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Poder, crise e insurgência no Brasil e o direito a ter direitos

Power, crisis, and insurgency in Brazil and the right to have rights

Pouvoir, crise et insurrection au Brésil et le droit d’avoir des droits

Poder, crisis e insurgencia en Brasil y el derecho a tener derechos

Resumo

Este ensaio reflete as condicionantes do poder em uma sociedade marcada pela emergência do conservadorismo que põe em risco a dignidade e os direitos humanos conquistados no período pós-ditadura militar brasileira. A partir do pensamento de autores críticos, tecemos considerações sobre como enfrentar essa nova configuração social e garantir a proteção dos direitos humanos. Para tanto, pensar o papel da universidade numa perspectiva praxiológica de ação política comprometida com a mudança social pressupõem buscar alternativas, saídas psicopolíticas, para uma sociedade capitalista submergida numa crise civilizatória. Como parte dessa análise, abordamos casos como o do assassinato de Marielle Franco, decorrente do avanço do conservadorismo e da violência política que o acompanha.

Palavras-chave:
psicologia política; direitos humanos; práxis; cidadania insurgente; consciência política

Abstract

This essay reflects on the conditions of power in a society marked by the emergence of conservatism that puts at risk the dignity and human rights achieved in the post-military dictatorship period in Brazil. Based on the thought of critical authors, we make considerations about how to face this new social configuration and guarantee the protection of human rights. To this end, thinking about the role of the university in a praxeological perspective of political action committed to social change presupposes the search for alternatives, psycho-political ways out, for a capitalist society submerged in a crisis of civilization. As part of this analysis, we address cases such as the assassination of Marielle Franco, due to the advance of conservatism and of the political violence that accompanies it.

Keywords:
political psychology; human rights; praxis; insurgent citizenship; political consciousness

Résumé

Cet essai réfléchit sur les conditions du pouvoir dans une société marquée par l’émergence d’un conservatisme qui met en danger la dignité et les droits de l’homme gagnés dans la période post-dictature militaire brésilienne. Basés sur la pensée d’auteurs critiques, nous formulons des considérations sur la manière de faire face à cette nouvelle configuration sociale et de garantir la protection des droits de l’homme. Pour ce faire, penser le rôle de l’université dans une perspective praxéologique d’action politique engagée dans le changement social présuppose la recherche d’alternatives, d’issues psycho-politiques, pour une société capitaliste submergée dans une crise civilisatrice. Dans le cadre de cette analyse, nous abordons des cas tels que l’assassinat de Marielle Franco, découlant de l’avancée du conservatisme et de la violence politique qui l’accompagne.

Mots-clés :
psychologie politique; droits de l’homme; praxis; citoyenneté insurgée; conscience politique

Resumen

Este ensayo reflexiona sobre las condiciones del poder en una sociedad marcada por el surgimiento de un conservadurismo que pone en peligro la dignidad y los derechos humanos conquistados en el período de la dictadura militar brasileña. A partir del pensamiento de autores críticos se hacen consideraciones sobre cómo afrontar esta nueva configuración social y garantizar la protección de los derechos humanos. Para ello, pensar el papel de la universidad en una perspectiva praxeológica de acción política comprometida con el cambio social presupone la búsqueda de alternativas y de salidas psicopolíticas para una sociedad capitalista inmersa en una crisis civilizatoria. En este análisis se abordan casos como el asesinato de Marielle Franco como consecuencia del avance del conservadurismo y la violencia política que lo acompaña.

Palabras clave:
psicología política; derechos humanos; praxis; ciudadanía insurgente; conciencia política

Introdução

Analisar o atual contexto político brasileiro passa por entender as inter-relações entre poder, crise e insurgência na sociedade. Fá-lo-emos à luz de uma Psicologia Política marginal, construída na interdisciplinaridade e comprometida com a mudança social (Martín-Baró, 1991/2013Martín-Baró, I. (1991/2013). O método em psicologia política. Psicologia Política, 13(28). 575-592. (Trabalho original publicado em 1991). Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rpp/v13n28/v13n28a11.pdf
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; Rodríguez Kauth, 1992Rodríguez Kauth, A. (1992). Psicología social, psicología política y Derechos Humanos. San Luis: Editorial Universitaria.; Silva, 2012Silva, A. (2012). A Psicologia Política no Brasil: lembranças e percursos sobre a constituição de um campo interdisciplinar. Revista Psicologia Política , 12(25), 409-426. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-549X2012000300004&lng=pt&tlng=pt
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, 2015Silva, A. (2015). A psicologia política: Ser/estar nos interstícios das disciplinaridades. In A. Silva & F. Corrêa, No interstício das disciplinaridades: A psicologia política. Curitiba, PR: Prismas.; Hernandez & Guareschi, 2020Hernandez, A., & Guareschi, P. (Orgs.). (2020). Psicologia política marginal. Petrópolis, RJ: Vozes.; Silva, Mello-Théry, & Romero, 2018Silva, A., Mello-Théry, N., & Romero, J. C. (2018). Reflexiones acerca del cambio social y participación política como campo interdisciplinar de producción del saber. Revista de Investigacion Psicologica, (20), 83-96. Recuperado de http://www.scielo.org.bo/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2223-30322018000200007&lng=es&tlng
http://www.scielo.org.bo/scielo.php?scri...
). Pensar a realidade a partir desse lugar nos permite acessar saberes entrelaçados para refletir sobre poder e dominação, subalternidade e libertação, capitalismo e direitos humanos, e desigualdades e justiça social no Brasil. Com base em vasta literatura e em nossa vivência podemos registrar e atestar que as marcas da exploração seguem deixando cicatrizes na sociedade brasileira, seja pela dura realidade da distribuição injusta de riquezas, seja porque em nosso país ainda fulgura a chama das condições análogas à escravidão (Théry, Mello, Hato, & Girardi, 2012Théry, H., Mello, N. A., Hato, J., & Girardi, E. P. (2012). Atlas do trabalho escravo no Brasil: Com duas novas e poderosas ferramentas para os gestores de políticas públicas, atores econômicos e financeiros: o índice de probabilidade de trabalho escravo e o índice de vulnerabilidade ao aliciamento. São Paulo, SP: Amigos da Terra: Amazônia Brasileira. Recuperado de http://amazonia.org.br/wp-content/uploads/2012/05/Atlas-do-Trabalho-Escravo.pdf
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).

Antes de apresentar alguns contornos da crise estrutural do capital e seguir adiante com nossa análise da realidade brasileira, vamos ponderar os termos que elegemos para ilustrar a conjuntura global e brasileira atual: poder, crise e insurgência.

A luta pelo poder é uma luta política e a luta política é essencialmente uma luta econômica que determina o agir humano. Segundo Lênin, a política é a economia concentrada, não podendo entender a política somente no âmbito das relações sociais de produção. A luta política tem dois componentes básicos: a determinação do sujeito político e a obtenção de ganhos práticos. O primeiro refere-se à solidificação de propostas e ações coletivas afirmativas, que buscam reconhecimento e legitimação social, liberdade e independência política. O segundo, não descolado do primeiro, envolve a luta por melhorias das condições materiais de vida e de trabalho. É a luta econômica, mas também de afirmação do direito de existir.

Contudo, nem sempre a luta econômica complementa a luta pela afirmação e reconhecimento. O contrário também pode ser verdadeiro. Entretanto, o caminho indicado por Marx é a conciliação da luta econômica com a política. Trotsky, após a tomada de poder na Revolução Russa em 1917, também chega a essa conclusão: disse ele que havia sido realizada uma revolução econômica na Rússia e que seu sucesso dependia de uma revolução social.

Para Marx, a consciência de classe é um fenômeno universal porque a sociedade de classes é um fenômeno universal. Ao mesmo tempo, dizia, não há universal sem o particular. Nessa ótica, a luta política tanto é mais efetiva quanto mais aproximar indivíduo, grupo e classe. Tanto mais é efetiva quando garantir ganhos práticos e, ao mesmo tempo, produzir as condicionantes ético-políticas que permitam a superação das desigualdades e a possibilidade de emancipação do ser humano enquanto centro da história (Silva & Euzébios Filho, 2021Silva, A., & Euzébios Filho, A. (2021). Marxismo, consciência e comportamento político. Linhas Críticas, 27, 1-19. doi: 10.26512/lc.v27.2021.36500
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).

A luta de classes é o cenário em que se pode entender a crise estrutural, pois ela engloba tanto uma crise econômica quanto uma política. Ela comporta a precarização dos direitos, a insegurança trabalhista e o empobrecimento massivo da população; inclui a reinvenção de processos de representatividade, mas também os contornos autoritários da extrema-direita, que faz ações conservadoras da ordem conviver com processos explosivos de insurgência e inconformismo.

A complexidade do momento atual reside, justamente, no fato de o cenário de crise social, política e econômica não satisfazer nem os campos identificados com a esquerda, nem aqueles com a direita. A reconfiguração da polarização geopolítica mundial entre capitalismo e socialismo, que perdurou ao longo do século XX, vem gerando uma reconfiguração desses dois polos políticos (Tábata & Euzébios Filho, 2019Tábata, S., & Euzébios Filho, A. (2019). Ser de direita e de esquerda hoje: A política pelo olhar de universitários recém-ingressos. Fragmentos de Cuiltura, 29(3), 478-491. doi: 10.18224/frag.v29i3.7837
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). Do lado da esquerda, observamos um relativo arrefecimento das organizações socialistas e a perda do referencial classista, focalizando na disputa institucional e eleitoral. Do lado da direita, com o esfacelamento do Bem-Estar-Social, ressurge os princípios do livre mercado e o retorno às vestes autoritárias.

Sem dúvida que o “fim da história” representa o fortalecimento do projeto liberal por dentro e por fora do Estado. Mas a hegemonia do neoliberalismo não foi capaz de eliminar a insurgência dos descontentes, dos indignados, dos explorados e oprimidos. Historicamente, cabe recordar que insurgência é, desde a revolução francesa, o ato de rebelar-se contra uma ordem que se tornou opressora e perdeu a legitimidade para diferentes setores da sociedade (Holston, 2013Holston, J. (2013). Cidadania insurgente: Disjunções da democracia e da modernidade no Brasil. São Paulo, SP: Cia. das Letras .). É interessante observar que, num contexto de ampla e amorfa indignação contra o sistema, que alimenta populismos tanto de esquerda quanto de direita, nem sempre a indignação contra a ordem tem sido alimentada nos campos da esquerda, como sugere a luta partidária, sindical e dos movimentos sociais ao logo da história do capitalismo.

Partindo de Bobbio (2011Bobbio, N. (2011). Direita e esquerda: Razões e significados de uma distinção política. São Paulo, SP: Editora Unesp .), sobre esquerda e direita, consideramos que a insurgência é uma prerrogativa do campo da esquerda, pois se caracteriza como uma ação política contra o poder estabelecido, como ato de resistência dos despossuídos, daqueles que lutam pela igualdade e justiça social. Tem como combustível a indignação e a esperança, a luta pela afirmação da diversidade. As ações “antissistema” da nova direita, como sugerem as manifestações antidemocráticas no Brasil atual, são paradoxalmente voltadas para a conservação do mesmo sistema, contra o medo de perder o poder político, social e econômico. Têm como combustível o medo, a ira e o ódio. Trata-se de uma luta pela afirmação da homogeneidade da classe dominante, mas não uma insurgência contra o poder. Vale destacar que movimentos sociais podem nascer à direita do espectro político e pautar-se em questões que atendam demandas (neo)liberais, as quais podem garantir a preservação de um determinado status quo. Por esse motivo, ainda que sejam manifestações classificáveis como movimentos sociais, elas não podem ser consideradas insurgentes e, menos ainda, revolucionárias (Avritzer, 2018Avritzer, L. (2018). O pêndulo da democracia no Brasil: Uma análise da crise 2013-2018. Novos estudos CEBRAP, 37(2), 273-289. doi: 10.25091/S01013300201800020006
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; Silva, 2017Silva, M. (2017). Insurgência e conservadorismo: Considerações sobre o paradoxo da cidadania no Brasil. Em Pauta, 15(39), 70-84. doi: 10.12957/rep.2017.30377
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; Carlos, 2021Carlos, E. (2021). Movimentos sociais e políticas públicas: Consequências na política nacional de Direitos Humanos. Dados: Revista de Ciências Sociais, 64(4), e20190305. doi: 10.1590/dados.2021.64.4.248
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). No presente texto, a insurgência é um ato de ruptura com processos de dominação-exploração que geram subalternidades.

O lema com que se apresenta o governo de Jair Bolsonaro (Partido Liberal, 2019-2022) é: “liberal na economia e conservador nos costumes” (Keller & Keller, 2019Keller, R., & Keller, S. (2019). “Liberal na economia e conservador nos costumes”: um arranjo sincrético na política brasileira pós-golpe de 2016. Fronteras, 13, 44-52.). É um governo que adota uma narrativa de luta contra o “comunismo”, materializado, segundo a ótica governista, nos consensos modernos sobre meio ambiente e direitos humanos, mesmo que isso não corresponda aos fatos. Apoia-se na luta contra aqueles que ferem os valores da “família tradicional” e da “liberdade individual”. Nesse caso, tem-se uma ação política aguda, abrupta e violenta contra os opositores.

Com efeito, a liderança da extrema-direita, lembra Martín-Baró (2017Martín-Baró, I. (2017). A desideologização como contribuição da psicologia social para o desenvolvimento da democracia na América Latina. In F. Lacerda Jr. (Org.), Crítica e libertação na psicologia. Petrópolis, RJ: Vozes .), instiga a polarização e o uso da força contra o diverso, reforça modelos autoritários, faz uso constante da violência política e da difamação do adversário político, caracterizado como inimigo. Diante de tudo isso, cabe pensar: por que chegamos até aqui? Como já indicamos anteriormente, a resposta a essa pergunta começa por uma melhor definição do colapso da economia e da democracia capitalista.

No contexto brasileiro, as repostas à crise econômica e política do capital dos governos de centro-esquerda, como os de Lula e Dilma Rousseff (Partido dos Trabalhadores - PT), não contribuíram suficientemente para alterar as condições de vida e de trabalho da maioria da população. Porém, após 21 anos de governos federais do Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB, 1994-2001) e do PT (2002-2015) - especialmente após o impeachment de Rousseff -, houve um avanço do conservadorismo no governo Temer (Movimento Democrático Brasileiro - MDB - 2016-2018) que se aprofundou com a eleição de Bolsonaro. O avanço do conservadorismo se reflete na forma de pensar e executar políticas públicas, no modo de lidar com as políticas ambientais, de diversidade racial e sexual e de direitos humanos, na radicalização da agenda econômica liberal, entre outros aspectos (Brasil de Fato, 2021Brasil de Fato. (2021, 23 de junho). Por que o ex-ministro Ricardo Salles era considerado ameaça mundial ao meio ambiente: Ações do demissionário geraram recordes de desmatamento, queimadas, grilagem, garimpo e invasão de terras indígenas. Recuperado de https://www.brasildefato.com.br/2021/06/23/por-que-o-ex-ministro-ricardo-salles-era-considerado-ameaca-mundial-ao-meio-ambiente
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; Costa, 2018Costa, C. (2018, 16 de março). Por que o assassinato de Marielle virou palco de batalha ideológica nas redes. BBC News Brasil. Recuperado de https://www.bbc.com/portuguese/salasocial-43437479
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; Silva & Martins, 2019Silva, V., & Martins, F. (2019, 25 de setembro). Projetos de lei contrários ao aborto na Câmara dos Deputados batem recorde em 2019. Gênero e Número. Recuperado de https://www.generonumero.media/projetos-de-lei-contrarios-ao-aborto-na-camara-dos-deputados-batem-recorde-em-2019/
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).

Com efeito, temos visto diversos movimentos insurgentes e resistentes à agenda econômica ultraliberal (Costa, 2008Costa, G. (2008). Cidadania e participação: Impactos da política social num enfoque psicopolítico. Curitiba, PR: Juruá.; Holston, 2013Holston, J. (2013). Cidadania insurgente: Disjunções da democracia e da modernidade no Brasil. São Paulo, SP: Cia. das Letras .) e de desmonte dos direitos sociais. Mudanças na agenda da gestão pública, nas legislações e relações trabalhistas, o aumento de mortes da população negra pelas mãos da polícia e de milícias, a elevação do desmatamento e desmonte de órgão de controle ambiental, entre outros fatores, mostram como o atual ordenamento do Estado e da sociedade agravam as desigualdades no país.

É nessa conjuntura que o assassinato da vereadora Marielle Franco (Partido Socialismo e Liberdade - PSOL), em 14 de março de 2018, no Rio de Janeiro (Estado de S. Paulo, 2020Estado de S. Paulo. (2020). Tudo sobre: Marielle Franco. Recuperado de https://tudo-sobre.estadao.com.br/marielle-franco
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), foi um acontecimento emblemático, revelando um conjunto de mudanças fruto da emergência de novos movimentos que desejam firmar e defender posições mais conservadoras em todos os sentidos e aspectos da vida social e política (Silva, 2017Silva, M. (2017). Insurgência e conservadorismo: Considerações sobre o paradoxo da cidadania no Brasil. Em Pauta, 15(39), 70-84. doi: 10.12957/rep.2017.30377
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). Sua morte escancara essa realidade e desperta os condenados da terra (Fanon, 1968Fanon, F. (1968). Os condenados da terra. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira.) a insurgirem-se.

O que se sabe do assassinato de Marielle, ainda não totalmente esclarecido pela Polícia Federal (PF), é que as balas que mataram a vereadora saíram de um armamento desviado criminosamente da PF. Eram balas próprias para o uso privativo das forças da Polícia Federal brasileira (Leitão, 2018Leitão, L. (2018, 16 de março). Munição usada para matar Marielle é de lotes vendidos para a Polícia Federal. G1. Recuperado de https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/municao-usada-para-matar-marielle-e-de-lotes-vendidos-para-a-policia-federal.ghtml
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). E isso é um caso que reflete um determinado momento e uma determinada forma com a qual nós, hoje no Brasil, somos vítimas de uma captura do Estado brasileiro por forças políticas e militares comprometidas com uma agenda violentamente particularista e nada republicana.

O uso particularista do Estado causou fissuras internas no próprio governo, o que ficou evidente, por exemplo, nas acusações do ex-ministro da Justiça e Segurança, o ex-juiz Sérgio Moro, de que o presidente tentava controlar a PF. Essa situação se desdobrou em uma investigação, inédita, no Supremo Tribunal Federal (STF) dos atos e condutas do presidente da República (G1, 2020G1. (2020, 18 de abril). Moro acusa Bolsonaro: Entenda o inquérito no STF. Recuperado de https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/04/28/moro-bolsonaro-inquerito-stf-entenda.ghtml
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). Outro exemplo vem sendo revelado na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que vem investigando gabinetes e ministérios “paralelos”, ligados às pautas particulares da família Bolsonaro, que orientaram e investiram no tratamento precoce com drogas sem eficácia comprovada contra a covid-19, além do boicote e atraso na aquisição de vacinas.

O momento atual no Brasil1 1 Vale destacar que, após a eleição presidencial de 2022, Bolsonaro foi derrotado por Lula. Entretanto, quaisquer mudanças nesse quadro dependem de como será a relação entre executivo e legislativo, uma vez que o novo congresso se apresenta ainda mais conservador que o atual. nos traz inúmeros exemplos de ataques aos direitos de minorias e de grupos em posições minoritárias (Silva, 2007Silva, A. (2007). Direitos Humanos e lugares minoritários: Um convite ao pensar sobre processos de exclusão na escola. In Ministério da Educação, Programa Ética e Cidadania: Construindo valores na escola e na sociedade (pp. 1-8). Recuperado de http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Etica/11_soares.pdf
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pd...
, 2011Silva, A. (2011). Políticas públicas, educação para os Direitos Humanos e diversidade sexual. Trivium, 3(2), 58-72. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2176-48912011000200007&lng=pt&tlng=pt
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), incitados pelo próprio presidente, seus filhos e por parlamentares nas esferas municipal, estadual e federal. Outro exemplo do autoritarismo, que se reflete no campo parlamentar, remete à ameaça ao parco direito ao aborto das mulheres estrupadas no Brasil, que se torna objeto de propostas legislativas que pretendem derrubá-lo (Saffioti, 2004Saffioti, H. (2004). Gênero, patriarcado, violência. São Paulo, SP: Perseu Abramo.; Silva & Martins, 2019Silva, V., & Martins, F. (2019, 25 de setembro). Projetos de lei contrários ao aborto na Câmara dos Deputados batem recorde em 2019. Gênero e Número. Recuperado de https://www.generonumero.media/projetos-de-lei-contrarios-ao-aborto-na-camara-dos-deputados-batem-recorde-em-2019/
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;).

As alterações vividas com mais intensidade desde o impeachment de Dilma Rousseff (PT) abriram a caixa de pandora do conservadorismo, que estava relativamente contido, entorpecido pela grande popularidade de Lula (PT) e sua proposta de “pacto social”. Mas já no decorrer das manifestações de 2013, emergiram movimentos conservadores, como o Movimento Brasil Livre (MBL) e o “Vem Pra Rua”, que figuram até hoje no cenário político e parlamentar. Paradoxalmente, esses movimentos são de direita ou extrema-direita, canalizando com mais efetividade o sentimento de revolta contra o sistema. Escamoteiam-se numa luta abstrata contra a corrupção, apoiando-se no esgotamento do “pacto social” dos governos Lula e Dilma (Singer, 2018Singer, A. (2018). O lulismo em crise: Um quebra-cabeça do governo Dilma (2011-2016). São Paulo, SP: Cia. das Letras .).

Atores da direita tradicional, aliados à nova extrema-direita chegaram ao governo federal e ganharam capilaridade nos estados e municípios brasileiros, especialmente do eixo Sul-Sudeste-Centro-Oeste (Keller & Keller, 2019Keller, R., & Keller, S. (2019). “Liberal na economia e conservador nos costumes”: um arranjo sincrético na política brasileira pós-golpe de 2016. Fronteras, 13, 44-52.). Nesse novo desenho político, o que se vê são situações análogas àquelas vividas na idade das trevas, nas quais uma mulher violentada e estuprada não tinha sequer o direito de abortar e retomar o controle de sua vida, o que poderia retornar em pleno século XXI (Silva & Martins, 2019Silva, V., & Martins, F. (2019, 25 de setembro). Projetos de lei contrários ao aborto na Câmara dos Deputados batem recorde em 2019. Gênero e Número. Recuperado de https://www.generonumero.media/projetos-de-lei-contrarios-ao-aborto-na-camara-dos-deputados-batem-recorde-em-2019/
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).

O discurso moral-religioso, estampado no lema do governo federal que repete reiteradamente “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, aponta tanto para a perda da laicidade do governo e do Estado brasileiro quanto para a emergência de um modelo no qual se defende discursos liberais na economia e conservadores nos costumes, além de guardar uma inquietante semelhança como o lema nazista “Alemanha acima de tudo”. Nesse quadro, mulheres, negros, população LGBTQIA+, ativistas de oposição e outros setores marginalizados são fragilizados em todos os contextos da vida. Eles perdem espaço no mundo do trabalho e da política, enfrentam uma maior pressão por controle de seus corpos e liberdades - ao ponto de uma mulher pobre, em uma situação de estupro, ter de assumir um suposto dever moral e ficar com o filho fruto da violência machista que tudo pode e nada deve (Von Smigay, 2002Von Smigay, K. (2002). Sexismo, homofobia e outras expressões correlatas de violência: Desafios para a psicologia política. Psicologia em Revista, 8(11), 32-46. Recuperado de http://periodicos.pucminas.br/index.php/psicologiaemrevista/article/view/136
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; Welzer-Lang, 2005Welzer-Lang, D. (2005). Les hommes aussi changent: Que pensent les hommes des femmes et du masculin. Paris: Payot.).

A pressão exercida pelo governo Bolsonaro, comprometido com posições “terrivelmente evangélicas” (Mazui, 2019Mazui, F. (2019, 10 de julho). Bolsonaro diz que vai indicar ministro “terrivelmente evangélico” para o STF. G1 . Recuperado de https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/07/10/bolsonaro-diz-que-vai-indicar-ministro-terrivelmente-evangelico-para-o-stf.ghtml
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), coloca nas cordas uma sociedade que deseje a pluralidade; coloca contra a parede mulheres que, no caso do aborto, perderiam o frágil direito de escolher e de se posicionar em situações nas quais são vítimas de estupro. Eliminar o direito legal ao aborto em quaisquer situações é um projeto de emenda constitucional que tramita, desde o início do mandato do atual presidente, no Congresso Nacional (Mazui, 2019Mazui, F. (2019, 10 de julho). Bolsonaro diz que vai indicar ministro “terrivelmente evangélico” para o STF. G1 . Recuperado de https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/07/10/bolsonaro-diz-que-vai-indicar-ministro-terrivelmente-evangelico-para-o-stf.ghtml
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; Silva & Martins, 2019Silva, V., & Martins, F. (2019, 25 de setembro). Projetos de lei contrários ao aborto na Câmara dos Deputados batem recorde em 2019. Gênero e Número. Recuperado de https://www.generonumero.media/projetos-de-lei-contrarios-ao-aborto-na-camara-dos-deputados-batem-recorde-em-2019/
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).

Há uma agenda nada oculta de supressão da participação e de direitos que atendem à grupos (em lugares) minoritários (Silva, 2007Silva, A. (2007). Direitos Humanos e lugares minoritários: Um convite ao pensar sobre processos de exclusão na escola. In Ministério da Educação, Programa Ética e Cidadania: Construindo valores na escola e na sociedade (pp. 1-8). Recuperado de http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Etica/11_soares.pdf
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). O Governo Bolsonaro revogou o ato da presidenta Dilma Rousseff que criava cotas raciais nas pós-graduações das universidades federais (Oliveira, 2020Oliveira, J. (2020, 18 de junho). Weintraub deixa Ministério da Educação, mas antes revoga cotas para negros e indígenas na pós-graduação. El País. Recuperado de https://brasil.elpais.com/brasil/2020-06-18/prestes-a-deixar-cargo-weintraub-revoga-portaria-de-cotas-a-negros-e-indigenas-na-pos-graduacao.html
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) e nomeou para a Fundação Palmares, instituição referência no combate ao racismo, um homem, negro, que afirma, publicamente, não ter havido escravidão no país.

Os povos originários e tradicionais também são objeto desses ataques sistemáticos que beneficiam apenas as elites que sempre estiveram no poder. A mudança no modo como se demarcam terras indígenas e quilombolas, ou na forma como o IBAMA exerce seu dever de fiscalizar condutas ambientais, é apenas uma pálida imagem de um projeto de poder que estabelece uma nova lógica de controle e dominância social que conduzem a sociedade brasileira a um estado de regressão social, cultural e política com sérios impactos nas formas de produção econômicas. É recorrente a desproteção de áreas protegidas para o benefício da mineração e de madeireiras. Tais situações, muito recorrentes na América Latina, não aconteciam dessa forma no Brasil (Brasil de Fato, 2021Brasil de Fato. (2021, 23 de junho). Por que o ex-ministro Ricardo Salles era considerado ameaça mundial ao meio ambiente: Ações do demissionário geraram recordes de desmatamento, queimadas, grilagem, garimpo e invasão de terras indígenas. Recuperado de https://www.brasildefato.com.br/2021/06/23/por-que-o-ex-ministro-ricardo-salles-era-considerado-ameaca-mundial-ao-meio-ambiente
https://www.brasildefato.com.br/2021/06/...
).

Quando pensamos nas ações do governo do Bolsonaro relacionadas a grupos em algum tipo de vulnerabilidade, recordamo-nos que

Lo que tienen en común los grupos vulnerables, como concepto, son varios elementos, pero sin duda uno de ellos, es la invisibilidad. Se trata de aquellos que no son tenidos en cuenta por el conjunto de la sociedad. Cuando se han de tomar determinaciones sobre políticas públicas, el Estado y otros actores sociales no tienen en cuenta a los grupos vulnerables. En la agenda política o pública, en general no importan”. (Eroles, 2009Eroles, C. (2009). Democracia y Derechos Humanos: Los desafios actuales. Buenos Aires: Paidos.. p. 137)

Infelizmente, esses exemplos indicam o modo com o qual tratamos a desigualdade no país. Claro está como crenças, valores e expectativas da sociedade operam como elementos reguladores das dinâmicas sociais e dos comportamentos humanos, como reguladoras das relações de poder. Mas qual seria a proposta de nação, proposta de futuro, proposta, de fato, de país que as forças conservadoras hoje no poder têm e oferecem? Em verdade, estamos diante de um esvaziamento dos valores republicanos que orientam a constituição e aprisionam-se a projetos e propostas medíocres e personalistas, as quais conduzem o país e nossa sociedade a um estado de letargia e de barbárie. Nesse quadro, pensar “Poder, Crise e Insurgência” é pensar as relações tanto do âmbito dos movimentos sociais e da sociedade civil quanto do Estado.

A luta pelo poder: Direitos Humanos como cenário de crises sociais e de insurgência

Quando falamos de poder, de crise, insurgência de poderes, insurgência no Brasil atual, um elemento transversal dessa discussão é a situação dos direitos humanos. Direitos humanos, em certa medida, estão fetichizados; parecem a garantia de algo que é bonito, algo reparador da dignidade humana - o que realmente o é. Entretanto, discutir direitos humanos é sempre discutir o estado de violência e de falta de direitos. Porque a luta pelo direito é exatamente isso: a luta por aquilo que não se tem, por aquilo que é faltoso, por aquilo que é precário, por aquilo que não tem espaço social e político dentro de uma determinada lógica de produção social e política, de organização social, de ação do Estado e ação da própria sociedade.

Por certo, essa falta se dá em diferentes níveis. A precariedade não é homogênea e não pretendemos categorizar o Brasil como um lugar onde os direitos humanos não são exercidos e no qual não há democracia. Contudo, a precariedade dos direitos humanos se manifesta, por vezes, pela inexistência do direito; outras vezes, por serem insuficientes ou insatisfatórios, sendo seu aprimoramento uma pauta de luta. Destarte, falar da falta engloba tanto a ausência quanto o que pode ser melhorado ou mesmo repensado a partir das experiências e transformações da sociedade (Carlos, 2021Carlos, E. (2021). Movimentos sociais e políticas públicas: Consequências na política nacional de Direitos Humanos. Dados: Revista de Ciências Sociais, 64(4), e20190305. doi: 10.1590/dados.2021.64.4.248
https://doi.org/10.1590/dados.2021.64.4....
; Avritzer, 2018Avritzer, L. (2018). O pêndulo da democracia no Brasil: Uma análise da crise 2013-2018. Novos estudos CEBRAP, 37(2), 273-289. doi: 10.25091/S01013300201800020006
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).

A compreensão do estado do direito e dos direitos humanos é uma ação efetivamente estruturante dos rumos e de um projeto de país. E quando falamos de um projeto de país, falamos de um projeto que, necessariamente, tem de enfrentar as desigualdades: quanto menos desigualdades, mais se distribui o poder.

Quando tornamos a olhar para o caso da vereadora Marielle Franco (PSOL) nos perguntamos sobre quais eram os elementos que efetivamente levaram a seu assassinato. E parte da resposta que ecoa aos quatro ventos é, efetivamente, a sua luta por direitos e reconhecimento: direitos das mulheres negras, das pessoas LGBTQIA+ de viverem livremente sua orientação sexual, das comunidades periféricas, das favelas, a terem acesso à políticas públicas e ao reconhecimento de suas manifestações culturais, direito à segurança e a uma polícia que respeite o direito a ter direitos (Arendt, 2000Arendt, H. (2000). Origens do totalitarismo. São Paulo, SP: Cia. das Letras.), direito a ter uma polícia que não seja militarizada - que é, ainda hoje, reflexo da ditadura militar.

Qual é o modelo de segurança que queremos como sociedade? E quando falamos de modelo de segurança falamos em modelo de dignidade humana: não podemos viver em uma sociedade na qual uns são mais “humanos” do que outros, na qual uns são mais sujeitos de direitos do que outros. Não há como se evitar a crise em uma sociedade que se constitui assim; não há como não haver revolta, insurgência e necessidade de revolução. Numa sociedade como essa, a lógica do poder só serve para dominar e explorar, só serve para gerar e consolidar múltiplas desigualdades simbólica e estruturalmente justificadas, mantidas e aprofundadas.

Muitas são as “Marielles” que se insurgiram, se insurgem e se insurgirão, contra um sistema opressor, classista, racista, machista e elitista, comprometido com a eliminação do diferente, da diferença e do plural.

Em uma sociedade na qual o Estado se omite ou mesmo operacionaliza a morte de uma mulher negra ou o estupro de vulneráveis; favorece e facilita a exploração do trabalhador, atinge-se um nível de banalização da violência, de indiferença e/ou de revolta política muito alto. No caso de Marielle, por exemplo, se viam memes e outras manifestações nas redes que a culpabilizavam por sua própria morte: é dela a responsabilidade porque ela era uma “defensora de bandidos” (Costa, 2018Costa, C. (2018, 16 de março). Por que o assassinato de Marielle virou palco de batalha ideológica nas redes. BBC News Brasil. Recuperado de https://www.bbc.com/portuguese/salasocial-43437479
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). E isso é gravíssimo, porque mostra como a sociedade, como o projeto de sociedade no Brasil, internaliza e naturaliza a violência, criminaliza o diferente e condena a diferença.

Não se pode perder de vista que a violência política é um meio de dominar os outros e de estabelecer, mudar ou preservar uma certa ordem social, procurando, com isso, atender interesses de quem exerce o poder e busca legitimar suas ações política. A violência política é uma estratégia de ação política que necessita legitimar-se. Esta relação constante entre poder e violência torna a violência política uma questão complexa, com consequências culturais, sociais, políticas e psicológicas vitais para os seres humanos. Ela é forjada a partir de e nas práticas sociais, nos processos de socialização mediante os quais se reproduzem valores morais e se produzem afetos como confiança ou desconfiança, medo, esperança ou indiferença. É nela e por meio dela que se produzem, reforçam ou se desconstroem estereótipos e preconceitos. A violência política (e de Estado) produzem relações sociais desumanizadoras pautadas em legitimações nada legítimas (Barreto & Borja, 2007Barreto, I., & Borja, H. (2007). Violencia política: Algunas consideraciones desde la psicología social. Diversitas, 3(1), 109-119. doi: 10.15332/s1794-9998.2007.0001.07
https://doi.org/10.15332/s1794-9998.2007...
; Martín-Baró, 2017Martín-Baró, I. (2017). A desideologização como contribuição da psicologia social para o desenvolvimento da democracia na América Latina. In F. Lacerda Jr. (Org.), Crítica e libertação na psicologia. Petrópolis, RJ: Vozes .; Sabucedo, Barreto, Borja Orozco, De la Corte, & Durán, 2006Sabucedo, J.-M., Barreto, I., Borja Orozco, H., De la Corte, L., & Durán, M. (2006). Legitimación de la violencia y contexto: Análisis textual del discurso de las Farc-Ep. Estudios de Psicología, 27(3), 279-291. doi: 10.1174/021093906778965044
https://doi.org/10.1174/0210939067789650...
; Sabucedo, Rodríguez, & Fernández, 2002Sabucedo, J.-M., Rodríguez, M., & Fernández, C. (2002). Construcción del discurso legitimador del terrorismo. Psicothema, 14(suplemento), 72-77. Recuperado de https://reunido.uniovi.es/index.php/PST/article/view/7963
https://reunido.uniovi.es/index.php/PST/...
).

Nesse sentido, a violência política tem caráter instrumental, sendo que a aprovação social ou rejeição da violência política dependem principalmente de processos psicopolíticos que permitam sua legitimação e justificação ideológica. No caso do assassinato de Marielle, a justificação ideológica da violência política (e de Estado) foi a principal estratégia para tentar obter a aceitação e aprovação da barbárie que foi sua morte. Na busca por legitimar suas ações políticas violentas em alguns segmentos da sociedade e encontrar acolhida, os adversários dos direitos humanos que Marielle representava procuraram deslegitimar a vítima e tornar-lhe indigna de direitos. Então nos perguntamos: como a sociedade brasileira encara o debate sobre os direitos humanos? Que tipo de debate tem sido realizado nas escolas, universidades, nos locais de trabalho, na família e em outros espaços de socialização?

Sabemos que o desrespeito aos direitos humanos está presente abundantemente na sociedade brasileira e se manifesta em narrativas correntes como “bandido bom é bandido morto” ou “mulher usando saia curta pede por estrupo”. São narrativas que se materializam em práticas violentas e que constituem o cotidiano das famílias brasileiras; estão presente no dia a dia das comunidades, no embate entre as instituições religiosas e nas instituições do Estado. Quem trabalha com educação em direitos humanos conhece essas histórias, muitas delas. Essas mazelas estão conformes à nossa história de desigualdades e são majoritariamente reservadas aos da margem: pretos, pardos, periféricos, pobres, mulheres transexuais e outras minorias (Benevides, 2001Benevides, M. V. (2001). Educação em Direitos Humanos: De que se trata? In R. Leite & Catani, D. (Orgs.), Formação de educadores: Desafios e perspectivas (pp. 309-328). São Paulo, SP: Editora Unesp.; Silva, 2007Silva, A. (2007). Direitos Humanos e lugares minoritários: Um convite ao pensar sobre processos de exclusão na escola. In Ministério da Educação, Programa Ética e Cidadania: Construindo valores na escola e na sociedade (pp. 1-8). Recuperado de http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Etica/11_soares.pdf
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pd...
, 2011Silva, A. (2011). Políticas públicas, educação para os Direitos Humanos e diversidade sexual. Trivium, 3(2), 58-72. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2176-48912011000200007&lng=pt&tlng=pt
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
; Von Smigay, 2002Von Smigay, K. (2002). Sexismo, homofobia e outras expressões correlatas de violência: Desafios para a psicologia política. Psicologia em Revista, 8(11), 32-46. Recuperado de http://periodicos.pucminas.br/index.php/psicologiaemrevista/article/view/136
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; Welzer-Lang, 2005Welzer-Lang, D. (2005). Les hommes aussi changent: Que pensent les hommes des femmes et du masculin. Paris: Payot.). Refletir sobre essa realidade é importante para que se possa encontrar caminhos de superação de uma lógica perversa de inclusão/exclusão, que é própria do capitalismo. Frente a realidades sociais como essas, não há como omitir-se. É preciso se insurgir.

É preciso se insurgir contra o assassinato de Marielle Franco, um entre tantos eventos que evidenciam a lógica da desigualdade que fere mortalmente o direito a ter direitos. Ele “fala” muito mais do que qualquer outra coisa que particularmente possa ter sido a razão da sua morte. A criminalização dos distintivos de marginalidade grita nessa morte e revela outras mortes invisíveis que continuam a ocorrer em nosso país, pois ela ainda atua como um disparador social e político de elementos que são internalizados, há tempos, na nossa sociedade e com os quais nós, aparentemente, convivemos com uma suposta normalidade.

Além da banalização das mazelas sociais, um dos efeitos da violência política é a fragilização do tecido social. Num cotidiano marcado pela violência, se cria um ambiente que favorece não apenas o “vale tudo”, mas também o individualismo e a manifestação de uma consciência fatalista: “as coisas sempre foram assim”, diz o sujeito perplexo, violentado, sem uma perspectiva de futuro. Em meio à impunidade, a sociedade opulenta torna-se um fabricante de traumas políticos, de desconfiança nas relações interpessoais, de relação violenta. Naturalizando coisas que são efeitos e resultantes de processos culturais e políticos; a barbárie passa a ser aceitável. Ela não é e não pode ser. As coisas nem sempre foram assim, e não precisam ser, grita a “consciência do absurdo”, como diz Kosik (1969Kosik, K. (1969). A dialética do concreto. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.).

A luta em defesa de direitos humanos é a luta contra uma minoria que necessita dominar, oprimir e deslegitimar o outro para continuar mantendo seus privilégios. Quando as pessoas tomam as ruas para protestar, recorrentemente elas, suas agendas, bandeiras, pautas, vozes, são deslegitimadas, invisibilizadas, apagadas, silenciadas e distorcidas. O esvaziamento do outro é a estratégia de controle que tem sido secularmente usada com eficácia por quem detém o poder. Insurgir-se a isso tem sido o grande desafio de quem é posto em um lugar minoritário (Silva, 2007Silva, A. (2007). Direitos Humanos e lugares minoritários: Um convite ao pensar sobre processos de exclusão na escola. In Ministério da Educação, Programa Ética e Cidadania: Construindo valores na escola e na sociedade (pp. 1-8). Recuperado de http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Etica/11_soares.pdf
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).

Após a morte de Marielle, muitas foram as marchas de protesto contra o silêncio do Estado e os clamores por justiça (Brasil de Fato, 2018Brasil de Fato. (2018, 15 de março). Em todo país, manifestantes vão às ruas para denunciar execução de Marielle Franco: Atos, vigílias e marchas exigiram justiça para o assassinato da vereadora e de seu motorista, Anderson Gomes. Recuperado de https://www.brasildefato.com.br/2018/03/15/em-todo-pais-manifestantes-vao-as-ruas-para-denunciar-execucao-de-marielle-franco
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; G1, 2018G1. (2018, 15 de março). Manifestantes protestam pelo país contra a morte de Marielle Franco: Vereadora do PSOL foi morta a tiros dentro de carro na região central do Rio. Recuperado de https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/manifestantes-protestam-pelo-pais-contra-a-morte-de-marielle-franco.ghtml
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). Outras marchas traziam sua imagem como símbolo de suas lutas. Sistematicamente, elas sofriam com estratégias deslegitimadoras postas em prática por parte de quem antagonizava com tudo que esses protestos simbolizavam.

Nas ruas não estavam, como se quis fazer o público pensar, apenas os “vermelhos”. No centro do Rio e de São Paulo, viu-se, por exemplo, manifestações com mais de meio milhão de pessoas. A maioria eram pessoas indignadas com uma determinada situação social, com a violência cotidiana, com o descaso do Estado e da burguesia. As pessoas estavam indignadas com o que significava aquela morte, porque sabiam que com ela morria também parte de sua própria dignidade, que estaria, agora, mais uma vez em risco.

As manifestações de junho de 2013 no Brasil impulsionaram diferentes atos e mobilizações, aumentando a polarização política da sociedade. Nesse clima, a direita saiu às ruas, com atos menos numerosos que os demonstrados acima, é verdade, mas com uma representatividade significativa, congregando setores da classe média, dos neopentecostais, dos caminhoneiros e outros que pedem, abertamente, o retorno da ditadura militar. E, é claro, que contam com o apoio da família Bolsonaro.

Figura 1
Manifestações no Rio de Janeiro e em São Paulo.

Nas ruas não estavam, como se quis fazer o público pensar, apenas os “vermelhos”. No centro do Rio e de São Paulo, viu-se, por exemplo, manifestações com mais de meio milhão de pessoas. A maioria eram pessoas indignadas com uma determinada situação social, com a violência cotidiana, com o descaso do Estado e da burguesia. As pessoas estavam indignadas com o que significava aquela morte, porque sabiam que com ela morria também parte de sua própria dignidade, que estaria, agora, mais uma vez em risco.

As manifestações de junho de 2013 no Brasil impulsionaram diferentes atos e mobilizações, aumentando a polarização política da sociedade. Nesse clima, a direita saiu às ruas, com atos menos numerosos que os demonstrados acima, é verdade, mas com uma representatividade significativa, congregando setores da classe média, dos neopentecostais, dos caminhoneiros e outros que pedem, abertamente, o retorno da ditadura militar. E, é claro, que contam com o apoio da família Bolsonaro.

Figura 2
Manifestações de extrema-direita em apoio ao governo Jair Bolsonaro.

Tanto os atos antidemocráticos quanto os insurgentes mostram a fragilidade com que o poder e as instituições do país estão estruturados: todas expressam, de forma distinta, um profundo descontentamento com o andamento da democracia no Brasil.

O Brasil atual é um cenário social e politicamente explosivo.

Então está posta uma questão importante: como resistir à determinadas lógicas de poder e de ação que impedem qualquer processo emancipador, gerador de autonomia e, portanto, de garantia de direitos, incluindo os direitos humanos, direitos à dignidade e ao reconhecimento?

E aí voltamos ao início.

Nós nos colocamos numa situação que nos obriga a reconhecer que a beleza dos direitos humanos é uma maneira de se aplacar a crueza da violência que move militantes por direitos e pela dignidade da pessoa humana. É a ausência do direito que impulsiona qualquer debate de educação para os direitos humanos ou de defesa dos direitos humanos. É o esvaziamento da dignidade humana que pauta o direito humano (Benevides, 2001Benevides, M. V. (2001). Educação em Direitos Humanos: De que se trata? In R. Leite & Catani, D. (Orgs.), Formação de educadores: Desafios e perspectivas (pp. 309-328). São Paulo, SP: Editora Unesp.; Rodríguez Kauth, 1992Rodríguez Kauth, A. (1992). Psicología social, psicología política y Derechos Humanos. San Luis: Editorial Universitaria.; Silva, 2007Silva, A. (2007). Direitos Humanos e lugares minoritários: Um convite ao pensar sobre processos de exclusão na escola. In Ministério da Educação, Programa Ética e Cidadania: Construindo valores na escola e na sociedade (pp. 1-8). Recuperado de http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Etica/11_soares.pdf
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pd...
, 2011Silva, A. (2011). Políticas públicas, educação para os Direitos Humanos e diversidade sexual. Trivium, 3(2), 58-72. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2176-48912011000200007&lng=pt&tlng=pt
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).

Por uma práxis insurgente geradora da mudança social

Desde uma posição ético-política, ficam as questões: qual é o nosso fazer? Qual a é a nossa prática transformadora? Qual é a nossa prática que possibilita a mudança social numa realidade que não reconhece o outro como igual? Parece uma reflexão difícil, que nos põem, enquanto humanos, em xeque. Quem sabe seja tempo de abraçar a ideia de “cidadanias insurgentes” proposta por Holston (2009Holston, J. (2009). Insurgent citizenship in an era of global urban peripheries. City & Society, 21(2), 245-267. Recuperado de https://anthrosource.onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1111/j.1548-744X.2009.01024.x
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).

As formas da cidade, as formas com que nós territorializamos o espaço, falam de um mar sem fim de desigualdades. Nelas, nós visibilizamos ou ocultamos, enterramos ou deixamos viver, silenciamos ou damos voz, esquecemos ou recordamos. Insurgente é aquele sujeito em luta, resistente. Enquanto uns disciplinarizam as vidas daqueles que foram submetidos, outros se insurgem contra essas tentativas e buscam romper os ciclos de dominação-exploração resultantes do patriarcado-racismo-capitalismo (Holston, 2009Holston, J. (2009). Insurgent citizenship in an era of global urban peripheries. City & Society, 21(2), 245-267. Recuperado de https://anthrosource.onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1111/j.1548-744X.2009.01024.x
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; Saffioti, 2004Saffioti, H. (2004). Gênero, patriarcado, violência. São Paulo, SP: Perseu Abramo., Silva, 2017Silva, M. (2017). Insurgência e conservadorismo: Considerações sobre o paradoxo da cidadania no Brasil. Em Pauta, 15(39), 70-84. doi: 10.12957/rep.2017.30377
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).

Como é que nós nos insurgimos? Como repensamos os processos de organização da sociedade? Qual é a nossa capacidade de controle social? Qual a nossa capacidade de controle político? Qual a nossa capacidade de problematização de práticas e de incidir seja em políticas públicas seja em ações da sociedade civil? E não se trata de fazer um discurso que, em alguma medida, oculta uma liberalização, via organizações sociais e organizações não governamentais, da ação do Estado. Não se trata de pensar apenas como que, enquanto sociedade civil organizada, enquanto movimentos sociais, enquanto cidadãos de direito, nós nos posicionamos não somente em processos eleitorais, mas diariamente desde os fazeres que nos levam a lutar para construir um outro mundo possível, que podem nos conduzir a uma outra forma de existir.

Não temos dúvidas de que isso passa por uma transformação de elementos de cultura política, de como organizamos e nos posicionamos frente a esses elementos, de como nós assumimos a brutalidade da violência que vivemos diariamente e a transformamos a partir de espaços de resistência sem tergiversações, sem disfarces. Assumir posições comprometidas com a mudança exige insurgir-se de algum modo, pois não há mudança sem ruptura do cotidiano (Heller, 1998Heller, A. (1998). Revolución de la vida cotidiana. Madrid: Península.).

Certamente, não podemos ceder à brutalidade da violência em suas diferentes formas. Adorno (2003Adorno, T. W. (2003). Educação após Auschwitz. In T. W. Adorno, Educação e emancipação (pp. 119-138). São Paulo, SP: Paz e Terra.) nos alertou vividamente, em Educação após Auschwitz, para os perigos que a naturalização do mal tem nas vidas humanas. Não podemos naturalizar o horror e seguir a vida, não podemos mais esquecer essas coisas. É isso que alimenta a possibilidade de insurgência. Não basta gritar slogans contrários a políticos e seus governos. Isso não basta se a nossa ação se reduz a momentos dispersos do cotidiano e que não representam rupturas reais nessa tessitura naturalizada. Então, é na relação entre indivíduo e coletivo que construímos as bases praxiológicas da organização e da nossa participação. Dessa relação emergimos enquanto sujeitos sociais, enquanto sujeitos políticos. Como disse Martín-Baró (2017Martín-Baró, I. (2017). A desideologização como contribuição da psicologia social para o desenvolvimento da democracia na América Latina. In F. Lacerda Jr. (Org.), Crítica e libertação na psicologia. Petrópolis, RJ: Vozes .), a práxis é “uma atividade transformadora da realidade que nos permita conhecê-la não só no que é, mas também no que não é, e isso na medida em que tentamos orientá-la até o que deve ser. ... Certamente, assumir uma perspectiva, envolver-se em uma práxis popular, significa tomar um partido” (pp. 12-13).

Como fazemos para que esses horrores do dia a dia não fiquem apenas na notícia do jornal? Ou num post do Facebook? Dizer “Somos Todos Marielle” equivale não só a dizer somos todos qualquer pessoa que tenha sofrido violência, pois, ao dizermos isso, estamos impedidos de seguir nossas vidas sem que haja alguma ruptura no cotidiano. Os horrores que não podem ser banalizados precisam ser encarados de modo a nos reeducarmos enquanto sujeitos sociais e políticos, de modo a nos levar à condição de sujeito de ação.

O amadurecimento nos ajuda a compreender o nosso quefazer, pois, do ponto de vista praxiológico, nos transformam e nos fazem entender que a insurgência é uma condição necessária para a mudança. Insurgir é lutar, resistir, mudar; é estar disposto a agir e a assumir as consequências de qualquer que seja o ato insurgente. Porque não há insurgência que seja gratuita.

Se nós nos posicionamos, efetivamente, consequências hão de haver. E nós vamos viver os dilemas de todos nós. A insurgência é praxiológica e não é mera rebeldia. Insurgir exige refletir sobre si, sobre o outro, sobre o mundo e agir a partir daí num movimento no qual a ação e a reflexão sejam capazes de transformar-se em um processo dialético. Efetivamente, temos dilemas, vivemos idiossincrasias. Superar a cada um deles é um processo que ultrapassa a individualidade e demanda o outro, o coletivo.

Na verdade, vamos nos descobrindo num processo de conscientização social e política que nos permite perceber que a dimensão do coletivo, do participativo, o elemento solidário de apoio ao outro é fundamental (Sandoval & Silva, 2016Sandoval, S., & Silva, A. (2016). O modelo de análise da consciência política como contribuição para a psicologia política dos movimentos sociais. In D. Hur & F. Lacerda Jr. (Org.), Psicologia, políticas e movimentos sociais (pp. 25-57). Petrópolis, RJ: Vozes .; Silva & Euzébios Filho, 2021Silva, A., & Euzébios Filho, A. (2021). Marxismo, consciência e comportamento político. Linhas Críticas, 27, 1-19. doi: 10.26512/lc.v27.2021.36500
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). Sem essa mudança de si não pode haver mudança no mundo. Sem a crítica que produz emancipação e autonomia há apenas uma pálida possibilidade de transformação, na qual o desejo de insurgência continua no campo do desejo. Assim, é impossível de se materializar em função de determinantes sociais ancoradas no medo de mudar e de encarar os desdobramentos do ato coletivo de insurgir.

Então não basta desenvolver, ou produzir, ou construir uma consciência que em si mesmo é libertadora, em si mesma é emancipadora, mas que está praticamente aprisionada nos determinantes de uma sociedade que vive ancorada no discurso do direito, mas, ao mesmo tempo, nega qualquer direito que não seja o direito de quem tem, de quem pode e de quem decide. Se realizamos um sincero escrutínio de nossos atos, podemos descobrir que somos coniventes, pois, se somos todos Marielle, não bastam um, dois, três, cinco ou 10 dias de manifestações e protestos. Coletivamente, precisamos promover mudanças no cotidiano que gerem rupturas realmente revolucionárias em nossas vidas e na vida em sociedade.

É necessária outra cultura para que se possa, efetivamente, transformar o Brasil e as práticas sociais e políticas do Brasil. É urgente transformar não só o discurso, mas a ação que é própria da vida cotidiana. É necessário impactar os processos de socialização, transformar a dinâmica familiar, da escola, dos espaços de convivência. É, sem dúvida, uma imensa tarefa: não cabe somente ao psicólogo, ao economista, ao assistente social. Cabe a todos os profissionais. Cabe, sobretudo, aos insurgentes, aos que sentem a necessidade prática da insurreição. A luta pelo poder é uma demanda objetiva das classes populares, caso contrário, continuarão as mortes em massa, a polarização violenta e o avanço do conservadorismo.

A conscientização, como decodificação das relações de poder, como práxis socialmente transformadora (Martín-Baró, 1991/2013Martín-Baró, I. (1991/2013). O método em psicologia política. Psicologia Política, 13(28). 575-592. (Trabalho original publicado em 1991). Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rpp/v13n28/v13n28a11.pdf
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, 2017Martín-Baró, I. (2017). A desideologização como contribuição da psicologia social para o desenvolvimento da democracia na América Latina. In F. Lacerda Jr. (Org.), Crítica e libertação na psicologia. Petrópolis, RJ: Vozes .), necessita efetivamente de um processo de encadeamento coletivo, no qual as forças sociais se potencializam, se reconhecem no outro e nas necessidades do outro. Nosso olhar precisa priorizar aquilo que é estruturante e não aquilo que é detalhe na vida em comum, fim de não acabarmos presos em ardis diuturnamente levantados por quem deseja evitar a mudança e a emergência de uma outra sociedade socialmente justa. Há que reconhecer quais são os elementos que dão sustentação a esse outro modelo que rechaça a violência, a negação do direito e o esvaziamento de processos de promoção da dignidade humana.

Uma última reflexão…

A essa altura do texto nos resta assumir que para algumas perguntas que levantamos não temos - e não poderíamos ter - respostas. Elas não podem ser dadas individualmente. Para respondermos a essas questões, como “Qual o modelo de poder?”, “Qual o modelo de sociedade?”, “Qual o modelo de institucionalidade que nós queremos e qual a viabilidade desses modelos?”, é preciso admitir que vivemos crises contínuas do capitalismo que estão articuladas e se retroalimentam: crise econômica, produtiva, política, social, institucional, ético-moral. É um continuum em crise que torna insuportável a vida para a maioria das pessoas.

Sendo assim, trata-se, enfim, de uma crise da vida cotidiana, de valores pautados no modo capitalista de viver, o que implica em admitirmos uma crise no nosso modo de produzir e reproduzir as condições de vida. E isso atinge a coletividade, inclusive a quem se crê imune por entender-se como parte da elite. Ninguém está imune. A questão que se impõem refere-se ao modo como nos posicionamos, agimos e entendemos a realidade. Sendo o real uma construção social, uma das possibilidades de existir é resultante das determinações sociais que sempre podem mudar.

A insurgência resulta de uma realidade que gera dor e sofrimento, que priva cada ser humano de requisitos da dignidade humana, e, como tal, essa realidade deve ser recusada e superada. Não é possível não nos perguntarmos criticamente sobre quais os limites de uma realidade que gera sofrimento estrutural e quais são as ações necessárias para sua superação. A superação passa pela libertação das amarras produzidas por uma sociedade injusta e produtora de desigualdades sociais. Tal processo é motivado pela busca de um outro ordenamento social fundado na solidariedade, na justiça, na paz e na democracia.

E, nesse sentido, as vidas ceifadas pela violência política, como a de Marielle Franco, se cruzam quando pensamos que suas mortes, seus assassinatos, se deram em função de suas vidas insurgentes, de suas lutas por e para a libertação das classes oprimidas, das parcelas da população subalternizadas, dominadas e exploradas. Estabelecer uma sociedade fundada na solidariedade, na justiça, na paz e na democracia exige a superação de determinantes sociais que sustentam a injustiça estrutural. Libertação é superação, e resulta de um processo de tomada de consciência. Como disse Martín-Baró (2017Martín-Baró, I. (2017). A desideologização como contribuição da psicologia social para o desenvolvimento da democracia na América Latina. In F. Lacerda Jr. (Org.), Crítica e libertação na psicologia. Petrópolis, RJ: Vozes .),

Se o que queremos verdadeiramente é contribuir ao desenvolvimento da democracia, isto é, ajudar para que o povo governe a si mesmo, a primeira coisa que devemos fazer é assumir seus interesses como próprios. Somente então nossos olhos poderão descobrir não apenas os véus que obscurecem a consciência popular e impedem que eles assumam as rédeas de seu próprio destino, mas também os véus que cobrem o nosso próprio conhecimento e não nos permitem contribuir significativamente às lutas populares por justiça, paz e democracia. (p. 64)

A crise que vivemos se aprofunda a cada dia com o esgotamento dos recursos planetários e o exacerbamento da exploração humana. Há uma falência dos sistemas políticos baseados na representação e tem surgido proponentes/defensores do que chamam nova política, sem que deixem claro o que ela tem de novo. Um exemplo é o discurso inicial do Podemos na Espanha e as mudanças em suas práticas após se converter num partido convencional e assumir governos de grandes cidades e integrar o governo nacional (Sela, 2020Sela, L. (2020, 02 de março). Podemos se convierte en un partido clásico: cobrará una cuota por participar en los círculos. Ok Diario. Recuperado de https://okdiario.com/espana/podemos-convierte-partido-clasico-cobrara-cuota-participar-circulos-5243888
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).

Algo parecido ocorreu na história do PT, que, quando deixou de privilegiar o enfrentamento de classe e o trabalho de base para priorizar a disputa eleitoral, perdeu aquilo que era novo, diferente do mainstream da política partidária. A carta aos brasileiros, que anunciou a candidatura da chapa de Lula para concorrer às eleições presidenciais de 2002, anunciou a vitória do “pacto social” no interior do partido e do trabalhismo (Singer, 2018Singer, A. (2018). O lulismo em crise: Um quebra-cabeça do governo Dilma (2011-2016). São Paulo, SP: Cia. das Letras .).

Apesar disso, é claro o desejo de mudança no modo como estruturamos nossa vida social e política e mais claro é o fato de que ainda não há uma resposta adequada para gerar mudanças que atendam anseios sem que elas passem pela tomada de consciência política que gere uma cidadania insurgente e uma participação que não seja ocasional (Holston, 2013Holston, J. (2013). Cidadania insurgente: Disjunções da democracia e da modernidade no Brasil. São Paulo, SP: Cia. das Letras .; Silva & Euzébios Filho, 2021Silva, A., & Euzébios Filho, A. (2021). Marxismo, consciência e comportamento político. Linhas Críticas, 27, 1-19. doi: 10.26512/lc.v27.2021.36500
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). Articular processos participativos e enfrentar os limites da própria democracia representativa é um desafio que depende de sujeitos políticos em ação, capazes de exercer papéis de representação nas instituições públicas e privadas, na sociedade civil e nos movimentos sociais em cada canto do planeta.

Não somos todos nós que estamos no Congresso Nacional, na Assembleia de Deputados ou no Senado de algum país. São alguns, que tentam ampliar as bases discursivas e decisórias, mas que não são em si mesmos a totalidade. Quem sabe nós vivamos uma crise de ausência de alternativas reais. Vivemos um período laboratorial, buscamos saídas inovadoras e necessitamos experimentar. E no afã de encontrar o melhor modelo corremos o risco de, em alguma medida, perdermos de vista o exercício e a construção de políticas que, de modo imediato, garantam um direito básico: o direito à vida em sua plenitude e pluralidade.

A mudança que desejamos não pode ser fruto da simplória dança das cadeiras. Ela precisa transformar a sociedade por dentro. E para alcançar seu âmago precisamos mudar a nós mesmos e nosso entorno; precisamos nos reconhecer e reconhecer o outro como sujeito de direitos e sujeito de ação, precisamos admitir a diferença, a pluralidade e o dissenso como partes necessárias de um mundo onde todos caibamos e vivamos com igualdade nas diferenças. Nossa reflexão coincide com a de Martín-Baró (1991/2013)Martín-Baró, I. (1991/2013). O método em psicologia política. Psicologia Política, 13(28). 575-592. (Trabalho original publicado em 1991). Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rpp/v13n28/v13n28a11.pdf
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, para quem “Fazer psicologia política implica envolver-se de maneira explícita no jogo de forças políticas, com tudo o que isso significa no interior dos regimes existentes nos países latino-americanos” (p. 576).

Para mudar a realidade desigual que vivemos precisamos assumir mais claramente e de maneira definitiva um quefazer psicopolítico fruto da tomada de consciência que transforma a cada um e faz com que nossos atos sejam de solidariedade, de revolução, de insurgência e - por que não? - de doação de vida como fizeram tantos Ignácios Marín-Baró e Marielles Franco na história das lutas pela dignidade humana.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    04 Abr 2022
  • Revisado
    25 Set 2022
  • Aceito
    09 Nov 2022
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