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Editorial

EDITORIAL

Uma reflexão cada vez mais aprofundada a respeito de experiências no campo artístico tem pre(ocupado) muitos pesquisadores, inclusive os que não estão necessariamente ligados à área pedagógica e educacional. Experiências exitosas convertem-se em notícias e constituem alvo de comentários em vários meios de comunicação.

Na área musical1 1 . As informações referentes aos eventos musicais basearam-se, prioritariamente, em artigos da Revista Concerto, Guia Mensal da Música Erudita, publicação da Clássicos Editorial, junho 2010. , por exemplo, uma série de empreendimentos aliando o empenho dos poderes públicos à iniciativa privada parece dar bons resultados. Um caso ilustrativo desse sucesso é o da Sinfônica Heliópolis, cujos trabalhos se iniciaram anos atrás, graças à iniciativa do Maestro Silvio Baccarelli. A origem desse projeto se deu em 1996, quando o maestro, ao assistir pela televisão a cenas de um incêndio na favela Heliópolis, zona sul da cidade de São Paulo, decidiu contribuir de alguma forma com as famílias atingidas: começou a ensinar música para crianças de uma escola pública da região. Outros músicos sensibilizaram-se com o projeto e, de um grupo de 36 crianças em situação de risco, nasceu uma orquestra de cordas que, pouco depois, ampliou-se e transformou-se na Sinfônica Heliópolis. Após apresentações de vários concertos em salas prestigiosas, como a Sala São Paulo, na capital paulistana, teatros municipais do Rio e de São Paulo, e tendo recebido visitas ilustres, como a do seu atual patrono, o maestro Zubin Mehta, em 2009, a orquestra recebeu, neste ano, convite para participar do Festival Beethovenfest, em outubro, na cidade de Bonn - onde nasceu o grande compositor alemão. Esse grupo de 80 jovens apresentará a Sinfonia n. 8 de Beethoven, além de peças de compositores brasileiros, em um dos mais tradicionais festivais de música da Europa. Interessa salientar que o patrono desta 10ª edição do festival é o maestro venezuelano José Antonio Abreu, criador do "Sistema Nacional de Orquestras Juveniles e Infantiles de Venezuela", grande incentivador de iniciativas dessa ordem. Vale ainda lembrar que a orquestra Heliópolis não é um projeto isolado que atinge um pequeno número de jovens da comunidade, mesmo porque o próprio Instituto Baccarelli mantém outras atividades: a "Orquestra do amanhã", conjuntos de canto-coral, etc.2 2 . A professora Maria Ruth A. de Sampaio (FAU-USP) salienta que essa favela, a maior da cidade de São Paulo, possui cerca de 120 mil moradores e sempre teve como meta investir em educação, contando com centros como "Os parceiros das crianças", biblioteca comunitária e outras iniciativas dirigidas por membros da própria comunidade. ( O Estado de S. Paulo, 12 de maio de 2010).

Essa e outras iniciativas no Brasil, como o Neojibá - Núcleos estaduais de orquestras juvenis infantis da Bahia -, dirigido pelo pianista Ricardo Castro e baseado no "El sistema" venezuelano acima mencionado têm por objetivo não apenas alcançar níveis de excelência de execução musical, mas, sobretudo, promover a integração social por meio da prática coletiva da música. Nesse mesmo sentido, uma proposta, no exterior, é sempre mencionada: a West-Eastern Divan Orchestra3 3 . Esse nome foi retirado de uma antologia de poemas de Goethe, Westöstlicher Diwan, geralmente traduzida por West-Eastern Divan. , concebida pelo maestro e pianista Daniel Baremboin, que, em 1999, juntamente com o intelectual palestino Edward Said, já falecido, fundou essa orquestra que congrega jovens músicos de Israel, Palestina e vários países do Oriente Médio e reúne-se regularmente na cidade andaluza de Sevilla. A ideia foi criar um espaço de participação desses jovens em projetos de interesse comum, promovendo, dessa forma, um diálogo intercultural.

Pensar nessas propostas e no que representam em termos sociais, políticos e humanos enquadra-se bem nas reflexões de Maxine Greene, expostas no belo, denso, preciso e poético texto "A arte e a busca por justiça social". Escrito sob o impacto das fortes emoções desencadeadas pelos acontecimentos sombrios de setembro de 2001 e pontuado de menções a obras artísticas de pintores, escultores, literatos e educadores, o artigo é apresentado na seção Diverso e prosa desta revista. Essa culta senhora, quando já próxima de atingir 90 anos, comemorados em 2008, afirmou sua concordância com Dewey que, ao rejeitar o estático, o automático, o habitual, clama pela "estética" que se opõe ao "anestésico", ou seja, àquilo que é da ordem do entorpecimento, da imobilidade, do imperturbável; lembra ainda que esse autor assinala que "a função da arte tem sido sempre a de romper a crosta da consciência convencional e rotineira". Nesse mesmo sentido, Greene afirma a importância e a necessidade crucial de "encontros estéticos" e defende que "não apenas trabalhos com temáticas sociais e políticas podem ser computados para inflamar um sentimento de injustiça"; fala, então, em favor de experiências que ofereçam sensações "de recuo, de perspectiva" de ultrapassagem do imediato, pois estas podem levar ao desejo "de transformar, de tornar a existência mais tolerável, mais vital, mais humana". Em sua apresentação sobre o trabalho dessa arte-educadora, Marina Célia Moraes Dias (USP), que teve o privilégio de conhecê-la pessoalmente, salienta que Greene, professora do Teachers College da Columbia University em New York, não restringiu suas atividades apenas à esfera universitária, pois empenhou-se em realizar um trabalho importante em escolas públicas de ensino fundamental e médio da cidade de New York, em parceria com o Lincoln Center for the Arts. Apresentar um primeiro texto traduzido para o português dessa ilustre educadora é um prazer e uma honra muito grande para a nossa revista.

A arte apresenta-se também como tema do dossiê "Entrelugares do corpo e da arte", coordenado pelas Professoras Márcia Strazzacappa, Ana Angélica Albano e Eliana Ayoub, pesquisadoras do Laboratório de Estudos sobre Arte, Corpo e Educação - Laborarte -, de nossa Faculdade. Chama a nossa atenção o fato de este dossiê congregar autores marcados por distintas formações, todos interessados em pesquisar e produzir conhecimentos "sobre arte e corpo nas interfaces com os campos da educação estética, da linguagem, da filosofia, da medicina e da psicologia, sempre em interlocução com a educação". Tais pesquisadores, provenientes de várias origens geográficas - diferentes regiões do Brasil, do México e da França e com inserção institucional variada - apoiam-se e inspiram-se nas obras de autores bem conhecidos, como Hanna Arendt, Jung, Merleau-Ponty, Deleuze, Benjamin e muitos outros, em suas reflexões sobre os múltiplos significados e as inúmeras formas de vivenciar esses entrelugares.

Os quatro textos que compõem a seção Artigos apresentam investigações de professores e pesquisadores que tratam de diferentes temas, abrangendo o amplo campo pedagógico e educacional. Uma pesquisadora da área de educação continuada apresenta um interessante estudo referente ao trabalho realizado em conjunto por um grupo de professores das séries inicias do curso fundamental que procurou refletir e redefinir a prática do reforço, envolvendo crianças na fase inicial da escrita. Outro texto, de pesquisadoras da UFMG, analisa, à luz de conceitos da perspectiva dos Estudos Culturais e do quadro teórico foucaultiano, a participação dos jovens nas comunidades Orkut, tema de grande atualidade. Uma análise de narrativas de professores de História, com o objetivo de apreender aspectos da constituição de identidades destes, é o tema apresentado por uma doutoranda da Unicamp e um professor do Programa de Pós-Gradução em Educação da Universidade de Ponta Grossa. E, por último, um estudo sobre uma bem-sucedida experiência do uso da ferramenta "fórum" no ensino de Estatística aplicada à Administração, apresentado por pesquisadoras ligadas à Faculdade de Economia e Administração da USP de São Paulo e da USP de Ribeirão Preto, traz elementos para fomentar discussões sobre o emprego de novas ferramentas virtuais, assunto de grande relevância nos dias de hoje.

Na seção Leituras e Resenhas, Neusa Gusmão, antropóloga e professora titular da Faculdade de Educação da Unicamp, apresenta e comenta o livro Antropologia & Educação, de autoria de Gilmar Rocha e Sandra Pereira Tosta, ambos antropólogos. Após assinalar a pouca quantidade de trabalhos nessa área, a professora Neusa destaca as particularidades de cada capítulo e da apresentação do prof. Carlos Brandão, expoente da área, que discute a relação entre cultura e Educação; chama também a atenção para temas de ordem teórica e metodológica, incluindo o método etnográfico do qual outras áreas, inclusive a Educação, têm-se apropriado. Sem deixar de apontar algumas lacunas e questões em aberto, a resenha ressalta ainda a qualidade de aspectos formais do livro - a escrita clara, a maneira cuidadosa de expor as ideias, a trama do texto que conversa e interage com outros. E salienta um dos "pontos fortes" dessa publicação, qual seja, o tratamento de questões como a pluralidade cultural, demonstrando que, por esse e outros aspectos, o livro apresenta grande interesse para todos os que se preocupam com problemas educacionais.

Esperamos que esses textos, produzidos em diferentes áreas e situados em perspectivas variadas, conduzam as reflexões dos pesquisadores e constituam fonte de inspiração para o surgimento de outros muitos estudos no campo educacional e em áreas afins.

Luci Banks-Leite

  • 1
    . As informações referentes aos eventos musicais basearam-se, prioritariamente, em artigos da Revista
    Concerto, Guia Mensal da Música Erudita, publicação da Clássicos Editorial, junho 2010.
  • 2
    . A professora Maria Ruth A. de Sampaio (FAU-USP) salienta que essa favela, a maior da cidade de São Paulo, possui cerca de 120 mil moradores e sempre teve como meta investir em educação, contando com centros como "Os parceiros das crianças", biblioteca comunitária e outras iniciativas dirigidas por membros da própria comunidade. (
    O Estado de S. Paulo, 12 de maio de 2010).
  • 3
    . Esse nome foi retirado de uma antologia de poemas de Goethe,
    Westöstlicher Diwan, geralmente traduzida por West-Eastern Divan.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Set 2010
    • Data do Fascículo
      Ago 2010
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