas políticas públicas sobre drogas: análise da legislação brasileira no período de 2000 a 2016. Ciência & Saúde Coletiva, 22(5), 1455-1466. doi: 10.1590/1413-81232017225.32772016
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, p. 1.456), contrapondo-se ao antiproibicionismo que tem como debate principal a descriminalização e a legalização das drogas, compreendendo que o uso de drogas “não deve ser considerado crime; assim, ao usuário deve ser ofertado tratamento e cuidado e não reclusão em ambiente prisional” (p. 1.456).

O paradigma asilar, aquele que no campo da saúde e na assistência social mais se alia ao proibicionismo da segurança, enfatiza a dimensão orgânica em detrimento de outras, contrapondo-se assim à atenção psicossocial e redução de danos (Teixeira et al., 2017Teixeira, M., Ramôa, M., Engstrom, E., & Ribeiro, J. (2017). Tensões paradigmáticas nas políticas públicas sobre drogas: análise da legislação brasileira no período de 2000 a 2016. Ciência & Saúde Coletiva, 22(5), 1455-1466. doi: 10.1590/1413-81232017225.32772016
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, p. 1456), que entende o uso de drogas como multifatorial (Brasil, 2003). A abordagem asilar tem como modelo de tratamento a internação e sua instituição típica é o manicômio, a doença é justificativa para o isolamento e para a impossibilidade de o sujeito ser responsável por si, quem dirá por seu tratamento. Proposta absolutamente oposta à da atenção psicossocial que, baseada na reforma psiquiátrica, principalmente naquela proposta por Basaglia, visa a um cuidado territorializado e à integralidade, sendo essa

considerada tanto em relação ao ambiente, quanto ao ato terapêutico com o indivíduo, no qual seus efeitos não visam à supressão sintomática e a necessária abstinência e sim à redução de riscos e danos. Esse modelo de cuidado centra-se no respeito às diferenças, à defesa da vida e ao direito à liberdade e à dignidade da pessoa. (Teixeira et al., 2017Teixeira, M., Ramôa, M., Engstrom, E., & Ribeiro, J. (2017). Tensões paradigmáticas nas políticas públicas sobre drogas: análise da legislação brasileira no período de 2000 a 2016. Ciência & Saúde Coletiva, 22(5), 1455-1466. doi: 10.1590/1413-81232017225.32772016
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, p. 1.456)

Ora, em termos de tratamento oferecido aos usuários de drogas, o proibicionismo e a abordagem asilar preconizam a abstinência como paradigma, sendo necessário esclarecer que

Por paradigma da abstinência entendemos algo diferente da abstinência enquanto uma direção clínica possível e muitas vezes necessária. Por paradigma da abstinência entendemos uma rede de instituições que define uma governabilidade das políticas de drogas e que se exerce de forma coercitiva na medida em que faz da abstinência a única direção de tratamento possível, submetendo o campo da saúde ao poder jurídico, psiquiátrico e religioso. (Passos & Souza, 2011Passos, E., & Souza T. (2011). Redução de danos e saúde pública: construções alternativas à política global de “guerra às drogas”. Psicologia & Sociedade, 23(1): 154-162. doi: 10.1590/S0102-71822011000100017
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, p. 157, grifo nosso)

Apesar da aliança entre esses campos, Passos e Souza (2011Passos, E., & Souza T. (2011). Redução de danos e saúde pública: construções alternativas à política global de “guerra às drogas”. Psicologia & Sociedade, 23(1): 154-162. doi: 10.1590/S0102-71822011000100017
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) demonstram que “a relação entre criminologia e psiquiatria não foi harmônica e complementar” (p. 157), de tal forma que “É dentro deste jogo de poder que o usuário de drogas ora se vê perante o poder da criminologia, ora diante do poder da psiquiatria; ora encarcerado na prisão, ora internado no hospício” (p. 157). Isso porque o consumo de drogas encontra-se na política proibicionista atrelado a dois modelos explicativos: “o modelo moral/criminal e o modelo de doença” (Alves, 2009Alves, S. (2009). Modelos de atenção à saúde de usuários de álcool e outras drogas: discursos políticos, saberes e práticas. Cadernos de Saúde Pública, 25(11), 2309-2319. doi: 10.1590/S0102-311X2009001100002
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, p. 2.311). Seja como imoral ou como doente, o destino do consumidor é o encarceramento em instituições totais: Manicômios, prisões e conventos (Goffman, 1974Goffman, E. (1974). Manicômios, prisões e conventos. São Paulo, SP: Perspectiva.), ou ainda, o que atualmente poderíamos, talvez, considerar um amálgama dessas instituições: as comunidades terapêuticas (CT).

De acordo com Goffman (1974Goffman, E. (1974). Manicômios, prisões e conventos. São Paulo, SP: Perspectiva.), as instituições têm “tendências de ‘fechamento’” (p. 16), entretanto algumas são mais fechadas do que outras. “Seu ‘fechamento’ ou seu caráter total é simbolizado pela barreira à relação social com o mundo externo e por proibições à saída que muitas vezes estão incluídas no esquema físico” (Goffman, 1974, p. 16). As comunidades terapêuticas para usuários de drogas, como vem sendo apontado em vários relatórios - por exemplo: Comitê de Prevenção à Tortura do Estado do Rio de Janeiro (2013Comitê de Prevenção à Tortura do Estado do Rio de Janeiro. (2013). Relatório de inspeção em comunidades terapêuticas financiadas pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ: Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Recuperado de https://bit.ly/2kr8cdm
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); Conselho Federal de Psicologia - CFP (2011Conselho Federal de Psicologia. (2011). Relatório da 4ª Inspeção Nacional de Direitos Humanos: locais de internação para usuários de drogas. Brasília, DF. Recuperado de https://bit.ly/2GRq9KK
https://bit.ly/2GRq9KK...
); Conselho Regional de Psicologia - CRP-SP (2016Conselho Regional de Psicologia. (2016). Dossiê: Relatório de inspeção de comunidades terapêuticas e clínicas para usuárias(os) de drogas no estado de São Paulo - mapeamento das violações de direitos humanos. São Paulo, SP: CRP. Recuperado de https://bit.ly/2IMqxfj
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) -, apresentam características das instituições totais descritas por Goffman. Antes de mais nada, porque entendem o uso de drogas como uma questão tanto moral como de doença, acrescentando o fator espiritual, tendo a abstinência como paradigma e o isolamento (internação) como tratamento, que aos moldes dos manicômios, bem como de todas as instituições totais, é exercido por um pequeno grupo de supervisão sobre “um grande grupo controlado, que podemos denominar o grupo dos internados” (Goffman, 1974, p. 18).

Cabe esclarecer que sob o atual nome comunidades terapêuticas não figuram mais as reformas institucionais que fizeram parte da história da reforma psiquiátrica. As diferentes propostas de reformas psiquiátricas se deram a partir da reflexão social sobre a natureza humana e sua crueldade (Amarante, 2007Amarante, P. (2007). Saúde mental e atenção psicossocial. Rio de Janeiro, RJ: Fiocruz.), posto que esta havia exposto sua face mais agressiva nas duas grandes guerras mundiais. Podemos aqui conjeturar que o pós-guerras foi um momento propício a se admitir a cultura da pulsão de morte, que nelas se verificara na medida da destruição causada. Ao admitir a pulsão de morte, pôde-se pensar novas formas de fazer frente a ela. Foi assim que “a sociedade dirigiu seus olhares para os hospícios e descobriu que as condições de vida oferecidas aos pacientes psiquiátricos ali internados em nada se diferenciavam daquelas dos campos de concentração . . . assim nasceram as primeiras reformas psiquiátricas” (Amarante, 2007, p. 40).

Entre as diferentes orientações de reformas psiquiátricas que se deram naquele momento, a de Maxwel Jones melhor sintetiza o que estamos assinalando: em sua proposta, a comunidade terapêutica dizia respeito a “um processo de reformas institucionais que continham em si mesmas uma luta contra a hierarquização ou verticalidade dos papéis sociais, ou, enfim, um processo de horizontalidade e ‘democratização’ das relações, nas palavras do próprio Maxwel Jones” (Amarante, 2007Amarante, P. (2007). Saúde mental e atenção psicossocial. Rio de Janeiro, RJ: Fiocruz., p. 43). Não há aí nenhuma identidade entre a proposta de Maxwel Jones e as atuais comunidades terapêuticas para usuários de drogas, “afora a designação” (De Leon, 2014De Leon, G. (2014). A comunidade terapêutica: teoria, modelo e método (5ª ed.). São Paulo, SP: Edições Loyola., p. 14). Aquela proposta original e inovadora já não tem

relação com as atuais “fazendas” e “fazendinhas” de tratamento de dependência a álcool e drogas, geralmente de natureza religiosa, que se denominam - de forma oportunista e fraudulenta - “comunidades terapêuticas” para ganharem legitimidade social e científica. (Amarante, 2007Amarante, P. (2007). Saúde mental e atenção psicossocial. Rio de Janeiro, RJ: Fiocruz., p. 43)

Com efeito, como nos lembram Passos e Souza (2011Passos, E., & Souza T. (2011). Redução de danos e saúde pública: construções alternativas à política global de “guerra às drogas”. Psicologia & Sociedade, 23(1): 154-162. doi: 10.1590/S0102-71822011000100017
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), tanto sob o viés da criminologia como da psiquiatria, o princípio do poder do tratamento proposto pelas “comunidades terapêuticas” atuais é disciplinar - do modo como Foucault (1987Foucault, M. (1987). Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis, RJ: Vozes.) o teoriza -, uma “normalização de condutas desviantes” (Passos & Souza, 2011, p. 157), em que se privilegiam, “como objeto de intervenção, o criminoso, o louco, o delinquente, o ‘drogado’” (p. 157). Sem excluírem a disciplinarização dos corpos (Foucault, 1990Foucault, M. (1990). Microfísica do poder (9ª ed.). Rio de Janeiro, RJ: Edições Graal.), as “ditas Comunidades Terapêuticas e Fazendas Terapêuticas trazem outro elemento que não exclui a disciplina, mas a complementa: a moral religiosa” (Passos & Souza, 2011, p. 157).

É por se verificar que as comunidades terapêuticas compactuam com o modelo criminal/moral e o modelo de doença, modelos que sustentam o proibicionismo, ancorados no paradigma da abstinência, e em nada podendo equivaler à proposta do modelo psicossocial e de redução de danos, que podemos pensar que o incremento ao financiamento dessas comunidades é uma quebra na direção progressista das reformas sanitária e psiquiátrica. Reformas essas que deram origem a uma nova forma de tratamento ao sofrimento humano, entre eles, o advindo do uso abusivo de drogas.

No site Infográficos - Estadão, lê-se que

União e Estado não têm a mesma política. Enquanto a primeira prioriza o tratamento domiciliar, com acompanhamento nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps), o segundo aposta na Justiça terapêutica, com internações - involuntárias ou não - em hospitais especializados e comunidades terapêuticas para interromper o consumo de vez. Um descompasso que só prejudica quem tenta vencer o drama da dependência (Brandt, 2017Brandt, R. (2017). A invasão da droga nos rincões do sossego. Estadão. Recuperado de https://bit.ly/1mINMVU
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).

Com efeito, alguns trabalhos já observam o recrudescimento das internações de usuários de drogas, inicialmente por incentivos locais, em particular das comunidades terapêuticas que, como sabemos, têm importante associação com instituições religiosas. Atualmente as comunidades terapêuticas, apesar de muitas vezes autônomas entre si (De Leon, 2014De Leon, G. (2014). A comunidade terapêutica: teoria, modelo e método (5ª ed.). São Paulo, SP: Edições Loyola.), surgiram todas de uma orientação comum, “de uma abordagem de autoajuda esotérica e alternativa para uma modalidade de atenção humana” (p. 27), visando proporcionar “limites e expectativas morais e éticas de desenvolvimento pessoal” (p. 30) com a seguinte metodologia: o uso do “reforço positivo, a vergonha, a punição, o sentimento de culpa, o exemplo e o modelo de comportamento” (p. 27).

Aos poucos, é política também da União internar usuários, como se fazia antes da Constituinte e, de acordo com o atual ministro do Desenvolvimento Social e Agrário, Osmar Terra, “Os Caps não têm resultado prático… no dia seguinte, eles estão usando droga de novo, porque nos Caps dizem: ‘não tem problema, só não fume na latinha, use cachimbo de vidro, use seringa descartável’” (Mariz, 2017Mariz, R. (2017, fevereiro 15). Ministro propõe mudanças em projetos do governo sobre drogas: Osmar Terra prega foco em abstinência e defende isolamento de pequeno traficante. O Globo. Recuperado de https://glo.bo/2s8DpX0
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, não paginado). Ridicularizado todo o trabalho dos CAPSad, o atual ministro milita na direção da criminalização do usuário e do pequeno traficante, já que, segundo ele, “tem que ter algum tipo de punição, senão [o usuário] vai consumir mais” (Melo, 2016Melo, D. (2016, junho 13). Osmar Terra e o retrocesso na política de drogas. CartaCapital. Recuperado de https://bit.ly/2IOh3Ek
https://bit.ly/2IOh3Ek...
, não paginado). Ministro e médico, é “autor do projeto de lei que prevê aumento da pena para tráfico e internação compulsória de usuários”, tendo sua primeira intervenção após nomeação diretamente afetado o Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad). “Com o argumento de que o órgão estaria dominado por um pensamento ideológico pró-legalização” (Melo, 2016, não paginado), substituiu o representante da pasta no Conselho, Rodrigo Delgado, e exonerou o sociólogo do cargo de coordenador-geral na Secretaria Nacional de Assistência Social do MDS. Age como se fosse possível erradicar, por decreto, a pulsão de morte, pois, revendo as capacitações de “profissionais de saúde, justiça, assistência social, líderes comunitários e outros agentes envolvidos no tema das drogas” (Mariz, 2017, não paginado), o ministro julga que as atuais “não incentivam o tratamento e a abstinência, e só se concentram na política de redução de danos”, e se o que se prega não é a abstinência, então, para Terra, “é um dinheiro jogado fora” (Mariz, 2017, não paginado). O que espanta sobremaneira nessa observação é que ela é dita por um médico . . . O que testemunha um enorme abismo que se instalou nesse campo: de um lado, os militantes do higienismo - dos quais o ministro é evidentemente partidário -, do outro, o cotidiano dos trabalhadores da saúde, em particular a mental, buscando sustentar a RD. Para os primeiros, o cidadão é um objeto de biotecnologias, ignorante de si mesmo, a ser submetido às disciplinas - no sentido foucaultiano do termo -, avesso do sujeito da psicanálise. Para os segundos, a psicanálise pode vir a seus alcances, ali onde muitas vezes falta uma sustentação teórica de uma prática que se sabe inserida no mal-estar da cultura. Mas fica uma pergunta que não quer calar: se pôr dinheiro nos CAPS é jogar dinheiro fora, para onde deveria ir o financiamento público? Para as novas comunidades terapêuticas? Os novos manicômios?

De posse do conceito de pulsão de morte introduzido por Freud e de sua retomada por Lacan, principalmente a partir do campo do gozo, a psicanálise pode ajudar a sustentar um posicionamento ético que permita trabalhar com o sujeito do gozo que é cada cidadão. Mesmo sem estar embasada nos conceitos psicanalíticos, a RD, do modo como era praticada antes de sua associação com essa nova política higienista, sustentava as pulsões de vida, pois previa como tratamento o reatamento dos laços, possibilitando novos investimentos a partir do que é possível para cada um. Apesar de trabalhar com prevenção, reabilitação etc., na clínica cotidiana ela se dava no um a um, no possível de cada caso. Estaríamos hoje assistindo a seu contrário? Em que um Ministro visa subjugar um cidadão, assujeitá-lo, fazer daquele que não corresponde ao que dele se espera nos discursos de dominação, objeto de segregação? Isso não seria, no mínimo, tão letal quanto considera a droga? Ou será que ele crê possível também acabar com a pulsão de morte por decreto?

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  • 1
    Conforme Mesquita (1994Mesquita, F. (1994). Perspectivas das estratégias de Redução de Danos no Brasil. In F. Mesquita & F. Bastos (Orgs.). Drogas e aids: estratégias de redução de danos (pp. 181-190). São Paulo, SP: Hucitec.), já em 1989 teria havido, no Brasil, uma tentativa de implementação de um programa assim na cidade de Santos, mas era contrária à legislação vigente e, portanto, foi reprimida pelas autoridades brasileiras.
  • 2
    Quebrada na gíria significa lugar sinistro, com pouca segurança, mas também um lugar alternativo.
  • 3
    De acordo com Bertoni e Bastos (2014Bertoni, N., & Bastos, F. (2014). Quantos usuários de crack e/ou similares há nas capitais brasileiras? In: F. Bastos, & N. Bertoni (Orgs.). Pesquisa nacional sobre o uso de crack: quem são os usuários de crack e/ou similares do Brasil? Quantos são nas capitais brasileiras? Rio de Janeiro, RJ: Fiocruz. Recuperado de https://bit.ly/2KTib6d
    https://bit.ly/2KTib6d...
    ) “não podemos afirmar se há ou não no país uma epidemia do uso de crack e/ou similares, uma vez que uma epidemia só pode ser caracterizada tecnicamente a partir de resultados obtidos de uma série histórica de registros de estimativas/contagens do fenômeno sob análise” (p. 145).
  • 4
    As internações compulsórias são previstas na Lei nº 10.216, de 2001. De acordo com esta, esse tipo de internação se dá por determinação da justiça. O Art. 4º dessa mesma lei afirma que: “A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes” (Brasil, 2001, não paginado). Vários episódios de intervenção do Estado em cracolândias suscitaram a discussão sobre a internação compulsória, tendo em vista a notória insuficiência – ou mesmo frequente ausência na aplicação – de recursos extra-hospitalares. Identificamos a operação policial ocorrida em 21 de maio de 2017, na cracolândia da Estação da Luz em São Paulo, como marco do recrudecimento das internações forçadas. O sucedido foi amplamente noticiado nos meios de comunicação, gerando uma grande discussão a respeito das internações compulsórias propostas, não só em meios acadêmicos ou sustentada pelos profissionais de saúde, mas no bojo da sociedade como um todo.
  • 5
    Segundo pesquisa Datafolha, “60% dos moradores de SP aprovam ação na Cracolândia” ainda que 80% sejam “a favor da internação à força para tratamento de usuários” (Brandt, 2017).
  • 6
    Com o grifo e a letra maiúscula, procuramos frisar A Causa aqui tomada como única, uma causa plena, total.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2018

Histórico

  • Recebido
    10 Abr 2018
  • Aceito
    26 Abr 2018
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