Acessibilidade / Reportar erro

Hegemonia do patriarcado numa perspectiva etológica e outros sistemas sociais contemporâneos

Patriarchal hegemony and other social systems: an ethological perspective

L’hégémonie patriarcale et d’autres systèmes sociaux : une perspective éthologique

Hegemonía del patriarcado desde una perspectiva etológica y otros sistemas contemporáneos

Resumo

No mundo contemporâneo, o patriarcado se estabeleceu de forma hegemônica, por isso, este estudo tem como propósito investigar hipóteses sobre a origem evolutiva desse sistema, explorar os motivos para tal construção social e discutir a filopatria masculina como possível causa da manutenção da estrutura patriarcal. Por meio de pesquisa bibliográfica e estudos etológicos foi possível analisar os comportamentos, conceitos, origens, padrões e conformações em nível filogenético desse sistema social. Além disso, verifica-se a existência de sociedades contemporâneas que se contrapõem ao patriarcalismo por possuírem organizações matrilineares, matrilocais e matriarcais. Dessa maneira, apesar da hegemonia do sistema patriarcal, essa estrutura não é única e estática, sendo seu dinamismo evidenciado por conformações sociais existentes na contemporaneidade.

Palavras-chave:
etologia; patriarcado; matriarcado; filopatria masculina

Abstract

Patriarchy is a hegemonic social system in the contemporary world. This study investigates the evolutionary origins of patriarchy, exploring its basis and whether masculine philopatry acts to maintain the patriarchal structure. An an integrative literature review of ethological studies allowed us to analysing behaviors, concepts, origins, patterns and conformations at the phylogenetic level. Moreover, it verified the existence of current matrilineal and matriarchal communities that oppose patriarchy. Despite its hegemony, patriarchy is neither unique nor static, as evidenced by distinct contemporary social configurations.

Keywords:
patriarchy; matriarchy; male philopatry; ethology

Résumé

Le patriarcat est u système social hégémonique dans le monde contemporain. Cette étude a pour but d’’évaluerse penche sur les origines évolutives du patriarcat, en explorant ses fondements et en examinant si la philopatrie masculine agit pour maintenir la structure patriarcale. Une revue de littérature intégrative des études éthologiques nous a permis d’analyser les comportements, les concepts, les origines, les modèles et la configuration du patriarcat au niveau phylogénétique. De plus, elle a permis de vérifier l’existence de communautés matrilinéaires et matriarcales contemporaines qui s’opposent au patriarcat. Malgré son hégémonie, le patriarcat n’est ni unique ni statique, comme en témoignent les différentes configurations sociales contemporaines.

Mots-clés :
patriarcat; matriarcat; philopatrie masculine; éthologie

Resumen

En la contemporaneidad, el sistema patriarcal se ha establecido de forma hegemónica. Este estudio tiene como propósito plantear hipótesis sobre el origen evolutivo del patriarcado, explorar los motivos para tal construcción social y discutir la filopatria masculina como posible causa del mantenimiento de la estructura patriarcal. A partir de la investigación bibliográfica y de estudios etológicos ha sido posible hacer un análisis de los comportamientos, conceptos, orígenes, patrones y conformaciones a nivel filogenético de ese sistema social. Además, se observa la existencia de sociedades contemporáneas que se contraponen al patriarcalismo al poseer organizaciones matrilineales, matrilocales y matriarcales. De esta forma, a pesar de la hegemonía del sistema patriarcal, esta estructura no es única y estática, y su dinamismo es evidenciado por conformaciones sociales existentes en la actualidad.

Palabras clave:
patriarcado; matriarcado; filopatria masculina; etología

Ao longo da história humana, o sistema patriarcal não foi sempre hegemônico. Do período Paleolítico ao Neolítico, até cerca de 3000 a. C., a figura feminina foi amplamente cultuada como tellus mater, a deusa-mãe ou mãe-terra (Silva, 2015Silva, B. A. (2015) A construção argumentativa da mulher V: Um modelo a ser seguido (Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte). Recuperado de https://bit.ly/3A38fnN
https://bit.ly/3A38fnN...
, p. 55). Para os homens da época, os mistérios da origem humana eram delegados à natureza e ao corpo feminino, já que o ventre da mulher guardava o segredo da fecundação. Nesse sentido, o culto à deusa-mãe representava o culto à natureza, que encarna a vida e a morte, e a mulher era quem incorporava a beleza e o sagrado naquelas sociedades.

Não obstante, com a instituição de religiões patriarcais, observa-se o estabelecimento de um olhar pejorativo para as deusas, tornando sua simbologia grotesca e sua sexualidade imprópria e agressiva, ao mesmo tempo que a admiração e o poder são dados aos homens. De acordo com Silva (2015Silva, B. A. (2015) A construção argumentativa da mulher V: Um modelo a ser seguido (Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte). Recuperado de https://bit.ly/3A38fnN
https://bit.ly/3A38fnN...
, p. 51), lutas territoriais dizimaram aos poucos a religião da deusa, passando a eleger um único deus homem. No nível simbólico, o arquétipo da serpente, a mãe detentora da sabedoria, foi gradualmente deteriorado e substituído pelo falo, aspecto que expressa o homem, esposo de todas as mulheres (Stone, 1976 citado por Silva, 2015Silva, B. A. (2015) A construção argumentativa da mulher V: Um modelo a ser seguido (Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte). Recuperado de https://bit.ly/3A38fnN
https://bit.ly/3A38fnN...
, p. 60).

Atualmente, com a ampla expansão do patriarcado pelo planeta, estão em debate os principais fatores que encaminharam tal hegemonia. A filopatria masculina, ou seja, a permanência de indivíduos do sexo masculino em sua área natal ou em seu grupo de origem é um provável fator de subsistência do sistema (Smuts, 1995Smuts, B. (1995). The evolutionary origins of patriarchy. Human Nature, (6), 1-32. doi: 10.1007/BF02734133.
https://doi.org/10.1007/BF02734133....
). Tal hipótese é corroborada pelos dados sobre os padrões de dispersão em hominínios apresentados por Koenig e Borries (2012Koenig, A., & Borries, C. (2012). Hominoid dispersal patterns and human evolution. Evolutionary Anthropology, 21(3), 108-112. doi: 10.1002/evan.21300
https://doi.org/10.1002/evan.21300...
) e por Hrdy (2001Hrdy, S. B. (2001). Mãe natureza: Uma visão feminina da evolução. Maternidade, filhos e seleção natural (A. Cabral, trad.) Rio de Janeiro, RJ: Campus.), que apontam como consequências sociais da filopatria masculina o investimento parental e neonaticídios do sexo feminino, fatores que fortalecem a dominação patriarcal. Sendo assim, o presente ensaio se propõe a abordar a filopatria masculina na espécie humana como causa privilegiada da manutenção da estrutura patriarcal. A primeira parte do trabalho consiste em uma análise da filopatria e suas possíveis origens evolutivas numa perspectiva etológica; a segunda, por sua vez, descreve comportamentos, conceitos, origens e conformações da hegemonia patriarcal e de sistemas sociais contemporâneos que se contrapõem ao modelo social vigente por possuírem organizações matrilineares, matrilocais e até mesmo matriarcais.

Filopatria masculina e sua relação com o patriarcado

A análise da formação das sociedades a partir das estruturas de matriarcado e patriarcado, assim como sua relação com os modelos de filopatria, pode contribuir de forma significativa para os estudos etológicos. A observação do comportamento animal, em especial das espécies viventes de primatas mais próximas à Homo sapiens, permite a compreensão da similaridade entre padrões sociais presentes nessas diferentes populações, no que se refere ao predomínio de um ou outro sexo em sua organização social, bem como das relações de poder nelas existentes (Smuts, 1995Smuts, B. (1995). The evolutionary origins of patriarchy. Human Nature, (6), 1-32. doi: 10.1007/BF02734133.
https://doi.org/10.1007/BF02734133....
).

Os estudos etológicos conceituam as causas do comportamento entre proximais e distais. No primeiro caso, leva-se em conta a história particular do indivíduo - ontogenética -, e no segundo, a história evolutiva de sua espécie - filogenética. Nesse sentido, a filopatria masculina, enquanto hipótese para a hegemonia do patriarcado na espécie humana, é considerada uma causa distal, referindo-se ao processo evolutivo desse sistema. Essa hipótese se deve tanto à presença desse comportamento em outros primatas, o que aponta a existência dessa estrutura social ao longo da história evolutiva humana, como à consolidação gradual desse modelo de sociedade a partir da fragilização do papel da mulher, tema abordado com êxito no trabalho de Smuts (1995Smuts, B. (1995). The evolutionary origins of patriarchy. Human Nature, (6), 1-32. doi: 10.1007/BF02734133.
https://doi.org/10.1007/BF02734133....
).

A hipótese explicativa da relação entre a filopatria masculina e o estabelecimento e manutenção do patriarcado apontada por Smuts (1995Smuts, B. (1995). The evolutionary origins of patriarchy. Human Nature, (6), 1-32. doi: 10.1007/BF02734133.
https://doi.org/10.1007/BF02734133....
) é corroborada pors dados demográficos, etnográficos e genéticos, conforme apresentado no artigo “Hominoid Dispersal Patterns and Human Evolution”, de Andreas Koenig e Carola Borries (2012Koenig, A., & Borries, C. (2012). Hominoid dispersal patterns and human evolution. Evolutionary Anthropology, 21(3), 108-112. doi: 10.1002/evan.21300
https://doi.org/10.1002/evan.21300...
). Nesse trabalho, os autores ressaltam que, apesar dos chimpanzés serem nossos parentes mais próximos na atualidade, as duas espécies se separaram evolutivamente há cerca de 4 ou 8 milhões de anos. Assim, considerar que nosso padrão de dispersão seria resultante dessa ancestralidade comum entre os grupos seria assumir uma hipótese inconsistente, já que a filopatria estritamente masculina dos chimpanzés diverge da flexibilidade de padrões de dispersão entre populações humanas caçadoras-coletoras. No que se refere a isso, através de uma análise etnográfica de 185 sociedades e estudos genéticos que distinguiu caçadores-coletores de produtores de alimentos, constata-se que as sociedades caçadoras-coletoras eram flexíveis em seus padrões de dispersão, sendo prevalentemente bilocais.

Todavia, o cenário mudou após a sedentarização e o advento da agricultura, de modo que nossos ancestrais assumiram um padrão de dispersão majoritariamente patrilocal. A produção de alimentos associada à concentração em um espaço de terra sob a guarda masculina propiciou aos homens maior controle sobre as mulheres e sobre os recursos do grupo. Dessa mudança decorreu a imposição de mecanismos benéficos aos homens, determinando a manutenção de grupos sob a dominação masculina e o deslocamento de mulheres entre eles. A partir disso, entende-se que os fatores determinantes para a predominância da filopatria masculina e, posteriormente, da patrilocalidade1 1 O termo patrilocalidade se refere à migração da mulher de seu grupo natal para o do marido após o casamento. Desse modo, é utilizado somente para tratar de humanos modernos. entre os humanos modernos foram a produção de alimentos e a sedentarização (Koenig & Borries, 2012Koenig, A., & Borries, C. (2012). Hominoid dispersal patterns and human evolution. Evolutionary Anthropology, 21(3), 108-112. doi: 10.1002/evan.21300
https://doi.org/10.1002/evan.21300...
). Dessa forma, constatamos que a associação entre a hipótese teórica postulada por Smuts (1995Smuts, B. (1995). The evolutionary origins of patriarchy. Human Nature, (6), 1-32. doi: 10.1007/BF02734133.
https://doi.org/10.1007/BF02734133....
) e a confirmação da predominância da filopatria masculina na espécie humana desde a sedentarização, demonstrada pelos dados de Koenig e Borries (2012)Koenig, A., & Borries, C. (2012). Hominoid dispersal patterns and human evolution. Evolutionary Anthropology, 21(3), 108-112. doi: 10.1002/evan.21300
https://doi.org/10.1002/evan.21300...
, elucidam a constituição de um cenário favorável ao desenvolvimento, consolidação e manutenção do patriarcado. No entanto, assim como a espécie humana ao longo de sua história evolutiva apresentou padrões flexíveis de dispersão, os sistemas sociais contemporâneos também são passíveis de transformações, como será aprofundado no decorrer do texto.

Para que se inicie uma análise das estruturas sociais do patriarcado e suas possíveis raízes evolutivas, é preciso compreender as bases do pensamento ocidental atual que possibilitaram essa reflexão. Nesse sentido, a Revolução Francesa é um marco significativo da propagação dos ideais de igualdade, liberdade e fraternidade, embora a concretização de uma sociedade humana em que todos os indivíduos desfrutem de plenos direitos ainda seja um trabalho em progresso (Vovelle, 2020Vovelle, M. (2020). A revolução francesa, 1789-1799 (M. Echalar, trad.). São Paulo, SP: Editora Unesp.). São diversos os grupos historicamente aos quais é negado o acesso à vivência integral da própria existência, entre eles, as mulheres. A apreensão dessa realidade e a busca por uma transformação da opressão do patriarcado constituíram a formulação teórica do feminismo, com suas concretas aplicações políticas que motivam diferentes lutas e manifestações desde a primeira onda do movimento, na transição entre os séculos XIX e XX (Monteiro & Grubba, 2017Monteiro, K. F., & Grubba, L. S. (2017). A luta das mulheres pelo espaço público na primeira onda do feminismo: De suffragettes às sufragistas. Direito e Desenvolvimento, 8(2), 261-278. doi: 10.25246/direitoedesenvolvimento.v8i2.563.
https://doi.org/10.25246/direitoedesenvo...
).

Uma vez que o corpo teórico do feminismo é formulado em especial por mulheres do campo das humanidades, como Simone de Beauvoir (1949/1967)Beauvoir, S. (1967). O segundo sexo: Experiência vivida (S. Milliet, trad.). Rio de Janeiro, RJ: Difusão Europeia do Livro. (Trabalho original publicado em 1949), Judith Butler (1990/1999)Butler, J. (1999). Gender trouble: Feminism and the subversion of identity (2a ed.). New York, NY: Routledge. (Trabalho original publicado em 1990), Angela Davis (1981/2016)Davis, A. (2016). Mulheres, raça e classe. São Paulo, SP: Boitempo. (Trabalho original publicado em 1981) e Lélia Gonzalez (2020Gonzalez, L. (2020). Por um feminismo afro-latino-americano. Rio de Janeiro, RJ: Zahar.), uma ênfase sobre o dado cultural da opressão masculina sobre as mulheres caracterizou grande parte desses trabalhos. Os estudos apontam as estruturas históricas do patriarcado e da elaboração do papel outorgado à mulher para, desvelando tais dinâmicas, poder constituir um arcabouço teórico que sustente uma movimentação política transformadora.

Todavia, essa elaboração levou, de certa forma, a um afastamento do feminismo clássico em relação às teorias biológicas e seus estudos, evitando que o argumento do determinismo, originado por uma leitura enviesada da teoria evolucionista, enfraquecesse a legitimidade da luta pela igualdade entre os sexos. O enfoque na construção sociocultural em comparação com o dado biológico é perceptível na consagrada frase que inicia o segundo volume de O Segundo Sexo: “Ninguém nasce mulher, torna-se mulher.” (Beauvoir, 1949/1967Beauvoir, S. (1967). O segundo sexo: Experiência vivida (S. Milliet, trad.). Rio de Janeiro, RJ: Difusão Europeia do Livro. (Trabalho original publicado em 1949), p. 9).

A aparente dicotomia entre os elementos biológicos e socioculturais, entretanto, impediu que ambas as áreas se beneficiassem das novas compreensões alcançadas em suas respectivas pesquisas. É nesse esforço de síntese, com uma compreensão biocultural sobre o fenômeno estudado, que Barbara Smuts lança, em 1995Smuts, B. (1995). The evolutionary origins of patriarchy. Human Nature, (6), 1-32. doi: 10.1007/BF02734133.
https://doi.org/10.1007/BF02734133....
, seu artigo “The Evolutionary Origins of Patriarchy”, abordando o patriarcado sob uma perspectiva etológica.

Em seu trabalho, Smuts (1995Smuts, B. (1995). The evolutionary origins of patriarchy. Human Nature, (6), 1-32. doi: 10.1007/BF02734133.
https://doi.org/10.1007/BF02734133....
) apresenta uma cronologia dos fatores que levaram à consolidação do patriarcado na espécie humana. Para isso, formula seis hipóteses para a opressão dos machos sobre as fêmeas, observadas em espécies de primatas não humanos, ter alcançado em Homo sapiens uma expressão tão privilegiada. O ponto axial de reflexão é a consideração de que o principal objetivo masculino na espécie humana é o controle da reprodução feminina, e a principal estratégia para obter isso é a violência.

Antes de entrar de fato na conceituação do patriarcado na espécie humana, a autora realiza um apanhado da literatura sobre a existência de mecanismos de controle dos machos sobre as fêmeas em outros primatas, apontando comportamentos e estruturas sociais que permitem esse domínio, com as particularidades próprias de cada espécie.

Ao iniciar a exposição sobre a expressão da questão em Homo sapiens, Smuts afirma que há, logo de início, uma diferença significativa em relação aos primatas não humanos: nas sociedades humanas, os homens tendem a acumular não apenas os recursos como também os poderes políticos. Assim, retira-se a participação da mulher do espaço público, fragilizando estratégias femininas utilizadas para defesa, como a formação de alianças. As mulheres em uma sociedade patriarcal se encontram constantemente deslocadas e sem tantas possibilidades de constituir vínculos significativos, prejudicando a sororidade2 2 Ana Paula Penkala (2014, citada por Silva, 2016, p. 47) define a sororidade “como um pacto político e ético de irmandade entre as mulheres que despertam práticas a fim de preservar e estimular a proteção, solidariedade e defesa entre as mulheres e, assim, enfrentar o patriarcado”. , instrumento de resistência.

A permanência dos homens em seus grupos familiares permite a formação de relações afetivas e alianças desde o início de suas vidas, ao passo que as mulheres, desenraizadas de seu espaço originário pelo casamento, são inseridas em um ambiente estranho, o que prejudica seus vínculos sociais. Essa estrutura social que torna assimétricas as relações entre homens e mulheres fragiliza as ligações de sororidade e redes de apoio femininas e possibilita a continuidade da dominação masculina. Por sua vez, os fortes vínculos masculinos permitem não apenas o domínio sobre a sexualidade feminina como também o estabelecimento de um aparato cultural e normativo que sustenta esse controle. Menos explícitas, apesar de sua importância para a manutenção do poder, são as normas sociais que refletem cooperações masculinas. Como incremento ideológico e corretivo, reforçam-se sanções que ajudam homens a controlar a sexualidade feminina, como as leis vigentes no Brasil Colonial (e até mesmo depois da Independência) que permitiam o assassinato da esposa que cometia adultério (Carvalho, 1999Carvalho, L. F. (1999, 25 de junho). Adultério era mais grave. Folha de S.Paulo. Recuperado de https://bit.ly/3nd8Dbw
https://bit.ly/3nd8Dbw...
).

Além disso, Smuts (1995Smuts, B. (1995). The evolutionary origins of patriarchy. Human Nature, (6), 1-32. doi: 10.1007/BF02734133.
https://doi.org/10.1007/BF02734133....
) defende que alianças entre machos e o controle masculino sobre recursos interagiram em um feedback positivo ao longo da evolução humana. A autora argumenta que a existência de cooperação masculina para alcançar objetivos políticos e reprodutivos facilitou a colaboração durante a caça e no posterior controle dos ganhos da caçada. Nesse sentido, é provável que a possibilidade de controlar recursos tenha aumentado os benefícios dos machos na formação de alianças uns com os outros, levando-as a se fortalecerem ao longo do tempo.

Por outro lado, a dependência feminina dos recursos conquistados pelos homens aumentou sua vulnerabilidade à dominação masculina por três motivos, como explicado por Smuts (1995Smuts, B. (1995). The evolutionary origins of patriarchy. Human Nature, (6), 1-32. doi: 10.1007/BF02734133.
https://doi.org/10.1007/BF02734133....
): (1) com a concentração de trabalho num pequeno espaço de terra, ficou mais fácil para os homens monitorarem as atividades exercidas pelas mulheres; (2) quanto mais bens são investidos pelo homem na criança de sua parceira, mais preocupados ficam em assegurar que essa criança seja realmente deles, levando-os ao desejo de controlar a sexualidade feminina; e (3) quanto maior a dependência, maior o custo da resistência à dominação masculina, tornando cada vez mais difícil que mulheres consigam todos os recursos para elas e suas crianças sem o apoio masculino; os homens, por sua vez, percebem a relação estreita entre o controle de mulheres e a dependência financeira delas em relação a eles.

Assim, sem possibilidades de sobrevivência autônoma e de consolidação de alianças significativas com pessoas do mesmo gênero que poderiam apoiá-la, a mulher foi inserida no contexto do patriarcado socioestrutural, em que poucas opções lhe restaram a não ser compactuar com o sistema. Nesse sentido, o papel feminino na manutenção do patriarcado que lhe é comumente opressor deve ser compreendido, nesse contexto, não apenas como uma fragilidade emocional. Isso porque, em resumo, o lugar da mulher é atravessado pelo desenraizamento da esposa em relação a seus grupos de origem e a perspectiva reprodutiva da comunidade, na qual há preferência parental por filhos em detrimento das filhas (Hrdy, 2001Hrdy, S. B. (2001). Mãe natureza: Uma visão feminina da evolução. Maternidade, filhos e seleção natural (A. Cabral, trad.) Rio de Janeiro, RJ: Campus.). Em sociedades com poliginia3 3 Poliginia é o estado em que o homem se relaciona simultaneamente com várias mulheres. , por exemplo, são refletidas as facilidades que o patriarcado dá ao homem, que terá melhores oportunidades de perpetuar a linhagem.

Outro elemento significativo para a constituição e manutenção do patriarcado é o surgimento da linguagem4 4 Em relação à linguagem, chama atenção o seu caráter memorístico, atuando de maneira prescritiva na conformação social. Apesar da sua importância na constituição e preservação do patriarcado, a linguagem também pode ter atuado no sentido de legitimar ideologias em via contrária à dominação masculina, como no caso das simbólicas deusas-mãe. (Smuts, 1995Smuts, B. (1995). The evolutionary origins of patriarchy. Human Nature, (6), 1-32. doi: 10.1007/BF02734133.
https://doi.org/10.1007/BF02734133....
). Além dos benefícios de comunicação entre membros de uma mesma espécie, a fala pode também ser instrumentalizada para a construção de elaborações teóricas que sustentem o sistema já vivenciado pelo grupo. Com isso, o domínio dos homens sobre as mulheres, cuja existência desde os primórdios da espécie é inferida pela comparação com o comportamento de outros primatas não humanos, foi potencializado pelo surgimento da língua e sua capacidade de elaboração ideológica.

Em síntese, Smuts (1995Smuts, B. (1995). The evolutionary origins of patriarchy. Human Nature, (6), 1-32. doi: 10.1007/BF02734133.
https://doi.org/10.1007/BF02734133....
) busca explicitar as bases evolutivas do patriarcado, embora não exclua o importante papel da construção social sobre sua estruturação. A divergência entre a formulação teórica feminista e os estudos de biologia evolutiva pode ser dirimida pela compreensão da partilha de objetos de estudo por ambas as áreas: o sexo, o poder e as relações entre ambos. Enquanto os estudos feministas se debruçam sobre o modo como esse poder é exercido, os estudos evolutivos perguntam-se o porquê (que não é imutável, ou seja, não exclui a formulação política do feminismo de transformação da sociedade). Uma intersecção entre ambas as áreas permite, portanto, um desenvolvimento da práxis feminista clássica pela apreensão dos conceitos evolutivos, como se pode observar nas reflexões produzidas atualmente em diferentes vertentes do feminismo contemporâneo (MacEacheron, 2017MacEacheron, M., & Campbell, L. (2017). Moderation of female-female competition for matings by competitors’ age and parity. In Fischer, M. (Ed.), The Oxford handbook of women and competition (pp. 453-476). Oxford, England: Oxford University Press.).

Filhas ou filhos? Filopatria masculina e preferência parental

O filho estava, pois,

vivo e a filha, desvalorizada…

George Eliot

Enquanto Smuts (1995Smuts, B. (1995). The evolutionary origins of patriarchy. Human Nature, (6), 1-32. doi: 10.1007/BF02734133.
https://doi.org/10.1007/BF02734133....
) formula hipóteses sobre a origem do patriarcado, Hrdy (2001Hrdy, S. B. (2001). Mãe natureza: Uma visão feminina da evolução. Maternidade, filhos e seleção natural (A. Cabral, trad.) Rio de Janeiro, RJ: Campus.) expõe as consequências de tal sistema nas diversas sociedades. Nesse intuito, a autora identifica interesses parentais que reiteram desejos cristalizados na linhagem familiar patriarcal, com ênfase na necessidade de retribuição do investimento na criação dos filhos. Em diferentes períodos socio-históricos, como no século XIX, em grupos tradicionais chineses, os interesses familiares chegaram a níveis mais extremos, tornando comum o aborto e o neonaticídio seletivo de filhas (Seabra & Manso, 2014Seabra, L. D., & Manso, M. D. B. (2014). Escravatura, concubinagem e casamento em Macau: Séculos XVI-XVIII. Afro-Ásia, (49), 105-133. doi: 10.1590/S0002-05912014000100004
https://doi.org/10.1590/S0002-0591201400...
). Como exemplo, a política do filho único, que causou notória comoção internacional devido à preferência de famílias por filhos homens e pelo infanticídio feminino decorrente disso. Entretanto, práticas desse tipo já eram comuns em diversas sociedades ao redor do mundo muito antes da adoção de uma política populacional por parte do governo chinês.

Na Índia patrilinear, as filhas saem de suas casas quando se casam, levando consigo um valoroso dote para a família do marido. Hrdy (2001Hrdy, S. B. (2001). Mãe natureza: Uma visão feminina da evolução. Maternidade, filhos e seleção natural (A. Cabral, trad.) Rio de Janeiro, RJ: Campus.) cita um estudo que mostra que, em Bangladesh, os filhos homens, através do trabalho, reembolsam os pais por sua criação aos 15 anos, enquanto as filhas saem de casa antes de poder reembolsá-los, mesmo trabalhando duro desde cedo. Há, portanto, uma desvalorização simbólico-social do papel feminino na sociedade que se engendra através da patrilocalidade e acaba por contribuir para a manutenção da dominação masculina.

Nos humanos, justificava-se a preferência por filhos homens e o infanticídio feminino a partir de uma perspectiva estritamente cultural. Entretanto, os biólogos Trivers e Willard, em 1973, lançaram a hipótese de que mães em boas condições devem favorecer o sexo com a maior variância no sucesso reprodutivo, enquanto mães em más condições devem favorecer o sexo com a menor variância. Aplica-se, pois, quando o principal determinante do sucesso reprodutivo é o acesso às fêmeas, capaz de predizer a proporção entre sexos em animais5 5 A hipótese Trivers-Willard possui, hoje, comprovação e prediz as proporções entre sexos de diferentes animais em diferentes lugares, como o nobre cervo da Escócia e o gambá da América Central, além da especiação em filhas fêmeas do macaco-aranha, nas florestas úmidas do Peru (Hrdy, 2001, p. 352). e em sociedades humanas estratificadas, como no caso de Rajput, na Índia (Hrdy, 2001Hrdy, S. B. (2001). Mãe natureza: Uma visão feminina da evolução. Maternidade, filhos e seleção natural (A. Cabral, trad.) Rio de Janeiro, RJ: Campus., p. 352).

Grandes frações da história universal só podem ser entendidas se prestarmos atenção a esses padrões. Os destinos humanos podem ser interpretados como artefatos do tratamento diferencial da progênie por seus pais. Que filhos herdavam terras e davam continuidade a dinastias, quais os que tinham de partir para colonizar novos mundos . . . que filhas recebiam dote e eram mandadas para distantes reinos. (Hrdy, 2001Hrdy, S. B. (2001). Mãe natureza: Uma visão feminina da evolução. Maternidade, filhos e seleção natural (A. Cabral, trad.) Rio de Janeiro, RJ: Campus., p. 361)

É pertinente reiterar as atrocidades culturais cometidas contra o sexo feminino, por conseguinte, como decorrências dos artifícios de controle masculino definidos nas seis hipóteses de Smuts (1995Smuts, B. (1995). The evolutionary origins of patriarchy. Human Nature, (6), 1-32. doi: 10.1007/BF02734133.
https://doi.org/10.1007/BF02734133....
), já mencionadas, para a consolidação estrutural hegemônica da opressão sofrida pelas mulheres por parte dos homens. Em suma, a preferência por filhos homens e a eliminação de filhas, retratadas por Hrdy (2001Hrdy, S. B. (2001). Mãe natureza: Uma visão feminina da evolução. Maternidade, filhos e seleção natural (A. Cabral, trad.) Rio de Janeiro, RJ: Campus.), assentam-se enquanto produtos de uma complexa estruturação de poder sobre a sexualidade feminina que perpetua a desvalorização da mulher.

Sistemas sociais contemporâneos

Considerando-se o aporte analítico oriundo das investigações de Hrdy (2001Hrdy, S. B. (2001). Mãe natureza: Uma visão feminina da evolução. Maternidade, filhos e seleção natural (A. Cabral, trad.) Rio de Janeiro, RJ: Campus.), a importância do estudo das sociedades humanas a partir dessa característica de sua organização fica evidente. Nesse sentido, a observação de modelos sociais distintos do patriarcado aparentemente hegemônico demonstra que, embora as questões levantadas por Hrdy estejam presentes na realidade social, não são regra para todas as expressões culturais humanas.

Portanto, apesar de o patriarcado ter se constituído como hegemônico, o sistema coexiste com outras estruturas sociais, desde sua expansão, há cerca de 4400 anos, até a contemporaneidade (Silva, 2015Silva, B. A. (2015) A construção argumentativa da mulher V: Um modelo a ser seguido (Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte). Recuperado de https://bit.ly/3A38fnN
https://bit.ly/3A38fnN...
, p. 63). Dentre tais conformações socioculturais, destaca-se o matriarcado, no qual a mãe é a autoridade máxima, considerada sagrada devido a aspectos relacionados à fertilidade, sensorialidade e liderança. A própria definição de matriarcado consiste no poder e governo na mão de mulheres. Contudo, é equivocado associar uma oposição direta entre sociedades matriarcais e patriarcais. O patriarcado implica uma centralização social na figura masculina e a subordinação do sexo feminino, enquanto o matriarcado tem como base a liderança genuína da matriarca, conforme descrito por Silva (2015)Silva, B. A. (2015) A construção argumentativa da mulher V: Um modelo a ser seguido (Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte). Recuperado de https://bit.ly/3A38fnN
https://bit.ly/3A38fnN...
e por Smuts (1995Smuts, B. (1995). The evolutionary origins of patriarchy. Human Nature, (6), 1-32. doi: 10.1007/BF02734133.
https://doi.org/10.1007/BF02734133....
).

É oportuno apresentarmos também as definições de matrilocalidade/patrilocalidade e matrilinearidade/patrilinearidade. Na matrilocalidade, as mulheres permanecem em seus grupos de origem e o seu parceiro é quem muda de grupo social, adaptando-se aos hábitos e costumes da família materna. Em oposição está o modelo patrilocal, em que as mulheres se transferem para a casa dos maridos. Ademais, outro importante conceito é o de matrilinearidade, em que a descendência da linhagem (sobrenome, heranças) é feita por meio da família materna. Em antagonismo, tem-se a patrilinearidade, cuja maior evidência nas culturas ocidentais contemporâneas é a prevalência do sobrenome masculino na descendência familiar. Constata-se, então, o primeiro passo para a emancipação feminina: o reconhecimento do lugar social que as mulheres ocupam e o desenvolvimento de uma consciência crítica, além da vontade de mudança. É a convergência das teorias evolutivas e feministas (Smuts, 1995Smuts, B. (1995). The evolutionary origins of patriarchy. Human Nature, (6), 1-32. doi: 10.1007/BF02734133.
https://doi.org/10.1007/BF02734133....
).

Sociedades não patriarcais

A natureza é nossa maestra

Filosofia Adat

Ao norte do Quênia, no distrito de Samburu, ergueu-se uma comunidade matriarcal, matrilocal e matrilinear chamada Umoja, que em suaíli significa “unidade” (Alves, s.d.Alves, A. (s.d.). Umoja: A União Onde Homens Não Entram. Afreaka. Recuperado de http://www.afreaka.com.br/notas/umoja-uniao-onde-homens-nao-entram/.
http://www.afreaka.com.br/notas/umoja-un...
). Fundada em 1990, essa vila tem como escopo proteger as mulheres que não concordam com a cultura Samburu, conhecida por ser extremamente patriarcal, na qual elas, ainda crianças, são prometidas aos pretendentes que muitas vezes são homens mais velhos. Além disso, tradicionalmente, as meninas sofrem mutilação genital e, após o casamento, tornam-se propriedade do marido, estando, frequentemente, sujeitas a violência doméstica e sexual (Bindel, 2015Bindel, J. (2015, 16 de agosto). The village where men are banned. The Guardian. Recuperado de https://bit.ly/3yiQEH9
https://bit.ly/3yiQEH9...
).

Rebecca Lolosoli, uma das fundadoras e matriarca de Umoja, teve a ideia de criar uma vila apenas para mulheres enquanto se recuperava de um espancamento realizado por um grupo de homens. O motivo para tal violência foi o fato de ela ter conversado com as mulheres de sua aldeia sobre seus direitos. Após o ocorrido, Rebecca, junto com outras 15 mulheres sobreviventes de estupros cometidos por soldados britânicos, abandonou a região e fundou Umoja (Karimi, s.d.Karimi, F. (s.d.). She grew up in a community where women rule and men are banned. CNN. Recuperado de https://cnn.it/3Nf1MsB
https://cnn.it/3Nf1MsB...
).

No início, as moradoras de Umoja eram todas de Samburu, mas atualmente também são acolhidas mulheres de outras regiões. Além delas, a vila abriga muitas crianças que recebem educação na escola construída pelo grupo. Entretanto, a região não permite a permanência e residência dos homens; as mulheres são livres para se relacionarem com homens de fora, e os meninos frutos desses relacionamentos podem ficar na vila até atingirem a fase adulta. Quando conseguem um emprego, eles precisam sair de Umoja, mas podem visitar suas mães quando quiserem (Womena, 2020Womena (Produtor). (2020). Umoja, a safe haven for women where men aren’t allowed [Vídeo]. Recuperado de https://bit.ly/3brwhOM
https://bit.ly/3brwhOM...
).

Na vila, que tem como base o turismo, as mulheres possuem ampla independência e organização econômica. Sendo assim, o dinheiro para sustento da comunidade é proveniente da venda de entradas para turistas, colares de miçangas confeccionados pelas próprias mulheres e doações:

“Depois de vender os colares, eles entregam o dinheiro à matriarca da vila, que aloca o valor da comida para cada família com base no número de filhos por propriedade”, diz Learpoora. “Parte desse dinheiro também é destinada à educação, principalmente para as meninas”. (Karimi, s.d.Karimi, F. (s.d.). She grew up in a community where women rule and men are banned. CNN. Recuperado de https://cnn.it/3Nf1MsB
https://cnn.it/3Nf1MsB...
, tradução nossa)

Além da independência financeira, Umoja também possui organização política e cultural. Dessa forma, Lolosoli tem sido eleita presidente da aldeia, e toda a organização da vila, desde a construção das casas, administração da escola e a criação e abatimento de animais - atividades que, de acordo com a tradição Samburu somente os homens podem realizar (Alves, s.d.Alves, A. (s.d.). Umoja: A União Onde Homens Não Entram. Afreaka. Recuperado de http://www.afreaka.com.br/notas/umoja-uniao-onde-homens-nao-entram/.
http://www.afreaka.com.br/notas/umoja-un...
) - é feita pela e para as mulheres.

Umoja possui ainda uma escola, gratuita e coordenada pelas moradoras, que também atende crianças de outros vilarejos. Por dia, uma média de 80 crianças vão para a escola e, sob tutela de uma única professora, têm cursos em três idiomas: samburu, kiswahili e inglês. (Alves, s.d.Alves, A. (s.d.). Umoja: A União Onde Homens Não Entram. Afreaka. Recuperado de http://www.afreaka.com.br/notas/umoja-uniao-onde-homens-nao-entram/.
http://www.afreaka.com.br/notas/umoja-un...
)

Todas essas mudanças oriundas da criação de Umoja repercutiram sobre a região e serviram de inspiração para a origem de outras comunidades matriarcais (com adaptações e modificações singulares), tais como Nachami, Supalake e Nang’ida (Vice, 2015Vice (Produtor). (2015). The land of no men: Inside Kenya ‘s women-only village [Vídeo]. Recuperado de https://bit.ly/3xSubPF
https://bit.ly/3xSubPF...
).

Além de Umoja, a matrilinearidade e a matrilocalidade estão presentes, dentre outros grupos, em Minangkabau (Indonésia) e Mosuo (China). Minangkabau, cujas origens remontam ao século XIV (Coedès, 1968Coedès, G. (1968). The Indianized states of Southeast Asia (W. F. Vella, trad.). Honolulu, HI: University of Hawaii Press.), é a maior sociedade matrilinear existente, com cerca de 7 milhões de minangs distribuídos entre o planalto de Sumatra e outras regiões da Indonésia e Malásia. Não obstante, diferentemente de Umoja, o papel religioso e político da tribo é desempenhado majoritariamente por homens, embora tenham importantes representações femininas nessas áreas.

Na comunidade Mosuo - localizada entre as províncias chinesas de Yunan e de Sitchuan - quem carrega o nome da família e cuida das economias domésticas é a figura feminina (Pellegrini, 2020Pellegrini, L. (2020, 4 de março). Mulheres de poder. Unesco celebra a 8 de março o Dia Internacional da Mulher [Blog]. Recuperado de https://bit.ly/3QI2UIi
https://bit.ly/3QI2UIi...
), e, assim como em Minangkabau, a herança é transmitida de mãe para filha. Além disso, embora os homens não tenham voz ativa no âmbito doméstico, eles desempenham funções importantes na política, na construção de casas, na atividade pesqueira, na matança de animais e nas viagens em caravanas comerciais para a venda de produtos locais (Cherry, 2018Cherry, C. (2018, 13 de junho). China ‘s ‘Kingdom of Women’. BBC Travel. Recuperado de https://bbc.in/2t8jXZZ
https://bbc.in/2t8jXZZ...
).

Em Minangkabau, o conjunto de costumes, crenças e práticas, ou seja, seu universo simbólico, é reunido na filosofia Adat, a qual abarca tanto a história oral das origens da tribo quanto os provérbios que servem de guias, princípios e regras para as cerimônias, comportamento e relações de parentesco matrilineares (Kato, 1982, citado por Blackwood, 2001Blackwood, E. (2001). Representing women: The politics of Minangkabau Adat writings. The Journal of Asian Studies, 60(1), 125-149. doi: 10.2307/2659507
https://doi.org/10.2307/2659507...
). O termo casa adat é usado para se referir às residências familiares, cuja posse é destinada à mãe e às filhas.

O papel da figura masculina de ambas as comunidades também possui traços similares. Os homens de Minangkabau vivem em duas residências: dormem na casa das esposas e, durante o dia, retornam à casa de suas mães. Em Mosuo, o mesmo comportamento é chamado walking mariages, ou casamento a pé (Pellegrini, 2020Pellegrini, L. (2020, 4 de março). Mulheres de poder. Unesco celebra a 8 de março o Dia Internacional da Mulher [Blog]. Recuperado de https://bit.ly/3QI2UIi
https://bit.ly/3QI2UIi...
). De acordo com o costume, as meninas, ao completarem 13 anos de idade, ganham privacidade e seu próprio quarto, chamado de sala de floração, período em que os meninos podem dar início ao casamento a pé (Vice, 2016). Ao falar sobre a sociedade Mosuo, Pellegrini (2020)Pellegrini, L. (2020, 4 de março). Mulheres de poder. Unesco celebra a 8 de março o Dia Internacional da Mulher [Blog]. Recuperado de https://bit.ly/3QI2UIi
https://bit.ly/3QI2UIi...
destaca:

O amor é vivido sem contratos de casamento, sem constrangimentos morais, baseado exclusivamente nos sentimentos e segundo a vontade das mulheres. Tais regras impõem aos homens que abandonem o quarto da amante antes do nascer do sol; a esse costume dá-se o nome de zouhun, que significa “casamento a pé”. O homem não possui o estatuto de pai. Mas ele pode desempenhar o papel de tio e ajudar sua irmã a criar suas crianças.

No entanto, apesar de não existir o papel de pai na cultura Mosuo e de ele não ter a obrigação de cuidar de seus próprios filhos - ainda que deva ajudar e seja financeiramente responsável pelo cuidado dos sobrinhos e sobrinhas que moram em suas próprias casas -, se quiser, ele pode se fazer presente na vida dos filhos (Cherry, 2018Cherry, C. (2018, 13 de junho). China ‘s ‘Kingdom of Women’. BBC Travel. Recuperado de https://bbc.in/2t8jXZZ
https://bbc.in/2t8jXZZ...
).

Ademais, um peculiar fenômeno é visto na sociedade Minangkabau, em que a dimensão de disputa entre pilares aparentemente divergentes - homem e natureza, patriarcal e matriarcal - é fundamental6 6 “. . . a concepção de conflito não é apenas reconhecida, mas é institucionalizada dentro do próprio sistema social. O conflito é visto dialeticamente, como essencial para alcançar a integração da sociedade” (Abdullah, 1966, p. 3, tradução nossa). . Segundo Abdullah (1966Abdullah, T. (1966, outubro). Adat and Islam: An examination of conflict in Minangkabau. Indonesia, (2), 1-24. doi: 10.2307/3350753
https://doi.org/10.2307/3350753...
, p. 4), no século XIV, a comunidade era estruturada por três reis: rei de Adat (figura feminina), rei da religião (figura masculina) e rei do mundo (combinação de elementos). Desse modo, a integração do islã como pilar religioso e masculino da sociedade, no mesmo período, acontece de maneira complementar ao Adat. Isso se dá, principalmente, porque o esquema, apesar de conduzir a administração política, religiosa e social, não era uma simples regra institucional, mas um equilíbrio sagrado presente ao longo da construção de Minangkabau (Blackwood, 2001Blackwood, E. (2001). Representing women: The politics of Minangkabau Adat writings. The Journal of Asian Studies, 60(1), 125-149. doi: 10.2307/2659507
https://doi.org/10.2307/2659507...
, p. 127).

A formação da sociedade Mosuo, por sua vez, ocorreu nos tempos feudais, e a matrilinearidade surgiu por influência da nobreza sobre os camponeses. Dessa forma, os nobres, de organização patriarcal, acreditavam que incentivar a liderança por parte das mulheres nas famílias dos camponeses lhes garantiria tranquilidade e ausência de ameaças (Ferreira, s.d.Ferreira, J. R. (s.d.). Mulheres no pedestal: O caso do povo Mosuo, Khasi e Minangkabau. Rio de Janeiro, RJ: Autora. Recuperado de https://bit.ly/3OiXIJ7
https://bit.ly/3OiXIJ7...
). Composta por cerca de 40 mil habitantes (Cherry, 2018Cherry, C. (2018, 13 de junho). China ‘s ‘Kingdom of Women’. BBC Travel. Recuperado de https://bbc.in/2t8jXZZ
https://bbc.in/2t8jXZZ...
), a comunidade Mosuo encontra-se ameaçada pela globalização e pelo turismo massivo (Larson, 2016Larson, M. (Produtor, Diretor). (2016, 25 de fevereiro). The land where women rule: Inside China ‘s last matriarchy [Vídeo]. Recuperado de https://bit.ly/3z7UH8o
https://bit.ly/3z7UH8o...
), além de ter ficado equivocadamente conhecida por mulheres que oferecem sexo grátis a qualquer momento (Romanzoti, 2014Romanzoti, N. (2014, 13 de abril). Sociedades em que as mulheres mandam podem nos ensinar muitas coisas. Hypescience. Recuperado de https://bit.ly/3SadAAi
https://bit.ly/3SadAAi...
). Algumas aldeias foram, inclusive, invadidas por hotéis, cassinos, karaokês e até um “distrito vermelho” (Romanzoti, 2014Romanzoti, N. (2014, 13 de abril). Sociedades em que as mulheres mandam podem nos ensinar muitas coisas. Hypescience. Recuperado de https://bit.ly/3SadAAi
https://bit.ly/3SadAAi...
).

Sociedades brasileiras de estruturas sociais singulares

Um grupo de trabalho de mulheres das regiões Norte e Nordeste do Brasil, mais especificamente nos estados do Pará, Tocantins, Piauí e Maranhão, chama atenção por sua singularidade. Elas são conhecidas como as quebradeiras de babaçu, uma vez que tiram sua renda e sustento a partir da coleta e quebra do coco. Não obstante, embora inserido em uma sociedade patriarcal e patrilinear, esse grupo luta contra alguns entraves que serão abordados a seguir, tanto contra a detenção de poder político e social pelos homens quanto a organização de descendência pela linhagem paterna, além do descaso estatal.

Segundo Araújo Jr., Dmitruk e Moura (2014Araújo, M. E., Jr., Dmitruk, E. J. , & Moura, J. C. C. (2014).A lei do babaçu livre: Uma estratégia para a regulamentação e a proteção da atividade das quebradeiras de coco no estado do Maranhão. Sequência, 35(68), 129-157. doi: 10.5007/2177-7055.2013v35n68p129
https://doi.org/10.5007/2177-7055.2013v3...
), o problema começa no período após as Grandes Guerras, na fase do capitalismo comercial, quando o babaçu passa a ser mais valorizado, com incentivos à fixação de indústrias estrangeiras e maior exploração da população extrativista (renda fundiária, foro, arrendamento etc.). A partir de 1950, as indústrias brasileiras migram para o Maranhão - fase do capitalismo industrial, com menor presença estrangeira e menor produtividade. A queda do interesse acirra os conflitos por terras e a prática da grilagem. Em 1990, começa a organização do movimento, com cantinas e fábrica das quebradeiras7 7 As cantinas das quebradeiras consistem em postos de compra de amêndoas de babaçu e troca de mercadorias diretamente com os povoados. Já a fábrica das quebradeiras foi construída para maximizar o aproveitamento do babaçu e de suas partes, gerando mais lucro para as mulheres envolvidas na administração e gestão. , em um modelo horizontalizado.

Os conflitos também abrangem o preconceito e não reconhecimento dessa atividade pela população, principalmente pelos fazendeiros latifundiários das regiões. As quebradeiras começam o relato de seu movimento no “tempo do coco preso”, quando o acesso às terras dos babaçuais deixou de ser livre. Remonta às décadas de 1950, 60, 70, mas há maior número de registros de mortes e perseguições nos anos 1980. Com a Lei nº7505, de 2 de julho de 1986Lei nº 7505, de 2 de julho de 1986. (1986, 2 de julho). Dispõe sobre benefícios fiscais na área do imposto de renda concedidos a operações de caráter cultural ou artístico. Recuperado em 15 de julho de 2022, de Recuperado em 15 de julho de 2022, de https://bit.ly/3zbnmL4
https://bit.ly/3zbnmL4...
, conhecida como Lei Sarney, houve a privatização das áreas dos babaçuais, submetendo, consequentemente, as quebradeiras aos donos das terras. Para esses fazendeiros, o babaçu não é a principal fonte de renda. Mesmo assim, existem práticas abusivas direcionadas às quebradeiras, como falsas acusações de furto e danos, baixa remuneração etc. (Araújo Jr et al, 2014Araújo, M. E., Jr., Dmitruk, E. J. , & Moura, J. C. C. (2014).A lei do babaçu livre: Uma estratégia para a regulamentação e a proteção da atividade das quebradeiras de coco no estado do Maranhão. Sequência, 35(68), 129-157. doi: 10.5007/2177-7055.2013v35n68p129
https://doi.org/10.5007/2177-7055.2013v3...
). Além disso, as mulheres foram forçadas a repassar metade da produção ao latifundiário, sistema conhecido como pagamento de meia. A quase ausência dos homens se deve ao fato de que esses estavam sendo caçados por pistoleiros: o enfrentamento entre eles e os proprietários seria mais violento caso compusessem a maior parte dos quebradeiros.

A partir dessas problemáticas, as quebradeiras perceberam que poderiam se unir e lutar pelos seus direitos. Com o apoio de diversas organizações nacionais e internacionais, o termo “quebradeiras de coco” foi elaborado com a luta pela terra e pelo direito ao trabalho. Pode-se afirmar que a localização e o reconhecimento dessas mulheres como grupo social provocou um aumento de autoestima, organização de sindicatos e desejo de representação. Então, do ponto de vista etológico, as causas proximais desse comportamento foram desencadeadas pela falta de acesso aos babaçuais, a fim de oficializar o trabalho dessas mulheres como parte da economia de subsistência e da cultura, além da representação da emancipação feminina. Aquele desejo de representação ainda pode ser traduzido na cultura criada por essa sociedade, com rezas e cantos das quebradeiras:

Ave Palmeira, que sofre desgraça, Malditos derrubam, queimam e devastam. Bendito é teu fruto que serve de alimento E no leito da morte ainda nos dá sustento. Santa mãe palmeira, Mãe de leite verdadeiro. Em sua hora derradeira, Rogai por nós quebradeiras. (“Do coco babaçu à emancipação…”, 2018Do coco babaçu à emancipação: O poder das quebradeiras do Maranhão. (2018). Comissão Pastoral da Terra. Recuperado de https://bit.ly/3cEgahI
https://bit.ly/3cEgahI...
)
Hei! Não derrube esta palmeira Hei! Não devore os palmeirais Tu já sabes que não podes derrubar Precisamos preservar as riquezas naturais. O coco é para nós grande riqueza É obra da natureza Ninguém vai dizer que não Porque da palha só faz casa pra morar Já é meio de ajudar a maior população Se faz o óleo para temperar comida É um dos meios de vida Pra os fracos de condição Reconhecemos o valor que o coco tem A casca serve também para fazer o carvão Com o óleo do coco as mulheres caprichosas fazem comidas gostosas de uma boa estimação Merece tanto seu valor classificado que com o óleo apurado se faz o melhor sabão Palha de coco serve pra fazer chapéu da madeira faz papel/ inda aduba nosso chão Tela de coco também é aproveitado Faz quibano o cercado pra poder plantar feijão A massa serve para engordar os porcos Tá pouco o valor do coco precisa darem atenção Para os pobres este coco é meio de vida Pisa o coco Margarida e bota o leite no capão. (Rego & Andrade, 2005Rego, J. L., & Andrade, M. P. (2005, 17 de dezembro). História de mulheres: Breve comentário sobre o território e a identidade das quebradeiras de coco babaçu no Maranhão. Agrária, (3), 47-57. doi: 10.11606/issn.1808-1150.v0i3p47-57
https://doi.org/10.11606/issn.1808-1150....
)

Apesar da união das quebradeiras, o movimento deve ser tratado como heterogêneo, já que há uma grande diversidade de regiões e, portanto, adversidades divergentes em cada grupo. No entanto, o movimento converge no anseio pela proteção ambiental e pelo acesso ao extrato e corte de babaçu. Também se une nas dificuldades dentro de casa: os maridos que não deixam mulheres participarem de cursos sobre artesanato e uso do coco babaçu (Araújo Jr et al., 2014Araújo, M. E., Jr., Dmitruk, E. J. , & Moura, J. C. C. (2014).A lei do babaçu livre: Uma estratégia para a regulamentação e a proteção da atividade das quebradeiras de coco no estado do Maranhão. Sequência, 35(68), 129-157. doi: 10.5007/2177-7055.2013v35n68p129
https://doi.org/10.5007/2177-7055.2013v3...
). Por causa dessa falta de apoio, as quebradeiras não conseguem uma renda satisfatória e acabam optando por se tornarem empregadas domésticas ou sair do campo.

Nesse contexto, o êxodo rural das quebradeiras é um problema sério em todas as instâncias, já que pode levar à inflação das cidades, redução da oferta de trabalho urbano e escassez de produtos feitos do babaçu devido ao déficit da extração (falta de mão de obra). Embora existam entraves jurídicos dos interesses privados e leis precárias e ineficientes, o Estado deve se encarregar da proteção do patrimônio cultural e material - o babaçu - e imaterial - conhecimento e atividade das quebradeiras (Araújo Jr. et al., 2014Araújo, M. E., Jr., Dmitruk, E. J. , & Moura, J. C. C. (2014).A lei do babaçu livre: Uma estratégia para a regulamentação e a proteção da atividade das quebradeiras de coco no estado do Maranhão. Sequência, 35(68), 129-157. doi: 10.5007/2177-7055.2013v35n68p129
https://doi.org/10.5007/2177-7055.2013v3...
). Esse patrimônio é vital por ser sustentável e traduzir uma parte da história do país, além de gerar riquezas. As quebradeiras de coco não vão desistir de lutar por seus direitos e de exigir uma participação ativa na extensão do Legislativo: são necessários leis e projetos para que de fato ocorra o reconhecimento da profissão.

Conclui-se, com essa análise do grupo social exposto, que as quebradeiras de coco do babaçu formam um grupo emancipado economicamente, já que possuem sua própria renda, mas não socialmente (Smuts, 1995Smuts, B. (1995). The evolutionary origins of patriarchy. Human Nature, (6), 1-32. doi: 10.1007/BF02734133.
https://doi.org/10.1007/BF02734133....
), pois são submissas às vontades e escolhas de seus maridos e não desfrutam de um poder social e político. Todavia, o desenvolvimento desse comportamento mira em outros pilares de emancipação em relação ao patriarcado vigente. A luta que essas mulheres travam vai além do reconhecimento de sua atividade; trata-se de gênero e grupo.

O segundo grupo social brasileiro analisado foi a comunidade rural de Noiva do Cordeiro, no distrito da cidade de Belo Vale, em Minas Gerais, a qual é composta por cerca de 300 pessoas, com maioria feminina.

Conforme narrado no documentário Noivas do Cordeiro (Alves & Santiago, 2007Alves, A. (Diretor), & Santiago, R. (Produtor). (2007). Noivas do Cordeiro [Documentário]. Belo Horizonte, MG: BemVinda Filmes e Projetos. Recuperado de https://bit.ly/3xYGp9E
https://bit.ly/3xYGp9E...
), a história do povoado começou em 1891, com Maria Senhorinha de Lima, que, após ter um caso extramatrimonial e abandonar o casamento, mudou-se com o amante para o primeiro casarão do vilarejo. O povoado seria alvo de grande apatia por parte das cidades próximas, pela excomunhão que sofreu o casal ou pelos boatos de que Senhorinha era prostituta. Tal hostilidade foi reforçada, na década de 1950, com a instituição da igreja evangélica Noiva do Cordeiro, uma vez que as populações do entorno eram todas católicas. O pastor Anísio Pereira, da cidade de Belo Vale, foi quem levou o protestantismo para lá.

A igreja era extremamente rígida e impôs ao povoado um período de pobreza e fome, sob costumes de submissão feminina e devoção total à religião, a qual limitava até mesmo as possibilidades de trabalho. Casamentos eram obrigatórios e métodos contraceptivos, proibidos. A libertação de tais amarras se deu de maneira gradual, e explica, em parte, a origem do que as moradoras da comunidade apontam, atualmente, como igualdade de gênero. Para tanto, o marco inicial pode ser visto como um histórico casamento em Noiva do Cordeiro, em que a permissão de música e dança promoveu liberdades adormecidas, levando, posteriormente, a questionamentos sobre a Igreja. O senso crítico daí originado estaria inerentemente incutido no novo modo de vida desenvolvido ao longo das décadas pela população, consolidado após a morte de Anísio, em 1995.

Prevalece, atualmente, a vida coletiva e o protagonismo feminino. As mulheres realizam praticamente todas as atividades dentro da comunidade, seja na cozinha, limpeza, artesanato8 8 Em 1999 foi fundada a fábrica de costura e artesanato de Noiva do Cordeiro, por meio da reunião das costureiras da vila. Atualmente, a venda dos artesanatos e lingeries produzidos figura como significativa fonte de renda e símbolo de um poder econômico essencialmente feminino. ou lavoura, ao passo que os homens vão trabalhar nas cidades próximas ou Belo Horizonte como forma de complemento da renda, o que explica, também, a discrepância na proporção entre sexos dos habitantes. Muitas famílias compartilham casarões no povoado, e a produção agrícola é de todos.

A figura central da comunidade é dona Delina, referida como “matriarca” e “mãe de todos” por ter acolhido famílias em necessidade como se fossem a sua própria, além de constituir o berço de uma sabedoria não autoritária na vila (Alves & Santiago, 2007Alves, A. (Diretor), & Santiago, R. (Produtor). (2007). Noivas do Cordeiro [Documentário]. Belo Horizonte, MG: BemVinda Filmes e Projetos. Recuperado de https://bit.ly/3xYGp9E
https://bit.ly/3xYGp9E...
). Ela conta que o “jeito particular de viver [do povoado] incomoda a vizinhança”, o que só contribuiu para que os boatos de prostituição no local estivessem sempre presentes durante o crescimento de Noiva do Cordeiro, provocando severas rejeições dos vilarejos próximos, bem como a negligência de auxílios por parte da sede do município. No que diz respeito a isso, Cláudia Lima de Almeida, moradora do povoado, conta que para cursar o ensino médio teve de se mudar para Belo Vale, uma vez que o governo do município negou o transporte diário para a cidade, mesmo mediante o cumprimento dos requisitos.

Todavia, histórias como a de Cláudia não mais se repetem na comunidade, haja vista que a criação da Associação Comunitária Noiva de Cordeiro, em 1999, configurou o meio pelo qual foi possibilitada grande visibilidade e importante captação de recursos que levaram infraestrutura e maior qualidade de vida para o povoado. Outrossim, em 2005, Rosalee Fernandes, também moradora do povoado, conseguiu se eleger para o cargo de vereadora9 9 Rosalee cumpriu dois mandatos: o primeiro entre 2005-2008 e o segundo entre 2013-2016. de Belo Vale, propiciando ampla representatividade política a Noiva do Cordeiro (Fernandes, 2013Fernandes, R. (2013). Entrevista vereadora Rosalee Fernandes [ Entrevista concedida à Rádio Inconfidência]. Recuperado de https://bit.ly/3OANBPO
https://bit.ly/3OANBPO...
).

De modo geral, Noiva do Cordeiro é entendida, portanto, como uma comunidade matriarcal, matrilinear e matrilocal, cujo objetivo é levar suas conquistas a mais mulheres, dando continuidade a um trabalho iniciado por Rosalee Fernandes que se empenhou em levar informação aos demais povoados de Belo Vale, incentivando “a participação das mulheres nas organizações, seguindo o exemplo de Noiva do Cordeiro”. Em contrapartida, as quebradeiras de coco babaçu, embora tenham conquistado reconhecimento como um grupo social de trabalho feminino e emancipação econômica, ainda enfrentam inúmeros desafios, como os elencados anteriormente.

Por fim, constata-se que a dissidência do patriarcado não se deu de forma amistosa em nenhum dos grupos analisados. Exceto nas comunidades matrilineares e matrilocais de Mosuo e Minangkabau - em que há maior destaque feminino historicamente presente na cultura -, foi por meio da congregação de grupos de mulheres em enfrentamento às estruturas patriarcais que se alcançou uma remodelação, pelo menos parcial, da organização social vigente. Com efeito, o retorno de alianças femininas, potencializadas por posterior poder econômico, mostra-nos que o desmantelamento de mecanismos que outrora propiciaram a dominação masculina - em retrospecto às hipóteses de Barbara Smuts (1995Smuts, B. (1995). The evolutionary origins of patriarchy. Human Nature, (6), 1-32. doi: 10.1007/BF02734133.
https://doi.org/10.1007/BF02734133....
) - constituiu o alicerce para o rompimento com o patriarcado nas sociedades estudadas.

Considerações finais

Em síntese, a filopatria masculina constitui um fator de influência na consolidação da hegemonia do patriarcado, enquanto o matriarcado existiu numa proporção muito menor dentro das sociedades humanas. Isso se dá de maneira diferente do que acontece nos primatas não-humanos, pois a filopatria humana é sustentada por um desenvolvido aparato sociocultural (Smuts, 1995Smuts, B. (1995). The evolutionary origins of patriarchy. Human Nature, (6), 1-32. doi: 10.1007/BF02734133.
https://doi.org/10.1007/BF02734133....
). A predominância da filopatria masculina na espécie humana, a partir da sedentarização, é confirmada com dados genéticos, demográficos e etnográficos (Koenig & Borries, 2012Koenig, A., & Borries, C. (2012). Hominoid dispersal patterns and human evolution. Evolutionary Anthropology, 21(3), 108-112. doi: 10.1002/evan.21300
https://doi.org/10.1002/evan.21300...
), os quais respaldam a hipótese de Smuts (1995)Smuts, B. (1995). The evolutionary origins of patriarchy. Human Nature, (6), 1-32. doi: 10.1007/BF02734133.
https://doi.org/10.1007/BF02734133....
. Ao estabelecer o sedentarismo, por meio das novas possibilidades de conformação social oferecidas pela agricultura, o homem se torna o guardião das terras, e a noção de propriedade é estendida às mulheres. Esse mecanismo cria, então, um cenário favorável ao estabelecimento do patriarcado em consequência do monopólio dos recursos nas mãos dos homens. Assim, esse sistema ganha novas dimensões de sustentação e aumenta sua estrutura coercitiva. Como exemplo disso, a filopatria masculina e a preferência parental acabam se articulando em sociedades de dominância masculina, de maneira a reproduzir, ao longo das gerações, comportamentos violentos naturalizados e normatizados, como o caso do neonaticídio e aborto seletivo de sexo feminino em algumas sociedades (Hrdy, 2001Hrdy, S. B. (2001). Mãe natureza: Uma visão feminina da evolução. Maternidade, filhos e seleção natural (A. Cabral, trad.) Rio de Janeiro, RJ: Campus.).

Entretanto, assim como acontece com outros primatas, há organizações sociais humanas que desvelam os limites da hegemonia patriarcal. As novas funções econômicas exercidas pela mulher em sociedades como Noiva do Cordeiro e pelas quebradeiras de coco babaçu demonstram um processo de ruptura com importantes bases patriarcais relativas ao controle de recursos pelo homem. Nesse processo, é notável a resistência de elementos de dominação masculina, como os termos pejorativos usados para definir as mulheres da comunidade, de forma semelhante ao fenômeno de desmantelamento da matrilinearidade em Mosuo. No entanto, também são perceptíveis componentes de força feminina, como a apropriação do coco e a defesa do bem natural pelo movimento das quebradeiras, que retoma o lugar de mestria da natureza, essencial na época da deusa-mãe.

Percebe-se tanto o resgate ancestral da valorização da mulher, a partir do estabelecimento do matriarcado em Umoja e Noiva do Cordeiro, quanto a preservação de uma representação feminina empoderada, em Mosuo e Minangkabau. No que diz respeito à Umoja e Noiva do Cordeiro, numa perspectiva etológica, é importante destacar que ambas foram constituídas e estruturadas a partir de uma causa proximal, um evento ontogenético responsável por impulsionar a formação de uma nova sociedade por meio das figuras de Rebecca Lolosoli e Maria Senhorinha de Lima, respectivamente. Nas comunidades Mosuo e Minangkabau, a matrilocalidade se coloca entre as principais determinantes para a valorização da mulher e contribui de maneira análoga à filopatria masculina para a manutenção das respectivas estruturas sociais. A partir dessa pesquisa, nota-se que a filopatria masculina, ainda que considerada em cooperação com outros fatores na espécie humana, como explicitado por Smuts (1995Smuts, B. (1995). The evolutionary origins of patriarchy. Human Nature, (6), 1-32. doi: 10.1007/BF02734133.
https://doi.org/10.1007/BF02734133....
), não determina o patriarcado, embora o propicie. A existência atual de outros tipos de organização social aponta que, com a dissolução da concentração de poder nas mãos dos homens, a relação entre a filopatria masculina e a existência de uma organização patriarcal é enfraquecida e outros tipos de sociedade são possíveis. Faz-se necessário apoiar grupos de mulheres como as quebradeiras de coco, ainda que não haja uma transição para uma organização matriarcal, para que elas possam alcançar outros pilares da independência e autonomia de suas próprias vidas.

Por fim, destaca-se o pequeno número de estudos científicos e acadêmicos sobre comunidades não patriarcais, principalmente no âmbito da etologia. Dessa maneira, é incipiente o esclarecimento teórico tanto sobre as sociedades anteriores à expansão do patriarcado quanto em relação aos sistemas matriarcais, matrilineares, matrilocais e de empoderamento político-econômico feminino contemporâneos.

Em estudos futuros, é importante considerar aspectos distais numa perspectiva etológica, como a filopatria masculina em confluência com a transição das religiões politeístas para monoteístas. Da mesma forma, são necessárias pesquisas que aprofundem a análise das origens dos agrupamentos, considerando a filopatria masculina como hipótese para a forte presença de sociedades patriarcais em detrimento das estruturas matriarcais. Outro aspecto importante a ser considerado é a ascensão do capitalismo, que usufrui da mão de obra não remunerada feminina, atuando diretamente no enfraquecimento de seu valor simbólico.

Agradecimentos

Agradecemos primeiramente à professora Patrícia Izar e ao professor Nicolas Châline por nos introduzir aos fundamentos da etologia que foram as bases para o início deste estudo, além de nos apoiar em toda a sua produção. Agradecemos também ao Departamento de Psicologia Experimental e ao Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo pela oportunidade de contribuir para a pesquisa em uma área tão necessária, assim como ao apoio financeiro concedido através do Programa de Aperfeiçoamento de Ensino (PAE).

Referências

  • Abdullah, T. (1966, outubro). Adat and Islam: An examination of conflict in Minangkabau. Indonesia, (2), 1-24. doi: 10.2307/3350753
    » https://doi.org/10.2307/3350753
  • Alves, A. (Diretor), & Santiago, R. (Produtor). (2007). Noivas do Cordeiro [Documentário]. Belo Horizonte, MG: BemVinda Filmes e Projetos. Recuperado de https://bit.ly/3xYGp9E
    » https://bit.ly/3xYGp9E
  • Alves, A. (s.d.). Umoja: A União Onde Homens Não Entram. Afreaka. Recuperado de http://www.afreaka.com.br/notas/umoja-uniao-onde-homens-nao-entram/
    » http://www.afreaka.com.br/notas/umoja-uniao-onde-homens-nao-entram/
  • Araújo, M. E., Jr., Dmitruk, E. J. , & Moura, J. C. C. (2014).A lei do babaçu livre: Uma estratégia para a regulamentação e a proteção da atividade das quebradeiras de coco no estado do Maranhão. Sequência, 35(68), 129-157. doi: 10.5007/2177-7055.2013v35n68p129
    » https://doi.org/10.5007/2177-7055.2013v35n68p129
  • Beauvoir, S. (1967). O segundo sexo: Experiência vivida (S. Milliet, trad.). Rio de Janeiro, RJ: Difusão Europeia do Livro. (Trabalho original publicado em 1949)
  • Bindel, J. (2015, 16 de agosto). The village where men are banned. The Guardian. Recuperado de https://bit.ly/3yiQEH9
    » https://bit.ly/3yiQEH9
  • Blackwood, E. (2001). Representing women: The politics of Minangkabau Adat writings. The Journal of Asian Studies, 60(1), 125-149. doi: 10.2307/2659507
    » https://doi.org/10.2307/2659507
  • Butler, J. (1999). Gender trouble: Feminism and the subversion of identity (2a ed.). New York, NY: Routledge. (Trabalho original publicado em 1990)
  • Carvalho, L. F. (1999, 25 de junho). Adultério era mais grave. Folha de S.Paulo. Recuperado de https://bit.ly/3nd8Dbw
    » https://bit.ly/3nd8Dbw
  • Cherry, C. (2018, 13 de junho). China ‘s ‘Kingdom of Women’. BBC Travel. Recuperado de https://bbc.in/2t8jXZZ
    » https://bbc.in/2t8jXZZ
  • Coedès, G. (1968). The Indianized states of Southeast Asia (W. F. Vella, trad.). Honolulu, HI: University of Hawaii Press.
  • Davis, A. (2016). Mulheres, raça e classe. São Paulo, SP: Boitempo. (Trabalho original publicado em 1981)
  • Do coco babaçu à emancipação: O poder das quebradeiras do Maranhão. (2018). Comissão Pastoral da Terra. Recuperado de https://bit.ly/3cEgahI
    » https://bit.ly/3cEgahI
  • Fernandes, R. (2013). Entrevista vereadora Rosalee Fernandes [ Entrevista concedida à Rádio Inconfidência]. Recuperado de https://bit.ly/3OANBPO
    » https://bit.ly/3OANBPO
  • Ferreira, J. R. (s.d.). Mulheres no pedestal: O caso do povo Mosuo, Khasi e Minangkabau. Rio de Janeiro, RJ: Autora. Recuperado de https://bit.ly/3OiXIJ7
    » https://bit.ly/3OiXIJ7
  • Gonzalez, L. (2020). Por um feminismo afro-latino-americano. Rio de Janeiro, RJ: Zahar.
  • Hrdy, S. B. (2001). Mãe natureza: Uma visão feminina da evolução. Maternidade, filhos e seleção natural (A. Cabral, trad.) Rio de Janeiro, RJ: Campus.
  • Karimi, F. (s.d.). She grew up in a community where women rule and men are banned. CNN. Recuperado de https://cnn.it/3Nf1MsB
    » https://cnn.it/3Nf1MsB
  • Kato, T. (1978). Change and continuity in the Minangkabau matrilineal system. Indonesia , (25), 1-16. doi: 10.2307/3350964
    » https://doi.org/10.2307/3350964
  • Koenig, A., & Borries, C. (2012). Hominoid dispersal patterns and human evolution. Evolutionary Anthropology, 21(3), 108-112. doi: 10.1002/evan.21300
    » https://doi.org/10.1002/evan.21300
  • Larson, M. (Produtor, Diretor). (2016, 25 de fevereiro). The land where women rule: Inside China ‘s last matriarchy [Vídeo]. Recuperado de https://bit.ly/3z7UH8o
    » https://bit.ly/3z7UH8o
  • Lei nº 7505, de 2 de julho de 1986. (1986, 2 de julho). Dispõe sobre benefícios fiscais na área do imposto de renda concedidos a operações de caráter cultural ou artístico. Recuperado em 15 de julho de 2022, de Recuperado em 15 de julho de 2022, de https://bit.ly/3zbnmL4
    » https://bit.ly/3zbnmL4
  • MacEacheron, M., & Campbell, L. (2017). Moderation of female-female competition for matings by competitors’ age and parity. In Fischer, M. (Ed.), The Oxford handbook of women and competition (pp. 453-476). Oxford, England: Oxford University Press.
  • Monteiro, K. F., & Grubba, L. S. (2017). A luta das mulheres pelo espaço público na primeira onda do feminismo: De suffragettes às sufragistas. Direito e Desenvolvimento, 8(2), 261-278. doi: 10.25246/direitoedesenvolvimento.v8i2.563.
    » https://doi.org/10.25246/direitoedesenvolvimento.v8i2.563.
  • Pellegrini, L. (2020, 4 de março). Mulheres de poder. Unesco celebra a 8 de março o Dia Internacional da Mulher [Blog]. Recuperado de https://bit.ly/3QI2UIi
    » https://bit.ly/3QI2UIi
  • Rego, J. L., & Andrade, M. P. (2005, 17 de dezembro). História de mulheres: Breve comentário sobre o território e a identidade das quebradeiras de coco babaçu no Maranhão. Agrária, (3), 47-57. doi: 10.11606/issn.1808-1150.v0i3p47-57
    » https://doi.org/10.11606/issn.1808-1150.v0i3p47-57
  • Romanzoti, N. (2014, 13 de abril). Sociedades em que as mulheres mandam podem nos ensinar muitas coisas. Hypescience. Recuperado de https://bit.ly/3SadAAi
    » https://bit.ly/3SadAAi
  • Seabra, L. D., & Manso, M. D. B. (2014). Escravatura, concubinagem e casamento em Macau: Séculos XVI-XVIII. Afro-Ásia, (49), 105-133. doi: 10.1590/S0002-05912014000100004
    » https://doi.org/10.1590/S0002-05912014000100004
  • Silva, B. A. (2015) A construção argumentativa da mulher V: Um modelo a ser seguido (Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte). Recuperado de https://bit.ly/3A38fnN
    » https://bit.ly/3A38fnN
  • Silva, I. C. S. (2016). Sororidade e rivalidade feminina nos filmes de princesa da Disney (Trabalho de conclusão de curso, Universidade de Brasília, Brasília, DF). Recuperado de https://bit.ly/3HOhWbi
    » https://bit.ly/3HOhWbi
  • Smuts, B. (1995). The evolutionary origins of patriarchy. Human Nature, (6), 1-32. doi: 10.1007/BF02734133.
    » https://doi.org/10.1007/BF02734133.
  • Vice (Produtor). (2015). The land of no men: Inside Kenya ‘s women-only village [Vídeo]. Recuperado de https://bit.ly/3xSubPF
    » https://bit.ly/3xSubPF
  • Vovelle, M. (2020). A revolução francesa, 1789-1799 (M. Echalar, trad.). São Paulo, SP: Editora Unesp.
  • Womena (Produtor). (2020). Umoja, a safe haven for women where men aren’t allowed [Vídeo]. Recuperado de https://bit.ly/3brwhOM
    » https://bit.ly/3brwhOM
  • 1
    O termo patrilocalidade se refere à migração da mulher de seu grupo natal para o do marido após o casamento. Desse modo, é utilizado somente para tratar de humanos modernos.
  • 2
    Ana Paula Penkala (2014, citada por Silva, 2016Silva, I. C. S. (2016). Sororidade e rivalidade feminina nos filmes de princesa da Disney (Trabalho de conclusão de curso, Universidade de Brasília, Brasília, DF). Recuperado de https://bit.ly/3HOhWbi
    https://bit.ly/3HOhWbi...
    , p. 47) define a sororidade “como um pacto político e ético de irmandade entre as mulheres que despertam práticas a fim de preservar e estimular a proteção, solidariedade e defesa entre as mulheres e, assim, enfrentar o patriarcado”.
  • 3
    Poliginia é o estado em que o homem se relaciona simultaneamente com várias mulheres.
  • 4
    Em relação à linguagem, chama atenção o seu caráter memorístico, atuando de maneira prescritiva na conformação social. Apesar da sua importância na constituição e preservação do patriarcado, a linguagem também pode ter atuado no sentido de legitimar ideologias em via contrária à dominação masculina, como no caso das simbólicas deusas-mãe.
  • 5
    A hipótese Trivers-Willard possui, hoje, comprovação e prediz as proporções entre sexos de diferentes animais em diferentes lugares, como o nobre cervo da Escócia e o gambá da América Central, além da especiação em filhas fêmeas do macaco-aranha, nas florestas úmidas do Peru (Hrdy, 2001Hrdy, S. B. (2001). Mãe natureza: Uma visão feminina da evolução. Maternidade, filhos e seleção natural (A. Cabral, trad.) Rio de Janeiro, RJ: Campus., p. 352).
  • 6
    “. . . a concepção de conflito não é apenas reconhecida, mas é institucionalizada dentro do próprio sistema social. O conflito é visto dialeticamente, como essencial para alcançar a integração da sociedade” (Abdullah, 1966Abdullah, T. (1966, outubro). Adat and Islam: An examination of conflict in Minangkabau. Indonesia, (2), 1-24. doi: 10.2307/3350753
    https://doi.org/10.2307/3350753...
    , p. 3, tradução nossa).
  • 7
    As cantinas das quebradeiras consistem em postos de compra de amêndoas de babaçu e troca de mercadorias diretamente com os povoados. Já a fábrica das quebradeiras foi construída para maximizar o aproveitamento do babaçu e de suas partes, gerando mais lucro para as mulheres envolvidas na administração e gestão.
  • 8
    Em 1999 foi fundada a fábrica de costura e artesanato de Noiva do Cordeiro, por meio da reunião das costureiras da vila. Atualmente, a venda dos artesanatos e lingeries produzidos figura como significativa fonte de renda e símbolo de um poder econômico essencialmente feminino.
  • 9
    Rosalee cumpriu dois mandatos: o primeiro entre 2005-2008 e o segundo entre 2013-2016.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    22 Mar 2022
  • Aceito
    18 Abr 2022
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo Av. Prof. Mello Moraes, 1721 - Bloco A, sala 202, Cidade Universitária Armando de Salles Oliveira, 05508-900 São Paulo SP - Brazil - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revpsico@usp.br