Acessibilidade / Reportar erro

Entre filosofia e ciência: o problema do naturalismo na psicologia de Carl Gustav Jung

Entre science et philosophie : le probleme du naturalisme dans la psychologie de Carl Gustav Jung

Entre la ciencia y la filosofía: el problema del naturalismo en la psicología de Carl Gustav Jung

Resumo

O pensamento de Carl Gustav Jung é marcado pela complexidade e por um diálogo contínuo entre ciência e filosofia. Seus posicionamentos teóricos, por vezes incompreendidos, levaram-no a constantes embates em defesa do empirismo e dos fundamentos do pensamento científico moderno, muitas vezes através da crítica a pressupostos que ele considerava indemonstráveis. Essa trajetória apresenta, todavia, uma série de dificuldades. Através da noção de naturalismo, este ensaio busca indicar uma via de análise dessa complexidade. Com efeito, podemos discernir duas noções distintas, mas complementares de naturalismo na obra de Jung: um naturalismo metodológico, que o mantém próximo do pensamento científico de sua época, e um naturalismo ontológico, que o alinha ao pensamento romântico e à Naturphilosophie, implicando considerações teóricas que o distanciavam de seus contemporâneos. Coordenar essas duas visões do naturalismo foi certamente um problema para Jung, e é um desafio para a compreensão de seu pensamento.

Palavras-chave:
C. G. Jung; história da psicologia; naturalismo; filosofia; ciência

Résumé

La pensée de Jung est marquée par la complexité et le dialogue entre science et philosophie. Ses prises de position, maintes fois mal-comprises, l’ont conduit à des efforts pour défendre l’empirisme de ses démarches et les fondements de la pensée scientifique, en employant une critique à certains partis pris, tenus pour indémontrables, de la science moderne. Cette trajectoire présente cependant des difficultés. En utilisant la notion de naturalisme, ce travail cherche une voie d’analyse de cette complexité. En effet, on peut discerner deux notions parallèles de naturalisme chez Jung : un naturalisme méthodologique qui l’approche de la pensée scientifique de son époque ; et un naturalisme ontologique, héritier du Romantisme et de la Naturphilosophie, qui implique des considérations théoriques que l’ont tenues un peu à l’écart des ses contemporains. Coordonner ces deux notions a été un problème pour Jung et il s’agit d’un défi pour la compréhension de sa pensée.

Mots-clés:
C. G. Jung; histoire de la psychologie; naturalisme; philosophie; science

Resumen

La complejidad y el diálogo entre ciencia y filosofía es una importante característica de la obra junguiana. Sus posiciones teóricas, muchas veces mal entendidas, han llevado a esfuerzos para defender el empirismo de sus acciones y las raíces del pensamiento científico, a través de una critica de ciertos presupuestos, considerados indemostrables, de la ciencia moderna. Sin embargo, este camino presenta dificultades. Bajo el concepto de naturalismo, este trabajo busca una forma de análisis de esta complejidad. De hecho, uno puede discernir dos nociones paralelas de naturalismo en la teoría junguiana: un naturalismo metodológico que lo acerca del pensamiento científico de su tiempo; y un naturalismo ontológico, heredero del romanticismo y de la Naturphilosophie, que implica consideraciones teóricas que lo han mantenido un poco al margen de sus contemporáneos. Conjugar estas dos nociones ha sido un problema para Jung y es un desafío a la comprensión de su pensamiento.

Palabras clave:
C. G. Jung; historia de la psicología; naturalismo; filosofía; ciencia

Abstract

Carl Gustav Jung’s thinking is characterized by complexity and a continuous dialogue between science and philosophy. His theoretical positions, frequently misunderstood, led him to constant efforts in defence of the empiricism and foundations of modern scientific thought, often through criticism towards what he considered as indemonstrable presupposes. This trajectory shows, nonetheless, a series of difficulties. Through the notion of Naturalism, this study aims to indicate an approach to understand the complexity of Jung’s thought. Indeed, two different but complementary versions of Naturalism can be distinguished in Jung: a methodological Naturalism that keeps him close to the scientific thought of his day, and an ontological Naturalism, which is aligned with Romanticism and the Naturphilosophie, implying theoretical considerations which distance him from his contemporaries. To harmonize these two types of Naturalism was a problem for Jung, and it is a challenge to understand his thinking.

Keywords:
C. G. Jung; history of psychology; naturalism; philosophy; science

Introdução

E mesmo que a psique fosse apenas um produto da vontade, Ainda assim ela não estaria fora dos limites da natureza.

Jung (1942/1983Jung, C. G. (1983). Paracelsus as a spiritual phenomenon. In Collected Works (Vol. 13, pp. 109-189). Princeton, NJ: Princeton University Press . (Trabalho original publicado em 1942)., p. 159)

Carl Gustav Jung não era filósofo no sentido acadêmico do termo, e inúmeras vezes ao longo de sua vida produtiva reafirmou, em cartas e textos, que sua perspectiva era a de um fenomenólogo, que seu trabalho era estritamente empírico e se inscrevia no campo da ciência. Como veremos neste ensaio, sua relação com a ciência não era menos conflituosa que seu relacionamento com a filosofia.

Mas Jung também não pode ser pensado apenas como um médico ou psicólogo. Sua obra é propriamente a construção de um pensamento, a elaboração minuciosa e detalhada de uma reflexão sistemática sobre a vida, e a vida humana em especial. Seu estudo sobre a Weltanschauung (1927/1981Jung, C. G. (1981). Analytical psychology and Weltanschauung. In Collected Works (Vol. 8, pp. 358-381). Princeton, NJ: Princeton University Press . (Trabalho original publicado em 1927).) mostra de forma bastante clara como seu posicionamento pode ser classificado de filosófico. Jung foi também, pois, um filósofo, talvez contra ele mesmo.

Podemos de antemão afirmar que sua paixão pela filosofia era inquestionável e persistente, o que o levou a estudar de maneira aprofundada autores como Kant, Schopenhauer e Nietzsche. Somam-se a isso uma marcada erudição e o interesse por saberes pouco ortodoxos, tais como a alquimia e o pensamento oriental, que à época começavam a ganhar as graças dos intelectuais e artistas europeus.

O trabalho do psiquiatra suíço se localiza numa encruzilhada onde é possível visualizar uma mudança de perspectiva. Jung está imerso num ponto de tensão entre o naturalismo próprio ao romantismo alemão e o naturalismo metodológico que forneceu a base das ciências naturais. Do mesmo modo, podemos entender que o pensamento junguiano se situa na virada da física newtoniana para a teoria de campo e da relatividade: de um mundo tridimensional para um outro, quadridimensional. Isso marca profundamente seu percurso teórico, nas entrelinhas, e faz com que seu pensamento seja caracterizado pela complexidade.

Não podemos abrir mão, nesse sentido, da perspectiva de confronto que Jung estabelece em toda sua obra - desde o confronto com o inconsciente, que é marca de seu método terapêutico, até um confronto mais amplo, dirigido aos próprios cânones do pensamento de sua época, notadamente o conhecimento científico.

Dois modelos de naturalismo: ontologia e método em diálogo

O argumento que iremos desenvolver neste ensaio propõe-se a mostrar que na teoria junguiana convivem duas formas distintas de naturalismo. Por um lado, para pensar os fundamentos da psique, Jung está situado num desdobramento do romantismo alemão, cuja genealogia remonta sem dúvida a Goethe, mas também a Schopenhauer e notadamente a Carl Gustav Carus e a Eduard von Hartmann - ainda que Jung atribua a Nietzsche a paternidade mais direta de uma noção médico-psicológica de inconsciente (Jung, 1934/1981Jung, C. G. (1981). A review of the complex theory. In Collected Works (Vol. 8, pp. 92-104). Princeton, NJ: Princeton University Press . (Trabalho original publicado em 1934).).

Ainda que vários filósofos, dentre os quais Leibniz, Kant e Schelling, já tenham apontado muito claramente para o problema do lado obscuro da psique, foi um médico que se sentiu mobilizado, a partir mesmo de sua experiência científica e médica, a apontar para o inconsciente como sendo a base fundamental da psique. Trata-se de C. G. Carus, autoridade a quem Eduard von Hartmann seguiu1 1 As traduções dos textos em inglês e francês são livres. . (Jung, 1940/1990Jung, C. G. (1990). The psychology of the child archetype. InCollected Works , Vol. 9, pp. 151-181). Princeton, NJ: Princeton University Press . (Trabalho original publicado em 1940)., p. 152)

Essa discussão acerca dos fundamentos da psique e de seu lado obscuro é o ponto de partida para pensar, por exemplo, o paralelo entre a vida onírica e a psicopatologia, tema que foi característico da psicologia profunda e cujas raízes, uma vez mais, remontam a autores do romantismo. Com efeito, Albert Béguin (1991Béguin, A. (1991). L’âme romantique et le rêve. Essai sur le romantisme allemand et la poésie française. Paris: José Corti.) afirma que um autor como Lichtenberg reconheceu não somente o valor autodiagnóstico dos sonhos, mas também que estes remetiam diretamente ao centro de nossa pessoalidade. Sonu Shamdasani (2003/2005)Shamdasani, S. (2005). Jung e a construção da psicologia moderna: o sonho de uma ciência (M. S. M. Netto, trad.). Aparecida, SP: Ideias e Letras. (Trabalho original publicado em 2003)., por sua vez, mostra em detalhes como a atmosfera romântica influenciou o pensamento médico que posteriormente serviu de base para a construção da psicologia profunda.

Noutros momentos de sua obra, Jung cita Carus e Von Hartmann no intuito de mostrar que ambos contribuíram com uma ideia filosófica de inconsciente, a partir da qual a psicologia empírica desenvolveu seu próprio conceito, sem que o primeiro tenha sido de todo abandonado - ao menos em Jung, justamente por remeter às noções de fundo que sustentam sua compreensão de psique.

Por outro lado, por se tratar de uma psicologia empírica, Jung não se poderia privar de construir um método preciso de abordagem do fato psíquico. É nesse ponto que o naturalismo de viés romântico dá lugar ao naturalismo metodológico, cujas bases eram, para ele, as mesmas de qualquer outra pesquisa científica. Em carta de 1933, endereçada a Christian Jensen, Jung (1999)Jung, C. G. (1999). Cartas 1906-1945. (2a ed.). Petrópolis, RJ: Vozes . afirma: “Sou essencialmente um empírico” (p. 137). Quase trinta anos depois, em carta a Gerhard Krüger, datada de 17 de fevereiro de 1961, Jung (2003)Jung, C. G. (2003). Cartas 1956-1961. Petrópolis, RJ: Vozes . continua defendendo que sua obra é empírica: “Não tenho concepção básica geral, pois sou um empírico como todos que se dão ao trabalho de estudar minhas obras podem ver” (p. 320).

Todavia, apesar da coerência interna e do rigor com que Jung manteve o ponto de vista empírico ao longo de sua pesquisa, foi difícil convencer seu público de que ele se mantinha estritamente no plano fenomenológico. Isso é sem dúvida uma consequência da leitura pouco criteriosa de sua obra, como ele mesmo salienta, mas também do fato de encontrarmos nos escritos de Jung posições distintas em relação ao naturalismo, como sugere nossa hipótese de trabalho neste ensaio.

Ainda em sua correspondência, em carta a Robert Smith, de 29 de junho de 1960, o psiquiatra suíço afirma: “Todas as minhas ideias são nomes, modelos e hipóteses para um melhor entendimento dos fatos observáveis” (Jung, 2003Jung, C. G. (2003). Cartas 1956-1961. Petrópolis, RJ: Vozes ., p. 270). Um dos temas que sempre gerou confusão em relação à obra de Jung foi seu interesse pela religião. Além de ser considerado como filósofo (no melhor dos casos), ele também foi taxado de místico e teólogo por conta de suas incursões na teologia, na alquimia e no pensamento oriental. Ocorre, no entanto, que nestes temas - como noutros tantos que dizem respeito à operacionalização de seu pensamento - Jung mantém uma coerência rigorosa: seu interesse sempre esteve focado na religião como fenômeno. Da mesma forma, mitos, símbolos, imagens alquímicas, alegorias orientais, todas essas manifestações eram vistas por Jung como expressões do fato psíquico. Essa compreensão sustentou tanto suas pesquisas quanto sua prática clínica, e não é exagero dizer que na obra de Jung a religião está longe de ser um empecilho à abordagem empírica. A religião é uma questão de pesquisa, mas de modo algum o afasta de seu rigor de cientista. Isso, no entanto, não esgota o problema, como veremos adiante.

Formulações importantes da teoria junguiana, tais como as imagens arquetípicas ou o conceito tardio de sincronicidade, reclamam uma base empírica que é demonstrável em sua obra. Assim como os experimentos de associação de palavras deram ensejo à ideia de complexos afetivos autônomos, as pesquisas históricas e de antropologia comparada forneceram os subsídios para Jung construir hipóteses que pouco a pouco foram constituindo o escopo de sua teoria. Jung parte da noção de dissociação da personalidade - tema que foi objeto de sua tese doutoral - para chegar à ideia de complexos afetivos e, na sequência, às imagens arquetípicas. Dos protocolos experimentais com associação de palavras, o autor foi se associando à pesquisa histórica e antropológica, o que ampliou o horizonte de suas reflexões e também o alcance de suas hipóteses.

É certo que gradativamente Jung se afasta da necessidade de sustentar suas afirmações no modelo experimental, o que o leva a criticar os rumos que o empirismo tomou na psicologia dita científica. Não obstante, suas pesquisas seguem um modelo empírico, e noções como as de funções da consciência ou mesmo a de sincronicidade partem não só de reflexões teóricas como também do campo clínico, território primordial de sua investigação psicológica, no qual ele afirma sustentar suas descobertas.

De fato, na obra de Jung são citados 236 casos clínicos, e muito embora ele insista em defender que toda teoria, em última instância, é uma confissão subjetiva, não deixa de se apoiar na observação para dar esteio a suas afirmações (Cohen, 2015Cohen, B. (2015). Dr. Jung and his patients. Jung Journal, 9(2), 34-49. doi: 10.1080/19342039.2015.1021231
https://doi.org/10.1080/19342039.2015.10...
)2 2 Betsy Cohen (2015) levanta um aspecto crítico em relação aos exemplos clínicos de Jung ao afirmar que o autor não publicou nenhum caso extenso, usando apenas excertos de tratamentos que arriscam “ilustrar antes sua teoria do que demonstrar o processo desenvolvido entre Jung e seu paciente” (p. 36). . Assim, ao introduzir o conceito de sincronicidade, o autor lança mão de vários estudos científicos sobre temas correlatos e também observações clínicas. “O termo ‘sincronicidade’ é sobretudo uma proposta de denominação e ao mesmo tempo a evidência de um fato empírico, isto é, da coincidência significativa. Isto é para o empírico um modelo provisório” (Jung, 2003Jung, C. G. (2003). Cartas 1956-1961. Petrópolis, RJ: Vozes ., p. 152).

A coexistência de dois modelos distintos de naturalismo na obra de Jung pode ser pensada como uma das fontes da complexidade de seu pensamento, e também uma das razões pelas quais seus trabalhos são em geral mal lidos, ou simplesmente desconsiderados. Mas mesmo ao longo de sua obra essa coexistência não é desprovida de conflito, o que não passa despercebido ao autor. Shamdasani (2003/2005)Shamdasani, S. (2005). Jung e a construção da psicologia moderna: o sonho de uma ciência (M. S. M. Netto, trad.). Aparecida, SP: Ideias e Letras. (Trabalho original publicado em 2003). afirma que há dois eixos bastante claros na forma como Jung pensa e apresenta sua obra. No primeiro, teorias específicas são estabelecidas, aprimoradas, e passam pelo crivo da demonstração. Já o segundo eixo de seu pensamento “consiste num contínuo questionamento a respeito das condições de possibilidade da psicologia” (p. 16). Um pensamento que vai se construindo em ciclos, num processo de sínteses sucessivas que lembra o movimento do pensamento oriental.

Veremos a seguir como a complexidade da teoria junguiana se deixa notar. Veremos também que os dois eixos mencionados por Shamdasani são outro modo de pensar os dois modelos de naturalismo presentes na obra junguiana, e os desdobramentos de um e outro na teoria.

O naturalismo posto à prova: sobre os limites entre objetividade e subjetividade

Tanto quanto Freud e outros expoentes de seu tempo, como Wilhelm Wundt e William James, Jung entendia a psicologia como um ramo das ciências naturais, e estava ocupado com uma psicologia comparada que fazia alusões constantes aos nexos entre funcionamento orgânico e funcionamento psíquico. Embora Darwin praticamente não seja citado em sua obra, Jung foi diretamente inspirado pelo modelo naturalista de compreensão, sobretudo por seu método: a história como método de pesquisa, fazendo o elo entre as ciências naturais e biológicas. Suas recorrentes incursões pela antropologia e arqueologia mostram o quanto estas áreas de estudo eram para ele fundamentais na compreensão da psicologia.

A questão da objetividade nos procedimentos de pesquisa estava posta desde o início de seus trabalhos na clínica psiquiátrica de Burghölzli, como atestam seus famosos experimentos de associação de palavras, através dos quais Jung ganhou notoriedade ainda antes de se lançar na tarefa de construir um modelo de estrutura e funcionamento psíquicos. Como lembra Deirdre Bair (2007Bair, D. (2007). Jung: une biographie. Paris: Flammarion.), os experimentos de associação de palavras são considerados por alguns “tradicionalistas” como “sua mais importante contribuição à psicanálise, uma vez que repousam sobre procedimento científico rigoroso” (p. 135).

Por certo esta opinião “tradicionalista” é bastante apressada e não leva em consideração alguns questionamentos do próprio Jung acerca do método científico e seus pressupostos ontológicos. De toda sorte, o laboratório de psicopatologia experimental organizado por Jung nos anos 1904/1905 foi local de desenvolvimento de uma técnica apurada que visava apreender o que o autor denominava complexos afetivos, seu principal tema de estudo à época (Jung, 1961/1993Jung, C. G. (1993). Memórias, sonhos, reflexões. São Paulo, SP: Círculo do Livro. (Trabalho original publicado em 1961).; Bair, 2007Bair, D. (2007). Jung: une biographie. Paris: Flammarion.). A eficácia deste método - para o qual Jung recomendava um olhar crítico - levou-o inclusive a prestar serviços como perito nos tribunais do cantão de Zurique (Bair, 2007Bair, D. (2007). Jung: une biographie. Paris: Flammarion.).

Através da ideia de complexos afetivos, Jung buscava elementos objetivos no fato psíquico, e é no curso destas pesquisas que o autor encontra os trabalhos de Freud, que servirão de aporte teórico para a compreensão do que ele já vinha percebendo no funcionamento do psiquismo de pacientes na clínica psiquiátrica onde atuava sob direção de Eugen Bleuler. Como mostra a história da psicanálise, é a partir dos estudos de Jung que Freud incluirá o termo “complexo” em sua teoria.

Os textos iniciais da carreira de Jung como psiquiatra mostram não somente seu domínio da área de conhecimento, como também certo descolamento, ou no mínimo certa desconfiança em relação aos cânones da psiquiatria. Ao discutir a criptomnésia, por exemplo, Jung (1905/1993)Jung, C. G. (1993). Criptomnésia. Petrópolis, RJ: Vozes . (Trabalho original publicado em 1905). afirma que “o reaparecimento de impressões muito antigas e esquecidas de longa data é compreensível sob o aspecto da fisiologia do cérebro” (p. 109), uma vez que as impressões, por mais sutis que sejam, deixam traços na memória, mesmo quando se tratam de percepções inconscientes (Jung, 1902/1993Jung, C. G. (1993). Sobre a psicologia e patologia dos fenômenos chamados ocultos. Petrópolis, RJ: Vozes. (Trabalho original publicado em 1902).). Todavia, para que essas reproduções ocorram “é preciso haver sempre um estado de espírito anormal” (Jung, 1905/1993Jung, C. G. (1993). Criptomnésia. Petrópolis, RJ: Vozes . (Trabalho original publicado em 1905)., p. 110).

Analisando um caso de criptomnésia em Nietzsche, quando da composição do Zaratustra, bem como outros casos reportados na literatura psiquiátrica, Jung (1905/1993)Jung, C. G. (1993). Criptomnésia. Petrópolis, RJ: Vozes . (Trabalho original publicado em 1905). insiste no fato de que, para além do fisiológico, há que se considerar o aspecto propriamente psíquico deste fenômeno. “Sintomas de uma lesão nas circunvoluções de Broca e em áreas vizinhas do cérebro em nada se parecem com a criptomnésia” (p. 111). Este tipo de posicionamento fará que Jung se distancie do linguajar nosológico da psiquiatria e também coloque em dúvida a própria definição da psicologia como ciência experimental, questionando com isso a excessiva ênfase no materialismo científico, bem como a insistência dos primeiros psicólogos em se adequarem aos protocolos das ciências naturais. E tudo isso sem abrir mão de fundamentar seu método no naturalismo científico do século XIX, ao mesmo tempo que se distancia deste por afirmar o caráter autônomo dos processos psíquicos.

Se por um lado afirma não haver espaço, em ciência, para confissões subjetivas (Jung & White, 2007Jung, C. G., & White, V. (2007). The Jung: white letters. New York: Routledge.), por outro assume o fato de que toda produção intelectual passa necessariamente pelo filtro da subjetividade. Por mais que construamos protocolos que visem minimizar a influência subjetiva, até mesmo a criação de tais procedimentos é já resultado de um trabalho que sintetiza elementos pessoais e culturais, certa prática de pesquisa e determinadas crenças sobre a realidade. Daí a desconfiança permanente de Jung com o materialismo, uma vez que este posicionamento representa, em sua opinião, uma opção ontológica que, a despeito de fundamentar toda a pesquisa científica é, em si mesma, indemonstrável.

O materialismo racionalista, atitude aparentemente acima de qualquer suspeita, é na verdade um movimento de oposição ao misticismo - este é o antagonista secreto a ser combatido. Materialismo e misticismo são um par de opostos psicológicos, assim como teísmo e ateísmo. (Jung, 1927/1981Jung, C. G. (1981). Analytical psychology and Weltanschauung. In Collected Works (Vol. 8, pp. 358-381). Princeton, NJ: Princeton University Press . (Trabalho original publicado em 1927)., p. 370)

Embora Jung não descarte o misticismo como um objeto de estudo, colocar o materialismo num paralelo direto serve para reforçar o fato de que, por detrás desse posicionamento epistemológico, há também um processo de mistificação. Noutros termos, esse dispositivo de leitura e interpretação da realidade, que nos é transmitido como o ápice da objetividade, em si mesmo é apenas uma forma de apreensão, apenas um modelo interpretativo que, ao ganhar o estatuto de verdade última sobre a natureza das coisas, passa a ser não mais um suporte para hipóteses de trabalho, mas sim uma espécie de leito de Procusto.

Para além disso, a crítica ao materialismo não o impede de seguir se posicionando como pesquisador fundamentado no empirismo e no naturalismo. Ao debater o conceito de inconsciente coletivo, Jung (1936/1990)Jung, C. G. (1990). The concept of collective unconscious. In Collected Works (Vol. 9, pp. 42-53). Princeton, NJ: Princeton University Press . (Trabalho original publicado em 1936). afirma que

Embora a acusação de misticismo tenha sido frequentemente dirigida a este meu conceito, devo enfatizar uma vez mais que o conceito de inconsciente coletivo não é um problema especulativo ou filosófico, mas sim empírico. A questão é simplesmente esta: existem ou não existem formas inconscientes, universais, deste tipo? (p. 44)

Jung está discutindo em que medida o conceito de inconsciente coletivo e o de arquétipo - as ditas formas universais correlatas no psiquismo ao que os instintos seriam para o funcionamento orgânico3 3 Cabe notar que a definição de Jung para o termo instinto é bastante ampla e se aproxima em grande medida do que Eduard von Hartmann afirma em seu Filosofia do inconsciente. Com efeito, Von Hartmann (1869/2006) associa o instinto a um “saber inconsciente” [unbewusste Erkenntniss], e a partir deste associa instinto e intuição (p. 147). Esse elo entre instinto, inconsciente e intuição não é estranho a Jung e é mesmo constituinte de suas reflexões a respeito da psique. Isso mostra o quanto Von Hartmann estava presente no pensamento de Jung e também o quanto a noção de instinto é tomada de forma a incluir a dimensão psíquica, o que a distancia de um simples automatismo pré-programado. Também é interessante assinalar que Jung fazia um uso bastante indiscriminado dos termos Instinkt e Trieb, os quais têm provocado inúmeras celeumas no que concerne à tradução e ao uso conceitual. - têm valor empírico. Para tanto, ele faz questão de diferenciar os motivos arquetípicos e os frutos da criptomnésia, ou seja, busca distinguir o que é da ordem das aquisições pessoais, mesmo que esquecidas por longo tempo, daquilo que seria resultado de uma atualização de aquisições da cultura. Essa distinção o leva à necessidade de demonstrar de que forma a diferença entre complexos pessoais e arquétipos impessoais se faria notar. Não é sem dificuldade que ele o faz, trazendo exemplos históricos, insistindo na cautela necessária ao uso desses métodos, e sobretudo enfatizando que o simples ato de nomear figuras como arquetípicas está longe de ser o que ele propõe. Jung está buscando paralelos no horizonte do significado funcional das imagens, e por isso longas e cansativas pesquisas são necessárias.

É importante salientar, neste ponto, a segurança com que Jung se desassocia da especulação filosófica, do misticismo e, junto com este, da premissa materialista das ciências modernas. Querer diferenciar-se do misticismo e ao mesmo tempo associá-lo ao materialismo indica o quanto Jung tentava se sustentar numa posição complexa que não abre mão da objetividade. Isso implica afirmar que um conhecimento seguro sobre a psique é possível, mas ao mesmo tempo recusa os avatares da objetividade científica: materialismo, racionalismo, causalidade, experimentação.

De um lado, a afirmação de um fundamento material inalienável da psique; de outro, a declaração de sua autonomia e singularidade. Se não há espaço para confissões subjetivas em ciência - outra forma de dizer que a pesquisa psicológica pode em alguma medida tocar a natureza da psique -, em contrapartida insiste-se no fato de que todo conhecimento é, em última instância, subjetivo.

Esses contrapontos não podem simplesmente ser qualificados como contradições. Como indicamos anteriormente, estão aí algumas das dificuldades com as quais Jung se deparou e também as linhas de fuga que indicam a atuação preponderante da psique na construção do conhecimento. Esses paradoxos expressam, a um só tempo, as peculiaridades do trabalho psíquico do próprio autor na construção de sua obra e o fato - salientado tantas vezes por Jung - de que a psique, considerada em sua totalidade, implica uma compreensão que foge aos cânones do entendimento racionalista, embora não se abstenha da razão. Em grande medida, estas dificuldades antecipam problemas que se tornaram relevantes no campo científico ao longo do século XX, como as condições de possibilidade de interrogar a realidade, o relativismo dos métodos, a ideia mesma de paradigmas como sustentação das verdades científicas, a inclusão do observador na construção do conhecimento. Mas Jung aborda isso que ele mesmo chama de antinomias sem necessariamente se prender a nenhum desses problemas, uma vez que ele está também assentado numa espécie de segurança ontológica e epistemológica que o conduz por entre as dificuldades percebidas ao longo da construção de seu pensamento. Talvez aqui possamos entender melhor a razão pela qual a intuição tem lugar tão importante em suas reflexões.

O inconsciente como vetor de relativização do materialismo

Questionar o materialismo é para Jung uma operação fundamental, na medida em que para ele esta visão de mundo limitava a apreensão do fato psíquico. Discussão bastante em voga na sua época, a limitação do fenômeno psíquico à consciência e à fisiologia foi uma das mistificações às quais ele e outros psicólogos de seu tempo se contrapuseram. Diferentemente de Freud, essa oposição aos reducionismos na leitura do fato psíquico só seria possível, para Jung, se a base ontológica subjacente a essas mistificações fosse também questionada. É com essa motivação que ele se lança na relativização do ponto de vista materialista.

Para além do neoplatonismo que poderíamos atribuir à sua leitura da psique, o qual insinua um sutil dualismo4 4 “Pode-se afirmar, justificadamente, que o conceito de que a estrutura derradeira da realidade não se encontra em estratos observáveis do universo, mas a um nível não-material que apenas nossas mentes (ou nossos sentimentos) podem testemunhar, forma o tema da conexão entre a teoria de Jung e sua origem na crença de Platão em causas transcendentes” (Nagy, 2003, p. 184). A autora citada não faz, todavia, alusão ao fato de que Jung (1921/1990), retomando a discussão escolástica, criticava o universalia ante rem platônico (o universal anterior à coisa, ao particular) para afirmar a posição aristotélica do universalia in re (a forma e a matéria como coexistentes). Jung retorna a Platão em vários momentos de sua obra, notadamente para discutir a questão do arquétipo, mas cabe notar que isso não significa uma adesão simples ao pensamento platônico. Uma crítica ao platonismo também pode ser encontrada em Jung (1945/1983). , Jung está imerso num problema compartilhado com Carus e Von Hartmann, e que pertence ao universo de inquietações do naturalismo romântico: o problema das fronteiras da consciência e das origens do inconsciente, bem como a dificuldade de delimitá-las, donde a insistência na importância dos sonhos, que seriam a expressão direta dos estratos inapreensíveis da vida humana (Béguin, 1991Béguin, A. (1991). L’âme romantique et le rêve. Essai sur le romantisme allemand et la poésie française. Paris: José Corti.). Quanto a Jung, essa problemática de fronteiras leva-o também a pensar nos limites entre singular e coletivo, somático e psíquico.

“A realidade psíquica primária e fundamental é tão incalculavelmente complexa que ela só pode ser apreendida no ponto mais profundo da intuição, e ainda assim muito vagamente. É por isso que ela carece de símbolos” (Jung, 1934/1985Jung, C. G. (1985). The practical use of dream-analysis. In Collected Works (Vol. 16, pp. 139-161). Princeton, NJ: Princeton University Press . (Trabalho original publicado em 1934)., p. 159). Essa afirmação, marcadamente em sintonia com o pensamento romântico, indica também o elemento central que Jung utilizará em toda sua pesquisa histórica e clínica: o símbolo. Para Jung, o símbolo compõe um perímetro, uma espécie de adensamento que faz elo entre natureza e cultura, entre ontogenético e filogenético. Assim como a psique e o inconsciente, o símbolo é visto como um elemento natural, cuja origem não é tributada ao indivíduo. Com tal compreensão é que Jung se lança no estudo dos mitos, na história comparada, nas imagens simbólicas da alquimia. O símbolo adquire, pois, o estatuto de um objeto que nos informa sobre esse território de opacidade que é o inconsciente.

Outro elemento que entra em cena aqui e que também terá lugar de relevo no pensamento junguiano é a intuição. Uma vez que, por definição, o inconsciente está fora do alcance da consciência, e tendo em vista o fato de que alguns processos psíquicos não podem ser reduzidos às operações conscientes ainda que produzam efeitos na consciência, a intuição ganha estatuto de instrumento metodológico. É por ela, em última instância, que a pesquisa do inconsciente se orienta, tanto nos rumos quanto na própria construção de hipóteses e modelos explicativos.

Num longo estudo sobre a teoria da psicanálise, quando ainda integrava suas fileiras, Jung (1913/1989)Jung, C. G. (1989). The theory of psychoanalysis. In Collected Works (Vol. 4, pp. 83-226). Princeton, NJ: Princeton University Press . (Trabalho original publicado em 1913). escreveu:

Nós não pretendemos conhecer ou afirmar nada de positivo sobre o estatuto dos elementos psíquicos no inconsciente. Ao invés disso, nós formulamos conceitos simbólicos análogos a nossas formulações de conceitos para a consciência, e esta terminologia provou seu valor na prática. (p. 140)

Esse corte radical entre consciente e inconsciente é estruturante da psicologia profunda, e tanto Freud quanto Jung operarão no sentido de compreender como se dão as traduções de uma para outra esfera. Eles o farão, todavia, de formas bastante distintas. Ainda nesse mesmo texto, Jung já mostra indícios dos rumos de seu pensamento, notadamente no que toca ao estatuto do símbolo, do elo que este promove entre natureza e cultura, bem como ao lugar preponderante da intuição.

Comentando um caso de neurose infantil analisado por sua assistente Mary Moltzer, Jung (1913/1989)Jung, C. G. (1989). The theory of psychoanalysis. In Collected Works (Vol. 4, pp. 83-226). Princeton, NJ: Princeton University Press . (Trabalho original publicado em 1913). afirma, a respeito de um sonho da criança em análise: “Pouco importa que o simbolismo [do sonho] não seja claro para a consciência da criança, pois o efeito emocional dos símbolos não depende de compreensão consciente” (p. 215). Há, pois, uma qualidade operatória na própria produção do símbolo, a qual não depende da vontade consciente, e tampouco pode ser dita arbitrária. Jung (1913/1989)Jung, C. G. (1989). The theory of psychoanalysis. In Collected Works (Vol. 4, pp. 83-226). Princeton, NJ: Princeton University Press . (Trabalho original publicado em 1913). continua: “Trata-se antes de uma questão de saber intuitivo5 5 “. . . ein Wissen von Ahnungswegen. . .” (Jung 1913/1955, p. 179). A versão inglesa do texto em questão traduz Ahnung por intuição, e Jung mesmo usa tanto este termo quanto Intuition em vários momentos. Ainda que essas palavras estejam num mesmo grupo semântico, um estudo mais aprofundado de seus usos específicos parece-nos importante para melhor apreender a extensão do conceito de intuição na obra junguiana, bem como sua relação com a noção de instinto. , a fonte da qual deriva a eficácia de todos os símbolos religiosos. Aqui nenhum entendimento consciente é necessário; os símbolos influenciam a psique do devoto através da intuição” (p. 215).

Há uma dimensão de saber inconsciente aqui pressuposta, que revela novamente uma das formas de naturalismo presentes na teoria junguiana. Se os símbolos podem agir à revelia da consciência é por que neles há um potencial de afeto inerente, que age independente da volição, pelo simples ato de ter surgido na consciência. E se há um “saber intuitivo” é por que em certa medida somos capazes de uma apreensão da realidade que seria mais ampla do que nosso instrumental cotidiano permite supor. Isso nos conduz à discussão de Jung sobre a autonomia da psique, e nos afasta grandemente do pensamento freudiano.

Com efeito, Jung (1957/1978)Jung, C. G. (1978). The Undiscovered Self: present and future. In Collected Works (Vol. 10, pp. 245-305). Princeton, NJ: Princeton University Press . (Trabalho original publicado em 1957). salienta em diversos momentos que:

A estrutura e fisiologia do cérebro não proporcionam explicação para o processo psíquico. A psique tem uma natureza peculiar que não pode ser reduzida a nada além dela mesma. Assim como a fisiologia, a psique dispõe de um campo de experiência relativamente fechado ao qual se deve atribuir especial importância, pois ele inclui uma das duas condições indispensáveis para a existência, qual seja, o fenômeno da consciência. (p. 270)

O paralelo com a fisiologia não é gratuito. Assim como a materialidade do corpo é fundamental para qualquer existência, a consciência é necessária para que tenhamos noção do mundo e da própria existência. A consciência é uma precondição do ser, afirma Jung. Mas ocorre que o fenômeno psíquico não se resume à atividade consciente, e por essa razão, apesar de sustentar um modelo de analogia entre o fisiológico e o psíquico, Jung criticava o paralelismo psicofísico de Gustav Fechner. Essa analogia, em Jung, é mais estrutural; equivale a dizer que a psique tem no organismo seu solo. Equivale também a dizer que, não sendo possível apreender a psique diretamente, as hipóteses lançadas a seu respeito têm como ponto de partida o funcionamento daquilo que nos é apreensível: o corpo e a consciência.

No entanto, demarcar a diferença também lhe soa fundamental uma vez que o alcance do fato psíquico, tomado em sua totalidade, é muito mais amplo do que as estruturas de nossa fisiologia poderiam abarcar. A fisiologia do cérebro de cada ser humano é incapaz de explicar os mitos, símbolos, e tampouco as psicopatologias, como pensadas à época de Jung. Podemos até ilustrar fisiologicamente a produção dos sonhos, e também pensar em protocolos de pesquisa que mapeiem os efeitos cerebrais de um símbolo, mas isso ainda não nos daria respostas acerca da função do sonho, nem do valor afetivo dos mitos e símbolos. Por essa razão, Jung evita cuidadosamente a interrogação sobre a origem destes fenômenos, pois uma démarche dessa espécie nos conduziria necessariamente a especulações, porque provar empiricamente como surgiram os mitos, por exemplo, é impossível sem nos lançarmos a procedimentos indutivos eivados de ideologia.

A psicologia, para construir-se como ciência empírica, teve que se desfazer de alguns fantasmas que a rondavam, como a visão metafísica da psique ou a ideia de que esta seria tão somente o epifenômeno de um processo bioquímico no cérebro. Outro fantasma seria considerar a psique uma questão puramente pessoal. Vemos como a fundação mesma da psicologia enquanto ciência, na visão de Jung, já a coloca em oposição às bases do discurso científico ao afirmar um processo que, embora relacionado ao organismo, não poderia ser reduzido a este.

A estreita relação existente entre psique e cérebro não prova de forma alguma que a psique seja apenas um epifenômeno, uma aparição secundária que se encontra em um elo de dependência causal em relação aos processos bioquímicos que ocorrem no substrato orgânico. Entretanto, sabemos muito bem o quanto a função psíquica pode ser perturbada por processos que atingem o cérebro. Este fato é tão impressionante que a natureza subsidiária da psique parece quase uma inferência inevitável. (Jung, 1957/1978Jung, C. G. (1978). The Undiscovered Self: present and future. In Collected Works (Vol. 10, pp. 245-305). Princeton, NJ: Princeton University Press . (Trabalho original publicado em 1957)., p. 270)

Por mais sutil, ou por mais “natural” que nos pareça, há na redução da psique ao cérebro uma indução, uma forma de lidar com nossa ignorância e incompletude, mas uma forma que denota também nossa dificuldade em integrar o fato psíquico em sua radicalidade. Jung afirma que a resistência à psicologia se deve não apenas aos fantasmas citados, mas também à percepção de que as descobertas na esfera do inconsciente podem abalar o conhecimento psiquiátrico até então produzido. Por isso a necessidade que a ciência tem de recusar o estudo de fronteiras menos nítidas da experiência humana, e com isso também a recusa de investigar o que ele chama de resíduos arcaicos da psique. A psiquiatria e mesmo a psicologia dita científica teriam medo do inconsciente e de seu caráter numinoso, de sua autonomia e de suas produções. Esse medo teria como consequência direta a negligência, ou mesmo o descaso em relação às produções do inconsciente.

Os efeitos dessa negligência são bastante objetivos, tanto no plano individual quanto coletivo. No que diz respeito à singularidade, as neuroses assim como as psicoses (e também os sonhos) são indícios dessa atividade inconsciente. Já no que tange à coletividade, guerras e outras convulsões sociais estão associadas à unilateralidade que despreza a complexidade do psiquismo humano e inibe parte de nossos impulsos em nome da moral, dos costumes, das modas intelectuais (Jung, 1947/1981Jung, C. G. (1981). On the nature of the psyche. In Collected Works (Vol. 8, pp. 159-234). Princeton, NJ: Princeton University Press . (Trabalho original publicado em 1947).).

Como afirma Erich Fromm, da mesma forma que existe folie à deux, existe também folie à millions (Fromm, 1965/2008Fromm, E. (2008). The sane society. London: Routledge. (Trabalho original publicado em 1956).). A hybris coletiva é uma das formas que essa unilateralidade pode assumir, por isso os efeitos objetivos da psique podem ser percebidos também na coletividade, no fato de determinada tendência mórbida ganhar corpo, voz e ações efetivas num dado momento, numa dada cultura (Valois, 1992Valois, R. C. G. (1992). Jung et les racines de la guerre. Laval philosophique et théologique,48(2), 263-277. doi: 10.7202/400693ar
https://doi.org/10.7202/400693ar...
). O próprio espírito do tempo, pondera Jung, pode provocar a agitação de forças e de representações emocionais que são facilmente conduzidas para o ódio e a retaliação (Jung, 1957/1978Jung, C. G. (1978). The Undiscovered Self: present and future. In Collected Works (Vol. 10, pp. 245-305). Princeton, NJ: Princeton University Press . (Trabalho original publicado em 1957).).

É interessante notar como a linguagem de Jung promove constantemente um movimento simultâneo de vínculo e descolamento em relação ao discurso científico de sua época: ele distingue claramente o domínio da psicologia e da fisiologia (Jung, 1928/2002Jung, C. G. (2002). A energia psíquica. Petrópolis, RJ: Vozes . (Trabalho original publicado em 1928).), sem jamais insinuar que um seria independente do outro. Pelo contrário, embora Jung não resolva o problema de certo dualismo monista presente em sua teoria, a distinção no modo de funcionamento das esferas física e psíquica é associada a uma unidade de fundo, donde o emprego do conceito de unus mundus, estabelecido por Fílon de Alexandria e utilizado pela alquimia.

Que a esfera psíquica, tão extraordinariamente diferente da esfera física, não possua suas raízes fora de um mesmo cosmos é evidenciado pelo inegável fato da conexão causal existente entre a psique e o corpo, fato este que aponta para sua subjacente natureza unitária. (Jung, 1954/1989Jung, C. G. (1989). Mysterium coniunctionis. In Collected Works (Vol. 14). Princeton, NJ: Princeton University Press . (Trabalho original publicado em 1954)., p. 538)

Não há dúvida de que Jung operava no campo da Naturwissenschaft, mas é notório que sua compreensão de Wissenschaft e de Natur foge aos cânones de seu tempo. Sua constante querela com os pressupostos ontológicos do saber científico mostram a complexidade de seu posicionamento, e sua relação com a ciência não poderia deixar de ser tumultuada.

Psique objetiva e psique subjetiva: o problema da universalidade em psicologia

No prefácio à segunda edição de Dialética do eu e do inconsciente, Jung (1933/2009)Jung, C. G. (2009). Dialectique du moi et de l’inconscient. Paris: Gallimard. (Trabalho original publicado em 1933). afirma, a respeito deste trabalho:

Não se trata, aqui, de um edifício intelectual especulativo ou imaginado peça à peça: pelo contrário, eu me esforcei para descrever e formular experiências vivas, vividas e complexas, que não tinham sido, até então, objeto de considerações científicas. (p. 19)

Nesta obra está em pauta duas esferas que se contrapõem e se complementam na psicologia profunda: a psique subjetiva e a psique objetiva (forma como Jung denomina o inconsciente em sua esfera impessoal). Esse é um problema que atravessa toda a obra junguiana e que não está desvinculado de uma questão de sua época: para pensar a psicologia como ciência é fundamental que esta seja capaz de formular juízos gerais, universalizantes. Ao mesmo tempo, enquanto ciência da subjetividade, a psicologia - tal qual pensada por Jung e tantos de seus predecessores e contemporâneos - precisava manter-se o mais próximo possível da experiência individual.

É decorrente dessa encruzilhada a crítica de Jung (1957/1978)Jung, C. G. (1978). The Undiscovered Self: present and future. In Collected Works (Vol. 10, pp. 245-305). Princeton, NJ: Princeton University Press . (Trabalho original publicado em 1957). à psicologia científica e sua opção pelo que ele denomina de psicologia médica. Como já salientamos, a psicologia de laboratório cedeu a inúmeros fantasmas de objetividade que a conduziram a promover reducionismos insustentáveis do ponto de vista da experiência psíquica que a prática clínica fornecia.

Mas a questão da objetividade permanece em pauta, numa espécie de dialética com a subjetividade. Se por um lado o inconsciente e as estruturas da psique arcaica são pensados como universais, toda a démarche junguiana está orientada no sentido de uma gradativa diferenciação dos aspectos coletivos da psique. Quanto mais inconsciente das determinantes de seu comportamento, mais a pessoa está susceptível aos efeitos deletérios do inconsciente e à influência das massas.

“Para o desenvolvimento da personalidade, uma rigorosa diferenciação em relação à psique coletiva é absolutamente necessária, pois uma diferenciação parcial ou mal-acabada conduz a uma dissolução imediata do individual no coletivo, no qual ele pode se perder” (Jung, 1933/2009Jung, C. G. (2009). Dialectique du moi et de l’inconscient. Paris: Gallimard. (Trabalho original publicado em 1933)., p. 72). Essa fusão com o coletivo pode trazer resultados grandemente desagradáveis, prossegue o autor. Ora, em termos estruturais, essa dialética do eu e do inconsciente é universal, mas a atualização desta dinâmica é da ordem da singularidade. Da mesma forma, as imagens arquetípicas são pensadas como dados empíricos que fornecem um substrato comum à experiência psíquica, mas tais imagens se atualizam diferentemente em cada cultura e, dentro de cada cultura, diferentemente em cada indivíduo.

Assim, a teoria junguiana trabalha numa espécie de complementaridade entre objetivo e subjetivo. Isso, todavia, não se dava sem dificuldades, pois Jung reconhece que a ciência moderna - assim como a religião - funda-se em grande medida na recusa do individual, acusando de subjetivismo toda tendência à individualização (Jung, 1945/1983Jung, C. G. (1983). The philosophical tree. In Collected Works (Vol. 13, pp. 251-349). Princeton, NJ: Princeton University Press . (Trabalho original publicado em 1945).; 1957/1978Jung, C. G. (1978). The Undiscovered Self: present and future. In Collected Works (Vol. 10, pp. 245-305). Princeton, NJ: Princeton University Press . (Trabalho original publicado em 1957).). Comentando o texto chinês traduzido por Richard Wilhelm, O segredo da flor de ouro, Jung (1929/1983)Jung, C. G. (1983). Comentary on “The secret of the golden flower”. In Collected Works (Vol. 13, pp. 1-56). Princeton, NJ: Princeton University Press . (Trabalho original publicado em 1929). afirma que por conta da misérable vanité des savants, um trabalho como este estaria privado de uma interpretação mais profunda, não fosse a qualidade e penetração na “misteriosa vitalidade da sabedoria chinesa” (p. 6) que Wilhelm propiciou. Jung se insurge contra o intelectualismo que estaria a serviço de uma interpretação unilateral, moldada pelo modo ocidental de ver o mundo, o qual estaria em fundamental desacordo com o modo chinês e, por conseguinte, levaria a uma leitura parcial, senão ideológica, do texto. Para além disso - e aqui a importância do percurso de Jung pela filosofia chinesa bem como pelos tratados de alquimia -, o saber transmitido pelo pensamento chinês inclui a psique como fundamento da apreensão do mundo.

Diferentemente do fantasma de objetividade da ciência moderna, no pensamento chinês, assim como na filosofia alquímica, a subjetividade é elemento crucial na compreensão geral dos fenômenos. O interessante para Jung é que esses modos de pensar vão ao encontro do que ele vinha construindo em seu trabalho clínico e teórico. O que está em pauta aqui é o processo de individuação, ou seja, o trabalho já mencionado de diferenciação. Isso não implica afastamento das próprias determinantes culturais, mas sim uma reapropriação num nível de maior integralidade. Jung faz notar que o texto chinês, na forma de alegorias, aponta para um processo semelhante ao que ele acompanhava no tratamento de seus pacientes. Uma vez mais coincidem aqui as esferas de universalidade, na medida em que uma experiência psíquica semelhante é representada de distintas maneiras em distintos contextos históricos, e de singularidade, haja vista que esse processo de diferenciação só pode ser levado a cabo pelo indivíduo, submetido a suas determinações específicas.

Ao discutir a filosofia hermética e o contraponto desta com a filosofia nominalista, Jung (1945/1983)Jung, C. G. (1983). The philosophical tree. In Collected Works (Vol. 13, pp. 251-349). Princeton, NJ: Princeton University Press . (Trabalho original publicado em 1945). mostra as consequências de uma e outra no que diz respeito à compreensão dos fundamentos do processo de apreensão da realidade empírica:

O empirista tenta, com mais ou menos sucesso, esquecer seus princípios explicativos arquetípicos, ou seja, as premissas psíquicas que são a condição sine qua non do processo cognitivo, ou tenta recalcá-las no interesse da “objetividade científica”. O filósofo hermético observa estas premissas psíquicas, os arquétipos, como componentes inalienáveis da imagem empírica do mundo. . . . O nominalista empírico, por outro lado, já possuía a atitude moderna em relação à psique, qual seja, que ela precisa ser eliminada como algo “subjetivo”, e que seus conteúdos são apenas ideias formuladas a posteriori, mera flatus vocis. Sua esperança era produzir uma figura do mundo inteiramente independente do observador. Esta esperança foi apenas parcialmente realizada, uma vez que as descobertas da física moderna mostram que o observador não pode, em última instância, ser eliminado. Isso significa que as premissas psíquicas permanecem operantes. (pp. 288-289)

O autor não está simplesmente criticando o empirismo. A crítica fundamental que ele tece neste ponto é à exclusão dos processos psíquicos como parte de nossa experiência do mundo e como elemento inerente e fundamental a todo processo empírico de construção do conhecimento.

O corte radical entre sujeito e objeto, com a consequente prevalência deste, mostra o quanto a ciência era presa de concepções ideológicas, ou mais propriamente, influenciada por princípios explicativos cujas raízes permanecem em grande medida inconscientes aos arautos da ideologia científica. Deste modo, “vemos como os porta-vozes da dita ‘objetividade científica’ defendem-se a si mesmos com explosões de afeto contra uma psicologia que demonstra a necessidade das premissas psíquicas” (Jung, 1945/1983Jung, C. G. (1983). The philosophical tree. In Collected Works (Vol. 13, pp. 251-349). Princeton, NJ: Princeton University Press . (Trabalho original publicado em 1945)., p. 289).

Não sem um rasgo de ironia, Jung mostra como a defesa apaixonada da objetividade é motivada por elementos subjetivos e por certa inércia intelectual que decorre de uma visão de mundo aceita sem maiores questionamentos. Noutros termos, a própria tentativa de eliminar a subjetividade faz com que esta venha imediatamente à tona. E isso não se aplica apenas negativamente: a física moderna, lembra Jung, vinha recolocando a questão da subjetividade no processo de conhecimento. É importante notar que nos derradeiros desenvolvimentos conceituais de sua obra, Jung esteve acompanhado de Wolfgang Pauli, prêmio Nobel de física em 1945. Assim como os pensamentos oriental e alquímico, a nova física era para Jung (2003)Jung, C. G. (2003). Cartas 1956-1961. Petrópolis, RJ: Vozes . uma outra maneira de traduzir o dinamismo psíquico:

Ouve-se hoje em dia algumas pessoas dizerem que algo é “simplesmente” psíquico, como se houvesse algo que não fosse psíquico . . . . A presença de objetos depende totalmente de nossa representação, e “representação” é um ato psíquico. Mas hoje em dia dizer “simplesmente psíquico” equivale a dizer que é “nada”. Além da psicologia, só a física moderna teve de reconhecer que nenhuma ciência pode progredir sem a psique. (p. 196)6 6 Carta ao pastor Tanner, de 12 de fevereiro de 1959. Noutra carta, de 10 de agosto de 1960, Jung (2003) afirma: “Há duas ciências em nossos dias que estão envolvidas diretamente com os problemas básicos: a física nuclear e a psicologia do inconsciente” (p. 277).

É impossível, pois, fugir da psique. E isso não significa um subjetivismo radical, tanto por haver uma dimensão objetiva da psique, quanto por não haver um corte radical entre singularidade e universalidade. É antes de tudo questão de diferenciações. E o paralelo com a física mostra de forma clara o quanto Jung considerava o problema da psique dentro de uma reflexão de Naturwissenschaft. A atitude científica era falha, segundo o psiquiatra suíço, justamente por não incluir a psique na descrição da totalidade da natureza.

Considerações finais

Mas de que natureza Jung está falando afinal de contas? Que espécie de naturalismo está em pauta, que não se resume apenas ao naturalismo metodológico e também se opõe aos pressupostos da ciência moderna?

Alguns pontos podem ser salientados a fim de compreendermos melhor sua posição: Jung reitera não estar falando de substâncias ao lançar mão de conceitos como inconsciente e arquétipo. Isso o conduziria à metafísica, e para ele a questão está mais no nível de princípios ordenadores. Isso também equivale a dizer que, na medida do possível, ele se abstém de inferências sobre a natureza última da psique. Ao mesmo tempo, através de paradoxos e de uma lógica dos limites, Jung nos conduz a ver que as afirmações sobre a estrutura e o funcionamento psíquico são precárias e não traduzem a totalidade dos fenômenos que se apresentam tanto na clínica quanto na cultura.

A insistência do materialismo em reduzir a psique a processos bioquímicos, assim como a posição espiritualista que afirma uma essência transcendente são formas equivalentes de metafísica. “Tanto materialismo quanto espiritualismo são preconceitos metafísicos. Está mais em acordo com a experiência supor que a matéria viva possui um aspecto psíquico, e que a psique possui um aspecto físico” (Jung, 1958/1978Jung, C. G. (1978). Flying saucers: a modern myth of things seen in the skies. In Collected Works (Vol. 10, pp. 307-433). Princeton, NJ: Princeton University Press . (Trabalho original publicado em 1958)., p. 411). Afirma-se, pois, uma natureza unitária. O que está implícito aqui é a existência de certo estrato dessa natureza em que matéria e psique são indiscerníveis.

Outro ponto relevante é que não há, no pensamento de Jung, um corte radical entre natureza e cultura. Trata-se antes de um continuum que se apresenta em diferentes modos de expressão, especializações de um mesmo processo, o que justifica pensar a psique como um “ser natural” que se estrutura necessariamente a partir da cultura e da vivência do indivíduo. Isso se mostra notadamente através de fenômenos psíquicos que vão dos sintomas aos sonhos, nos quais a interpenetração de estratos pessoais e impessoais do ser humano se mostraria com mais precisão:

A estratificação evolutiva da psique é mais claramente discernível no sonho do que na mente consciente. No sonho, a psique fala em imagens e permite através destas a expressão de instintos, os quais derivam dos níveis mais primitivos da natureza. Desta forma, através da integração dos conteúdos inconscientes, a transitória vida da consciência pode uma vez mais estar em harmonia com a lei da natureza, da qual a consciência facilmente pode ser arrancada. Assim o paciente pode ser reconduzido à lei natural de seu próprio ser. (Jung, 1934/1985Jung, C. G. (1985). The practical use of dream-analysis. In Collected Works (Vol. 16, pp. 139-161). Princeton, NJ: Princeton University Press . (Trabalho original publicado em 1934)., p. 160)

Podemos discernir aqui uma linguagem que tende a se adequar ao discurso naturalista de sua época, mas há algo além. Pensar em estratos evolutivos, em instintos, não era estranho ao pensamento científico de inícios do século XX. Mas por que deveríamos supor que a atualização de instintos nos conduziria à “harmonia” com as leis naturais? Por que isso teria efeito terapêutico?

Para assimilarmos melhor essas afirmações de Jung é preciso levar em consideração que sua compreensão de psique apontava para um movimento de síntese. No seu entendimento, os processos psíquicos são finalistas, não operam apenas em função de uma lógica cega de causas e efeitos que se concatenam, mas também a partir de valências que visam a um fim. Isso não implica voluntarismo, embora inclua intencionalidade, a qual, porém, é em grande medida inconsciente (donde a equivalência que Jung faz entre a psique objetiva e a teoria da vontade de Schopenhauer, bem como seu interesse pelo élan vital de Bergson7 7 Jung cita Schopenhauer em diversos momentos de sua obra (1911/1999, 1913/1989, 1933/1978), sempre para mostrar certas semelhanças entre a proposta do filósofo e a moderna noção de inconsciente, esta fruto da pesquisa empírica. Bergson começa a figurar nas obras de Jung desde 1907 e o acompanha ao longo de todo seu percurso teórico. ).

Além da ideia de que o inconsciente é um ser natural, afirmações como a de um saber inconsciente - que por sinal pode colocar a pessoa em risco e “tornar-se perigoso” (Jung, 1917/1977Jung, C. G. (1977). On the Psychology of the Unconscious. In Collected Works (Vol. 7, pp. 2-119). Princeton, NJ: Princeton University Press. (Trabalho original publicado em 1917)., p. 115) -, ou de que o “inconsciente antecipa fatos” (Jung, 1952/1981Jung, C. G. (1981). Synchronicity: an acausal connecting principle. In Collected Works (Vol. 8, pp. 417-531). Princeton, NJ: Princeton University Press . (Trabalho original publicado em 1952)., p. 493), colocam-nos num registro bastante distinto de um naturalismo metodológico. Há um sentido de “cura” no próprio funcionamento do inconsciente. E aqui a ideia de cura ganha contornos complexos, pois está relacionada a “restituir a pessoa à sua inteiridade” (Jung, 1938/2005Jung, C. G. (2005). L’analyse des rêves. Notes du Séminaire de 1928-1930. (Vol. 1). Paris, France: Albin Michel. (Trabalho original publicado em 1938)., p. 190), processo que implica o esforço de diferenciação mencionado anteriormente e que não está diretamente relacionado à ideia de supressão de sintomas, como um raciocínio causal poderia almejar. É um processo quase da ordem de uma exegese de si mesmo, sem dúvida um percurso que se assemelha ao “pilgrim’s progress” (Jung, 1999Jung, C. G. (1999). Cartas 1906-1945. (2a ed.). Petrópolis, RJ: Vozes ., p. 35).

“Uma atitude negativa em relação ao inconsciente, ou sua cisão, é prejudicial na medida em que as dinâmicas do inconsciente coincidem com a energia instintual. Desaliar-se do inconsciente é sinônimo de perda do instinto e das próprias raízes” (Jung, 1917/1977Jung, C. G. (1977). On the Psychology of the Unconscious. In Collected Works (Vol. 7, pp. 2-119). Princeton, NJ: Princeton University Press. (Trabalho original publicado em 1917)., pp. 115-116). Alguns anos mais tarde, Jung (1933/2009)Jung, C. G. (2009). Dialectique du moi et de l’inconscient. Paris: Gallimard. (Trabalho original publicado em 1933). segue argumentando de modo muito semelhante. Analisando um caso clínico, o psiquiatra suíço afirma: “Se ele pode enganar todo mundo a seu redor, ele não pode enganar a si mesmo, e sua alma rirá desta farsa . . . Somente exerce uma força de cura aquilo que somos verdadeiramente” (pp. 105-106).

Essas afirmações no limite do juízo moral não deixam de causar certa perplexidade, pois as proposições junguianas estão longe de se enquadrar num moralismo. Pelo contrário, Jung não deixa de assinalar o moralismo como uma forma de alienação e, em última análise, como identificação com a coletividade, o que vai de encontro à sua proposta de diferenciação. Mas há aqui, e noutros momentos também, uma espécie de preceito que talvez pudéssemos aproximar mais de uma ética das entranhas. Nessa perspectiva de naturalismo, instinto e arquétipo apresentam-se como estruturas complementares de organização de nossas formas de vida, ambos imersos num horizonte incerto, inapreensível e incognoscível em sua totalidade, mas que ainda assim possuem certos vetores e determinantes.

Se retomarmos a ideia de que o inconsciente coincide com a energia instintual e de que tendência é uma forma de apropriação de si mesmo (na medida em que o desvio dessa coincidência - que é praticamente uma condenação da vida cultural - corresponde a algum nível de alienação), veremos que isso combina perfeitamente com Von Hartmann (1869/2006)Von Hartmann, E. (2006). Philosophie de L’inconscient. (Vol. 1). Paris: Elibron Classics. (Trabalho original publicado em 1869).: “O pensamento inconsciente está sempre absolutamente assegurado de tomar o bom partido, ou mais propriamente, não se concebe, nele, a menor possibilidade de dúvida. O pensamento inconsciente captura quase infalivelmente o bom partido e no momento preciso” (p. 147).

Outros aspectos do pensamento de Von Hartmann foram também amplamente debatidos por Jung: a ideia de um saber inconsciente; o elo intrínseco entre inconsciente, afeto e representação; o misticismo como manifestação espontânea do inconsciente (que na linguagem junguiana talvez fosse mais apropriado pensar a partir da mitologia); notadamente o pressuposto de que o inconsciente possui uma finalidade, agindo no sentido da cura; e que se trata de uma manifestação fenomênica do Um-Todo, nos termos de Von Hartmann (1869/2006)Von Hartmann, E. (2006). Philosophie de L’inconscient. (Vol. 1). Paris: Elibron Classics. (Trabalho original publicado em 1869).. É notória a aproximação possível entre essa figuração do mundo como Um-Todo e a de Unus Mundus, utilizada por Jung para pensar os estratos mais longínquos, hipotéticos, do inconsciente.

Essa ideia de que a natureza age no sentido da cura tampouco é nova, e se olharmos para as fontes utilizadas diretamente por Jung, veremos que ela encontra esteio já em Paracelso, médico e alquimista do século XVI. Embora Paracelso (1527/1950)Paracelce, T. (1950). l’art de l’alchimie et autres écrits. Paris: Presses Littéraires de France. (Trabalho original publicado em 1527). também situasse sua prática médica no plano da experiência, podemos ler num de seus textos sobre alquimia algo que é da ordem do que subjaz ao trabalho do médico:

A natureza é tão sutil e hábil nestas coisas, que ela não pode ser nem apreendida nem compreendida sem grande esforço, pois ela não produz coisa alguma que não seja perfeita em sua finalidade, mas é preciso que o homem aperfeiçoe tudo e este aperfeiçoamento se chama Alquimia: o alquimista é como o padeiro que cozinha o pão, ou como o vinicultor que esmaga e prensa a uva para produzir vinho. Assim, quando a natureza produz algo de útil para o homem, é o alquimista que o prepara e o torna pronto para ser usado. (p. 15)

Paracelso também já compreendia que a fé e a imaginação podem nos tornar igualmente sãos ou doentes, e que “é preciso depositar fé no trabalho do médico” (p. 39). Não estamos longe de inúmeras descobertas dos psicólogos de fins do século XIX. O inconsciente colocado como elemento central de reflexão da psicologia profunda resgata - noutros termos, com outros procedimentos e fundamentado noutra visão de mundo - intuições que eram transmitidas de geração em geração.

Há um traçado possível de ser realizado entre Paracelso e o pensamento médico do romantismo, tal como podemos apreender em Carus (Carus, 1846 Carus. C. G. (1846). Psyche. Zur Entwicklungsgeschichte der Seele. Pforzheim: Flammer und Hoffmann.; Béguin, 1991Béguin, A. (1991). L’âme romantique et le rêve. Essai sur le romantisme allemand et la poésie française. Paris: José Corti.; Noé, 2015Noé, S. (2015). O inconsciente é a chave para o consciente: a psique humana, segundo C. G. Carus. Estudos Teológicos. São Leopoldo, RS, 55(1), 144-148.). Deste a Von Hartmann e Jung o passo é ainda mais curto. Todos eles estão ligados por uma filosofia da natureza que, se é ainda grandemente especulativa em Paracelso, torna-se cada vez mais fundamentada na experiência à medida que avançamos no século XX. Como lembra Albert Béguin (1991)Béguin, A. (1991). L’âme romantique et le rêve. Essai sur le romantisme allemand et la poésie française. Paris: José Corti., entre Carus e Jung há uma imensa diferença, um progresso evidente representado pelo conhecimento experimental que se foi adquirindo e pelos métodos utilizados pelo psiquiatra suíço.

De toda sorte, o empirismo de Jung cuida de não esvaziar essa intuição de que a natureza em alguma medida também tem algo a dizer, ainda que passe necessariamente pelo filtro da cultura e, por conseguinte, da linguagem. Ele apenas cuida de não tomar a parte pelo todo, nem se lança em aventuras - que seriam desastrosas - no sentido de mostrar a origem da psique. É certo que ao longo de sua obra, Jung acaba produzindo algumas aporias, e se os paradoxos do texto junguiano não são fruto de uma estratégia deliberada, mas consequência do confronto com o inconsciente, eles contribuem decididamente para manter a psique como um objeto de incessante perplexidade.

Referências

  • Bair, D. (2007). Jung: une biographie Paris: Flammarion.
  • Béguin, A. (1991). L’âme romantique et le rêve. Essai sur le romantisme allemand et la poésie française Paris: José Corti.
  • Carus. C. G. (1846). Psyche. Zur Entwicklungsgeschichte der Seele Pforzheim: Flammer und Hoffmann.
  • Cohen, B. (2015). Dr. Jung and his patients. Jung Journal, 9(2), 34-49. doi: 10.1080/19342039.2015.1021231
    » https://doi.org/10.1080/19342039.2015.1021231
  • Fromm, E. (2008). The sane society London: Routledge. (Trabalho original publicado em 1956).
  • Jung, C. G. (1955). Versuch einer Darstellung der psychoanalytischen Theorie Zürich: Rascher. (Trabalho original publicado em 1913).
  • Jung, C. G. (1977). On the Psychology of the Unconscious. In Collected Works (Vol. 7, pp. 2-119). Princeton, NJ: Princeton University Press. (Trabalho original publicado em 1917).
  • Jung, C. G. (1978). The meaning of Psychology for modern man. In Collected Works (Vol. 10, pp. 134-156). Princeton, NJ: Princeton University Press . (Trabalho original publicado em 1933).
  • Jung, C. G. (1978). The Undiscovered Self: present and future. In Collected Works (Vol. 10, pp. 245-305). Princeton, NJ: Princeton University Press . (Trabalho original publicado em 1957).
  • Jung, C. G. (1978). Flying saucers: a modern myth of things seen in the skies. In Collected Works (Vol. 10, pp. 307-433). Princeton, NJ: Princeton University Press . (Trabalho original publicado em 1958).
  • Jung, C. G. (1981). Analytical psychology and Weltanschauung In Collected Works (Vol. 8, pp. 358-381). Princeton, NJ: Princeton University Press . (Trabalho original publicado em 1927).
  • Jung, C. G. (1981). A review of the complex theory. In Collected Works (Vol. 8, pp. 92-104). Princeton, NJ: Princeton University Press . (Trabalho original publicado em 1934).
  • Jung, C. G. (1981). On the nature of the psyche. In Collected Works (Vol. 8, pp. 159-234). Princeton, NJ: Princeton University Press . (Trabalho original publicado em 1947).
  • Jung, C. G. (1981). Synchronicity: an acausal connecting principle. In Collected Works (Vol. 8, pp. 417-531). Princeton, NJ: Princeton University Press . (Trabalho original publicado em 1952).
  • Jung, C. G. (1983). Comentary on “The secret of the golden flower”. In Collected Works (Vol. 13, pp. 1-56). Princeton, NJ: Princeton University Press . (Trabalho original publicado em 1929).
  • Jung, C. G. (1983). Paracelsus as a spiritual phenomenon. In Collected Works (Vol. 13, pp. 109-189). Princeton, NJ: Princeton University Press . (Trabalho original publicado em 1942).
  • Jung, C. G. (1983). The philosophical tree. In Collected Works (Vol. 13, pp. 251-349). Princeton, NJ: Princeton University Press . (Trabalho original publicado em 1945).
  • Jung, C. G. (1985). The practical use of dream-analysis. In Collected Works (Vol. 16, pp. 139-161). Princeton, NJ: Princeton University Press . (Trabalho original publicado em 1934).
  • Jung, C. G. (1989). The theory of psychoanalysis. In Collected Works (Vol. 4, pp. 83-226). Princeton, NJ: Princeton University Press . (Trabalho original publicado em 1913).
  • Jung, C. G. (1989). Mysterium coniunctionis In Collected Works (Vol. 14). Princeton, NJ: Princeton University Press . (Trabalho original publicado em 1954).
  • Jung, C. G. (1990). Psychological Types. In Collected Works (Vol. 6). Princeton, NJ: Princeton University Press . (Trabalho original publicado em 1921).
  • Jung, C. G. (1990). The concept of collective unconscious. In Collected Works (Vol. 9, pp. 42-53). Princeton, NJ: Princeton University Press . (Trabalho original publicado em 1936).
  • Jung, C. G. (1990). The psychology of the child archetype. InCollected Works , Vol. 9, pp. 151-181). Princeton, NJ: Princeton University Press . (Trabalho original publicado em 1940).
  • Jung, C. G. (1993). Sobre a psicologia e patologia dos fenômenos chamados ocultos Petrópolis, RJ: Vozes. (Trabalho original publicado em 1902).
  • Jung, C. G. (1993). Criptomnésia Petrópolis, RJ: Vozes . (Trabalho original publicado em 1905).
  • Jung, C. G. (1993). Memórias, sonhos, reflexões São Paulo, SP: Círculo do Livro. (Trabalho original publicado em 1961).
  • Jung, C. G. (1999). Símbolos da transformação Petrópolis, RJ: Vozes . (Trabalho original publicado em 1911).
  • Jung, C. G. (1999). Cartas 1906-1945 (2a ed.). Petrópolis, RJ: Vozes .
  • Jung, C. G. (2002). A energia psíquica Petrópolis, RJ: Vozes . (Trabalho original publicado em 1928).
  • Jung, C. G. (2003). Cartas 1956-1961 Petrópolis, RJ: Vozes .
  • Jung, C. G. (2005). L’analyse des rêves. Notes du Séminaire de 1928-1930 (Vol. 1). Paris, France: Albin Michel. (Trabalho original publicado em 1938).
  • Jung, C. G. (2009). Dialectique du moi et de l’inconscient Paris: Gallimard. (Trabalho original publicado em 1933).
  • Jung, C. G., & White, V. (2007). The Jung: white letters New York: Routledge.
  • Nagy, M. (2003). Questões filosóficas na psicologia de C. G. Jung (A. M. Spira, trad.). Petrópolis, RJ: Vozes .
  • Noé, S. (2015). O inconsciente é a chave para o consciente: a psique humana, segundo C. G. Carus. Estudos Teológicos São Leopoldo, RS, 55(1), 144-148.
  • Paracelce, T. (1950). l’art de l’alchimie et autres écrits Paris: Presses Littéraires de France. (Trabalho original publicado em 1527).
  • Shamdasani, S. (2005). Jung e a construção da psicologia moderna: o sonho de uma ciência (M. S. M. Netto, trad.). Aparecida, SP: Ideias e Letras. (Trabalho original publicado em 2003).
  • Valois, R. C. G. (1992). Jung et les racines de la guerre. Laval philosophique et théologique,48(2), 263-277. doi: 10.7202/400693ar
    » https://doi.org/10.7202/400693ar
  • Von Hartmann, E. (2006). Philosophie de L’inconscient (Vol. 1). Paris: Elibron Classics. (Trabalho original publicado em 1869).
  • 1
    As traduções dos textos em inglês e francês são livres.
  • 2
    Betsy Cohen (2015)Cohen, B. (2015). Dr. Jung and his patients. Jung Journal, 9(2), 34-49. doi: 10.1080/19342039.2015.1021231
    https://doi.org/10.1080/19342039.2015.10...
    levanta um aspecto crítico em relação aos exemplos clínicos de Jung ao afirmar que o autor não publicou nenhum caso extenso, usando apenas excertos de tratamentos que arriscam “ilustrar antes sua teoria do que demonstrar o processo desenvolvido entre Jung e seu paciente” (p. 36).
  • 3
    Cabe notar que a definição de Jung para o termo instinto é bastante ampla e se aproxima em grande medida do que Eduard von Hartmann afirma em seu Filosofia do inconsciente. Com efeito, Von Hartmann (1869/2006)Von Hartmann, E. (2006). Philosophie de L’inconscient. (Vol. 1). Paris: Elibron Classics. (Trabalho original publicado em 1869). associa o instinto a um “saber inconsciente” [unbewusste Erkenntniss], e a partir deste associa instinto e intuição (p. 147). Esse elo entre instinto, inconsciente e intuição não é estranho a Jung e é mesmo constituinte de suas reflexões a respeito da psique. Isso mostra o quanto Von Hartmann estava presente no pensamento de Jung e também o quanto a noção de instinto é tomada de forma a incluir a dimensão psíquica, o que a distancia de um simples automatismo pré-programado. Também é interessante assinalar que Jung fazia um uso bastante indiscriminado dos termos Instinkt e Trieb, os quais têm provocado inúmeras celeumas no que concerne à tradução e ao uso conceitual.
  • 4
    “Pode-se afirmar, justificadamente, que o conceito de que a estrutura derradeira da realidade não se encontra em estratos observáveis do universo, mas a um nível não-material que apenas nossas mentes (ou nossos sentimentos) podem testemunhar, forma o tema da conexão entre a teoria de Jung e sua origem na crença de Platão em causas transcendentes” (Nagy, 2003Nagy, M. (2003). Questões filosóficas na psicologia de C. G. Jung (A. M. Spira, trad.). Petrópolis, RJ: Vozes ., p. 184). A autora citada não faz, todavia, alusão ao fato de que Jung (1921/1990)Jung, C. G. (1990). Psychological Types. In Collected Works (Vol. 6). Princeton, NJ: Princeton University Press . (Trabalho original publicado em 1921)., retomando a discussão escolástica, criticava o universalia ante rem platônico (o universal anterior à coisa, ao particular) para afirmar a posição aristotélica do universalia in re (a forma e a matéria como coexistentes). Jung retorna a Platão em vários momentos de sua obra, notadamente para discutir a questão do arquétipo, mas cabe notar que isso não significa uma adesão simples ao pensamento platônico. Uma crítica ao platonismo também pode ser encontrada em Jung (1945/1983)Jung, C. G. (1983). The philosophical tree. In Collected Works (Vol. 13, pp. 251-349). Princeton, NJ: Princeton University Press . (Trabalho original publicado em 1945)..
  • 5
    “. . . ein Wissen von Ahnungswegen. . .” (Jung 1913/1955Jung, C. G. (1955). Versuch einer Darstellung der psychoanalytischen Theorie. Zürich: Rascher. (Trabalho original publicado em 1913)., p. 179). A versão inglesa do texto em questão traduz Ahnung por intuição, e Jung mesmo usa tanto este termo quanto Intuition em vários momentos. Ainda que essas palavras estejam num mesmo grupo semântico, um estudo mais aprofundado de seus usos específicos parece-nos importante para melhor apreender a extensão do conceito de intuição na obra junguiana, bem como sua relação com a noção de instinto.
  • 6
    Carta ao pastor Tanner, de 12 de fevereiro de 1959. Noutra carta, de 10 de agosto de 1960, Jung (2003)Jung, C. G. (2003). Cartas 1956-1961. Petrópolis, RJ: Vozes . afirma: “Há duas ciências em nossos dias que estão envolvidas diretamente com os problemas básicos: a física nuclear e a psicologia do inconsciente” (p. 277).
  • 7
    Jung cita Schopenhauer em diversos momentos de sua obra (1911/1999Jung, C. G. (1999). Símbolos da transformação. Petrópolis, RJ: Vozes . (Trabalho original publicado em 1911)., 1913/1989Jung, C. G. (1989). The theory of psychoanalysis. In Collected Works (Vol. 4, pp. 83-226). Princeton, NJ: Princeton University Press . (Trabalho original publicado em 1913)., 1933/1978Jung, C. G. (1978). The meaning of Psychology for modern man. In Collected Works (Vol. 10, pp. 134-156). Princeton, NJ: Princeton University Press . (Trabalho original publicado em 1933).), sempre para mostrar certas semelhanças entre a proposta do filósofo e a moderna noção de inconsciente, esta fruto da pesquisa empírica. Bergson começa a figurar nas obras de Jung desde 1907 e o acompanha ao longo de todo seu percurso teórico.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Mar 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    19 Maio 2016
  • Aceito
    12 Ago 2016
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo Av. Prof. Mello Moraes, 1721 - Bloco A, sala 202, Cidade Universitária Armando de Salles Oliveira, 05508-900 São Paulo SP - Brazil - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revpsico@usp.br