Acessibilidade / Reportar erro

Quem é o “cidadão de bem”?

¿Quién es el “ciudadano de bien”?

Qui est le “bon citoyen”?

Resumo

A figura do chamado “cidadão de bem” constitui um tipo de estratégia discursiva ideológica e expressa uma patologia social da cidadania brasileira. O objetivo deste ensaio é submeter essa figura a uma análise crítica de seus pressupostos discursivos, históricos, morais e políticos. Para tanto, recorremos ao modelo de crítica imanente da ideologia proposto por Rahel Jaeggi. Identificamos contradições e problemas decorrentes do uso retórico da figura do “cidadão de bem” relacionadas: ao apelo punitivista e por armas de fogo para civis; às representações ideológicas de gênero, raça e classe; à função social da mídia; e ao neoconservadorismo político. A contradição fundamental do “cidadão de bem” não é em relação à figura do “bandido” ou “vagabundo”, mas ao próprio ideal de universalização da cidadania. Enquanto expressão da ideologia, o “cidadão de bem” se revela um verdadeiro anticidadão e, portanto, um risco para a democracia.

Palavras-chave:
cidadania; ideologia; direitos humanos; psicologia social; teoria crítica

Resumen

La figura del llamado “ciudadano de bien” constituye un tipo de estrategia discursiva ideológica y expresa una patología social de la ciudadanía en Brasil. El objetivo de este ensayo es analizar críticamente los presupuestos discursivos, históricos, morales y políticos de esta figura. Para ello, se utiliza el modelo de crítica inmanente de la ideología propuesto por Rahel Jaeggi. Se identificaron contradicciones y problemas derivados del uso retórico de la figura del “ciudadano de bien” relacionadas a: la demanda punitivista y por armas de fuego para civiles; las representaciones ideológicas de género, raza y clase; la función social de los medios de comunicación; y el neoconservadurismo político. La contradicción fundamental del “ciudadano de bien” no es en relación a la figura del “bandido” o del “vagabundo”, sino al propio ideal de universalización de la ciudadanía. Mientras una expresión de la ideología, el “ciudadano de bien” se revela un verdadero anticiudadano y, por lo tanto, un riesgo para la democracia.

Palabras clave:
ciudadanía; ideología; derechos humanos; psicología social; teoría crítica

Résumé

L’expression « bon citoyen » constitue une stratégie discursive idéologique et traduit une pathologie sociale de la citoyenneté brésilienne. Cet essai vise à soumettre cette figure à une analyse critique de ses aspects discursifs, historiques, moraux et politiques. Pour ce faire, nous recourrons au modèle de critique immanente de l’idéologie proposée par Rahel Jaeggi. Nous avons identifié les contradictions et les problèmes découlant de l’utilisation rhétorique de la figure du « bon citoyen » en rapport avec : l’appel à la punition et aux armes à feu pour les civils ; les représentations idéologiques du genre, de la race et de la classe ; la fonction sociale des médias ; et le néoconservatisme politique. La contradiction fondamentale du « bon citoyen » n’est pas liée à la figure du « bandit » ou du « clochard », mais à l’idéal même de la citoyenneté universelle. En tant qu’expression d’une idéologie, le « bon citoyen » se révèle être un véritable anti-citoyen et, par conséquent, un risque pour la démocratie.

Mots-clés:
citoyenneté; idéologie; droits de l’homme; psychologie sociale; théorie critique

Abstract

The figure of the so-called “good citizen” constitutes a type of ideological discursive strategy and expresses a social pathology of Brazilian citizenship. The aim of this essay is to subject this figure to a critical analysis of its discursive, historical, moral and political assumptions. For this, we resort to the model of immanent critique of ideology proposed by Rahel Jaeggi. We identified contradictions and problems arising from the rhetorical use of the figure of “good citizen” related to: the punitive and firearms appeal to civilians; the ideological representations of gender, race and class; the social function of the media; and political neoconservatism. The fundamental contradiction of the “good citizen” is not in relation to the figure of “bandit” or “bum,” but to the very ideal of universalization of citizenship. As an expression of ideology, the “good citizen” proved to be a real anti-citizen and, therefore, a risk for democracy.

Keywords:
citizenship; ideology; human rights; social psychology; critical theory

Introdução

Quem é o “cidadão de bem”? Como explicar essa figura cada vez mais presente no debate público brasileiro? Quando e por que surge a necessidade de adjetivar moralmente o status de cidadania? Quais as implicações sociais e políticas desse discurso? Trata-se de um tipo de sujeito honesto, que zela pela defesa de sua família e dos valores e costumes tradicionais? Ou seria um tipo moralista, reacionário e demagógico? Afinal, o que está em jogo quando se evoca a figura do “cidadão de bem” na esfera pública brasileira?

Para responder essas perguntas, devemos considerar a figura do “cidadão de bem” como um tipo de estratégia discursiva ideológica (Montero, 2006Montero, M. (2006). Estratégias discursivas ideológicas. In S. Lane & B. Sawaia (Eds.), Novas veredas da Psicologia Social. São Paulo, SP: Brasiliense.) que expressa uma patologia social da cidadania brasileira. O objetivo deste ensaio consiste em submeter essa figura a uma análise crítica de seus pressupostos discursivos, históricos, morais e políticos. Visamos, com isso, criticar a condição de cidadania fraturada existente entre nós, bem como superar as críticas superficiais e imediatas que reduzem o “cidadão de bem” a um falso moralismo.

Enquanto expressão da ideologia, consideramos a figura do “cidadão de bem” como parte de um sistema de convencimento que tem consequências práticas, ou seja, como resultado efetivo de uma práxis psicossocial historicamente determinada. Nesse sentido, para criticar o discurso da ideologia, não basta apresentar um contradiscurso formal, produzido desde o exterior, mas é necessário proceder à elaboração de um discurso negativo a partir de seu interior de modo a “ultrapassar uma atitude meramente dicotômica rumo a uma atitude teórica realmente dialética, encontrando uma via pela qual a contradição interna ao discurso ideológico o faça explodir” (Chauí, 1989Chauí, M. (1989). Cultura e democracia: O discurso competente e outras falas. São Paulo, SP: Cortez., p. 22).

Como veremos, há uma contradição fundamental entre a afirmação da cidadania e o uso retórico da figura do “cidadão de bem”. Enquanto a noção moderna de cidadania exige a generalização de determinado status político (“cidadão”), a complementação retórica (“de bem”) supõe uma hierarquia moral que, necessariamente, nega a normatividade primária da universalização dos direitos de cidadania. Assim, ao assumirmos aqui a perspectiva crítica da ideologia, visamos não apenas criticar determinado conjunto de ideias, tais como o “cidadão de bem” e suas características morais e políticas, mas procuramos também decifrar as circunstâncias que permitem que a dominação política se imponha e permaneça nas relações sociais cotidianas a partir de discursos ideológicos.

Visamos contribuir para a consolidação de uma agenda de estudos sobre a atual crise social e política brasileira. Nesse cenário, nossa crítica incidirá sobre uma expressão de patologia social da cidadania que ameaça a efetivação da democracia enquanto forma de vida ética no Brasil.

Para tanto, recorremos aqui ao modelo de crítica imanente proposto por Rahel Jaeggi (2008Jaeggi, R. (2008). Repensando a ideologia. Civitas, 8(1), 137-165. doi: 10.15448/1984-7289.2008.1.4326
https://doi.org/10.15448/1984-7289.2008....
, 2017Jaeggi, R. (2017). Crisis, contradiction, and the task of a Critical Theory. In B. Bargu & C. Bottici (Eds.), Feminism, capitalism and critique: essays in honor of Nancy Fraser (pp. 209-224). New York: Palgrave Macmillan., 2018Jaeggi, R. (2018). Critique of forms of life. Cambridge, MA: The Belknap Press) como fundamentação teórica para análise-crítica da figura do “cidadão de bem”. Nessa perspectiva, a tarefa da crítica não é descrever ou reabilitar potenciais contidos, mas não realizados em determinada formação social. Trata-se, sobretudo, de analisar e criticar, em um mesmo movimento, o “funcionamento disfuncional” do discurso ideológico. Em outras palavras, significa considerar que a peculiaridade do discurso ideológico reside em um tipo especial de relação entre normas e realidade, na qual ambas se apresentam como equívocas em si, ou seja, indicam um processo no qual as normas são eficazes, mas, como eficazes, elas se tornam realmente contraditórias ou deficitárias (Jaeggi, 2008Jaeggi, R. (2008). Repensando a ideologia. Civitas, 8(1), 137-165. doi: 10.15448/1984-7289.2008.1.4326
https://doi.org/10.15448/1984-7289.2008....
).

A crítica imanente tem vantagem sobre os modelos reconstrutivos de crítica social por não se limitar a redimir ou reabilitar potenciais normativos existentes, mas por buscar a transformação das condições existentes a partir da dinâmica das contradições do objeto criticado (Repa, 2016Repa, L. S. (2016). Reconstrução e crítica imanente: Rahel Jaeggi e a recusa do método reconstrutivo na Teoria Crítica. Cadernos de Filosofia Alemã, 21(1), 13-27. doi: 10.11606/issn.2318-9800.v21i1p13-27
https://doi.org/10.11606/issn.2318-9800....
). Desse modo, ao elegermos a figura do “cidadão de bem” como objeto de nossa crítica, buscamos contribuir tanto para questionar nossa autocompreensão sobre o ideal normativo da cidadania entre nós quanto para estimular o debate público sobre as possibilidades de realização prática da lógica dos direitos na sociedade brasileira.

Crítica imanente

Para Rahel Jaeggi (2008Jaeggi, R. (2008). Repensando a ideologia. Civitas, 8(1), 137-165. doi: 10.15448/1984-7289.2008.1.4326
https://doi.org/10.15448/1984-7289.2008....
), quatro aspectos caracterizam metodologicamente a crítica da ideologia: (1) trata-se de uma abordagem profunda e crítica da dominação; (2) toma como ponto de partida as contradições internas ou autocontradições de uma situação dada; (3) repousa sempre sobre uma espécie de hermenêutica da suspeita; (4) seu procedimento característico é a relação entre análise e crítica, ou seja, a análise é instrumento da crítica, e não algo separado. A essas características a autora acrescenta um quinto aspecto que consideramos essencial: mais do que um modelo de crítica reconstrutiva, a crítica da ideologia, enquanto crítica imanente, também deve ser transformadora. Isso significa que, para essa autora, a crítica imanente da ideologia difere de outros modelos de crítica social na medida em que não visa à “diluição” da realidade com base em critérios normativos externos, mas se desenvolve a partir da “superação reabilitadora” dos aspectos deficitários presentes tanto na realidade quanto nas normas. Assim, a crítica da ideologia não está ancorada em algum lugar “fora” da relação de obliteração da realidade criticada como ideológica, mas, pelo contrário, ela “é a instância que nos confronta com os problemas e as contradições dessa realidade social de um modo tal, que ela seja simultaneamente, também o fermento de sua transformação” (Jaeggi, 2008Jaeggi, R. (2008). Repensando a ideologia. Civitas, 8(1), 137-165. doi: 10.15448/1984-7289.2008.1.4326
https://doi.org/10.15448/1984-7289.2008....
, p. 163).

O critério normativo da crítica imanente se encontra no próprio processo de crise do objeto criticado, isto é, em seus problemas e contradições. Problemas e contradições, no sentido hegeliano, constituem a força propulsora da história e, portanto, referem-se a crises imanentes à realidade social. Para Jaeggi (2017Jaeggi, R. (2017). Crisis, contradiction, and the task of a Critical Theory. In B. Bargu & C. Bottici (Eds.), Feminism, capitalism and critique: essays in honor of Nancy Fraser (pp. 209-224). New York: Palgrave Macmillan.), tais crises não são puramente funcionais, mas incluem tanto as expectativas normativas quanto o autoesclarecimento de uma formação social, de modo que as crises e contradições não são apenas possibilidade de erosão dessa formação social, mas também a força construtiva que dialeticamente a supera e a conserva (aufhebung). Não se trata, portanto, de criticar uma falsa representação da realidade com base em critérios normativos externos ou de denunciar a não realização das normas em determinadas práticas sociais (por exemplo: a cidadania não realizada no discurso do “cidadão de bem”). Trata-se de ir além da discrepância entre normas e práticas a partir da análise da interdependência entre ambas, ou seja, do fato de que, se a norma não é realizada em determinada prática, isso revela uma relação deficitária não apenas da prática, mas também das normas. É nesse sentido que a crítica imanente funciona, então, como “fermento” da transformação tanto das práticas quanto dos próprios anseios normativos1 1 O modelo de crítica imanente é detalhadamente apresentado no sexto capítulo de Jaeggi (2018). Para uma avaliação crítica dessa proposta, conferir Repa (2016) e, para sua conexão com a tradição da Teoria Crítica, ver Jaeggi (2017). .

Interessa-nos aqui, sobretudo, o aspecto que Jaeggi denomina de “funcional-ético” em seu modelo de crítica imanente, isto é, o fato de levar em consideração tanto as tendências de crise da realidade social quanto os sentidos da emancipação nela contidos. Desse modo, podemos submeter a figura do “cidadão de bem” a um procedimento simultaneamente analítico e crítico. Esse é o aspecto decisivo: não se trata apenas de mostrar que a figura do “cidadão de bem” é constituída pelo equívoco, mas também de apontar a crise imanente da cidadania brasileira que o conforma. Assim, não está em jogo uma mera “correção” sintática e semântica da figura do “cidadão de bem”, mas a possibilidade de mostrar que em seu enunciado já está contida a chance de regressão e esfacelamento real das promessas da cidadania, assim como, negativamente, pela via da crítica, podemos encontrar o potencial de progresso normativo contido nos anseios emancipatórios da implementação da lógica dos direitos como forma de vida democrática.

“Cidadão de bem” como figura de linguagem

Para evitar algumas confusões, é necessário definir o sentido do uso da expressão “cidadão de bem” neste artigo. Entendemos que estamos tratando de um problema que concerne à realidade social brasileira e que, por isso, não deve ser confundido com os estudos sobre o “bom cidadão” (the good citizen, el buen ciudadano ou il bon citoyen). A noção de “bom cidadão” tem sido bastante utilizada em diversos países, principalmente no campo da educação para a cidadania (Abs, 2013Abs, H. J. (2013). The good citizen: theoretical reflection and a new assessment instrument. Zeitschrift fur Soziologie der Erziehung und Sozialisation, 33(3), 267-282, doi: 10.3262/ZSE1303267
https://doi.org/10.3262/ZSE1303267...
; Burtt, 2015Burtt, S. (2015). La psyché du bon citoyen: Sur la psychologie de la virtu civique. Les Ateliers de l’Éthique, 10(1), 83-99. doi: 10.7202/1032730ar
https://doi.org/10.7202/1032730ar...
; Pykett, Saward, & Schaefer, 2010Pykett, J., Saward, M., & Schaefer, A. (2010). Framing the good citizen. The British Journal of Politics and International Relations, 12, 523-538, doi: 10.1111/j.1467-856X.2010.00424.x
https://doi.org/10.1111/j.1467-856X.2010...
). A diferença, portanto, não é meramente semântica, mas decorre da própria natureza do objeto. Por exemplo, a formulação the good citizen, que intitulava um panfleto da Ku Klux Klan entre 1913 e 1933, diz respeito a um fenômeno bastante diferente em relação àquela empregada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) no final do século XX. Os “bons cidadãos” da Klan eram fanáticos religiosos adeptos a práticas racistas e xenofóbicas de extrema violência (Neal, 2009Neal, L. S. (2009). Christianizing the Klan: Alma White, Branford Clarke, and the art of religious intolerance. Church History, 78(2), 350-378. doi: 10.1017/S0009640709000523
https://doi.org/10.1017/S000964070900052...
). Já para o paradigma da educação cívica da Unesco, “bons cidadãos” são aqueles formados para serem esclarecidos e conscientes das questões humanas e políticas em jogo em sua sociedade, desenvolvendo o respeito pelos outros e reconhecendo a equidade entre todos os seres humanos” (United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization, 1998United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization. (1998). Citizenship education for 21st century. Paris: UN.). Nenhum dos dois casos corresponde à figura do “cidadão de bem” brasileiro, ainda que, como veremos, o sentido empregado pela Klan lhe seja mais próximo do que o empregado pela Unesco.

As aspas (“cidadão de bem”) são utilizadas para enfatizar a contiguidade sintática dos termos dessa expressão, o que também poderia ser representado por cidadão-de-bem. No entanto esta última formulação pode induzir a uma substantivação da expressão. Evitamos também usar aspas apenas no qualificativo “de bem”, pois consideramos fundamental ressaltar o modo específico como a noção de cidadania é ideologicamente empregada, o que não acontece com outras expressões moralistas, tais como: homens “de bem”, mulheres “de bem”, pessoas “de bens” etc.

Para fazer a crítica do “cidadão de bem”, é necessário tomá-lo como uma figura de linguagem em vez de conceito. Isso significa que não se trata de buscar a definição precisa de um sujeito concreto, mas de destacar o uso retórico dessa expressão enquanto estratégia discursiva ideológica que tem consequências práticas nas relações de interação comunicativas. Assim, a figura do “cidadão de bem” pode ser considerada um tipo de silepse, pois indica concordância irregular na medida em que introduz uma contradição lógica fundamental (entre a ideia generalizante de “cidadão” e o aspecto restritivo indicado pelo complemento moral “de bem”) e, ao mesmo tempo, se sustenta comunicativamente pela mobilização implícita de relações sociais concretas de cidadania e subcidadania.

A figura do “cidadão de bem” se erige essencialmente sobre a dicotomia “cidadão de bem” versus “bandido” ou “cidadão de bem” versus “vagabundo”. Essas dicotomias refletem o poder da ideologia em relações concretas da sociedade brasileira, dificultando que essa separação seja cognitivamente articulada como um contrassenso, na medida em que restringiria a cidadania apenas a determinados tipos de sujeitos considerados, de forma extremamente vaga, os “de bem”. A força da ideologia se revela também quando constatamos que se, por um lado, não conseguiremos encontrar um único sujeito concreto que possa ser adequadamente definido como um “cidadão de bem”, por outro, enquanto fenômeno de massa, milhares de indivíduos podem se identificar com essa figura. Isso ocorre porque ela mobiliza diretamente a efetiva tensão existente entre a condição formal da cidadania legal e a hierarquia moral das relações sociais ordinárias, já verificada em diversos estudos sobre a configuração da cidadania no Brasil (Silva, 2010Silva, J. P. (2010). Nota crítica sobre cidadania no Brasil. Revista Ideias, 1(1), 95-119.; Souza, 2012Souza, J. (2012) A construção social da subcidadania: para uma sociologia política da modernidade periférica (2a ed). Belo Horizonte, MG: Editora UFMG.).

A gênese do “cidadão de bem”

A figura do “cidadão de bem” tem sido cada vez mais comum tanto na linguagem cotidiana quanto nos estudos sobre a situação social e política do Brasil neste início de século XXI. Entretanto, convém questionar quando essa figura adquire o status de uma asserção logicamente aceita, isto é, como se torna válida em determinado regime de verdade.

Quando buscamos conhecer a gênese da figura do “cidadão de bem” tomando como indicadores referências bibliográficas como artigos de jornal e artigos publicados em revistas científicas das humanidades, percebemos que o uso dessa expressão tem sido crescente na última década. De modo geral, a expressão aparece relacionada à redução da idade penal (Azevedo, Alberto, & Amorim, 2017Azevedo. C. R. S., Alberto, M. F. P., & Amorim, T. R. S. (2017). Adolescência e ato infracional: violência institucional e subjetividade em foco. Psicologia: Ciência e Profissão, 37(3), 579-594. doi: 10.1590/1982-3703003312016
https://doi.org/10.1590/1982-37030033120...
; Resende, 2009Resende, V. M. (2009). Dessemelhança e expurgo do outro no debate acerca do rebaixamento da maioridade penal no Brasil: Uma análise discursiva crítica. Forma y Función, 22(1), 145-159.; Silva & Hüning, 2015Silva, A. K., & Hüning, S. M. (2015). A racionalidade punitiva nas propostas de redução da idade penal brasileiras. Revista Subjetividades, 15(2), 244-255.), à posse de armas de fogo (Carvalho & Espíndula, 2016Carvalho, L. A., & Espíndula, D. H. P. (2016). Discussões em torno do referendo sobre o comércio de armas de fogo e munição na Folha de S.Paulo. Opinião Pública, 22(2), 446-465. doi: 10.1590/1807-01912016222446
https://doi.org/10.1590/1807-01912016222...
; Santos, 2012Santos, R. (2012). “Cidadãos de bem” com armas: Representações sexuadas de violência armada, (in)segurança e legítima defesa no Brasil. Revista Crítica de Ciências Sociais, 96, 133-164. doi: 10.4000/rccs.4851
https://doi.org/10.4000/rccs.4851...
), à ação da Polícia Militar (Barbosa & Sá, 2015Barbosa, W. F., & Sá, L. D. (2015). Redefinições da condição de morador: classificações das clientelas no mandato policial cotidiano e suas consequências nas relações entre polícia e população. Caderno CRH, 28(75), 639-656. doi: 10.1590/S0103-49792015000300012
https://doi.org/10.1590/S0103-4979201500...
; Bueno, Lima, & Teixeira, 2016Bueno, S., Lima, R. S., & Teixeira, M. A. C. (2016). Sujeito ou demandante? Reflexões sobre o caráter da participação nos conselhos comunitários de segurança de São Paulo. Sociologias, 18(42), 328-355. doi: 10.1590/15174522-018004214
https://doi.org/10.1590/15174522-0180042...
) e à função social da mídia (Pinto, 2017Pinto, C. R. J. (2017). A trajetória discursiva das manifestações de rua no Brasil (2013-2015). Lua Nova, (100), 119-153. doi: 10.1590/0102-119153/100
https://doi.org/10.1590/0102-119153/100...
).

Podemos perceber que o uso da figura do “cidadão de bem” na sociedade brasileira passa a ser difundido na última década do século XX e no início do século XXI, principalmente via mídias digitais. Nesse período, os anseios pela efetivação dos direitos de cidadania que foram prometidos pela “Constituição Cidadã” de 1988 favoreceram o surgimento da figura do sujeito de direitos, isto é, uma identificação crescente com a ideia de que cada pessoa é cidadã e pode reivindicar no espaço público o reconhecimento legítimo de seu status enquanto tal. Esse processo de aprendizado calcado no léxico dos direitos subjetivos foi acompanhado pela integração social via consumo e pelo interesse crescente nos chamados “direitos difusos”, especialmente os chamados “direitos de consumidor”. Contudo, em um contexto marcado por profunda desigualdade e no qual não há elaboração do passado, a realização do ideal normativo de cidadania nessas condições ocorre apenas de forma deficitária, pois a lógica generalizante dos direitos não chega nunca a constituir, de fato, uma forma de vida democrática e inclusiva. Sorrateiramente surge, então, a figura do “cidadão de bem” como expressão ideológica de uma cidadania prometida, mas que nunca se efetiva plenamente. Nesse sentido,

o cidadão de bem é aquele que merece a cidadania, a política pública, o tratamento educado do policial, o que tem o direito de participar. Aquele que não faz parte dessa categoria representa um elemento perigoso, que vem de espaços marginais, polui e contamina... O cidadão de bem seria a tradução, pós-crises econômicas da década de 1980, da categoria “trabalhador”... Se, nos anos 1980, vigorava o binômio “trabalhador” x “vagabundo”, agora temos o “cidadão de bem” x “vagabundo”, numa atualização dessas categorias frente às transformações socioeconômicas e demográficas vivenciadas pela população brasileira nas últimas décadas. (Bueno et al., 2016Bueno, S., Lima, R. S., & Teixeira, M. A. C. (2016). Sujeito ou demandante? Reflexões sobre o caráter da participação nos conselhos comunitários de segurança de São Paulo. Sociologias, 18(42), 328-355. doi: 10.1590/15174522-018004214
https://doi.org/10.1590/15174522-0180042...
, p. 348)

Isso significa que, a partir da redemocratização e, principalmente, a partir de meados dos anos 2000, ocorre um processo de substituição da categoria “trabalhador honesto” para o “cidadão de bem”. Nesse processo, a nova categoria dilui a distância existente entre trabalhadores explorados, classe média privilegiada e patronato. Todos agora podem se identificar com essa categoria homogeneizante e enigmática que é o “cidadão de bem”. Todos, exceto aqueles que são classificados como “vagabundos” ou “bandidos”. Aqui, a figura do “cidadão de bem” opera no plano discursivo como delimitador moral de relações objetivas de segregação social e de violências policiais (Azevedo et al., 2017Azevedo. C. R. S., Alberto, M. F. P., & Amorim, T. R. S. (2017). Adolescência e ato infracional: violência institucional e subjetividade em foco. Psicologia: Ciência e Profissão, 37(3), 579-594. doi: 10.1590/1982-3703003312016
https://doi.org/10.1590/1982-37030033120...
). Isso também se reflete na aceitação pública da violência e humilhação praticadas contra aqueles corpos que são considerados “suspeitos”, isto é, geralmente os corpos dos jovens negros e pobres das periferias (Azevedo et al., 2017Azevedo. C. R. S., Alberto, M. F. P., & Amorim, T. R. S. (2017). Adolescência e ato infracional: violência institucional e subjetividade em foco. Psicologia: Ciência e Profissão, 37(3), 579-594. doi: 10.1590/1982-3703003312016
https://doi.org/10.1590/1982-37030033120...
; Barbosa & Sá, 2015Barbosa, W. F., & Sá, L. D. (2015). Redefinições da condição de morador: classificações das clientelas no mandato policial cotidiano e suas consequências nas relações entre polícia e população. Caderno CRH, 28(75), 639-656. doi: 10.1590/S0103-49792015000300012
https://doi.org/10.1590/S0103-4979201500...
; Silva & Hüning, 2015Silva, A. K., & Hüning, S. M. (2015). A racionalidade punitiva nas propostas de redução da idade penal brasileiras. Revista Subjetividades, 15(2), 244-255.).

Tal violência opera a partir de um saber discriminador que pressupõe a classificação arbitrária entre quem é considerado “cidadão” e quem é considerado “inimigo”. Desse modo, em meio ao grande entusiasmo com a cidadania e esperança de efetiva redemocratização do Estado brasileiro, desde o final dos anos 1980, a violência institucional encontrou na figura do “cidadão de bem” um poderoso ponto de ancoramento e sobrevivência. Contraditoriamente, o ideal normativo da cidadania é discursivamente afirmado ao mesmo tempo em que permanece sendo negado no cotidiano em práticas de violência e segregação social ordinária (Souza, 2012Souza, J. (2012) A construção social da subcidadania: para uma sociologia política da modernidade periférica (2a ed). Belo Horizonte, MG: Editora UFMG.; Silva, 2010Silva, J. P. (2010). Nota crítica sobre cidadania no Brasil. Revista Ideias, 1(1), 95-119.).

Os efeitos perniciosos e permanentes dessa fratura social ou desse “funcionamento-disfuncional” da cidadania se tornam ainda mais explícitos no que diz respeito à forma peculiar de articulação pública da universalidade dos direitos humanos. Frases tais como “direitos humanos para humanos direitos”, “direitos dos manos”, “bandido bom é bandido morto”, “o cidadão de bem está preso em sua casa enquanto os bandidos estão soltos”, “CPF cancelado”, entre outras, são exemplos de como a violência perpassa o cotidiano e ganha eficácia simbólica a partir da dicotomia “cidadãos de bem” e “vagabundos”/“bandidos”. São expressões dessa violência o punitivismo, os linchamentos públicos, a conivência com as operações policiais homicidas e o forte apelo por armas de fogo para civis.

“Cidadãos de bem” com armas

A figura do “cidadão de bem” se tornou forte o suficiente para legitimar decisões institucionais, como os anseios pela liberação de posse e porte de armas de fogo para civis. Assim, mesmo o Brasil apresentando elevados índices de violência endêmica, o discurso armamentista baseado na figura do “cidadão de bem” ganhou eco em autoridades públicas (Carvalho & Espíndula, 2016Carvalho, L. A., & Espíndula, D. H. P. (2016). Discussões em torno do referendo sobre o comércio de armas de fogo e munição na Folha de S.Paulo. Opinião Pública, 22(2), 446-465. doi: 10.1590/1807-01912016222446
https://doi.org/10.1590/1807-01912016222...
; Santos, 2012Santos, R. (2012). “Cidadãos de bem” com armas: Representações sexuadas de violência armada, (in)segurança e legítima defesa no Brasil. Revista Crítica de Ciências Sociais, 96, 133-164. doi: 10.4000/rccs.4851
https://doi.org/10.4000/rccs.4851...
). Como efeito disso, a facilitação ao acesso às armas foi a plataforma de campanha presidencial vitoriosa em 2018. Como prioridade administrativa do governo ultradireitista eleito, o discurso ideológico do “cidadão de bem” serviu não apenas para legitimar a facilitação no acesso às armas, mas também para advogar contra a suposta ineficiência dos governos precedentes. Como afirmou o então ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni:

A população, por ampla maioria, exigiu o direito à legítima defesa. Mas eles nunca aceitaram o resultado2 2 O ministro se refere ao plebiscito sobre comercialização de armas de fogo e munições no Brasil realizado em 2005. Sobre esse processo, no que concerne ao “cidadão de bem”, ver os trabalhos de Carvalho e Espíndula (2016) e Santos (2012). ... Foi o que fizeram todos os governos que se sucederam. Não apenas desrespeitaram a vontade da maioria da população manifestada nas urnas como tentaram sucessivamente restringir um direito legítimo. Ao mesmo tempo em que deixavam o cidadão de bem desprotegido, davam segurança à bandidagem, como se em cada porta de casa, de comércio, de uma propriedade rural, tivesse uma placa “pode entrar, estamos desarmados”... Aos poucos, vamos corrigir esse erro proposital. (Lorenzoni, 2019Lorenzoni, O. (2019, 20 de janeiro). Em defesa do direito de legítima defesa. Folha de S.Paulo. Recuperado de http://bit.ly/37HjZNx
http://bit.ly/37HjZNx...
, grifos nossos)

Nessa passagem fica evidente a força política da figura do “cidadão de bem” baseada na dicotomia entre “cidadão de bem” e “bandidagem”. O ministro procura justificar a facilitação da posse de armas de fogo com o argumento de que se trata de uma medida de segurança para a população. Ao mesmo tempo em que esse discurso busca legitimidade na “vontade da maioria” colocada fora de contexto, ele oculta as evidências científicas bastante difundidas de que o acréscimo de armas de fogo implica mais mortes e insegurança (Cabette-Fábio, 2019Cabette-Fábio, A. (2019, 20 de janeiro). O que a ciência diz sobre o acesso a armas e violência, em 5 estudos. Nexo. Recuperado de http://bit.ly/3kgXft5
http://bit.ly/3kgXft5...
; Yablon, 2017Yablon, A. (2017, 6 de julho). A teoria do cidadão de bem armado foi derrubada. Vice. Recuperado de https://bit.ly/3aJhHj1
https://bit.ly/3aJhHj1...
). Não obstante, a figura do “cidadão de bem” é, nesse caso, utilizada como verniz retórico de uma medida que tende a favorecer, como veremos a seguir, apenas os segmentos já privilegiados da sociedade - homens brancos e de classe média-alta - e a provocar o aumento da violência contra os segmentos mais vulneráveis - mulheres, pessoas LGBT, pessoas negras e pobres.

Representações de gênero, raça e classe

O recente afã institucional pela liberação de armas de fogo para civis revela, como mostra Rita Santos (2012Santos, R. (2012). “Cidadãos de bem” com armas: Representações sexuadas de violência armada, (in)segurança e legítima defesa no Brasil. Revista Crítica de Ciências Sociais, 96, 133-164. doi: 10.4000/rccs.4851
https://doi.org/10.4000/rccs.4851...
), que a construção da figura do “cidadão de bem” no debate público está ancorada em representações de gênero tradicionais, aquelas que ressoam no imaginário social em determinadas expectativas de conduta de homens e mulheres quanto à violência, ao porte de armas e à legítima defesa. Nesse sentido, a masculinidade do “cidadão de bem” parece depender da arma como um componente simbólico que viria a redimir qualquer sentimento de impotência diante do mundo social visto como ameaçador. Inversamente, a construção da feminilidade estaria associada à idealização das mulheres como seres dóceis e indefesos perante a violência impetrada por “bandidos” e, por isso, a segurança dessas frágeis mulheres idealizadas dependeria da posse de armas de fogo pelos “cidadãos de bem”.

Segundo estes discursos, os “cidadãos de bem” são “bons pais, chefes e maridos”, para os quais é importante proteger as suas famílias e propriedades e fazer face aos “bandidos”. Neste sentido, a vontade de estarem armados e de terem a possibilidade de se defenderem é apresentada como um sinal de coragem, heroicidade, moralidade e respeito pela lei e ordem, o que os distingue dos “bandidos”, que são associados à recusa das regras e ao prazer pela violência sem sentido. A masculinidade é, assim, central nas duas construções, uma vez que o “cidadão de bem” e o “bandido” são literalmente masculinos. (Santos, 2012Santos, R. (2012). “Cidadãos de bem” com armas: Representações sexuadas de violência armada, (in)segurança e legítima defesa no Brasil. Revista Crítica de Ciências Sociais, 96, 133-164. doi: 10.4000/rccs.4851
https://doi.org/10.4000/rccs.4851...
, p. 155)

Também os marcadores de raça e classe são reforçadores do discurso belicista em torno da figura do “cidadão de bem”. Isso ocorre porque a representação da violência (tida como unilateral) dos “bandidos” é sempre associada aos estratos soc`iais mais marginalizados, principalmente à juventude pobre, negra e periférica. Como argumenta Santos (2012Santos, R. (2012). “Cidadãos de bem” com armas: Representações sexuadas de violência armada, (in)segurança e legítima defesa no Brasil. Revista Crítica de Ciências Sociais, 96, 133-164. doi: 10.4000/rccs.4851
https://doi.org/10.4000/rccs.4851...
), a despeito de a maioria das vítimas da violência armada no Brasil ser esses jovens negros das periferias, a narrativa da legítima defesa é produzida por homens brancos de classe média-alta que se imaginam como prováveis vítimas de “crimes violentos contra a propriedade e, em menor grau, crimes contra pessoas” (p. 157).

Como se pode observar, a análise crítica da figura do “cidadão de bem” apresenta importantes elementos para o debate sobre a efetivação da democracia no Brasil. A força prática dessa figura parece advir precisamente do ocultamento de relações sociais concretas e conflituosas, enquanto a ideia de cidadania em si é ideologicamente preservada, conferindo a impressão de regularidade social e bom funcionamento das instituições e práticas sociais. A fratura social constitutiva das intensas desigualdades de gênero, raça e classe no Brasil não chega a ser cognitivamente articulada em um debate público amplo e racional pela via do déficit de cidadanização. Assim, a figura do “cidadão de bem”, enquanto estratégia discursiva ideológica, contribui decisivamente para a manutenção do status quo na medida em que sua afirmação ordinária oculta relações de dominação bastante concretas, históricas e estruturais.

“Cidadão de bem” contra a cidadania

Como e por que a figura do “cidadão de bem” se tornou mote de um discurso ideológico cada vez mais frequente? Para explicar essa questão, temos que confrontar a figura do “cidadão de bem” com a ideia que lhe confere um ar de plausibilidade e que se encontra em sua raiz: a ideia de cidadania.

Em termos gerais, a noção moderna de cidadania diz respeito à condição ou status dos sujeitos (cidadãos e cidadãs) como membros efetivos de uma comunidade política. Isso supõe uma adscrição social que lhes confere determinados direitos e deveres, liberdades e restrições, poderes e responsabilidades. Não pode haver restrição particularista no discurso da cidadania enquanto tal, pois sua realização depende da generalização desse status primário. Nele não está incluído o conteúdo dos direitos, mas sua função enquanto princípio regulador da integração das sociedades modernas. É por isso que, para teóricos clássicos da cidadania como Thomas H. Marshall (1967Marshall, T. H. (1967). Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro, RJ: Zahar.), por exemplo, as desigualdades de classe social e outras diferenças seriam toleráveis desde que não houvesse desigualdade quanto ao status de cidadania. Assim, sob o império da preservação institucional dos direitos civis, políticos e sociais garantidos, determinada formação social teria assegurado para si um efetivo grau de democratização inclusiva, na qual as diferenças seriam processadas sob o domínio protetivo dos direitos.

No entanto, a cidadania só pode se realizar como experiência social na medida em que a lógica da generalização e proteção dos direitos subjetivos se tornar uma medida normativa nas relações cotidianas. É necessário o reconhecimento ordinário da legitimidade da lógica dos direitos - e de sua correspondente generalização entre os membros da comunidade política - para que se possa falar em efetivação do status de cidadania enquanto norma reguladora das práticas sociais.

Costa e Galeão-Silva (2018Costa, J. F. A., & Galeão-Silva, L. G. (2018). Notas sobre a noção de cidadania e seus usos e sentidos no âmbito da política de Assistência Social brasileira. In M. P. Cordeiro & L. V. Souza (Orgs.), Psicologia na assistência social: Um campo de saberes e práticas (pp. 144-163). São Paulo, SP: Instituto de Psicologia USP.) descrevem três dimensões fundamentais da concepção moderna de cidadania: legal, política e identitária. Na dimensão legal (ou institucional) situam-se as instituições e o estatuto propriamente jurídico dos direitos civis, políticos e sociais; na dimensão política (ou ativa) da cidadania estão as práticas de mobilização e luta dos movimentos e coletivos sociais pela efetivação, criação e ampliação dos direitos; e na dimensão identitária (ou psicológica) da cidadania encontram-se o senso de pertencimento e o grau de reconhecimento social recebido por cidadãos e cidadãs em termos de equidade e respeito à diferença. Assim, os anseios pela efetivação prática da cidadania em uma sociedade indicam um horizonte normativo baseado no ideal moderno de generalização da dignidade humana e do respeito à autenticidade, na medida em que a lógica dos direitos opera como um medium entre as pretensões de reconhecimento do mundo da vida e os processos sistêmicos de juridificação. De fato, isso foi observado no texto da Constituição Federal de 1988, que estabelece em seu artigo primeiro a cidadania e a dignidade da pessoa humana como fundamentos do Estado democrático de direito no Brasil. Evidentemente, a história mostra que isso não significou necessariamente a concretização de práticas sociais de generalização da cidadania e do respeito à dignidade humana desde então.

Em meio às dificuldades de explicar as características da “cidadania à brasileira”, a figura do “cidadão de bem” ganhou terreno precisamente na retórica da promessa da cidadania. Esse “cidadão” adjetivado retira sua eficácia simbólica de processos de dominação arraigados, mas em sua própria enunciação mantém um aspecto de possível realização da cidadania (para alguns) ocultando, assim, a efetiva não realização da cidadania (para todos e todas).

No plano discursivo, as tentativas de argumentação formuladas a partir da figura do “cidadão de bem” incorrem sempre em falácias. Revelam, portanto, o erro de raciocínio (nem sempre evidente) contido na enunciação da figura do “cidadão de bem” em tentativas efetivas de argumentação, uma vez que um argumento é falacioso quando recorre a premissas insustentáveis. Isso ocorre sempre que a figura do “cidadão de bem” é utilizada como um argumento positivo em uma enunciação que visa justificar racionalmente uma desigualdade ou a violência e segregação social cotidiana. São exemplos desse procedimento frases como: “o cidadão de bem está preso em casa, enquanto os bandidos estão soltos”, “o pessoal dos direitos humanos não quer saber da família do cidadão de bem”, “o governo desarmou o cidadão de bem, mas protegeu a bandidagem”, “se fosse um cidadão de bem, não teria sido abordado pela polícia”. Em todas essas afirmações, o aspecto falacioso consiste em inventar e pressupor um cidadão superior, moralmente mais elevado, com mais direitos e, portanto, negar o próprio cerne da cidadania, que consiste na generalização de um status comum. Em vez de afirmar a cidadania, revela a existência do anticidadão.

A marca distintiva da enunciação do “cidadão de bem” é o equívoco. Mas podemos perguntar: por que tal equívoco se mantém e inclusive tem se fortalecido recentemente? Para responder a essa pergunta, devemos prosseguir com a crítica imanente do caráter ideológico do “cidadão de bem”. Como afirma Rahel Jaeggi (2008Jaeggi, R. (2008). Repensando a ideologia. Civitas, 8(1), 137-165. doi: 10.15448/1984-7289.2008.1.4326
https://doi.org/10.15448/1984-7289.2008....
), “quem está sob a influência de uma ideologia não está apenas à mercê de uma circunstância falsa, mas também ‘nas garras’ de uma falsa interpretação dessa circunstância” (p. 139). Isso significa que o caráter ideológico do “cidadão de bem” retira sua força precisamente das relações sociais concretas de dominação que se estabelecem na sociedade brasileira, mas que não são totalmente articuladas nem debatidas na esfera pública. Não se trata de mera “falsa consciência” da realidade, mas de uma consciência falsa socialmente induzida, de um equívoco resultante do espelhamento de uma realidade falsa. Trata-se, portanto, de um “entrelaçamento” do verdadeiro - ou de um momento do verdadeiro (por exemplo, a cidadania) - com o não-verdadeiro (por exemplo, o “cidadão de bem”). Como explica Jaeggi:

A crítica da ideologia não tematiza simplesmente ambas [consciência e realidade]; ela repousa sobre a afirmação, não de todo evidente, de uma relação sistemática entre a compreensão falsa e a falsidade da situação (a falsidade da constelação dos fatos e a falsidade epistêmica de sua interpretação). A realidade parece, ela própria, estar falsa de tal modo, que sugere a falsa compreensão, de modo que a circunstância de que nós a compreendamos mal seja uma espécie de indicador de que a situação é falsa. (Jaeggi, 2008Jaeggi, R. (2008). Repensando a ideologia. Civitas, 8(1), 137-165. doi: 10.15448/1984-7289.2008.1.4326
https://doi.org/10.15448/1984-7289.2008....
, p. 146)

Tomada enquanto crítica da ideologia, a crítica imanente do “cidadão de bem” vai mais além das “críticas acusatórias” que apenas o apontam como sujeito político reacionário e demagógico, sem levar adiante uma consideração profunda acerca de suas causas e consequências para o debate político. De fato, a enunciação da figura do “cidadão de bem” remete necessariamente à avaliação sobre a questão de como compreendemos a efetivação da cidadania enquanto ideal normativo de práticas democráticas cotidianas. Retomando as considerações de Jaeggi (2008Jaeggi, R. (2008). Repensando a ideologia. Civitas, 8(1), 137-165. doi: 10.15448/1984-7289.2008.1.4326
https://doi.org/10.15448/1984-7289.2008....
) sobre a crítica imanente da ideologia, entendemos que é possível criticar o caráter ideológico da figura do “cidadão de bem” como expressão de uma realização deficitária da cidadania no Brasil. Por isso, para avançarmos com a tarefa da crítica imanente em direção à possibilidade de resolução transformadora das contradições postas por um suposto “cidadão” que se afirma negando a cidadania, é necessário analisar agora seu componente propriamente político.

A política do “cidadão de bem”

Como temos visto até aqui, relações de poder aparecem inextrincavelmente ligadas a qualquer consideração sobre a figura do “cidadão de bem”. Céli Regina Pinto (2017Pinto, C. R. J. (2017). A trajetória discursiva das manifestações de rua no Brasil (2013-2015). Lua Nova, (100), 119-153. doi: 10.1590/0102-119153/100
https://doi.org/10.1590/0102-119153/100...
) discute o componente político associado a essa figura a partir da análise da trajetória discursiva na mídia brasileira de três grandes manifestações de rua, ocorridas entre 2013 e 2015: as jornadas de junho de 2013; as mobilizações contra a Copa do Mundo de 2014; e as jornadas de março de 2015, em torno do impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT). Em sua análise da cobertura dada pelas mídias no período, a autora mostra como ocorreu um deslocamento discursivo nesse conjunto de manifestações, da esquerda para a direita no espectro político, revelando uma forte ascensão conservadora no período. O ponto de inflexão parece ter sido as manifestações de 2014, quando ocorre um deslocamento do perfil de movimentos organizados com pautas e táticas bem definidas (como o Movimento Passe Livre e os black blocs) para um novo perfil disforme e fragmentado de manifestantes (grupos pró-impeachment). Nesse processo, a mídia tradicional teve um papel decisivo na medida em que apregoou pelo direito do suposto “cidadão de bem” de se manifestar, em flagrante oposição aos chamados “baderneiros”.

Não se pode deixar de pontuar a atuação da Rede Globo de televisão, tanto em sua versão de TV aberta como no seu canal pago de notícias, em campanha declarada a favor das manifestações, principalmente em 2013 e 2015. No primeiro ano, a emissora construiu um discurso que dividia os manifestantes entre vândalos, aqueles que eram violentos e portavam palavras de ordem contra os jornalistas da emissora, e os “cidadãos de bem”, que tinham o direito de se manifestar. Quanto mais as manifestações adquiriam uma postura antigoverno federal, mais a Rede Globo cobria os eventos, chegando a mudar sua grade de programação e o horário de sua mais importante atração, a chamada “novela das 9”. (Pinto, 2017Pinto, C. R. J. (2017). A trajetória discursiva das manifestações de rua no Brasil (2013-2015). Lua Nova, (100), 119-153. doi: 10.1590/0102-119153/100
https://doi.org/10.1590/0102-119153/100...
, p. 130, grifos nossos)

Podemos observar a identificação da figura do “cidadão de bem” à onda difusa de novos manifestantes de rua que incluíram não apenas os setores democráticos insatisfeitos com a gestão da então presidente petista, mas também grupos antidemocráticos declaradamente favoráveis ao retorno de forças autoritárias ao poder. A partir desse momento ganhou força o discurso ideológico do “cidadão de bem” como sujeito político defensor de certa moralidade pública, do combate à corrupção e de um suposto resgate do patriotismo. Isso ocorre com a associação de símbolos como o Hino Nacional e a bandeira do Brasil aos supostos “cidadãos de bem”. Nesse momento de efervescência das manifestações públicas, os movimentos sociais organizados que tradicionalmente ocupavam as ruas com suas próprias bandeiras e com pautas reivindicatórias bem definidas, passaram a ser considerados como o negativo desse “cidadão de bem” e, portanto, como inimigos da pátria.

Por isso, dificilmente encontramos a figura do “cidadão de bem” no chamado campo progressista ou de esquerda. Isso parece ocorrer devido à permanência de conceitos clássicos como “militantes” e “trabalhadores” nessa ponta do espectro político. Por outro lado, nos campos de direita e extrema-direita ou nas posições conservadora e liberal, a figura do “cidadão de bem” é evocada com maior frequência. Ela condensa anseios distintos, desde a defesa liberal da propriedade privada até o extremo conservadorismo dos costumes, na medida em que produz e se estabelece sobre o expurgo de seus antagonistas: os “vagabundos”/“bandidos” e, agora, também os “comunistas”, “esquerdistas”, “feministas”, “gayzistas” etc. Assim, em situações de conflito, passa a ser próprio do uso retórico da figura do “cidadão de bem” defender publicamente o extermínio de seus inimigos (Brum, 2014Brum, E. (2014, 17 de fevereiro). Nós, os humanos verdadeiros. El País Brasil. Recuperado de http://bit.ly/3bwgkmP
http://bit.ly/3bwgkmP...
).

No contexto político atual de ascensão dos populismos de direita, essa característica beligerante se expressa na sociedade brasileira pelo fenômeno do bolsonarismo. Uma pesquisa coordenada por Ortellado e Ribeiro (2019Ortellado, P., & Ribeiro, M. M. (2019, 18 de abril). O combate cultural que move o bolsonarismo, na estatística. Época. Recuperado de https://glo.bo/3urqCgD
https://glo.bo/3urqCgD...
) acerca da opinião de eleitores paulistanos mostrou que os bolsonaristas tendem a assumir como seus inimigos, de maneira difusa, o sistema político (especialmente os partidos de esquerda), os movimentos de direitos humanos e identitários (feministas, LGBT, negros etc.) e os meios de comunicação tradicionais (preferindo as novas mídias digitais). A pesquisa também revelou forte componente anti-intelectualista e traços xenofóbicos entre o grupo de eleitores bolsonaristas. Desse modo, a figura do “cidadão de bem” está associada a um tipo de patriotismo ufanista e conservador evidenciado pelo slogan da campanha bolsonarista: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Tal discurso, contudo, não significa necessariamente um genuíno “amor ao país”, mas uma expressão da figura do “cidadão de bem” ao nível das relações internacionais, uma vez que envolve tanto um ataque cego e insistente aos países considerados inimigos (tais como Venezuela e Cuba, por exemplo) como a idealização de países considerados amigos (como EUA e Israel). Essa característica não é novidade. Ela foi identificada como “pseudopatriotismo” no clássico estudo sobre a personalidade autoritária nos Estados Unidos (Adorno, Frenkel-Brunswik, Levinson, & Sanford, 1950Adorno, T., Frenkel-Brunswik, E., Levinson, D., & Sanford, N. (1950). The autoritarian personality. New York, NY: Harper., p. 107). Sem dúvidas, além dessa, existem outras semelhanças entre a figura do “cidadão de bem” brasileiro e o tipo autoritário descrito por Adorno et al. (1950Adorno, T., Frenkel-Brunswik, E., Levinson, D., & Sanford, N. (1950). The autoritarian personality. New York, NY: Harper.) que merecem ser empiricamente investigadas, de modo a explicar os processos psicossociais que resultam na adesão ao discurso ideológico e na obliteração da cidadania.

Nas relações cotidianas, a esperança parece ter cedido lugar ao ódio como sentimento político predominante (Pinheiro-Machado & Scalco, 2018Pinheiro-Machado, R., & Scalco, L. M. (2018). Da esperança ao ódio: Juventude, política e pobreza do lulismo ao bolsonarismo. Cadernos IHU Ideias, 16(278), 1-24.). Isso se reflete em diversas pesquisas que têm buscado explicar como foi possível, no início do século XXI, o casamento entre neoliberalismo econômico e tendências protofascistas, gerando o fenômeno de ascensão das chamadas “novas direitas” (Solano, 2018Solano, E. (2018). O ódio como política: a reinvenção das direitas no Brasil. São Paulo, SP: Boitempo.). Aqui talvez se encontre o problema político mais importante relacionado à existência de uma figura retórica como o “cidadão de bem”: a impossibilidade de um vínculo real entre uma cidadania fraturada e uma forma de vida efetivamente democrática. A figura do “cidadão de bem” é expressão de um profundo e histórico sentimento antidemocrático existente em diversos setores da sociedade brasileira, que sustenta a necropolítica cotidiana e persegue obstinadamente os direitos humanos. Nesse processo, o pacto democrático se fragiliza e o Estado de direito fica ameaçado. Assim, o uso retórico do “cidadão de bem” carrega consigo não apenas a contradição da não efetivação da cidadania enquanto tal, mas, de fato, afirma uma posição política - um “status” privilegiado, restrito e destrutivo - que, no limite, significa uma ameaça real à democracia.

Considerações finais

Afinal, quem é o “cidadão de bem”?

Como vimos, não se trata de um sujeito concreto, mas de uma figura de linguagem, uma representação discursiva que visa conferir legitimidade a determinadas práticas sociais e, portanto, com a qual diferentes sujeitos podem se identificar. A força dessa representação deriva da capacidade de ocultar contradições e problemas que lhes são constitutivos ao mesmo tempo em que reforça preconceitos e hierarquias sociais historicamente constituídas. Dialeticamente, a contradição fundamental do “cidadão de bem” não é em relação à figura do “bandido” ou “vagabundo”, mas ao próprio ideal de universalização da cidadania.

O uso retórico da figura do “cidadão de bem” - seja por autoridades públicas, por intelectuais ou no senso comum em geral - é revelador da distância entre a linguagem dos direitos e sua efetivação como forma de vida. Enquanto o discurso da cidadania não for crítico de suas próprias contradições, ele poderá servir para ocultar a divisão real entre privilégios e luta por dignidade. Desse modo, a crítica imanente da figura do “cidadão de bem” necessariamente nos conduz a uma crítica de uma sociedade fraturada e hierarquizada entre cidadãos de primeira e segunda categoria (Souza, 2012Souza, J. (2012) A construção social da subcidadania: para uma sociologia política da modernidade periférica (2a ed). Belo Horizonte, MG: Editora UFMG.).

Podemos considerar que estamos diante de uma espécie de patologia social da cidadania, no sentido conferido por Axel Honneth (2015Honneth, A. (2015). O direito da liberdade. São Paulo, SP: Martins Fontes.). Não se trata, portanto, de proceder apenas à denúncia de uma forma de injustiça social. Trata-se, sobretudo, de fazer a crítica de um conjunto de práticas discursivas essenciais à reprodução social em que o acesso reflexivo e democrático aos sistemas de ação e de normas se encontra bloqueado à quase totalidade de sujeitos participantes. A terapêutica provavelmente passará por uma transformação radical da nossa frágil concepção de cidadania em direção a novas formas de vida democráticas.

Referências

  • Abs, H. J. (2013). The good citizen: theoretical reflection and a new assessment instrument. Zeitschrift fur Soziologie der Erziehung und Sozialisation, 33(3), 267-282, doi: 10.3262/ZSE1303267
    » https://doi.org/10.3262/ZSE1303267
  • Adorno, T., Frenkel-Brunswik, E., Levinson, D., & Sanford, N. (1950). The autoritarian personality New York, NY: Harper.
  • Azevedo. C. R. S., Alberto, M. F. P., & Amorim, T. R. S. (2017). Adolescência e ato infracional: violência institucional e subjetividade em foco. Psicologia: Ciência e Profissão, 37(3), 579-594. doi: 10.1590/1982-3703003312016
    » https://doi.org/10.1590/1982-3703003312016
  • Barbosa, W. F., & Sá, L. D. (2015). Redefinições da condição de morador: classificações das clientelas no mandato policial cotidiano e suas consequências nas relações entre polícia e população. Caderno CRH, 28(75), 639-656. doi: 10.1590/S0103-49792015000300012
    » https://doi.org/10.1590/S0103-49792015000300012
  • Brum, E. (2014, 17 de fevereiro). Nós, os humanos verdadeiros. El País Brasil Recuperado de http://bit.ly/3bwgkmP
    » http://bit.ly/3bwgkmP
  • Bueno, S., Lima, R. S., & Teixeira, M. A. C. (2016). Sujeito ou demandante? Reflexões sobre o caráter da participação nos conselhos comunitários de segurança de São Paulo. Sociologias, 18(42), 328-355. doi: 10.1590/15174522-018004214
    » https://doi.org/10.1590/15174522-018004214
  • Burtt, S. (2015). La psyché du bon citoyen: Sur la psychologie de la virtu civique. Les Ateliers de l’Éthique, 10(1), 83-99. doi: 10.7202/1032730ar
    » https://doi.org/10.7202/1032730ar
  • Cabette-Fábio, A. (2019, 20 de janeiro). O que a ciência diz sobre o acesso a armas e violência, em 5 estudos. Nexo Recuperado de http://bit.ly/3kgXft5
    » http://bit.ly/3kgXft5
  • Carvalho, L. A., & Espíndula, D. H. P. (2016). Discussões em torno do referendo sobre o comércio de armas de fogo e munição na Folha de S.Paulo. Opinião Pública, 22(2), 446-465. doi: 10.1590/1807-01912016222446
    » https://doi.org/10.1590/1807-01912016222446
  • Chauí, M. (1989). Cultura e democracia: O discurso competente e outras falas São Paulo, SP: Cortez.
  • Costa, J. F. A., & Galeão-Silva, L. G. (2018). Notas sobre a noção de cidadania e seus usos e sentidos no âmbito da política de Assistência Social brasileira. In M. P. Cordeiro & L. V. Souza (Orgs.), Psicologia na assistência social: Um campo de saberes e práticas (pp. 144-163). São Paulo, SP: Instituto de Psicologia USP.
  • Honneth, A. (2015). O direito da liberdade São Paulo, SP: Martins Fontes.
  • Jaeggi, R. (2008). Repensando a ideologia. Civitas, 8(1), 137-165. doi: 10.15448/1984-7289.2008.1.4326
    » https://doi.org/10.15448/1984-7289.2008.1.4326
  • Jaeggi, R. (2017). Crisis, contradiction, and the task of a Critical Theory. In B. Bargu & C. Bottici (Eds.), Feminism, capitalism and critique: essays in honor of Nancy Fraser (pp. 209-224). New York: Palgrave Macmillan.
  • Jaeggi, R. (2018). Critique of forms of life Cambridge, MA: The Belknap Press
  • Lorenzoni, O. (2019, 20 de janeiro). Em defesa do direito de legítima defesa. Folha de S.Paulo Recuperado de http://bit.ly/37HjZNx
    » http://bit.ly/37HjZNx
  • Marshall, T. H. (1967). Cidadania, classe social e status Rio de Janeiro, RJ: Zahar.
  • Montero, M. (2006). Estratégias discursivas ideológicas. In S. Lane & B. Sawaia (Eds.), Novas veredas da Psicologia Social São Paulo, SP: Brasiliense.
  • Neal, L. S. (2009). Christianizing the Klan: Alma White, Branford Clarke, and the art of religious intolerance. Church History, 78(2), 350-378. doi: 10.1017/S0009640709000523
    » https://doi.org/10.1017/S0009640709000523
  • Ortellado, P., & Ribeiro, M. M. (2019, 18 de abril). O combate cultural que move o bolsonarismo, na estatística. Época Recuperado de https://glo.bo/3urqCgD
    » https://glo.bo/3urqCgD
  • Pinheiro-Machado, R., & Scalco, L. M. (2018). Da esperança ao ódio: Juventude, política e pobreza do lulismo ao bolsonarismo. Cadernos IHU Ideias, 16(278), 1-24.
  • Pinto, C. R. J. (2017). A trajetória discursiva das manifestações de rua no Brasil (2013-2015). Lua Nova, (100), 119-153. doi: 10.1590/0102-119153/100
    » https://doi.org/10.1590/0102-119153/100
  • Pykett, J., Saward, M., & Schaefer, A. (2010). Framing the good citizen. The British Journal of Politics and International Relations, 12, 523-538, doi: 10.1111/j.1467-856X.2010.00424.x
    » https://doi.org/10.1111/j.1467-856X.2010.00424.x
  • Repa, L. S. (2016). Reconstrução e crítica imanente: Rahel Jaeggi e a recusa do método reconstrutivo na Teoria Crítica. Cadernos de Filosofia Alemã, 21(1), 13-27. doi: 10.11606/issn.2318-9800.v21i1p13-27
    » https://doi.org/10.11606/issn.2318-9800.v21i1p13-27
  • Resende, V. M. (2009). Dessemelhança e expurgo do outro no debate acerca do rebaixamento da maioridade penal no Brasil: Uma análise discursiva crítica. Forma y Función, 22(1), 145-159.
  • Santos, R. (2012). “Cidadãos de bem” com armas: Representações sexuadas de violência armada, (in)segurança e legítima defesa no Brasil. Revista Crítica de Ciências Sociais, 96, 133-164. doi: 10.4000/rccs.4851
    » https://doi.org/10.4000/rccs.4851
  • Silva, A. K., & Hüning, S. M. (2015). A racionalidade punitiva nas propostas de redução da idade penal brasileiras. Revista Subjetividades, 15(2), 244-255.
  • Silva, J. P. (2010). Nota crítica sobre cidadania no Brasil. Revista Ideias, 1(1), 95-119.
  • Solano, E. (2018). O ódio como política: a reinvenção das direitas no Brasil São Paulo, SP: Boitempo.
  • Souza, J. (2012) A construção social da subcidadania: para uma sociologia política da modernidade periférica (2a ed). Belo Horizonte, MG: Editora UFMG.
  • United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization. (1998). Citizenship education for 21st century Paris: UN.
  • Yablon, A. (2017, 6 de julho). A teoria do cidadão de bem armado foi derrubada. Vice Recuperado de https://bit.ly/3aJhHj1
    » https://bit.ly/3aJhHj1
  • 1
    O modelo de crítica imanente é detalhadamente apresentado no sexto capítulo de Jaeggi (2018Jaeggi, R. (2018). Critique of forms of life. Cambridge, MA: The Belknap Press). Para uma avaliação crítica dessa proposta, conferir Repa (2016Repa, L. S. (2016). Reconstrução e crítica imanente: Rahel Jaeggi e a recusa do método reconstrutivo na Teoria Crítica. Cadernos de Filosofia Alemã, 21(1), 13-27. doi: 10.11606/issn.2318-9800.v21i1p13-27
    https://doi.org/10.11606/issn.2318-9800....
    ) e, para sua conexão com a tradição da Teoria Crítica, ver Jaeggi (2017Jaeggi, R. (2017). Crisis, contradiction, and the task of a Critical Theory. In B. Bargu & C. Bottici (Eds.), Feminism, capitalism and critique: essays in honor of Nancy Fraser (pp. 209-224). New York: Palgrave Macmillan.).
  • 2
    O ministro se refere ao plebiscito sobre comercialização de armas de fogo e munições no Brasil realizado em 2005. Sobre esse processo, no que concerne ao “cidadão de bem”, ver os trabalhos de Carvalho e Espíndula (2016Carvalho, L. A., & Espíndula, D. H. P. (2016). Discussões em torno do referendo sobre o comércio de armas de fogo e munição na Folha de S.Paulo. Opinião Pública, 22(2), 446-465. doi: 10.1590/1807-01912016222446
    https://doi.org/10.1590/1807-01912016222...
    ) e Santos (2012Santos, R. (2012). “Cidadãos de bem” com armas: Representações sexuadas de violência armada, (in)segurança e legítima defesa no Brasil. Revista Crítica de Ciências Sociais, 96, 133-164. doi: 10.4000/rccs.4851
    https://doi.org/10.4000/rccs.4851...
    ).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    11 Ago 2019
  • Revisado
    18 Fev 2021
  • Aceito
    19 Fev 2021
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo Av. Prof. Mello Moraes, 1721 - Bloco A, sala 202, Cidade Universitária Armando de Salles Oliveira, 05508-900 São Paulo SP - Brazil - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revpsico@usp.br