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O que as crianças pensam sobre o que é ser família?

What do children think about what it is to be a family?

Que pensent les enfants à propos de la famille?

¿Qué piensan los niños sobre lo que es ser familia?

Resumo

Neste artigo apresentamos uma pesquisa de mestrado cujo objetivo principal foi conhecer o que crianças pensam sobre o que é família e quais critérios utilizam para defini-la. O campo da pesquisa, construído através das pistas do Método Cartográfico, consistiu em 6 entrevistas em grupo, totalizando 22 crianças entre 6 e 11 anos, moradoras da cidade do Rio de Janeiro. As entrevistas incluíram a produção de desenhos de família, recurso utilizado como disparador da discussão. Percebemos que as crianças entrevistadas experimentam flexibilidade para conjugar aspectos que consideram importantes no entendimento dos laços familiares, como afeto, convivência e relações sanguíneas, que se entremeiam, se sobrepõem, se movimentam, nos remetendo ao conceito deleuziano de dobra. Ao focalizarmos o modo como elas entrelaçam seus critérios, concluímos que nos oferecem um olhar amplo sobre as famílias, aberto à multiplicidade, dando maior importância à qualidade afetiva dos relacionamentos.

Palavras-chaves:
crianças; família; grupos de crianças

Abstract

This paper presents the results of a master’s thesis on what children think a family is and what criteria they use to define it. Inspired by the Cartographic Method, the research consisted of 6 group interviews, totaling 22 children between 6 and 11 years old, living in the city of Rio de Janeiro, Brazil. Discussion was triggered by the production of family drawings. The children interviewed showed different ways of combining aspects considered important to understand family ties, such as affection, interaction and blood relations, which intermingle, overlap, move, recalling Deleuze’s concept of fold. In conclusion, focusing on how children intertwine their criteria offers us a broad look at families, open to multiplicity, giving greater importance to the affective quality of relationships.

Keywords:
child; family; groups of children

Résumé

Cet article présente les résultats d’une thèse de master sur ce que les enfants pensent être une famille et sur les critères qu’ils utilisent pour la définir. Inspirée par la Méthode Cartographique, la recherche a consisté en 6 entretiens de groupe, totalisant 22 enfants âgés de 6 à 11 ans, vivant dans la ville de Rio de Janeiro, au Brésil. La discussion a été déclenchée par la production de dessins de famille. Les enfants interrogés ont montré différentes manières de combiner des aspects considérés comme importants pour comprendre les liens familiaux, tels que l’affection, la coexistence et les relations de sang, qui s’entremêlent, se chevauchent, se déplacent, rappelant la concept deleuzien de flexion. Enfin, se concentrer sur la façon dont les enfants entrelacent leurs critères nous offrent un regard large sur les familles, ouvert à la multiplicité, donnant plus d’importance à la qualité affective des relations.

Mots-clés :
enfants; famille; groupes d’enfants

Resumen

En este artículo presentamos parte de la investigación de maestría cuyo objetivo fue conocer qué piensan los niños sobre lo que es la familia y qué criterios utilizan para definirla. El campo de investigación, construido a partir del método cartográfico, consistió en 6 entrevistas grupales, en total 22 niños entre los 6 y los 11 años, residentes en la ciudad de Río de Janeiro. Las entrevistas incluyeron la producción de dibujos familiares, un recurso utilizado para desencadenar la discusión. Los niños entrevistados tienen flexibilidad para combinar aspectos que consideran importantes en su comprensión de los lazos familiares, como el afecto, la convivencia y los lazos de sangre, que se entremezclan, se superponen, se mueven y aluden al concepto deleuziano de pliegue. Centrándonos en cómo entrelazan sus criterios, concluimos que los niños nos ofrecen una mirada amplia sobre las familias, abierta a la multiplicidad, y con mayor importancia a la calidad afectiva de las relaciones.

Palabras clave:
niños; familia; grupos de niños

Introdução

Neste artigo apresentaremos parte revisada e alterada da dissertação de Mestrado em Psicologia Social (Bakman, 2013Bakman, G. (2013). Entre o roteiro e a viagem: Famílias e crianças pelo caminho (Dissertação de mestrado, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro). Recuperado de https://bit.ly/3cj63hS
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) que teve como objetivo saber como crianças entendem o que é família e quais critérios utilizam para construir suas definições. Ao propor este tema, partimos da ideia de que existe uma variedade de dinâmicas familiares, de que não se pode falar em família de forma única, mas em sua diversidade, ou seja, sempre no plural. “Falar em família neste começo do século XXI, no Brasil, como alhures, implica a referência a mudanças e a padrões difusos de relacionamentos” (Sarti, 2003Sarti, C. A. (2003). Família enredadas. In A. R. Acosta, & M. A. F. Vitale (Orgs.), Família: Redes, laços e políticas públicas (pp. 21-36). São Paulo, SP: IEE/PUC., p. 21).

A ideia de escolher crianças para pesquisar família parte da premissa de que elas fazem parte de uma geração que se depara cotidianamente com a pluralidade familiar, cada vez mais visível, não somente restrita a um padrão cis-heteronormativo de família nuclear burguesa. Escutar as crianças significa alcançar um discurso que, geralmente, não ocupa um lugar de destaque como campo político, mas que permite um olhar atualizado para importantes questões. “A opção por estudar/pesquisar a infância parte do pressuposto de que a criança, na vida que vive e nas diversas formas de subjetivação que produz, revela o mundo e expressa a história dos homens” (Souza, 2008Souza, S. M. G. (2008). O estudo da infância como revelador e desvelador da dialética exclusão: inclusão social. In S. H. V. Cruz (Org.), A criança fala: A escuta de crianças em pesquisa (pp. 174- 203). São Paulo, SP: Cortez ., p. 175). O que crianças pensam tem conexão com o modo como adultos ao seu redor vivem o mundo, mas também podem oferecer novos olhares e possibilidades. “... os estudos com e sobre crianças têm podido revelar o que nem sempre é revelado pelos demais estudos” (Cohn, 2013Cohn, C. (2013). Concepções de infância e infâncias: Um estado da arte da antropologia da criança no Brasil. Civitas, 13(2), 221-244. doi: 10.15448/1984-7289.2013.2.15478
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, p. 223).

A infância é considerada por muitos autores uma categoria social do tipo geracional, por meio da qual se revelam as possibilidades e os constrangimentos da estrutura social, num determinado período histórico. Mas, assim como as famílias, as crianças (Redin, 2010Redin, M. M. (2010). Ética, estética e educação infantil. In F. Müller (Org.), Infância em perspectiva: Políticas, pesquisas e instituições (pp. 240-255). São Paulo, SP: Cortez.) não são uma categoria homogênea, mas plural, composta por uma variedade de infâncias, atravessadas pelo local em que vivem, classe social a que pertencem, inserção cultural, gênero, raça/etnia, entre outros marcadores importantes.

A produção bibliográfica sobre o tema da família é farta na área das ciências humanas. Encontramos pesquisas que se assemelham à nossa pelo tema, ou pelo campo, ou ainda pelos procedimentos metodológicos escolhidos; mas nenhuma que colocava a discussão com as crianças como o foco do trabalho. Inclusive muito nos chamou a atenção a quantidade de inventários, testes, questionários padronizados de que os pesquisadores lançam mão para encontrar conclusões que nos pareceram pouco reveladoras. Esperamos que este artigo possa trazer novas brisas e cores a este cenário, ainda tão aberto a explorações. Citamos aqui somente algumas para ilustrar parte deste espectro, já que o texto não se propõe uma revisão bibliográfica.

Levy e Jonathan (2010Levy, L., & Jonathan, E. G. (2010). Minha família é legal? A família no imaginário infantil. Estudos de Psicologia, 27(1), 49-56. doi: 10.1590/S0103-166X2010000100006
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), através de redações com o tema “minha família”, organizaram seis categorias de significados atribuídos à família: conflitos, trabalho, lazer, valores, união familiar e desapego. A pesquisa fez um recorte pelo tipo de escola, em busca de diferentes contextos sociais: as crianças da escola particular deram uma grande ênfase ao lazer em família e as crianças de escola pública deram maior ênfase à família como transmissora de valores, tendo sido mencionados, entre outros, responsabilidade, obediência, respeito, solidariedade, orgulho, honestidade, bem como o valor do próprio trabalho ou da escola.

O estudo de Souza (2009Souza, A. M. D. R. (2009). Perspectiva social e projetiva das representações gráficas da família em crianças paraenses. Revista do Nufen, 1(1), 120-139. Recuperado de https://bit.ly/3o4KKDy
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), utilizando o desenho da família com crianças paraenses, indicou que o modelo de família nuclear ainda está em vigor na versão infantil do grupo familiar, porém a percepção do funcionamento deste, que envolve a atuação de seus membros, não é conservadora.

Dessen e Ramos (2010Dessen, M. A., & Ramos, P. C. C. (2010). Crianças pré-escolares e suas concepções de família. Paidéia, 20(47), 345-357. doi: 10.1590/S0103-863X2010000300007
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) selecionaram 33 crianças com idades entre três e cinco anos, moradoras do Distrito Federal, filhos de casais heterossexuais, onde parte tinham ambos os pais com atividade remunerada, outros somente o pai, e que foram submetidas a entrevistas semiestruturadas. A pesquisa concluiu que família é um conceito vivenciado e compartilhado pelas crianças no seu processo de socialização. Suas concepções de família referiram-se à composição familiar, à coabitação e ao cumprimento das funções de provedora, cuidadora e socializadora.

Figueroa, Marconi e Minichello (2007Figueroa, N. L., Marconi, A., & Minichello, C. (2007). La concepción de familia en niños de contextos socioeconómicos vulnerables: Un estudio empírico. Ciências Psicológicas, 1(1), 7-13. doi: 10.22235/cp.v0i1.541
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) buscaram as descrições do conceito de família com crianças entre 9 e 11 anos que vivem em contextos caracterizados por vulnerabilidade psicossocial e frequentam refeitórios públicos. A pesquisa de campo contou com três diferentes momentos: observação, entrevista com desenho livre e entrevista com desenho dirigido sobre família. As crianças expressaram a necessidade de as famílias serem protegidas por um habitat físico, havia predominância da figura feminina em um papel ativo em relação à sobrevivência e questões do lar e pouca expressão de interações ou comunicações afetivas entre os membros.

Moreira, Rabinovich e Silva (2009Moreira, L. V. C., Rabinovich, E. P., & Silva, C. N. (2009). Olhares de crianças baianas sobre família. Paideia, 19(42), 77-85. doi: 10.1590/S0103-863X2009000100010
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) investigaram com 60 crianças baianas, da capital e do interior do estado, de 6 a 12 anos, os significados que atribuíam aos pais, mães, irmãos e à família. Os instrumentos utilizados foram: um roteiro sobre as concepções de família e de seus membros para a entrevista individual com a criança; e um questionário sociodemográfico com os responsáveis. As crianças conceberam sua família não apenas como nuclear, mas incluíram também outros parentes, destacaram os cuidados e o seu aspecto afetivo. Também indicou haver mudanças nos papéis tradicionais associados ao pai e à mãe. E os irmãos foram evidenciados como figuras importantes

Rabinovitch e Moreira (2008) entrevistaram 45 crianças de idades variando entre 6 e 10 anos, moradoras de três diferentes cidades de São Paulo. Foram utilizados como instrumentos de pesquisa: entrevista individual com roteiro de perguntas sobre a concepção de família e de seus membros; e um questionário sociodemográfico para os pais ou responsáveis. A partir do que disseram as crianças, entendeu-se que haveria cinco modos principais de atribuir significados à família: uma visão afetiva; a ajuda que presta; companhia; sentido da vida e pessoas que fornecem sustento. Compreenderam que o cuidar é um significado que perpassa todas as respostas dadas, quer à família, quer à relação entre os seus membros.

Além dos estudos acima citados, há diversos outros com crianças, adultos, jovens, famílias, educadores, trabalhadores sociais, que buscam os sentidos atribuídos ao viver em família. Assim, muitos são os pesquisadores que têm se debruçado sobre as mudanças sociais e históricas ocorridas com as famílias nas últimas décadas, a visão e vivências dos envolvidos. As famílias, sempre no plural, apesar de todas as mudanças sociais e os variados formatos que as constituem, continuam ocupando lugar central na sociedade ocidental. Para falar delas e de suas crianças é preciso uma aproximação, um olhar cuidadoso, não se pode generalizar, uma vez que, como apontamos acima, são produzidas histórica e socialmente; uma instituição em movimento.

Esta pesquisa pretendeu discutir as formas como crianças entendem família a partir de suas vivencias pessoais e cotidianas, o emaranhar de suas ideias a partir das provocações do entorno, por compreender que o tema da família nos atravessa pessoal e socialmente a todo instante.

A metodologia de pesquisa

O método cartográfico, inspiração desta pesquisa, compõe-se de pistas, porque não considera que há regras fixas, mas sim uma forma fluida de se posicionar, no qual as entrevistas são o campo de circulação de conversas, onde ocorre a construção de sentidos, pelo encontro entre pesquisadores e pesquisados. Para Tedesco, Sade e Calima (2013Tedesco, S. H., Sade, C., & Calima, L. V. (2013). A entrevista na pesquisa cartográfica: A experiência do dizer. Fractal , 25(2), 299-322. doi: 10.1590/S1984-02922013000200006
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), a entrevista é uma ferramenta eficaz na construção e no acesso ao plano compartilhado da experiência. “Numa cartografia o que se faz é acompanhar as linhas que se traçam, marcar os pontos de ruptura e de enrijecimento, analisar os cruzamentos dessas linhas diversas que funcionam ao mesmo tempo” (Kastrup & Barros, 2009Kastrup, V., & Barros, R. B. (2009). Movimentos-funções do dispositivo na prática da cartografia. In E. Passos; V. Kastrup, V., & L. da Escóssia (Orgs.), Pistas do método da cartografia: Pesquisa-intervenção e produção de subjetividade (pp. 76-91). Porto Alegre, RS: Sulina., pp. 90-91). Não há pretensão à neutralidade do pesquisador e/ou da pesquisa pois “. . . conhecer e fazer se tornam inseparáveis . . .” (Passos & Barros, 2010Passos, E., & Barros, R. B. (2010). A cartografia como método de pesquisa-intervenção. In E. Passos, V. Kastrup, & L. da Escócia (Orgs.), Pistas do método da cartografia: Pesquisa-intervenção e produção de subjetividade (pp. 17-31). Porto Alegre, RS: Sulina ., p. 30), e a pesquisa é fruto dos diversos encontros que ocorrem em sua trajetória.

Na busca por ouvir o pensamento das crianças, e pensar as entrevistas como um modo de problematização, decidimos realizar as entrevistas em grupos. Barros (2009Barros, R. B. (2009). Grupo: A afirmação de um simulacro (2a ed.). Porto Alegre, RS: Ufrgs.) salienta que no trabalho com grupos, não se estabelecem somente conexões com pessoas diferentes, mas também entre modos de existencialização diferentes, o que cria um vasto campo de confrontos de certezas, de expectativas, interessante como busca de uma possível heterogeneidade.

Na Cartografia, o que se produz é uma proliferação de sentidos que surgem durante o processo de pesquisa. Não se trata, assim, de interpretar ou explicar o conteúdo das falas das crianças, ou dos desenhos dos participantes, mas reunir um conjunto de elementos que foram construídos na interação, no processo de pesquisa, o que ficou mais rico com a interação viva entre elas. “O conhecimento produzido e compartilhado na pesquisa cartográfica abrange as zonas de ambiguidades, acolhendo a experiência sem desprezar nenhuma de suas faces, seja a da objetividade, seja a da subjetividade” (Barros & Barros, 2013Barros, L. M. R., & Barros, M. E. B. (2013). O problema da análise em pesquisa cartográfica. Fractal, 25(2), 373-390. doi: 10.1590/S1984-02922013000200010
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, p. 375). Neste sentido, o trabalho com grupos se faz potente.

No início da pesquisa, na intenção de atingir diferentes extratos sociais, a busca dos participantes foi realizada pelo perfil da escola, pública ou particular, e por sua localização na cidade, zona sul ou zona norte visando contemplar alguma diversidade econômica, social e cultural da cidade do Rio de Janeiro - instituições e áreas bastante demarcadas por diferenças econômicas, sociais e culturais na cidade do Rio de Janeiro. Isto pareceu-nos interessante, visto que consideramos que a forma de se entender e conceber o que é uma família é construída socialmente e poderia ter variações a partir desses marcadores. Os grupos da pesquisa foram montados a partir da rede de conhecidos das pesquisadoras (a mestranda e a orientadora) que indicavam crianças que, por sua vez, indicaram mais algumas, dentro da faixa etária dos primeiros anos do ensino fundamental e do perfil de escola que frequentavam.

Assim, os primeiros 4 grupos de pesquisa seguiram os critérios acima mencionados, por tipo de escola e localização. Como moradoras da cidade do Rio de Janeiro, conseguimos identificar, por essas características, certo perfil de crianças em termos de classe social, grupo cultural e formas de circulação pela cidade. A partir da análise destas primeiras entrevistas e dos comentários da banca de qualificação do projeto de mestrado, decidimos montar grupos que incluíssem também diferentes formações familiares das crianças, visto que, até aquele momento, parte significativa morava com pai e mãe, no máximo, casos de separação, mas sem grande diversidade. Além disso, as diferenças sociais e territoriais não apareceram de forma significativa nas respostas das crianças dos primeiros grupos.

Então, o quinto grupo foi composto por crianças que estudavam em uma mesma escola particular da zona sul, mas que foram convidadas porque tinham uma diversidade de experiências de vida familiar pessoal: adoção, ter somente uma genitora e ser criado pela avó materna. E, um último e sexto grupo, com crianças que viviam em um abrigo da cidade do Rio de Janeiro, situado no bairro de Vila Isabel, selecionadas por uma profissional do abrigo em função da faixa etária e da disponibilidade e do desejo delas no horário marcado. Exceto por este último grupo, nos demais os responsáveis preenchiam uma ficha com alguns dados da criança participante, como endereço, idade, número de irmãos e escola.

No total foram realizados seis grupos com crianças, conforme a tabela 1. As entrevistas da zona sul foram realizadas em um consultório particular, as da zona norte, na Uerj e a do abrigo, no próprio local, a fim de facilitar o deslocamento das crianças envolvidas e não se tornar um impeditivo, no caso do abrigo, cuja circulação exigiria uma logística por parte do equipamento social, nem sempre possível. Cada criança participou de uma entrevista em grupo, que durava cerca de uma hora; foram gravadas com gravador digital e transcritas pela pesquisadora. Nos encontros era oferecido material para desenho - papel e canetinhas, bem como um pequeno lanche, constituído por biscoito e mate.

Tabela 1
Grupos da pesquisa

Por ser uma pesquisa realizada com crianças, para além de ter sido submetida ao Comitê de Ética da Universidade1 1 Notas: COEP 014/2012 e do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) assinado pelo responsável legal da criança, conforme estabelecido para pesquisas com menores de idade, foi preparado outro documento dirigido à própria criança2 2 Convém esclarecer que os dados desta pesquisa foram coletados em 2011 e 2012, portanto, antes da resolução 466 de 2012 do CNS. Não havia, portanto, a existência do termo de assentimento e a pesquisa esteve ancorada na Resolução 196/96. , escrito seguindo o texto original, mas de forma mais simples e com aspecto mais informal, contendo os mesmos pontos e objetivos. Buscamos com este gesto frisar a condição de autoria das crianças envolvidas, valorizando sua participação e singularidade. O que de fato aconteceu, porque gerou comentários sobre seu desejo e condição de participação, e bastante espanto quanto à novidade de assinar um documento. Vale ressaltar que elas presenciavam os responsáveis serem solicitados a fazer o mesmo antes do início da entrevista propriamente dita, com exceção das crianças abrigadas, cujo procedimento de autorização ocorreu de forma institucional. O gravador digital era ligado somente após a assinatura do termo pelas crianças.

Como recurso para uma aproximação inicial, incremento da conversa e das discussões, foi solicitada a realização de um desenho de sua família. Nos últimos dois grupos, mudamos esta solicitação para o desenho de uma família, seguindo a sugestão de uma professora participante da banca de qualificação, embora quase todas as crianças tenham se mantido na ideia de desenhar a própria. Este deslocamento pretendia deixar mais livre o nosso pedido, oferecendo a possibilidade, para as crianças, de inserirem no desenho a fantasia, o desejo, a imaginação, e não as prender a algo que pudesse ser checado ou confirmado por pessoas adultas, algo que precisasse de validação.

Convém dizer que nem todas se ativeram literalmente à proposta dada, em nenhum dos dois momentos da pesquisa, sem que tenhamos feito qualquer observação para elas, neste sentido. O desenho mostrou-se um instrumento profícuo pois gerou movimentos, impasses e reflexões, incrementando as conversas sobre o tema e suscitando questionamentos. O desenho também colaborou com a criação de uma trama entre palavras e imagens - materiais que nos ofereciam pistas sobre o que as crianças sentem, pensam e vivem sobre o ser família.

A ideia de iniciar por um desenho era também de incluir uma tarefa que fosse conhecida, um recurso de expressão de ideias e sentimentos, comum no universo infanto-juvenil, e que auxiliaria na construção do contexto colaborativo e informal da entrevista. Importante assinalar que os desenhos não foram analisados de forma isolada, mas sempre tensionados e pensados a partir das conversas que os acompanhavam e da discussão que atravessava os grupos.

Os desenhos foram se materializando de forma processual enquanto a discussão prosseguia, o que reforça a nossa ideia de que eles por si só não são suficientes para compreender o pensamento da criança, e estão sujeitos às mudanças e aos reposicionamentos, oriundos das dúvidas e das reflexões, postas nas discussões. Assim, se a decisão inicial sobre que pessoas incluir no desenho retratava a primeira ideia, com o desenrolar da discussão, muitas crianças foram refazendo suas escolhas, traçando ajustes ou acréscimos conforme relatavam suas experiências pessoais ou em função das ideias e sentimentos trazidos no debate com os demais. Parecia-nos que elas partiam de suas experiencias pessoais e passavam a agregar experiencias de seus universos mais amplo. O desenho, assim como o pensamento das crianças, não se cristaliza, mas interage e se tensiona com a discussão. Foi possível perceber que a produção do desenho, as mudanças, as dúvidas apontam para o movimento que as crianças fazem ao pensar, compreender e definir algo tão amplo e complexo como a instituição família. Um movimento que traduz não somente a dificuldade de definição, proposta colocada pelas pesquisadoras, mas também o dinamismo desta experiência que é o familiar.

Numa pesquisa com crianças que também se utilizou do desenho, mas para conhecer os sentidos atribuídos ao trabalho, as autoras Natividade, Coutinho e Zanella (2008Natividade, M. R., Coutinho, M. C., & Zanella, A. V. (2008). Desenho na pesquisa com crianças: Análise na perspectiva histórico-cultural. Contextos Clínicos, 1(1), 9-18. Recuperado de https://bit.ly/3uQL4JP
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) consideram, de forma semelhante, que a importância não incide sobre o desenho realizado, mas na significação que a criança atribui ao próprio processo de desenhar e sobre o que é possível compreender da realidade a partir da imagem produzida. “... é somente por intermédio das verbalizações das crianças a respeito de seus desenhos que é possível compreender os sentidos de sua produção” (p. 17). E acrescentaríamos: as alterações, negociações e o repensar que os comentários e as propostas das outras crianças produzem materializam este processo de criação.

Nos encontros grupais, além do desenho, a discussão foi alimentada por um pequeno roteiro de perguntas a respeito do que as crianças entendiam e viviam como família: O que é família? Quem mora com você? Conhece famílias diferentes da sua? Como imagina sua família no futuro? Como definiria família se chegasse aqui um marciano? Estas perguntas eram colocadas para o grupo como um todo, de forma aberta, sem qualquer ordem preestabelecida, sem necessidade de repostas por todos, mas serviam para manter o tema e o fluxo do debate aquecido, bem como fazer conexões com as demais falas das crianças.

Interessante assinalar que essas perguntas permitiram-nos perceber que muito do que pensávamos como possíveis e frutíferos caminhos de conversa provocaram diferentes e inimagináveis reações nas crianças entrevistadas, desde o não entendimento - diante da pergunta sobre famílias diferentes - até o riso - com a pergunta sobre os marcianos. Essas reações tornaram potente nossa análise de implicação (Coimbra & Nascimento, 2008Coimbra, C. M. B., & Nascimento, M. L. (2008). Análise de implicações: Desafiando nossas práticas de saber/poder. In A. Geisler, A. L. Abrahão, & C. M. B. C. (Orgs.), Subjetividade, violência e direitos humanos: Produzindo novos dispositivos de formação em saúde (pp. 143-154). Niterói, RJ: Eduff. Recuperado de https://bit.ly/3PaYFDR
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), ferramenta da Análise Institucional que exige que nos coloquemos ativamente no campo, e foi fundamental para percebermos o quanto as questões que tínhamos construído, anteriormente ao início do campo, estavam marcadas por sermos de outra geração, por nossas experiências pessoais, em tempos em que a diversidade familiar não era tão visível, evidenciada, comentada e/ou aceita. Incluiríamos nesta análise a nossa busca por definições de família.

Como já dito, os participantes foram convidados através de pessoas conhecidas que indicavam crianças desde sua rede pessoal ou profissional e que, algumas vezes, indicavam outra criança que preenchia os critérios definidos. Assim, havia elos entre as crianças de cada grupo, mesmo que nem todas se conhecessem, o que consideramos que ajudou a criar um ambiente de colaboração e informalidade nas entrevistas, cujo desafio sempre é desconstruir, na medida do possível, certa hierarquia e artificialidade entre pesquisadoras e pesquisados.

A opção por entrevistar as crianças em grupo mostrou-se rica e facilitadora de todo o processo de pesquisa. Entre as crianças criava-se um vínculo através dos diálogos, e elas trocavam entre si perguntas e questionamentos, sem necessidade da interferência direta das pesquisadoras, em boa parte do tempo. A cumplicidade se fazia entre as crianças de diversas formas à medida que começavam a conversa. Disputas e curiosidades também estiveram presentes. Era como se elas mesmas se entrevistassem, variando de posição entre perguntar e responder, a partir de suas próprias questões sobre o tema. Castro (2004Castro, L. R. (2004). A aventura urbana: Crianças e jovens no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ: 7letras.) justamente privilegia as discussões em grupo porque, segundo ela, este formato permite que tanto o investigador quanto as crianças e jovens participantes da pesquisa se encontrem em uma situação mais igualitária, “... cuja finalidade é construir sentidos comuns para as experiências individuais” (p. 237). Partindo desta ideia, e da compreensão das entrevistas como um campo de construção de sentidos, entendemos o material dos grupos como produzido coletivamente, apesar de podermos destacar algumas falas pessoais como correspondente às experiências vividas.

Quando da análise do material dos quatro grupos iniciais, não percebemos diferença significativa entre a fala das crianças participantes em função do tipo de escola, bairro ou classe social, mas sim por suas experiencias familiares pessoais: se os pais eram casados, avós vivos, convivência com irmãos etc. Estes dados mostraram-se mais marcantes na produção de sentidos sobre o que é família. Mas ao não priorizar as diferenças sociais nos grupos realizados posteriormente, não se desconsidera os atravessamentos de classe social que, em nosso país, são muitos, e pregnantes, nas diversas esferas da vida. Nem o gênero, nem a classe social, tampouco a leve diferença de idade pareceu significativa o suficiente para determinar contornos das produções sobre família. O que nos faz pensar que tensionamentos a respeito da família estão mais conectados às vivencias e experiências cotidianas no formato e funcionamento de cada uma. Cotidiano como o “... lugar de toda significação possível” (Blanchot, 2007Blanchot, M. (2007). A fala cotidiana. In A conversa infinita: A experiência limite (Vol. 2, pp. 235-246). São Paulo, SP: Escuta., p. 237), certamente construídos com todos esses marcadores, mas nenhum especialmente pregnante, embora o número total de crianças tenha sido pequeno. Assim, podemos mais uma vez incluir o encontro entre as crianças, nos grupos de discussão, como uma experiência importante e provocadora de significados.

A perspectiva das crianças

Os debates tecidos nos encontros em grupo confirmam o quanto as crianças são capazes de contribuir sobre o tema proposto, questionando pontos aparentemente já cristalizados e trazendo à tona paradoxos e conflitos. Se deixam capturar pela discussão, usando o que ouvem para repensar suas afirmações e sentimentos. Nosso intuito foi acompanhar as crianças enquanto elencavam, classificavam e hierarquizavam o que acreditam ser preponderante na tessitura dos laços familiares. Em conversa com Aron, 10 anos, perguntamos, “Quem mais tem na sua família, Aron, que não fosse na sua casa, se você fosse colocar?”. Ele havia decidido, rapidamente, pelo desenho do que chamou a “família de casa”: ele mesmo, seu pai, mãe e irmã, e respondeu, “Minha avó e meu avô paternos que moram em Teresópolis, minha avó materna, meu tio, meu tio materno, minha tia materna, uma prima de criação, eu acho de não sei qual grau”, o que Bruno, 10 anos, questionou: “Como ela pode ser de grau se ela é de criação?”.

Apesar da dificuldade em definir família, como nos aponta Sarti (2003Sarti, C. A. (2003). Família enredadas. In A. R. Acosta, & M. A. F. Vitale (Orgs.), Família: Redes, laços e políticas públicas (pp. 21-36). São Paulo, SP: IEE/PUC.): “Com seus laços esgarçados, torna-se cada vez mais difícil definir os contornos que a delimitam” (p. 21), as crianças demonstraram liberdade para fazer distinções e proposições, como é possível observar nos comentários de Rosane, 11 anos, “É que eu sei o que que é, mas eu não sei explicar o que que é”; de Waleria, 7 anos, “Eu ia falar que família são família”; Patricia, 10 anos, “Para mim família é umas pessoas que cuida da gente, que dá vida para gente, que dá saúde para gente”; e de Bruno, “Existe família biológica e família de afeto. Tipo assim muitas vezes a família biológica também é de afeto”. Confirmaram, assim, que há várias dimensões de família em uma só, por isso, há também muitas formas de a criança ver sua família e as demais, a partir de critérios que se entrelaçam, se cruzam, se atravessam, que se tornam pontos de inflexões, como as dobras3 3 Na dissertação foi empregado o termo camada, no entanto, como seu uso era muito próximo ao conceito de dobra, de Deleuze, neste artigo optamos por utilizá-lo, por ser mais preciso e teorizado. que deixam marcas, se recolocam, articulam em diferentes vértices. Não há contradições, mas linhas de diferentes forças que tecem as produções de sentido das crianças. “Pensar nas dobras nos aponta várias direções, os discursos vão se constituindo em rede, em agenciamentos coletivos maquínicos e de enunciação. As forças se dobram conforme os agenciamentos que as potencializam” (Santos, 2002Santos, N. I. S. (2002). Escola pública e comunidade: Relações em d’obras (Tese de doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre). Recuperado de https://bit.ly/3o4IDzC
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, p. 140). E as crianças iam dobrando e desdobrando a família, conforme teciam suas considerações.

A família foi descrita pelas crianças como algo positivo, agradável no presente e projetada para o futuro. Roudinesco (2003Roudinesco, E. (2003). A família em desordem. Rio de Janeiro, RJ: Zahar.) afirma que apesar de todas as mudanças ocorridas nos últimos anos, a família continua a ser reivindicada como o único valor seguro ao qual ninguém quer renunciar. Segundo a autora, a família “... é amada, sonhada e desejada por homens, mulheres e crianças de todas as idades, de todas as orientações sexuais e de todas as condições” (Roudinesco, 2003, p. 198).

Interessante ressaltar que as próprias definições de família, solicitadas ao longo das conversas, também se organizavam e se transformavam conforme surgiam um ou outro ponto na discussão, se dobrando e desdobrando. Apontavam para o movimento de vida e para a complexidade e a amplitude das questões que eram propostas e se faziam naqueles encontros. Para Deleuze (1988/1991), quando há uma inflexão, uma dobra é produzida. A cada nova definição, a cada novo elemento introduzido na interação entre as crianças, novas dobras na família. E “a dobra exprime tanto um território subjetivo quanto o processo de produção desse território, ou seja, ela exprime o próprio caráter coextensivo do dentro e do fora” (Silva, 2004Silva, R. N. (2004). A dobra deleuziana: Políticas de subjetivação. Revista do Departamento de Psicologia , 16(1), 55-75. Recuperado de https://bit.ly/3RA979B
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, p. 56). Significa dizer, no contexto da pesquisa, que a produção da família acontece nos deslocamentos produzidos, não há contradições internas às falas ou ao abandono de posição, ou ainda uma pureza de definição a ser atingida. A dobra constitui, assim, tanto subjetividade e território existencial, quanto subjetivação, processo pelo qual se produzem determinados territórios existenciais em uma formação histórica específica. As crianças vão dando contornos a suas ideias e constituem suas famílias também nesses encontros de grupo, debruçadas, que estão, sobre o tema.

A maior parte das crianças, em um primeiro momento, relacionou família com casa. Para DaMatta (1991DaMatta, R. (1991). A casa & a rua: Espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil. Rio de Janeiro, RJ: Guanabara Koogran.) a casa é definida como um espaço de “... tudo aquilo que se soma e define a nossa ideia de ‘amor’, ‘carinho’ e ‘calor humano’ ....” (p. 62, grifo do autor). Certeau (2014Certeau, M. (2014). A invenção do cotidiano: Artes de fazer (E. F. Alves, Trad., Vol. 1, 22a ed.). Petrópolis, RJ: Vozes.), em uma nota de rodapé, afirma que nas sociedades tradicionais, casa designava ao mesmo tempo a residência, o bem e a família, o corpo genealógico. E sem dúvida a casa representa a vida cotidiana, o espaço físico e emocional que nos abriga dia pós dia. Assim a família-casa aparece como a primeira dobra, por ser um espaço de convivência, de troca afetiva, de cuidados e não apenas pela delimitação do espaço físico. Dobra de linhas flexíveis, casa que se centra na trama dos afetos, local de acolhimento.

Neste ponto, é interessante comentar que no grupo realizado com crianças abrigadas este tipo de associação não surgiu. Mesmo quando desenharam sua família nuclear, não havia menção à casa, possivelmente porque a relação casa-família está rompida neste momento de suas vidas. Muitas das crianças abrigadas no Brasil tiveram a experiência de morar em abrigos com seus pais, ou na rua, ou ainda em moradias precarizadas. O mais próximo à imagem de uma casa esteve presente no desenho de Waleria, 7 anos, que incluiu amigas do abrigo no que ela denominou casa-carro. Lauz e Borges (2013Lauz, G. V. M., & Borges, J. L. (2013). Concepção de Família por Parte de Crianças em Situação de Acolhimento Institucional e por Parte de Profissionais. Psicologia: Ciência e profissão, 33(4), 852-867. doi: 10.1590/S1414-98932013000400007
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), em pesquisa realizada com crianças abrigadas, verificaram que estas possuíam três percepções distintas em relação a quem afirmam ser sua família, a saber: família biológica, família dos irmãos biológicos também institucionalizados e o abrigo.

Figura 1
Desenho da Waleria, 7 anos: a casa-carro e suas irmãs do abrigo

Joyce, 8 anos, incluiu em seu desenho, ao lado da casa em que mora, o pai e irmãos de outros casamentos do pai, com quem tem pouquíssimo contato devido a disputas judiciais, mesmo que isto não retratasse a descrição de sua experiência cotidiana ou ainda sua própria definição de família dada em algum momento anterior da entrevista. De alguma forma, para Joyce, o pai pertencia àquele espaço pois era considerado parte de sua família e de sua história. Não há contradição em sua fala. À medida que ela fala, elabora, dá outros contornos e muda de ideia, ela repensa as novas perguntas e colocações das adultas ou das crianças, e faz isso livremente.

Brito (2007Brito, L. M. T. (2007). Família pós-divórcio: A visão dos filhos. Psicologia, Ciência e Profissão, 27(1), 32-45. doi: 10.1590/S1414-98932007000100004
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) salienta que a ideia de família no plural deve acompanhar também a estrutura familiar após o rompimento conjugal, porque não há um padrão de relacionamento após a separação conjugal. Assim, entre o desenho representado na figura 2 e o diálogo, aparecem as tensões e dificuldades de incluir toda experiência em uma única definição - perguntamos a Joyce, 8 anos, “Se chegasse aqui uma pessoa de outro planeta, né, não soubesse o que que é família e perguntasse: ei, o que que é família?”, ela respondeu: “As pessoas que vivem juntas?”, e questionamos “. . . Tem pessoas da sua família que não vivem com você?”; “Tem, meu pai”.

Figura 2
Desenho da Joyce, 8 anos: pai, mãe, irmão, irmã, avó e a própria Joyce

Os questionamentos que fazíamos ao longo da conversa com as crianças, tensionando as definições, as dúvidas e os comentários, não buscavam uma coerência ou uma definição uniforme e estanque, mas sim acompanhar a plasticidade ou a impermanência delas, suas formas de coordenar os critérios, as experiências, os valores e suas escolhas. Se a família se constitui no cotidiano, ali também era um lugar de experimentação, espaço para tentar traduzir para adultas desconhecidas a teia que se organizava e se desorganizava quando se precisava colocar em palavras o que em geral é apenas sentido e experenciado sem necessidade de se definir ou proclamar.

Desta forma, Joyce nos aponta para o que consideramos uma segunda dobra: a família-casa-afeto, que pode abranger pessoas queridas da família extensa, parentes biológicos, amigos, animais de estimação, ou o que/quem cada um considerar como família. Muitas crianças incluíram, juntamente com a imagem da casa, pessoas significativas em suas vidas, como pai, avós ou tios com quem não coabitavam, como se casa e convivência se confundissem, mais ainda, como se o afeto por algum membro da família derrubasse os muros da casa ou se estendesse para além deles. A casa como experiencia subjetiva, como ponto central para as tramas das vidas familiares - espaço de afeto.

Diana, 9 anos, manifestou dúvidas sobre quem colocar no desenho. A mais persistente foi de colocar, ou não, seu irmão mais velho, que já é casado e mora em outra casa, no desenho de sua família: “Você acha que eu devo desenhar meu irmão que não mora comigo? Mas ele mora em São Paulo e eu moro em Santa Teresa”. O mesmo não ocorreu em relação à esposa dele: parecia ter clareza de que a cunhada não pertencia a este grupo, seja por nunca ter vivido lá, seja por não gostar dela. Quanto a sua dúvida, Bruno, 10 anos, sugeriu: “Se você sente afeto por ele, desenha”.

Bruno oferece para Diana o que ele próprio elege como maior marcador de família, o afeto. No confronto entre os laços sanguíneos, que ela parece reconhecer como importantes, e a convivência diária, da qual o irmão não participa mais, o afeto aparece como uma boa alternativa, que ela acolhe, colocando-o em seu desenho final.

Assim as crianças mostram plasticidade em mesclar critérios, estender muros, aproximar pessoas. Experimentam limites que criam em suas construções, negociam, os esticam, permitindo a inclusão de pessoas importantes de suas vidas. Em momentos de aparente impasse, precisaram decidir se o critério que elegiam para incluir alguém era suficiente e se o que excluía pessoas era justo, devido à realização do desenho, que exigia uma escolha definitiva, distante da plasticidade da vida cotidiana.

Ester, 10 anos, tinha perdido sua avó materna duas semanas antes da entrevista. Ao falar sobre seu desenho, diz que vai somente desenhar sua família de casa, mas incluiu o avô, que não mora lá. Não incluir o avô no desenho talvez significasse para ela deixá-lo sozinho neste momento difícil. Com o caminhar da conversa, ela incluiu também a avó falecida, envolta em um coração. Ela decide não deixar os avós de fora, apontando para mais uma dobra: família-casa-convivência-afeto, que de novo movem as paredes físicas da casa, ou as tornam ainda mais porosas.

Figura 3
Desenho da Ester, 10 anos: pai, irmão, avô, mãe, ela e avó que morreu envolta no coração

As crianças não demonstraram preocupação em estabelecer critérios absolutos, apontaram para a flexibilidade das escolhas, mas a força e a importância atribuída pela sociedade à consanguinidade parecem funcionar como um imã que dificulta que elas possam diminuir ou descartar completamente esse critério, amarras que eram mais difíceis de desatar, apontando para a dobra família-laços de sangue, formada por linhas mais duras que insistem em ofuscar outras. Em nosso país, apesar das fortes mudanças que a Constituição Federal de 1988 nos trouxe quanto às concepções de família, fomentando igualdade de direitos, o vínculo sanguíneo ainda se sobrepõe aos outros.

Embora tenha nos parecido que as crianças desejam, e conseguem, se desapegar com alguma facilidade de algo tão normativo na nossa sociedade, com a dureza da dobra-sangue se encontram outras muito vibrantes, que apresentam força e importância em sua vida cotidiana, em especial as dos afetos.

A família não se define, portanto, pelos indivíduos unidos por laços biológicos, mas pelos significantes que criam os elos de sentido nas relações, sem os quais essas relações se esfacelam, precisamente pela perda, ou inexistência, de sentido. Se os laços biológicos unem as famílias é porque são, em si, significantes. (Sarti, 2004Sarti, C. A. (2004). A família como ordem simbólica. Psicologia, 15(3), 11-28. doi: 10.1590/S0103-65642004000200002
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, p. 18)

Apesar da maior presença de relatos de aspectos positivos relacionados ao tema das relações familiares, surgiram também menções a conflitos e desafetos como parte de suas histórias. As crianças relataram desavenças, brigas e aborrecimentos presentes neste convívio. Falaram de irmãos, tios ou avós com quem se estressam ou que consideram desagradáveis, além de reclamarem das exigências e imposição de regras por parte dos adultos.

Sempre que possível, fazíamos referência a estes relatos para tensionar o aspecto da família-amor, colada na harmonia, tão enfatizado nas primeiras definições oferecidas pelas crianças. É perceptível, como afirma Roudinesco (2003Roudinesco, E. (2003). A família em desordem. Rio de Janeiro, RJ: Zahar.), uma idealização, entre as entrevistadas, do funcionamento das relações na família, mesmo que o cotidiano nem sempre assim confirme.

Gustavo, 10 anos, em seu desenho optou por não incluir o irmão com quem briga e tem desavenças, já que ali podia se manifestar e decidir pela família que registraria, mas não o excluiu da família nas suas falas e histórias. “E se tiver nesta família alguém que não se gosta?”, perguntamos, e Gustavo afirmou, “Na minha tem”, “Aí essa pessoa é da família ou não é da família?”, e Fernanda, 10 anos, respondeu: “Continua sendo, só que de um jeitinho diferente”.

O tema do afeto, critério central apontado pelas crianças para ser família, também se encontra associado à ideia de que é possível eleger seus membros, incluindo amigos e animais de estimação, o que é possível reparar em nosso diálogo com Clara, 10 anos: “O que houve aí que você colocou a mão na cabeça, Clara?”; “É que eu lembrei que eu tenho um cachorro”; “E ele faz parte da família?”; “Faz”. O afeto construindo laços, formando novas dobras.

Figura 4
Desenho da Clara, 10 anos: seus pais, a própria Clara, irmã e cachorros

Assim, os animais foram incluídos como membros das famílias pelas crianças que vivem esta experiência, ou por aquelas que não a vivem diretamente, mas confirmam essa possibilidade. Com os animais nunca haverá laços de sangue, não haverá ligação legal, mas eles têm seu lugar garantido no seio das famílias pelo afeto que os une. Um laço por adoção, onde cuidado e responsabilidade estão incluídos. Em conversa com Marcos, 7 anos, perguntamos: “E ele fazia parte da sua família este peixe?”, e ele respondeu: “Ele ia fazer, só durou um dia!”.

Na possibilidade de escolha dos participantes das famílias, os amigos foram citados em todos os grupos de entrevista. Eles cumprem com os critérios mais fortes oferecidos pelas crianças para ser membro: afeto e convivência. Contudo, eles só foram incluídos nos desenhos das crianças abrigadas. Oliveira e Próchno (2010Oliveira, S. V., & Próchno, C. C. S. C. (2010). A Vinculação afetiva para crianças institucionalizadas à espera de adoção. Psicologia, Ciência e Profissão , 30(1), 62-84. doi: 10.1590/S1414-98932010000100006
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), em uma pesquisa com crianças institucionalizadas, constataram que o que emerge da coletividade é que muitas crianças acabam por se tornar irmãs umas das outras, dividindo quartos, roupas, brinquedos e afetos, relação que se fez presente na conversa e nos desenhos destas crianças.

Lauz e Borges (2013Lauz, G. V. M., & Borges, J. L. (2013). Concepção de Família por Parte de Crianças em Situação de Acolhimento Institucional e por Parte de Profissionais. Psicologia: Ciência e profissão, 33(4), 852-867. doi: 10.1590/S1414-98932013000400007
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) também perceberam, nas crianças abrigadas, a idealização das relações familiares, ligada ao desejo intenso de retorno ao lar, associado à fantasia. Elas salientam que se deve levar em conta a influência das mídias e dos construtos sociais no processo de internalização idealizada a respeito de como é uma família.

A mídia se fez presente na pesquisa através das crianças entrevistadas, visto que à época exibia-se em horário nobre a novela Fina Estampa, de Aguinaldo Silva, da Rede Globo e abordava o tema da inseminação artificial. Tal atravessamento trouxe à tona um interessante debate que punha em pauta o peso do biológico nas suas diferentes expressões, fazendo emergir discussões sobre o que costuma ser considerado como verdadeiro, passível de comprovação, como a gestação - o biológico que se vê -, o pertencimento genético - o biológico que não se vê - e aquilo que vem da experiência e do reconhecimento por um coletivo - o afetivo. E, neste caso, embora ambos sejam biológicos, visto que a gravidez também o é, o fato de ela ser visível, além da declaração de afeto da gestante, deve ter contribuído na conclusão a que chegaram. As crianças oscilaram de opinião, mas ao final, ainda que não se tivesse proposto que chegassem a um consenso, todos os participantes decidiram considerar que a mãe que desejou e gerou o bebê em sua barriga como a que tinha mais direitos, e preteriram aquela que foi a doadora de óvulos. Por mais que pareciam compreender a importância do material genético, a relação com a bebê, tanto na barriga quanto nos primeiros cuidados, é muito mais concebível, como representado na fala de Fernanda, 10 anos: “Não, a outra amamenta, a outra cuida da filha, a outra procurou saber [ela está falando da Ester, personagem que foi quem fez a inseminação e gerou a criança]. . . . Ela gosta da filha dela, ela lutou para ter a menina, então a filha é dela”.

Para as crianças desta pesquisa, o biológico é um princípio importante, a dobra dura, difícil esquecer ou não considerar suas marcas, mas sua primazia se dissolve ou se torna perene perante outros aspectos mais valorizados como, na novela, o desejo de ser mãe, o cuidado e o amor. “Consanguinidade e afinidade em geral tentam resumir os laços familiares, mas não esgotam a diversidade de composições que hoje habitam este campo” (Uziel, 2004Uziel, A. P. (2004). Família e homoparentalidade. In A. P. Uziel, L. F. Rios, & R. G. Parker (Org.), Construções de sexualidade: Gênero, identidade e comportamento em tempos de AIDS (pp. 29-36). Rio de Janeiro, RJ: Pallas., p. 29).

Outro aspecto que consideramos interessante foi que as crianças de nossa pesquisa também pensam na família como continuidade, como aponta Roudinesco (2003Roudinesco, E. (2003). A família em desordem. Rio de Janeiro, RJ: Zahar.), visto que, ao serem questionadas sobre o que imaginam do futuro, falaram enfaticamente em casar e tornarem-se pais. Pensam a família como algo valorizado e contínuo, apontando para o futuro de gerações e amplitude de relações, como é visto nas falas de Fernanda, 10 anos, e Hugo, 9 anos, respectivamente: “Eu vou casar. Eu vou ter filhos. Eu vou ser tia. Vou ser avó, tataravó, tataratatara”; “Eu acho que vou ser avô e tio”. Somente uma criança falou sobre ter um bom emprego ofertando outra dimensão para a pergunta, escapando assim da temática principal da conversa.

Em variados momentos das discussões grupais percebemos que as crianças ensaiaram usar categorias já existentes para definir pessoas que não estão em posições tão comuns. Dizemos ensaiar porque alguns destes termos foram usados por elas com certa incerteza, ou com algum ajuste, apontando pouca clareza sobre suas definições, como de: sangue, madrasta, enteado, de consideração e de criação.

... a incapacidade infantil de entender certas palavras e manusear os objetos dando-lhes usos e significações ainda não fixados pela cultura do consumo nos faz lembrar que tanto os objetos como as palavras estão no mundo para serem permanentemente re-significados através de nossas ações. (Souza, 2005Souza, S. J. (2005). Infância, violência e consumo. In S. J. Souza (Org.), Subjetividade em questão: A infância como crítica da cultura (2a ed., pp. 91-98). Rio de Janeiro, RJ: 7letras ., p. 97)

Fazendo uso de um lugar de menos amarras, apostando talvez em linhas de fuga, criam figuras cujos nomes ainda não temos. Propõem neologismos para situações que muitas vezes temos dificuldades em descrever, a exemplo de Nico, 8 anos, ao falar de seus irmãos postiços: “Eu tenho dois irmãos só que é da minha tia Eliane! Minha tia Eliane é minha padrasta”.

Os critérios eleitos pelas crianças para incluir ou excluir alguém como família não obedeciam a qualquer hierarquia de valores dada de antemão, se mesclavam. São fios que tecem e apontam para possibilidades, combinações, alternativas, mas que não se tornam imposições, que devem ser válidas para todos. Em nenhum momento das entrevistas alguma criança disse que a outra estava errada em suas escolhas ou critérios. Neste sentido, nos parece que, para elas, os critérios podem ser selecionados de forma singular, marcados por suas múltiplas experiências, e produzindo, assim, novas dobras.

Considerações finais

Pensar famílias leva a forças que já estão bastante enraizadas, como a família como fonte de amor e carinho, e outras que se afirmam, como os membros que podemos escolher pelo afeto para considerarmos família. As crianças entrevistadas produzem jogos de combinações onde experimentam possibilidades que lhes fazem sentido naqueles momentos de interação, tornando os critérios mais abertos e mais amplas as definições. Arriscam diferentes dobras e extrapolam o que parece inflexível. Para elas, é difícil considerar família alguém com quem não têm convivência, por quem não sentem afeto, mas entendem que estes ou outros critérios podem, e são, usados por outras pessoas. Suas certezas em relação aos afetos e à convivência como fundamentais para definir família não fazem dessas linhas definitivas, rígidas, mas iluminadas, reinventadas. Linhas que causam fissuras, que são experimentadas e desfeitas. Quando suas concepções não coincidem com as dos adultos, não são enfrentadas como discórdia ou erro. Entendem como outros dobramentos, e esses movimentos a cartografia nos permite acompanhar.

Ao pensarmos sobre os critérios sugeridos e, especialmente, a forma de entrelaçá-los, percebemos que as crianças nos oferecem um olhar rizomático em direção às famílias. No sistema de rizomas, qualquer ponto pode ser conectado com outro, não há unidade, nem hierarquias, mas multiplicidade, criação, risco e inovação. O que existe são linhas, sem começo nem fim, mas um meio pelo qual cresce e transborda. “Um rizoma pode ser rompido, quebrado em um lugar qualquer, e também retoma segundo uma ou outra de suas linhas e segundo outras linhas” (Deleuze & Guattari, 1995Deleuze, G., & Guattari, F. (1995). Mil platôs - Capitalismo e esquizofrenia (A. G. Neto, & C. P. Costa, Trads., Vol. 1). Rio de Janeiro, RJ: Editora 34. (Trabalho original publicado em 1980), p. 18).

As famílias descritas, desejadas, conhecidas ou imaginadas pelas crianças entrevistadas aparecem com variadas conexões possíveis, sem que critérios estabelecidos as ordenem ou as fixem, sem criar um sistema de valores fixos, mesmo que seja mais difícil negociar com o valor do laço sanguíneo. Experimentam cruzamentos, marcas e afirmam encontros.

Essas crianças pensam as famílias como algo em constante movimento e transformação, esboçando um rizoma, sem origens ou trajetórias definidas, mas onde o afeto demonstrou primazia. Não passível de definição, de totalização, pensam-na “. . . não como mapa, mas como cartografia; não como único, mas como multiplicidade; não como família ou mesmo famílias, e sim como familiar” (Bakman, 2013Bakman, G. (2013). Entre o roteiro e a viagem: Famílias e crianças pelo caminho (Dissertação de mestrado, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro). Recuperado de https://bit.ly/3cj63hS
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, p. 83). Família como um rizoma que “. . . se refere a um mapa que deve ser produzido, construído, sempre desmontável, conectável, reversível, modificável, com múltiplas entradas e saídas, com suas linhas de fuga” (Deleuze & Guattari, 1995Deleuze, G., & Guattari, F. (1995). Mil platôs - Capitalismo e esquizofrenia (A. G. Neto, & C. P. Costa, Trads., Vol. 1). Rio de Janeiro, RJ: Editora 34. (Trabalho original publicado em 1980), p. 33).

Afirmar que o familiar é um exercício constante é por luz na dobra como verbo, ação, movimento. Pensar o familiar como experiência que nos afeta, intensamente, singularmente e constantemente. E assumir que as boas definições, inspiradas pelos bons encontros de Spinoza (Cavagnoli & Maheirie, 2020Cavagnoli, M., & Maheirie, K. (2020). A cartografia como estratégia metodológica à produção de dispositivos de intervenção na Psicologia Social. Fractal: Revista de Psicologia, 32(1), 64-71. doi: 10.22409/1984-0292/v32i1/5680
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), aquelas que ofertam potência, serão sempre as atravessadas por nossas histórias, marcadas por cada momento, em constante negociação com o nosso entorno, abertas a novos questionamentos e atravessadas pelos afetos.

Referências

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  • 1
    Notas: COEP 014/2012
  • 2
    Convém esclarecer que os dados desta pesquisa foram coletados em 2011 e 2012, portanto, antes da resolução 466 de 2012 do CNS. Não havia, portanto, a existência do termo de assentimento e a pesquisa esteve ancorada na Resolução 196/96.
  • 3
    Na dissertação foi empregado o termo camada, no entanto, como seu uso era muito próximo ao conceito de dobra, de Deleuze, neste artigo optamos por utilizá-lo, por ser mais preciso e teorizado.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Out 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    16 Dez 2020
  • Revisado
    20 Mar 2022
  • Aceito
    10 Jul 2022
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