Acessibilidade / Reportar erro

Processos formativos constituídos no interior das instituições de educação infantil: uma experiência de formação continuada

Educational processes developed in childhood education institutions: an experience of continued education

Resumos

Este artigo apresenta a percepção dos professores da Educação Infantil sobre a formação continuada descentralizada, procurando entender como são constituídos os espaços formativos no interior das instituições de Educação Infantil. O processo de descentralização é uma política da Rede Educacional pesquisada, voltada a possibilitar que cada instituição educativa possa promover sua formação continuada, buscando trabalhar aquilo que é específico e contextual. Os temas aqui apresentados foram discutidos em minha pesquisa de mestrado, envolvendo uma creche da Rede Pública Municipal. Traz reflexões sobre a importância e a riqueza desse espaço formativo que, ao mesmo tempo que oportuniza ao professor estudos mais focalizados com relação à prática, à diversidade de temas e à construção coletiva dos saberes pedagógicos, exige que sejam criadas melhores condições para a efetivação desse processo, como manter um profissional que possa ser o formador dos professores, com competência para organizar, dinamizar e auxiliar nas reflexões sobre teoria e prática.

formação continuada de professores; Educação Infantil; processos formativos


This article presents the perception of teachers of child education about continued decentralized education, trying to understand how educational spaces are developed within child education institutions. The process of decentralization is a policy of the Educational Network that has been planned to enable each educational institution to promote its continued education, seeking to work ons specific and contextual matters. The issues presented here were discussed in my master's research, involving a daycare center of the Municipal Public Network. It brings reflections about the importance and richness of this educational space which both provides the teacher with opportunities to carry out focused studies concerning the practice, diversity of topics and collective construction of educational knowledge and guarantees the creation of better conditions for making this process effective, such as having a professional who can train teachers, with the authority to organize and help boost reflections about theory and practice and the contrasts between them.

continued teacher education; child education; training processes


ARTIGOS

Processos formativos constituídos no interior das instituições de educação infantil: uma experiência de formação continuada

Educational processes developed in childhood education institutions: an experience of continued education

Cristiane Antunes Espíndola Zapelini

Psicóloga Educacional do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina (IF-SC) e mestre em Educação pelo Centro de Educação da Universidade Federal de Santa Catarina (CED/UFSC), Brasil. cristiane.zapelini@gmail.com

RESUMO

Este artigo apresenta a percepção dos professores da Educação Infantil sobre a formação continuada descentralizada, procurando entender como são constituídos os espaços formativos no interior das instituições de Educação Infantil. O processo de descentralização é uma política da Rede Educacional pesquisada, voltada a possibilitar que cada instituição educativa possa promover sua formação continuada, buscando trabalhar aquilo que é específico e contextual. Os temas aqui apresentados foram discutidos em minha pesquisa de mestrado, envolvendo uma creche da Rede Pública Municipal. Traz reflexões sobre a importância e a riqueza desse espaço formativo que, ao mesmo tempo que oportuniza ao professor estudos mais focalizados com relação à prática, à diversidade de temas e à construção coletiva dos saberes pedagógicos, exige que sejam criadas melhores condições para a efetivação desse processo, como manter um profissional que possa ser o formador dos professores, com competência para organizar, dinamizar e auxiliar nas reflexões sobre teoria e prática.

Palavras-chave: formação continuada de professores; Educação Infantil; processos formativos.

ABSTRACT

This article presents the perception of teachers of child education about continued decentralized education, trying to understand how educational spaces are developed within child education institutions. The process of decentralization is a policy of the Educational Network that has been planned to enable each educational institution to promote its continued education, seeking to work ons specific and contextual matters. The issues presented here were discussed in my master's research, involving a daycare center of the Municipal Public Network. It brings reflections about the importance and richness of this educational space which both provides the teacher with opportunities to carry out focused studies concerning the practice, diversity of topics and collective construction of educational knowledge and guarantees the creation of better conditions for making this process effective, such as having a professional who can train teachers, with the authority to organize and help boost reflections about theory and practice and the contrasts between them.

Key words: continued teacher education; child education; training processes.

O professor é algo que, continuamente, se refaz mediante processos educacionais formais e informais variados, amalgamados sem dicotomia entre vida e trabalho, entre trabalho e lazer (Alda Junqueira Marin)

Introdução

Este artigo apresenta a percepção dos professores da Educação Infantil sobre a formação continuada descentralizada1 1 . O processo de descentralização diz respeito a uma política que possibilite que cada instituição educativa possa promover sua formação continuada. Difere, assim, das formações centralizadas que o Departamento dispõe para as unidades educativas, privilegiando temas amplos que possam abarcar todas as necessidades das unidades, sem preocupar-se com aquilo que é específico e contextual. , procurando entender como são constituídos os espaços formativos no interior das instituições de Educação Infantil. Os temas aqui apresentados foram discutidos em minha pesquisa de mestrado sobre o processo de formação continuada da Rede Municipal de Educação Infantil de Florianópolis. Meu objetivo era compreender como se constitui a formação continuada no interior das instituições de Educação Infantil, desde a implantação da política de formação até a experiência concreta dos professores nas unidades educativas. Como proposta metodológica, privilegiou uma abordagem qualitativa, do tipo exploratório, cujo trabalho em campo integrou pesquisa documental e estudo de caso. Para tanto, tomou como referência as políticas de formação implementadas na Rede Municipal de Educação Infantil nos últimos dez anos (1997 a 2006), buscando conhecer os processos formativos, suas transformações, suas características, suas concepções, especialmente o processo de descentralização dessa política e seu impacto nas instituições da Rede. Partindo desses dados, identificamos as temáticas que foram trabalhadas em todo esse processo, discutindo, além dos temas, sua relação com os Referencias Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, como balizadores das políticas de formação. No segundo momento da pesquisa, caracterizado pelo estudo de caso na Creche F. F. V., buscamos discutir a percepção dos professores da Educação Infantil Municipal sobre a formação continuada descentralizada, procurando entender como são constituídos os espaços formativos no interior da instituição de Educação Infantil.

Com relação às políticas de formação da Rede Municipal de Educação Infantil de Florianópolis, a análise mostrou que a maior parte do período considerado (1997 a 2006)2 2 . O período pesquisado compreendeu, como política pública municipal de educação, as duas gestões da ex-prefeita Ângela Regina Hansen Helou (Partido Progressista - PP) e os dois primeiros anos da gestão do atual prefeito Dário Elias Berger (inicialmente do Partido da Social Democracia Brasileira - PSDB e atualmente do Partido do Movimento Democrático Brasileiro - PMDB). constituiu-se de modelos centralizados de formação. Nos últimos anos, no entanto, a principal proposta política no âmbito da formação continuada de professores foi a implantação da formação descentralizada, a cargo das unidades de Educação Infantil. Ao analisar os registros dos cursos, encontramos números de formações continuadas descentralizadas, por unidade, que mostram, na realidade, instituições sem nenhuma formação durante o ano, expressando que essa cultura ainda tem que ser disseminada e consolidada na Rede Municipal. Segundo os autores estudados, essa modalidade de formação continuada seria importante por propiciar aos professores condições de reflexão sobre a teoria e sua relação com a prática, pois nesses espaços a construção de saberes pelos professores envolve uma reflexão coletiva e toma como ponto de partida a prática pedagógica. Cabe considerar, no entanto, que apenas a descentralização da formação, sem a garantia de condições para sua implantação e desenvolvimento, não é suficiente para ter certeza do sucesso dessas práticas formativas. A política de formação, no período em questão, não previu iniciativas capazes de preparar formadores para coordenar tais atividades e, de fato, incentivar a participação dos professores, já que isso implica trabalhar habilidades que auxiliem os profissionais das unidades a serem mediadores nesses espaços, e não somente trabalhar conteúdos para serem transmitidos a outros professores.

Ao analisar as temáticas trabalhadas nos cursos de formação continuada da Educação Infantil Municipal, nos últimos dez anos, encontramos ênfase em algumas temáticas que estabelecem uma estreita relação com os Referenciais Curriculares Nacionais da Educação Infantil. Com relação à formação centralizada, os temas trabalhados demonstraram uma forte ênfase na organização pedagógica e institucional, o que nos leva a considerar que os cursos discutiram muito pouco sobre concepções teóricas e foram mais dirigidos para a escolha dos meios e procedimentos a serem aplicados na resolução dos problemas da prática. Com relação à descentralização, cabe ressaltar que ela proporcionou às instituições educativas a possibilidade de trabalhar conteúdos que expressassem a necessidade real desses contextos. De maneira geral, vimos que os diversos temas das formações centralizadas e descentralizadas foram pautados nos conteúdos dos Referenciais Curriculares, sendo que até as nomenclaturas utilizadas se igualaram. Isso nos leva a refletir sobre o quanto os municípios, de um modo geral, têm utilizado amplamente tais referenciais como currículos prontos para estabelecer seus planos de formação, sem um processo de discussão que envolva os professores em sua organização.

A partir desses dados iniciais, privilegiamos neste artigo discutir a percepção dos professores da Educação Infantil Municipal sobre a formação continuada descentralizada, procurando entender como são constituídos os espaços formativos no interior da instituição de Educação Infantil. Isso implica refletir sobre a importância dessa modalidade de formação continuada pela aproximação com o contexto educativo, o que possibilitaria, segundo alguns autores, uma melhor reflexão sobre a relação teoria e prática.

1. A formação continuada na creche

Discutir a formação continuada na instituição educativa implica considerála um espaço privilegiado para a reflexão, para a construção dos saberes dos professores e sua relação com a prática pedagógica. Nesse sentido, observamos, na pesquisa de Andaló (1995, p. 188) sobre a formação continuada de professores na Rede Estadual de Educação de Santa Catarina, que os cursos que vinham sendo oferecidos mostravam-se, além de dispendiosos, ineficazes. "Elaborados à distância da realidade das escolas, partindo de teorias escolhidas pelos técnicos do sistema, [...] se tornando receituários inócuos, de cunho tecnicista, incapazes de transformar de modo efetivo a ação cotidiana". Segundo a autora, para ter um resultado efetivo, essas formações deveriam envolver os professores num questionamento sistemático e coletivo sobre a sua atuação. No entanto, essas reflexões, em geral, deixam de ser consideradas parte integrante do trabalho pedagógico, "não existindo formas institucionais de registrar e compartilhar a experiência vivida no dia-a-dia da escola". Tal espaço "freqüentemente reduz-se ao horário do 'cafezinho' e a reuniões esporádicas, de caráter administrativo, desligadas da tarefa educativa". (Andaló, 1995, p. 190-191).

Nessa direção, a pesquisa de Fernandes (2000) sobre a formação continuada dos professores da Educação Infantil no município de Florianópolis indica o movimento do professor, no processo de formação continuada, para conjugar teoria e prática em busca da práxis educativa. A finalidade formativa, nesse processo, torna-se discutir e refletir sobre "o trabalho desenvolvido por eles junto às crianças e, simultaneamente, ir buscando os aportes teóricos que possam ajudar a ir desfazendo os nós, desafiando-os a se lançarem numa outra ação que responda a seus interesses e necessidades" (Fernandes, 2000, p. 77).

Andaló (1995) e Fernandes (2000) analisam o processo de formação continuada proveniente de políticas elaboradas fora do contexto da escola, buscando, em grupos constituídos por diversos profissionais de instituições variadas, discutir temáticas afins. Entretanto, entendemos que é por meio da formação continuada na instituição educativa que, de fato, pode-se discutir a construção do conhecimento do professor e a relação que se estabelece com a prática educativa, já que a construção desses conhecimentos expressa as necessidades cotidianas. A construção de saberes e a relação entre teoria e prática não contemplam a lógica da linearidade e causalidade, porque envolvem processos complexos e diversos provenientes de muitas fontes (Tardif, 2002). Nesse sentido, consideramos a prática pedagógica como prática social, não só porque permite interação entre professores e crianças, mas também porque reflete a cultura e os contextos sociais a que ambos pertencem. Essa prática não se circunscreve somente à atividade do professor como também remete para outros âmbitos de ação que incidem sobre a realidade escolar imediata, tais como a relação com a família e a comunidade.

Para entender a realidade da creche pesquisada buscamos, inicialmente, compreender suas características e, posteriormente, a maneira como ocorreram as formações descentralizadas e a percepção de seus protagonistas sobre esse processo. Essa creche foi fundada no ano de 1993 e está localizada em um bairro próximo ao centro da cidade de Florianópolis. Em 2006 a creche contava com 41 profissionais: diretora, professores, auxiliares de sala, auxiliares de ensino e serviços gerais, atendendo crianças de 7 meses a 6 anos, preferencialmente do bairro e adjacências.

A seleção dessa creche deu-se por ter sido a instituição que promoveu o maior número de formações descentralizadas durante os anos pesquisados. A seleção das cinco professoras entrevistadas teve como critério o tempo de trabalho na unidade, tendo como referência os anos de 2002 a 2006. Procuramos entrevistar pelo menos uma professora de cada etapa de escolarização, buscando caracterizar seu perfil profissional. As professoras entrevistadas eram todas mulheres com idade entre 37 e 50 anos, todas com graduação em Pedagogia e pós-graduação. Dentre as que possuíam pós-graduação, três haviam cursado Educação Infantil e Séries Iniciais; uma, Alfabetização; e uma, Psicologia Escolar. Com relação ao tempo de trabalho na Rede Municipal, este variou de sete a vinte anos, e o tempo de trabalho naquela creche de dois a seis anos. Com relação à faixa etária em que trabalhavam, buscamos contemplar a atuação com crianças em diferentes momentos de desenvolvimento: uma professora que atuava com bebês de 7 meses a 1 ano; duas, com crianças de 1 a 3 anos; uma, com crianças de 3 a 4 anos; e uma, com crianças de 5 a 6 anos.

O roteiro de perguntas procurou apreender a percepção das professoras com relação à formação na unidade, investigando a participação dos profissionais, a organização, os objetivos, os temas, os recursos utilizados, bem como a relação que elas estabeleciam com o cotidiano, nos momentos de formação. Nesse sentido, as entrevistas serviram de contraponto às informações obtidas na pesquisa documental e permitiram resgatar na memória das professoras o que haviam aprendido até então, mostrando o grau de importância que este tipo de formação adquiriu no fazer pedagógico e na solução dos problemas encontrados.

Tendo por base a pesquisa documental realizada no Centro de Formação Continuada - CFC3 3 . O Centro de Formação Continuada coordena, assessora, organiza e divulga seminários, mostras, ciclo de debates e encontros de formação, além de disponibilizar a infra-estrutura necessária para a realização das formações e analisar e conferir os dados de identificação dos cursos e de seus participantes para a expedição e registros de certificados da Rede Municipal de Educação de Florianópolis. -, buscamos, nos registros das formações, os cursos empreendidos pela Creche F. F. V., procurando compreender de que maneira foi construída a formação continuada nesse espaço educativo. A creche escolhida teve vinte e um registros de formações continuadas descentralizadas, que foram realizadas nos anos 2002, 2003, 2004, 2005 e 2006. Tais formações aconteceram por meio de grupos de estudos no interior da instituição, com programação semanal durante o ano letivo. Os encontros foram feitos em quatro grupos de profissionais, dois realizados no período matutino e dois no período vespertino. A duração foi de uma hora e contou com a presença do especialista responsável pela efetivação desses encontros. A sua coordenação, a partir de 2002, foi realizada pela Supervisora Escolar.

Com relação aos temas trabalhados, os conteúdos programáticos registrados foram bem variados, mostrando a multiplicidade de demandas que surgiam na creche. Nessa instituição, houve uma preocupação em discutir tanto concepções teóricas relativas a conceitos como Homem e Sociedade, Criança e Infância, Educação e Educação Infantil, quanto aspectos referentes à organização pedagógica, tais como, Rotina, Avaliação, Organização do Espaço, Múltiplas Linguagens, Relações Interpessoais, etc. Alguns cursos tiveram fases (I, II, III e IV) em que os mesmos temas foram discutidos mais de uma vez, mostrando aprofundamento e continuidade, especialmente nos dois primeiros anos (2002 e 2003).

A entrevista foi iniciada buscando conhecer a participação dessas profissionais nas formações que aconteceram a partir de 2002, elucidando também como ocorreu a organização desse processo: objetivos, estratégias, temas e métodos. Constatamos que houve a participação intensa de todas as entrevistadas nas formações a cada ano e um projeto coletivo que envolveu todos os profissionais da instituição. Pudemos perceber que, mesmo estando em sala, essas professoras encontraram uma forma de constituir grupos que se revezavam para sua formação, ficando a cargo da direção a organização dos horários.

A participação dos grupos foi fruto de um processo longo na instituição. Os relatos demonstraram diferentes reações no início da formação. Inicialmente a participação se dava pelo interesse no certificado e pela vontade de sair de sala de aula; com o passar do tempo, as atuações da supervisora e da direção foram significativas para estimular e motivar as professoras para participar da formação. O conhecimento teórico dessas profissionais e sua contribuição com os debates foram aspectos destacados pelas professoras.

Nos últimos dois anos do período estudado (2005 e 2006), ocorreram mudanças na direção da escola. Com a mudança da gestão da prefeitura municipal, houve a saída da supervisora e da diretora e dificuldades financeiras para a contratação de formadores. Nos depoimentos, algumas profissionais lamentaram a mudança, justificando que existia uma organização do trabalho formativo por meio da sistematização dos estudos, e que foi perdida.

Podemos dizer que as mudanças decorrentes da gestão interferiram na rotina da creche e levaram à dissolução do trabalho coletivo, comprometendo o espaço de formação continuada que vinha sendo constituído desde 2002. A instituição não contou mais com a supervisora pedagógica, e a direção que assumiu não conseguiu transpor o papel administrativo. Além dos estudos feitos pelo próprio grupo nas reuniões pedagógicas, foram convidados outros profissionais para ajudar na discussão das temáticas. Isso foi avaliado positivamente pelas entrevistadas, pois a presença de consultores no espaço da creche pode gerar alterações na dinâmica institucional preexistente:

[...] Em dois anos, aqui, nós tivemos pouca coisa em termos de formação, até porque a questão financeira acaba comprometendo bastante porque quando não tem dinheiro é mais complicado. Mas nestes últimos dois anos o que nós tivemos foi a formação nos nossos grupos de estudo e este ano acabou se perdendo (Professora Rosa)[...]

[...] Eu tenho que ressaltar que na época da direção anterior tinha uma supervisora na creche e a diretora coordenava uns grupos e a supervisora coordenava outros. Então existia o caderno de cada grupo, existia uma sistematização, tinha toda uma organização de estudos, a gente relatava, era muito bom! Quando a atual Diretora entrou a gente ficou sem supervisora e a direção não deu conta. E não tem como dar conta das questões de administração, de supervisão e tudo mais (Professora Sueli) [...]

[...] As reuniões pedagógicas não têm sido reuniões pedagógicas, elas têm sido simplesmente algumas informações administrativas, cada um faz seu horário, vai embora, não há uma cobrança de quem não vem [...] Então, assim, aqueles grupos que existiam nas reuniões pedagógicas, que nós estudávamos, sempre tinham um texto, sempre se trazia alguém de fora, enfim parte pedagógica mesmo este ano, cada uma tem a sua prática isolada na sua sala de aula (Professora Sueli) [...]

Essa análise inicial do processo de formação continuada permite perceber elementos importantes de discussão sobre como se compõem os espaços formativos nas instituições. Inicialmente notamos que a noção de processo é um fator relevante nessa constituição, uma vez que é preciso um movimento intenso do coletivo para instituir a coesão do grupo e ir qualificando o processo. Como indica Andaló (1995, p. 195), em uma formação continuada na instituição educativa,

Provavelmente, de início, esses espaços serviriam apenas como ponto de encontro e continente às queixas e lamentações dos componentes do seu trabalho e da sua vida. [...] Gradativamente, por meio do encaminhamento de um processo de reflexão, esses grupos tornar-se-iam conscientes de suas formas de atuação e mais críticos com relação às (pré) concepções e perspectivas que nutrem a respeito do seu trabalho e da clientela atendida, com quem passariam a comprometer-se mais efetivamente.

Isso reflete o movimento vivido pelas professoras da creche que, de início, resistiram à proposta e, com o tempo, tiveram que aumentar o número dos grupos, devido ao interesse coletivo. Nesse sentido, como discute Andaló (1995, p. 188), buscaram "organizar seu [...] trabalho dentro das condições materiais que a escola oferece". E, nesse processo, o papel da supervisora pedagógica mostrou-se fundamental para a motivação, o que leva a considerar que existe a necessidade de um profissional com competência para coordenar o processo de formação continuada. Christov (2004a) e Bruno (2004) argumentam que a função essencial do coordenador pedagógico é a educação continuada, garantindo que os momentos de encontro na escola sejam proveitosos, colocando os professores em contato com diferentes autores e experiências para que elaborem suas próprias críticas. Para Andaló (1995, p. 193), "seria necessário que estes coordenadores fossem capazes de fazer uma leitura dinâmica do grupo em formação, pois emergirão ansiedades e defesas ante as mudanças que este processo fatalmente desencadeará".

Nessa direção, Kramer (1994, p. 27) afirma que "uma política de formação precisa englobar a circulação do conhecimento disponível e estimular a produção". No entanto, essa produção precisa ser questionada para buscar "alternativas que dêem conta de capturar a linguagem, a riqueza, a multiplicidade e o vigor do próprio real". E isso requer um trabalho que tenha continuidade de processo, buscando avaliar cada etapa para qualificar tanto a prática quanto os espaços de formação. Com isso, observamos que a mudança de gestão prejudicou o direcionamento desse processo pela falta de um coordenador competente e efetivo, o que pode supor que as reflexões sobre a prática tenham ficado no âmbito individual, isoladas nas salas de aula.

2. As temáticas da formação continuada

Os temas de formação, bem como sua escolha e seus objetivos também foram alvo de nossa entrevista com as professoras, isso porque, segundo Kramer (1994), um aspecto importante dentro de um processo de formação diz respeito ao reconhecimento necessário das múltiplas opções teóricas e das alternativas práticas possíveis, para assegurar a qualidade do trabalho educativo.

Ao indagar as professoras, buscamos saber, inicialmente, como se definiam os objetivos para a formação. Vimos que no Projeto Político Pedagógico (P.P.P) da creche havia uma definição que salientava como deveria ocorrer esse processo: "Nestes encontros são abordados temas para a construção do nosso Projeto Político Pedagógico; socializando nossas práticas, discutindo temas de interesse do grupo e outros que venham a surgir" (Florianópolis, 2004, p. 18).

Compreendemos, então, que havia implícita uma relação direta da formação com a proposta pedagógica da creche, o que pode ser entendido como um movimento de construção coletiva e um processo importante para o desenvolvimento profissional. Para Nóvoa (1995, p. 28), o "desenvolvimento profissional dos professores tem de estar articulado com as escolas e seus projetos". Entendemos, com isso, que a formação continuada, concebida como protagonista das transformações nesse espaço educativo, precisa interagir constantemente com as mudanças dos processos pedagógicos, em que o projeto da escola precisa expressar as necessidades do contexto no qual está inserido.

Dessa forma, procuramos compreender, pelos relatos das professoras, se de fato existiam objetivos comuns para as formações e de que maneira eram traçados. Ou seja, se havia uma continuidade da ação formadora e um crescimento a partir de metas traçadas coletivamente ou se pretendiam somente resolver os problemas emergenciais do cotidiano. Vimos, então, que o objetivo geral partia do Projeto Político Pedagógico da creche e que era avaliado pelo menos uma vez por ano. Nos grupos de formação surgiam os projetos específicos, partindo da necessidade do cotidiano, sendo que cada projeto tinha objetivo específico a alcançar. Portanto, procurava-se manter um entrelaçamento entre o P.P.P. da creche, os objetivos da formação e os projetos pedagógicos do cotidiano, conforme indicaram alguns depoimentos das professoras.

Nesse sentido, entendemos que as necessidades do cotidiano forneciam elementos para a revisão do Projeto Político Pedagógico a cada ano. Isso demonstra a existência de um processo de qualificação da prática pedagógica, já que se avaliava ano a ano o P.P.P. e que se buscavam, no espaço de formação, os conhecimentos necessários às mudanças, tendo como referência um objetivo coletivo pautado na proposta pedagógica.

[...] A gente trabalha em cima do objetivo geral e específico do projeto que a gente faz. Este ano foi dividido em três projetos. Dois grupos ficaram com o espaço físico, dois grupos ficaram com o meio ambiente, e dois grupos ficaram com outros eventos e coisas culturais (Professora Solange) [...]

[...] Todo começo de ano nós fizemos o nosso PPP e o nosso PES e ele tinha que ser avaliado a cada momento, a cada semestre [...] Partindo disto eram tiradas também sugestões para que a gente tivesse os temas. Então, do que a gente vai dar conta? Relação família-creche-comunidade? Então qual é o nosso objetivo, como é que a gente vai fazer isto, a gente vai fazer formação? E tudo isto era feito nos grupos de estudo (Professora Sueli) [...]

[...] O nosso grupo, a princípio, a gente senta pra discutir o que a gente vai estudar naquele momento, se tem algum tema que está nos afligindo, se a gente tá com algum problema dentro da sala, que a gente precisa estudar, se tem algo que está nos incomodado porque tem alguma coisa que não está andando legal na creche, então a gente faz a primeira avaliação, depois a gente entra no tema e quando esgota aquele tema a gente tenta procurar outro tema (Professora Solange) [...]

[...] A supervisora sentava com a gente naquele momento e dizia esse grupo aqui o que o grupo está precisando? Era um grupo de no máximo cinco pessoas entre professores e auxiliares, onde se pautava vários assuntos e dali escolhia um para aquele semestre, ou por bimestre, dependendo do grau de dificuldade das pessoas que faziam parte do grupo [...] Então a gente escolhia por consenso e dizia vamos estudar primeiro o teu tema, é mais interessante, depois o outro, assim a gente conseguia conciliar todos os temas que aquele grupo queria (Professora Débora) [...]

Além dos objetivos, procuramos saber também os critérios para a escolha dos temas da formação, já que cada professora tinha sua demanda específica e a creche um projeto pedagógico em implementação. Entendemos que houve uma relação intensa entre os problemas vividos e os estudos empreendidos e uma valorização do coletivo. Essa valorização diz respeito às discussões em grupo sobre os temas que seriam estudados, em que as demandas individuais se tornam coletivas pela vivência na formação, mostrando que havia um movimento de interlocução entre as experiências cotidianas e os processos formativos. Entretanto, contraditoriamente aos relatos anteriores, observamos, nos depoimentos, que a dimensão dos problemas da prática se sobressaía para definir os temas de formação e que, em algumas situações, as professoras não faziam relação alguma com o P.P.P. Os relatos demonstram, ainda, que o papel da supervisora como mediadora desse processo se torna fundamental na organização da formação e na socialização do grupo.

Isso nos leva a considerar dois momentos distintos: um, em que se busca firmar a proposta pedagógica coletiva; e outro, em que se pretende resolver os problemas cotidianos. No entanto, embora nos relatos aparecessem como distintos um do outro, consideramos que havia um movimento entre o coletivo e o individual, quando, na escolha dos temas, estes surgiam das necessidades individuais, mas, quando da definição, eram escolhidos os do consenso geral, buscando, ao final, passar por todos os temas elencados. Constatamos, com isso, que havia um esforço coletivo por parte das professoras de valorização daquilo que compunha o grupo, fossem suas dificuldades ou fossem boas propostas para discutir e empreender.

Os temas na formação foram diversos, pois, como havia grupos distintos, os que eram elencados por umas nem sempre eram os mesmos elencados por outras. De maneira geral, apareceram: Agressividade, Espaço Físico, Alfabetização, Horta, Parque, Organização das salas, Organização do Refeitório, Mordida, Sexualidade, Desenvolvimento Infantil, Meio Ambiente, Artes e Oficinas, Projetos, Avaliação, Relação Interpessoal e Planejamento. Todos os temas escolhidos refletiam o que vimos nos registros dos cursos, citados anteriormente, mostrando que de fato os conteúdos trabalhados estavam presentes ainda na memória das professoras, mesmo com o passar dos anos. A diversidade de temas demonstra o quanto tem sido rica a formação descentralizada, em que efetivamente são trabalhadas as questões do cotidiano: desde a organização pedagógica e as relações institucionais, até as concepções e os fundamentos da educação.

Além desses temas, indagamos sobre outros conteúdos que apareciam nos registros dos cursos. Para tanto, averiguamos se temas como gênero, raça, violência e sexualidade eram discutidos na formação e se o professor se deparava com situações que envolviam tais conteúdos no cotidiano da Educação Infantil. Esse questionameno trouxe, além da confirmação da hipótese inicial, outros temas que se associavam a tais conteúdos, como Agressividade, Autonomia, Socialização, Desfralde, Linguagem e Vocabulário, mostrando que as necessidades em relação a esses conteúdos foram surgindo de acordo com a faixa etária com que se trabalhava.

Com isso, visualizamos que as temáticas da formação nessa creche buscaram articular as situações cotidianas e o projeto pedagógico, no movimento entre os interesses individuais das professoras e a socialização coletiva do conhecimento. Isso demonstra a ampla participação dos professores, sendo autores na formação, diferentemente das formações centralizadas, em que os profissionais recebem da Secretaria pacotes formativos prontos, como aponta Kramer (1994), expressando monólogos ao invés de diálogos. Essas questões incitam a refletir sobre como se articula o currículo dessa formação, mostrando que o processo formativo na unidade propiciou o estudo de diversos temas, buscando sempre uma articulação com as situações da prática pedagógica. Segundo Kramer (1994, p. 26-27), uma prática efetiva aliada à constante reflexão crítica deve compor seu currículo sobre três pólos de sustentação:

a) Conhecimentos científicos, tanto básicos (língua portuguesa, matemática, ciências naturais e sociais) quanto aqueles necessários para o trabalho com a criança pequena (saúde, história, antropologia, estudos da linguagem, etc.).

b) Processo de desenvolvimento e construção de conhecimentos do próprio profissional.

c) Valores e saberes culturais dos profissionais, produzidos a partir de sua classe social, história de vida, etnia, religião, sexo e do trabalho concreto que realiza.

Dessa maneira, visualizamos o espaço de formação como possibilidade de articular as singularidades cotidianas com a totalidade da vida social e política, isso porque os professores, ao conquistarem a possibilidade de construir sua própria formação, ampliam seus olhares à medida que refletem criticamente, conquistando a melhoria na qualidade de suas práticas. Tal espaço permite também que se discutam temas diversos com objetivos comuns entre os professores. Nesse sentido, Kramer (1994, p. 26) salienta que a "pluralidade não significa ecletismo; democracia supõe diversidade, mas exige também unidade de objetivos para que a qualidade das ações seja conquistada por todos". Essas reflexões levam à compreensão de como o professor tem articulado a teoria com a prática, na medida em que o conhecimento só tem sentido na ação quando construído pelos professores.

3. Da construção de saberes dos professores à prática pedagógica

Outro elemento importante em um processo de formação continuada diz respeito à relação entre teoria e prática, sendo também nosso objeto de investigação quando buscamos entender de que maneira os professores lidam com o conteúdo aprendido e que tradução fazem deste para a prática pedagógica. Entendemos que esse tipo de formação merece privilegiar a relação entre teoria e prática como indissociáveis nos processos formativos, já que nessa relação o professor reconstrói a teoria, que, por sua vez, reinventa a prática. No entanto, são necessárias condições para que esse processo se realize. Segundo Micarello (2005, p. 148), "cabe considerar as condições em que se dá a formação profissional e em que medida tal formação permite-lhe fazer o movimento de apropriação da teoria a partir da prática e de reflexão sobre a prática à luz da teoria". E, ainda, como os saberes que constituem a teoria estão sendo produzidos nesses espaços e partilhados entre os diversos profissionais.

Para tanto, buscamos compreender, nas entrevistas, de que maneira o conhecimento se torna aprendido pelas professoras, o que fazem com esse conteúdo e que duração tem esse aprendizado no dia-a-dia. Na sua maioria, as respostas afirmaram que o conhecimento é sempre posto em prática logo que se tem um aprendizado. Nesse sentido, evidenciou-se que o conteúdo aprendido só se efetiva na prática, mas a mudança de comportamento não é muito fácil quando se tem a mesma rotina há muito tempo. Contudo, algumas professoras demonstraram que estão sempre buscando soluções a partir dos estudos na formação continuada e que resgatam o conhecimento à medida que as situações vão surgindo. Outro relato salienta que a idéia de registrar aquilo que se aprende seria uma alternativa para que o conhecimento seja socializado entre todos.

Entretanto, observamos no depoimento de uma professora que, muitas vezes, o conteúdo aprendido na formação não é usado imediatamente, mas, quando surge um problema, ele é retomado, auxiliando na reflexão da situação:

[...] Isto é uma coisa bem complicada de responder, porque se o problema está existindo tu aplica, se não, você guarda o conhecimento para ti. Já aconteceu de resgatar textos e uma vez eu estudei sobre agressividade que eu não tinha problema nenhum, mas no outro ano eu peguei duas crianças com agressividade que eu fui resgatar textos do outro ano e me ajudou bastante (Professora Sueli) [...]

A expressão "aplicar", presente também no discurso dessa professora, leva a considerar a possibilidade de esta conceber uma relação linear entre conhecimento e prática, em que a idéia da aplicação do conhecimento remete muito mais à técnica do que a um conhecimento que pode ser modelado pelo professor. Essa concepção está presente no tipo de formação tradicional que subsiste no discurso da professora, embora se perceba que ela age com autonomia e crítica na relação com o conhecimento apreendido.

A questão da mudança é outro ponto assinalado como uma dificuldade pelas professoras. Ou seja, não é fácil "colocar o conhecimento em prática" quando se tem uma rotina de anos, o que demonstra que comportamentos automatizados são difíceis de ser mudados. Embora haja dificuldade em superar a rotina, a mudança acontece a partir da reflexão do professor sobre sua atuação na prática. Isso faz perceber a complexidade no processo de formação: ao mesmo tempo que o fazer do professor provoca reflexões sobre a teoria, sua rotina dificulta as transformações dessa prática.

Em outro relato, vemos novamente que as professoras consideram que os conteúdos são aprendidos a partir da prática, sendo a relação com a criança o que possibilita o aprendizado. Segundo as entrevistadas, a construção do conhecimento, quando pautado na experiência, permanece para a vida toda. Entretanto, outra professora evidencia a importância da continuidade entre o que se estuda e as mudanças efetivas da prática, em que documentar e socializar são aspectos importantes na construção do conhecimento. Notamos que há uma noção da experimentação do conhecimento que se estuda na formação e que as mudanças partem da construção individual e coletiva. Esse processo, na opinião da professora, deve ser contínuo e fazer parte do dia-a-dia da creche. A idéia do professor como construtor do conhecimento é um aspecto que se destaca nesse discurso. Ele expressa que, para que isso se realize cotidianamente, é necessário estudo e um grande esforço por parte dele, professor:

Quando nós organizamos os grupos de estudo no primeiro semestre, nós sugerimos que cada grupo coordenasse uma Parada Pedagógica, que trouxessem temáticas de estudo [...] O que eu vejo é que a gente acaba não trazendo isto para o dia-a-dia, até nós propusemos de fazer alguns projetos naquela parada pedagógica que nós coordenamos sobre o que se havia discutido [...] Eu acho que isto tem que estar latente, estas coisas que são discutidas, elas têm que estar aparecendo no dia-a-dia de alguma forma. Estar trazendo pequenos textos, pequenas leituras, alguns recortes, coisas que tu construíste nas paradas pedagógicas ou nos grupos de estudos. A única coisa é que a gente não tem o hábito de documentar, de divulgar, de socializar, de organizar o que a gente faz. Construir textos, enfim, tornar este trabalho público. Isto ajudaria em dois sentidos tornaria o conhecimento publico e mostraria para as famílias o que é o nosso trabalho (Professora Rosa) [...]

Outros relatos demonstram que os grupos estudam temáticas diferentes e, com isso, utilizam-se do repasse de informações para socializar o que foi discutido com os colegas. Por um lado, essa é uma estratégia que pode repercutir na troca e na interlocução do grupo; por outro, apresenta limites, pois entendemos que o repasse da informação nem sempre gera conhecimento para aqueles que não estudaram profundamente o tema e experimentaram-no em suas ações. Isso porque, segundo os depoimentos, no movimento de mudança da prática outros fatores impedem que isso aconteça, não sendo só do professor a responsabilidade para a efetivação da prática pedagógica. Portanto, relatam sobre a importância das trocas entre os profissionais como possibilidade de resolver os problemas, mas salientam que a função de um coordenador pedagógico ou até mesmo do diretor é fundamental para ajudar na construção do conhecimento e sua expressão na prática pedagógica:

Na minha experiência, o que eu tento fazer é buscar até em discussões ou conversas paralelas, trocas de experiência em alguns momentos, momentos de parque, momentos de café, momentos que não são específicos para isto. Às vezes, quando a coisa é mais importante, a gente procura ou o diretor ou o supervisor... (Professora Rosa)

Para os temas discutidos faltam profissionais para estar mediando. Por isso que é importante o supervisor para ter relação com a questão teórica mesmo porque o achismo todo mundo faz o tempo inteiro (Professora Sueli).

Outro aspecto analisado diz respeito aos recursos que o professor utiliza para compor a sua formação, como aprendizado contínuo. Vimos que quase todas as entrevistadas têm graduação e pós-graduação e que, além das especialidades, fazem cursos em outras instituições, subsidiados pelo Departamento de Educação Infantil. Outras práticas também são relatadas: a troca de textos, a compra de livros, os cursos a distância, as informações na internet, a troca de experiências com outras profissionais, etc. Além disso, uma professora relata o interesse pelo Mestrado, mas como uma possibilidade remota pela questão do tempo de dedicação e rotinas pessoais. Outra professora vê as leituras e a formação na unidade como suficientes, por valorizar sua formação inicial a ponto de considerar-se auto-suficiente, ao mesmo tempo que demonstra pouca motivação pelo trabalho. Isso implica considerar que, além do que se faz e do que se aprende no coletivo da instituição, há conhecimentos provenientes de outras fontes, direcionando suas práticas para além da proposta pedagógica da unidade.

A relação entre teoria e prática aparece nos depoimentos de diversas maneiras, muitas vezes com a sobreposição de uma em relação a outra. Segundo Freitas (2001, apud Micarello, 2005, p. 152), "a questão não é aumentar a prática em detrimento da teoria ou vice-versa - o problema consiste em adotarmos uma nova forma de produzir conhecimento no interior dos cursos de formação do educador". Nesta linha, o autor destaca que,

A prática que pode levar o professor a uma apropriação de seu fazer é aquela capaz de ir além das demandas imediatas do dia-dia para alcançar a condição de práxis: prática pensada, refletida. Quanto à teoria, fundamentada num conhecimento que se produza nos próprios cursos de formação e não apenas seja "aplicado" nestes espaços. (Micarello, 2005, p. 152-153).

Essa idéia ajuda-nos a refletir sobre a dificuldade de mudança da prática exposta pelas professoras, tendo como justificativa a rotina já instaurada, o que leva a considerar a importância do estudo contínuo e do aprofundamento dos conhecimentos. Nas palavras de Micarello (2005, p. 144), isso implica afirmar que "o 'poder transformador' da teoria está diretamente ligado à possibilidade de os indivíduos fazerem uma reflexão crítica, tanto sobre os pressupostos teóricos quanto sobre os desafios que se colocam na prática". Portanto, "é preciso questionar a teoria, as condições e o lócus de sua produção". Com base nessas idéias, é possível fazer a crítica sobre a qualidade dos espaços formativos promovidos pelas políticas educacionais, que não levam em conta o processo de aprendizagem dos professores, que são percebidos, muitas vezes, somente como repetidores de autores e teorias. Tais processos formativos não proporcionam que o professor seja construtor de seu próprio saber, ousando elaborar suas questões e afirmações. Para isso, "é importante sabermos que a teoria e a prática andam juntas, mesmo que não tenhamos muito clareza sobre as teorias que estão influenciando nossa prática". (Christov, 2004b, p. 32). Isso porque toda ação humana é marcada por uma intenção, consciente ou inconsciente, sempre podemos encontrar aspectos teóricos em nossas ações.

Ao analisar os recursos que compõem a formação do professor, vimos que diversos saberes engendram sua atuação e precisam ser considerados nos espaços de formação para que possam, além de ser socializados, ser modelados, discutidos e integrados no projeto coletivo da instituição. E isso implicaria assumir de fato o professor como construtor de seu próprio saber na formação continuada. Segundo Tardif (2002), os saberes dos professores são plurais porque provêm de diversas fontes. De sua cultura pessoal, de conhecimentos disciplinares adquiridos na universidade, assim como de certos conhecimentos didáticos e pedagógicos oriundos de sua formação profissional, e também daquilo que podemos chamar de conhecimentos curriculares veiculados pelos programas, guias e manuais escolares. Baseiam-se também no saber ligado à experiência de trabalho, na experiência pessoal e em tradições peculiares ao ofício de professor. São variados e heterogêneos porque o professor, na sua ação, procura atingir diferentes tipos de objetivos, cuja realização não exige os mesmos tipos de conhecimento, de competência e de aptidão. No entanto, conservam certa unidade, uma unidade pragmática, ou seja, "estão a serviço da ação e é na ação que assumem seu significado e sua utilidade." (Tardif, 2002, p. 263-264).

Com isso, destaca-se que a formação continuada como espaço privilegiado de aprendizagem do ensino precisa levar em conta os diversos fatores que compõem a formação continuada do professor que, como estratégia formativa paralela à prática cotidiana, precisa levar em conta os diversos âmbitos de ação que incidem sobre a prática pedagógica. O que leva a considerar, como aponta Micarello (2005), as condições em que se dá a formação e questionar em que medida essas condições permitem ao professor fazer o movimento de apropriação da teoria a partir da prática e de reflexão sobre a prática à luz da teoria. Condições estas que implicam manter na unidade educativa um profissional que possa ser o formador dos professores, com competência para organizar, dinamizar e auxiliar nas reflexões entre teoria e prática.

Conclusão

Após essa análise, vemos como fundamental a constituição do espaço de formação continuada no interior de uma instituição de Educação Infantil, pela possibilidade de interlocução entre os professores, permitindo a revisão e a construção de seus saberes pedagógicos. Outro fator preponderante foi o papel da supervisora no processo de formação, auxiliando na motivação do grupo, na coordenação dos estudos, na sistematização e nos registros dos encontros. A diversidade de temas demonstra a riqueza da formação descentralizada, por proporcionar efetivamente discussões sobre as questões do cotidiano.

Com relação à construção dos saberes e sua expressão na prática pedagógica, há um esforço por parte das professoras em relacionar teoria e prática. Entretanto, a dificuldade de mudança da prática, tendo como justificativa a rotina já instaurada, foi um aspecto presente nos depoimentos, o que nos leva a considerar a importância do estudo contínuo e do aprofundamento dos conhecimentos como fatores mobilizadores das transformações. Observamos também que essa dificuldade de mudança se relaciona com as interferências do contexto, fazendo com que o professor não seja o único responsável pela estagnação e pela rotina, já que muitas vezes não trabalha sob condições ideais.

Com esta análise entendemos que, ao mesmo tempo que o processo descentralizado de formação oportuniza ao professor estudos mais focalizados com relação à prática, à diversidade de temas e à construção coletiva dos saberes pedagógicos, exige que sejam criadas melhores condições para a efetivação desses espaços. E isso inclui manter na unidade educativa um profissional que possa ser o formador dos professores, com competência para organizar, dinamizar e auxiliar nas reflexões entre teoria e prática.

Por fim, a formação continuada no interior das instituições ainda é uma conquista para alternativas cada vez mais qualificadas do trabalho do professor da Educação Infantil. A constituição desses espaços demonstra a complexidade desse processo e a importância que tem no crescimento profissional dos professores, em que as políticas de formação continuada devem cada vez mais incentivar e qualificar essas experiências.

Recebido em 25 de julho de 2008 e aprovado em 06 de março de 2009.

  • ANDALÓ, Carmem Silva de Arruda. Fala, professora!: repensando o aperfeiçoamento docente. Petrópolis: Vozes, 1995. p.204.
  • BRUNO, Eliane Bambini Gorgueira. O trabalho coletivo como espaço de formação. In: GUIMARÃES, Ana A. et al. (Org.). O coordenador e a educação continuada. 7. ed. São Paulo: Loyola, 2004. p.55.
  • CHRISTOV, Luiza Helena da Silva. Educação continuada: função essencial do coordenador pedagógico. In: GUIMARÃES, Ana A. et al. (Org.). O coordenador e a educação continuada. 7. ed. São Paulo: Loyola, 2004a. p.55.
  • CHRISTOV, Luiza Helena da Silva. Teoria e prática: o enriquecimento da própria experiência. In: GUIMARÃES, Ana A. et al. (Org.). O coordenador e a educação continuada. 7. ed. São Paulo: Loyola, 2004b. p.55.
  • FERNANDES, Sônia C. de L. Grupos de formação: análise de um processo de formação em serviço sob a perspectiva dos professores de educação infantil. 2000. 127 p. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.
  • FLORIANÓPOLIS. Secretaria Municipal de Educação. Divisão de Educação Infantil. Projeto Político Pedagógico - PPP? da Creche Fermínio Francisco Vieira. Florianópolis, 2004. p.22.
  • KRAMER, Sônia. Currículo de Educação Infantil e a formação dos profissionais de creche e pré-escola: questões teóricas e polêmicas. In: KRAMER, Sônia et al. (Org.). Por uma política de formação do profissional de Educação Infantil. Brasília: MEC/SEF/DPE/COEDI, 1994. p.92.
  • MICARELLO, Hilda Aparecida Linhares da Silva. Formação de profissionais da educação infantil: sair da teoria e entrar na prática? In: KRAMER, Sônia (Org.) Profissionais de Educação Infantil: gestão e formação. São Paulo: Ática, 2005. p. 256.
  • NÓVOA, Antonio et al. Os professores e a sua formação. 2. ed. Lisboa: Dom Quixote, 1995. p.158.
  • TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2002. p.325.
  • 1
    . O processo de descentralização diz respeito a uma política que possibilite que cada instituição educativa possa promover sua formação continuada. Difere, assim, das formações centralizadas que o Departamento dispõe para as unidades educativas, privilegiando temas amplos que possam abarcar todas as necessidades das unidades, sem preocupar-se com aquilo que é específico e contextual.
  • 2
    . O período pesquisado compreendeu, como política pública municipal de educação, as duas gestões da ex-prefeita Ângela Regina Hansen Helou (Partido Progressista - PP) e os dois primeiros anos da gestão do atual prefeito Dário Elias Berger (inicialmente do Partido da Social Democracia Brasileira - PSDB e atualmente do Partido do Movimento Democrático Brasileiro - PMDB).
  • 3
    . O Centro de Formação Continuada coordena, assessora, organiza e divulga seminários, mostras, ciclo de debates e encontros de formação, além de disponibilizar a infra-estrutura necessária para a realização das formações e analisar e conferir os dados de identificação dos cursos e de seus participantes para a expedição e registros de certificados da Rede Municipal de Educação de Florianópolis.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Set 2010
    • Data do Fascículo
      Ago 2009

    Histórico

    • Aceito
      06 Mar 2009
    • Recebido
      25 Jul 2008
    UNICAMP - Faculdade de Educação Av Bertrand Russel, 801, 13083-865 - Campinas SP/ Brasil, Tel.: (55 19) 3521-6707 - Campinas - SP - Brazil
    E-mail: proposic@unicamp.br