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Formação continuada de professores em exercício no Ensino Superior

Continued Education of teachers working in undergraduate courses

Resumo

Formação continuada é um dos enunciados que atravessam e nominalizam o currículo do Bacharelado em Ciência e Tecnologia (BC&T) da Universidade Federal do ABC (UFABC). Tal enunciado é estabelecido dentro de agenciamentos curriculares que, neste projeto, mobilizam-se através dos discursos de interdisciplinaridade e flexibilidade curricular. Para compreender o funcionamento destes agenciamentos, realizou-se um levantamento arqueológico dos discursos a partir de entrevistas semiestruturadas e de documentos oficiais que circunscrevem as ações docentes no curso. Linhas de fuga moleculares apontam para uma abertura às singularidades formativas nos casos de docentes experientes: eles assumem a função-educador, da qual deriva um saber de experiência, em contraposição aos saberes normativos pretendidos pelos cursos de formação de professores tradicionais. O anseio pela emergência de um docente-comum aparece nas falas de docentes e alunos como indício da necessidade de desterritorialização do processo de formação e do surgimento de uma pedagogia rizomática.

Palavras-chave
currículo; subjetividades; formação de professores; experiência; função-educador

Continued Education of teachers working in undergraduate courses

Continuing education is one of the statements that cross and nominalize the curriculum of the Bachelor of Science and Technology (BC & T) program of the Federal University of ABC (UFABC). This statement is established within curricular assemblages which, in this project, are mobilized through discourses of interdisciplinarity and curriculum flexibility. To understand the functioning of these assemblages, an archaeological survey of the discourses was made from semi-structured interviews and official documents that circumscribe the teaching activities on the course. Molecular escape lines indicate an opening to training singularities in the case of experienced teachers: They assume the educator-function from which derives an experience-based knowledge, as opposed to the normative knowledge sought by the traditional teacher training courses. The longing for the emergence of a common-teacher appears in the utterances of teachers and students, as evidence of the need for the dispossession of the training process and for the emergence of a rhizomatic pedagogy.

Keywords
curriculum; subjectivities; teacher training; experience; educator-function

A proposta curricular da UFABC

A UFABC foi instituída (Lei BR, 2005Lei n.º 11.145, de 26 de julho de 2005. (2005). Institui a Fundação Universidade Federal do ABC – UFABC e dá outras providências. Recuperado em 16 de outubro de 2015, de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11145.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_At...
, alterada por Lei BR, 2015Lei n.º 13.110, de 25 de março de 2015. (2015). Altera a Lei no 11.145, de 26 de julho de 2005, que institui a Fundação Universidade Federal do ABC - UFABC, e dá outras providências. Retirado em 16 de outubro de 2015, de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-018/2015/Lei/L13110.htm#art1
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_At...
) em um cenário de expansão do Ensino Superior no País, atendendo a reivindicações históricas da classe trabalhadora do grande ABC paulista por uma universidade pública gratuita de qualidade (UFABC, 2006UFABC, 2006. Projeto Pedagógico da Universidade Federal do ABC. Recuperado em 15 de julho de 2014, de http://www.ufabc.edu.br/images/stories/pdfs/institucional/projetopedagogico.pdf
http://www.ufabc.edu.br/images/stories/p...
). Nessa nova universidade, foi criado e implantado um novo modelo de curso superior no Brasil: os bacharelados interdisciplinares.

O Bacharelado em Ciência e Tecnologia (BC&T) é um bacharelado interdisciplinar, entendido, conforme os Referenciais Orientadores (Parecer CNE/CES n.º 266/2011Parecer CNE/CES n.º 266/2011, aprovado em 5 de julho de 2011. (2011). Referenciais orientadores para os Bacharelados Interdisciplinares e Similares das Universidades Federais. Recuperado em 15 de julho de 2014, de http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=17649:referenciais-orientadores-para-os-bacharelados-interdisciplinares-e-similares-&catid=323:orgaos-vinculados
http://portal.mec.gov.br/index.php?optio...
), como programa de formação em nível de graduação que conduz a diploma, com foco na interdisciplinaridade, no diálogo entre as áreas do conhecimento e na flexibilidade curricular. Ao priorizar em sua estrutura curricular arranjos interdisciplinares que consideram as correlações entre a realidade sociocultural e ambiental em que se insere, o Projeto Pedagógico de Curso (PPC) do BC&T ressalta, por sua vez, a importância de uma formação integral nas ciências, incluindo a visão histórica da nossa civilização e privilegiando a capacidade de inserção social no sentido amplo.

Com proposta de Universidade multicampi, a UFABC e o BC&T iniciaram suas atividades em Santo André no ano de 2006 e, em fevereiro de 2010, o curso passou a ser ofertado em São Bernardo do Campo, mantendo o planejamento, a oferta e a execução do curso nos dois campi de forma integrada, ainda que os seus processos avaliativos externos sejam diferentes. O ingresso nos Bacharelados Interdisciplinares da UFABC ocorre por meio do Sistema de Seleção Unificada (SiSU) e, desde a criação da Universidade em 2006, ou seja, antes da implementação da Lei de Cotas (Lei BR, 2012Lei n.º 12.711, de 29 de agosto de 2012. (2012). Dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências. Recuperado em 15 de julho de 2014, de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2004/2012/lei/l12711.htm
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), 50% das vagas disponibilizadas para a seleção anual já eram reservadas a alunos da escola pública.

Ao aluno é facilitada liberdade de escolha e definição de sua trajetória, que deve ser cumprida dentro dos prazos de integralização definidos pela resolução ConsEPE n.º 166 (UFABC, 2013aUFABC, 2013a. Resolução ConsEPE n.º 166. Revoga e substitui a Resolução ConsEP n.º 44 e normatiza o desligamento dos alunos por decurso dos prazos máximos para progressão e integralização nos cursos de graduação. Recuperado em 15 de julho de 2014, de http://prograd.ufabc.edu.br/images/pdf/resolucao_consepe_166.pdf
http://prograd.ufabc.edu.br/images/pdf/r...
). Essa liberdade é garantida pela categorização das unidades curriculares na UFABC, discriminadas como obrigatórias, de opção-limitada e de opção-livre, sendo as duas últimas de completa escolha do aluno. O acesso às unidades curriculares na UFABC não é regrado pelos tradicionais pré-requisitos: são apresentadas no catálogo anual (UFABC, 2012bUFABC, 2012b. Catálogo de Disciplinas de Graduação. Recuperado em 02 de novembro de 2014, de http://prograd.ufabc.edu.br/images/pdf/catalogo_de_disciplinas_2012.pdf
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) as recomendações de conhecimentos fundamentais para pleno entendimento e aproveitamento da unidade curricular em questão. A inexistência de pré-requisitos possibilita aos alunos o exercício da sua autonomia nos momentos de matrícula (UFABC, 2015aUFABC, 2015a. Projeto Pedagógico do Bacharelado em Ciência e Tecnologia. Recuperado em 15 de outubro de 2015, de http://www.ufabc.edu.br/images/stories/pdfs/administracao/ConsEP/anexo-resolucao-188-revisao-do-ppc-bct-2015.pdf
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, p. 12).

Na UFABC, o ano letivo regular é constituído por três quadrimestres, e as matrículas em unidades curriculares de graduação são solicitadas por período, conforme Resolução ConsEPE n.º 66 (UFABC, 2010UFABC, 2010. Resolução ConsEP n.º 066. Estabelece normas para a solicitação de matrículas em disciplinas da graduação na UFABC. Recuperado em 15 de julho de 2014, de http://www.ufabc.edu.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3384%3Aresolucao-consep-no66-100510-estabelece-normas-para-a-solicitacao-de-matriculas-em-disciplinas-da-graduacao-na-ufabc&catid=427%3Aconsep-resolucoes&Itemid=11
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). O número de créditos máximos autorizados para matrícula por quadrimestre é definido em função do rendimento acadêmico do aluno, possibilitando ao aluno com maior aproveitamento na UFABC a solicitação de matrícula em um maior número de créditos (UFABC, 2012aUFABC, 2012a. Resolução ConsEPE n.º 131. Estabelece o número máximo de créditos em que um discente pode solicitar matrícula em um quadrimestre letivo. Recuperado em 15 de julho de 2014, de http://www.ufabc.edu.br/index.php?option=com_content&view=article&id=6437%3Aresolucao-consepe-no-131-100412-estabelece-o-numero-maximo-de-creditos-em-
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).

A UFABC tornou-se referência para a criação de diversos outros bacharelados interdisciplinares e estabeleceu-se como expoente universidade nos rankings nacionais e internacionais (UFABC, 2015bUFABC, 2015b. UFABC atinge excelentes colocações em recentes rankings universitários. Recuperado em 15 de outubro de 2015, de http://www.ufabc.edu.br/index.php?option=com_content&view=article&id=9330:ufabc-atinge-excelentes-colocacoes-em-recentes-rankings-universitarios&catid=731:noticias&Itemid=183
http://www.ufabc.edu.br/index.php?option...
). Neste panorama, este trabalho dialoga com o referencial teórico elaborado por Gilles Deleuze e Félix Guattari, na tentativa de expandir as pesquisas que tratam das consequências da implementação deste projeto de formação superior, com foco na formação do docente em exercício.

Identidades e subjetividades docentes

Guattari (2011)Guattari, F. (2011). Da produção de subjetividade. In A. Parente (Org.), Imagem-máquina (4a ed., pp.177-191). Rio de Janeiro: Editora 34. acredita que é possível conceber outras modalidades de produção subjetiva, em oposição àquelas capitalísticas – individualizantes e molares – que sejam processuais e singularizantes. Para tanto, torna-se imperativo compreender a “máquino-dependência” (p. 177) da subjetividade: as máquinas nada mais são do que formas hiperdesenvolvidas e hiperconectadas de certos aspectos da própria subjetividade humana.

A produção de subjetividades não é encarada, neste referencial (Deleuze & Guattari, 1997Deleuze, G., & Guattari, F. (1997). Mil platôs – capitalismo e esquizofrenia 2 (Vol. 5). Rio de Janeiro: Editora 34., 2011aDeleuze, G., & Guattari, F. (2011a). Mil platôs – capitalismo e esquizofrenia 2 (Vol. 1, 2a ed.). Rio de Janeiro: Editora 34., 2011bDeleuze, G., & Guattari, F. (2011b). Mil platôs – capitalismo e esquizofrenia 2 (Vol. 2, 2a ed.). Rio de Janeiro: Editora 34., 2011cDeleuze, G., & Guattari, F. (2011c). O Anti-Édipo – capitalismo e esquizofrenia 1 (2a ed.). Rio de Janeiro: Editora 34., 2012aDeleuze, G., & Guattari, F. (2012a). Mil platôs – capitalismo e esquizofrenia 2 (Vol. 3, 2a ed.). Rio de Janeiro: Editora 34., 2012bDeleuze, G., & Guattari, F. (2012b). Mil platôs – capitalismo e esquizofrenia 2 (Vol. 4, 2a ed.). Rio de Janeiro: Editora 34.), como algo dado, como coisa em si, essência imutável. A existência de qualquer subjetividade depende de um agenciamento de enunciação específico para produzi-la. As subjetividades estão, assim, caracterizadas por uma dupla articulação: habitam processos intrapessoais (sua dimensão molecular) e são essencialmente agenciadas em nível de concatenações abertas a todas as determinações (dimensão molar).

As máquinas abstratas operam agenciamentos concretos, isto é, abrem o agenciamento territorial para agenciamentos de outro tipo, para o molecular, constituindo devires. São reais, embora não concretas, dado que remetem a singularidades das máquinas e ao seu efetuado (Deleuze & Guattari, 1997Deleuze, G., & Guattari, F. (1997). Mil platôs – capitalismo e esquizofrenia 2 (Vol. 5). Rio de Janeiro: Editora 34., p. 227-228). Engendram-se umas às outras, selecionam-se, eliminam-se, nunca funcionam sozinhas, mas por agregação ou por agenciamento, fazendo aparecer novas potencialidades (Guattari & Rolnik, 2013Guattari, F., & Rolnik, S. (2013). Micropolítica – cartografias do desejo (12a ed.). Petrópolis: Vozes., p. 385).

Um agenciamento está mais próximo da máquina abstrata quanto mais abre e multiplica as conexões, traçando um plano de consistência com seus quantificadores de intensidade e de consolidação. Pode afastar-se delas quando substitui as conexões criadoras por conjunções que criam bloqueios, que formam estratos, reterritorializações que criam buracos negros, conversões em linhas de morte (Deleuze & Guattari, 1997Deleuze, G., & Guattari, F. (1997). Mil platôs – capitalismo e esquizofrenia 2 (Vol. 5). Rio de Janeiro: Editora 34., p. 230).

Existem máquinas abstratas que qualificam agenciamentos: de consistência, singulares e mutantes; de estratificação, que circundam o plano de consistência com outro plano; sobrecodificadoras, que realizam totalizações, homogeneizações. Toda máquina abstrata remete a outras máquinas abstratas porque, além de serem inexoravelmente políticas, científicas, artísticas, ecológicas, também entrecruzam seus diferentes tipos, tanto quanto seu exercício (Deleuze & Guattari, 1997Deleuze, G., & Guattari, F. (1997). Mil platôs – capitalismo e esquizofrenia 2 (Vol. 5). Rio de Janeiro: Editora 34., p. 231).

Adotando esta base para a compreensão dos processos de subjetivação, ressaltam-se as diferenças entre identidade e singularidade. “Identidade é aquilo que faz passar a singularidade de diferentes maneiras de existir por um só e mesmo quadro referencial identificável” (Guattari & Rolnik, 2013Guattari, F., & Rolnik, S. (2013). Micropolítica – cartografias do desejo (12a ed.). Petrópolis: Vozes., p. 80), enquanto os processos de singularização têm a ver com a maneira como todos os elementos que constituem o ego funcionam e se articulam.

Não há um antagonismo entre identidade e subjetividade. A identidade constitui um nível de subjetividade: o nível da territorialização subjetiva (Guattari & Rolnik, 2013Guattari, F., & Rolnik, S. (2013). Micropolítica – cartografias do desejo (12a ed.). Petrópolis: Vozes., p. 85). É um meio de autoidentificação em determinado grupo que conjuga os modos de subjetivação a relações de segmentaridade social. A pedagogia, em especial o campo da didática, mobiliza um conjunto de dispositivos – agenciamentos – que estabelecem práticas prescritivas, sistemas maquínicos que permitem definir professor e aula.

A finalidade primeira das cadeias expressivas é a de efetuar cristalizações existenciais, instaurando-se a partir de materiais extraídos de elementos heterogêneos. É possível, afirma Guattari (2011, p. 191)Guattari, F. (2011). Da produção de subjetividade. In A. Parente (Org.), Imagem-máquina (4a ed., pp.177-191). Rio de Janeiro: Editora 34., conceber outras modalidades de produção subjetiva, alternativas de reapropriação existencial e de autovalorização: processuais e singularizantes.

Docentes em constante formação, atravessados por agenciamentos que controlam seus corpos e enunciados que determinam suas existências. Mas, a partir dos encontros, dos acontecimentos que surgem deste currículo, podem encontrar linhas de fuga que permitam estabelecer, sem a pretensão emancipatória das identidades, existências fugazes e experimentais, produções maquínicas de ensinagem que se formam em constante experiência.

A formação continuada tratada no PPC do BC&T é apresentada como uma alternativa para a atuação profissional dos graduandos e graduados na universidade; e essa relação, essa expansão da necessidade de formação para a vida dos sujeitos, está intimamente relacionada com um objetivo neoliberal de apropriação da educação como bem de consumo. Porém, há um aspecto que não pode ser negligenciado: o docente, especialmente aquele inserido em projetos de formação superior flexíveis, como do BC&T da UFABC, também se enquadra neste novo paradigma: o da formação continuada.

Claro, esta é uma prerrogativa da função do docente nas universidades – permanente busca pelo conhecimento, a construção do conhecimento através da pesquisa. Mas a hipótese deste trabalho é que, no caso da UFABC, em um projeto que pode ser entendido como um currículo rizomático em vias de transdisciplinarizar-se, a formação continuada do docente não passa apenas pelo vértice da pesquisa (ainda que essa tenha sua atuação ampliada), mas também pelo vértice do ensino.

Para avaliar a proposição desta hipótese, entrevistas semiestruturadas foram realizadas com diversos sujeitos colaboradores desta pesquisa, cuja aprovação para participação foi obtida através de Termos de Consentimento Livre e Esclarecido: docentes (identificados como LD1 e LD2), gestores (identificados como G1 e G2), idealizador do projeto (identificado como ID) e alunos (identificados como LA1, LA2, LA3, LA4). Análises de discurso, na perspectiva foucaultiana (Fischer, 2012Fischer, R. M. B. (2012). Trabalhar com Foucault. Belo Horizonte: Autêntica.; Foucault, 2013Foucault, M. (2013). A arqueologia do saber (8a ed.). Rio de Janeiro: Forense Universitária.), foram realizadas a partir dos enunciados obtidos das transcrições aprovadas das entrevistas, na tentativa de responder às questões norteadoras da pesquisa: quais aspectos da prática docente a UFABC mobiliza em formação continuada, dadas as suas características próprias de universidade? Como observar traços de subjetivação docente que são inerentes ao espaço da UFABC? Estes são os principais objetivos da análise a ser realizada adiante.

Função-educador e experiência docente

Na contramão da busca por uma formação molarizada, o projeto pedagógico da UFABC, em especial no caso do BC&T, permite que a formação assuma um caráter criativo, ao levar em conta a multiplicidade de trajetórias possíveis e os desejos dos sujeitos envolvidos, afastando o determinismo característico da formação acadêmica tradicional. No caso da formação em serviço do docente, possibilita uma construção de práticas criativas, móveis, permeadas por linhas de fuga. A percepção dessa abertura é, todavia, controversa: “Minha impressão é que os professores ainda não conseguem ver isso. Para os professores é muito mais difícil fazer o exercício de escolher” (G1, 2014, entrevista concedida ao pesquisador).

Tais limitações podem ser atribuídas à formação inicial do docente e à sua inexperiência no campo da educação. A aluna LA2 indica que observa nos docentes da área de Química uma maior abertura para as experiências educativas inovadoras, enquanto naqueles docentes responsáveis pelas áreas de Engenharia, uma menor compreensão destes processos:

Eu acho que mesmo no bacharelado você acaba tendo a visão na parte de didática, mesmo você não tendo a matéria. Agora, na área da engenharia é uma coisa muito técnica. Você vê tudo muito tecnicamente, com muito cálculo. Acho que por isso os professores acabam sendo também muito técnicos, muito exatos.

(LA2, 2014, entrevista concedida ao pesquisador)

Lee (2008)Lee, Y.-J. (2008). Thriving in-between the cracks: Deleuze and guerilla Science teaching in Singapore. Cult. Stud. of Sci. Educ., 3, 917-935. articula a produção conceitual de Deleuze e Guattari, especialmente a ideia de rizoma, para estudar a prática de ensino de uma professora de Ciências. É na conjunção que os encontros da professora, dos alunos marginalizados e das condições de trabalho precárias encontram significado de acontecimento e percebem-se como singularidades formativas. Sua vantagem, como o autor apresenta, é que pode atacar o inimigo, então recuar antes que ele reagrupe ou contra-ataque. O ensino de Ciências pode se utilizar das rupturas imperceptíveis da prática, dos encontros, do cotidiano, dos desejos, que escapam ao radar normativo dos estratos identitários. Para o docente universitário, pode ser explorado o lugar do meio. Nas fraturas das posições profissionais, entre o pesquisador e o professor, é possível encontrar uma máquina de guerra de educar. A fala da aluna LA3 indica como os agenciamentos curriculares de avaliação e controle impedem as tomadas de novos caminhos e novos encontros que fazem da formação docente em exercício um lócus de singularidades. A aluna atribui ao curso de licenciatura um catalisador para a abertura para tais experiências: “A licenciatura faz muita falta nos professores daqui. Muita mesmo. E, também, não tem porque eles serem mais didáticos que isso porque o próprio aluno não reclama. Ele só quer passar” (LA3, 2014, entrevista concedida ao pesquisador).

Ao compreender função como algo que possui ação própria ou natural, relativa ao que lhe é peculiar, Carvalho (2014, p. 74)Carvalho, A. F. de. (2014). Foucault e a função-educador. Ijuí: Unijuí. analisa a função-autor na concepção foucaultiana e propõe o termo função-educador para descrever “um tipo singular de posição de sujeito no interior de uma sociedade, relacionando-se direta e indiretamente com determinados dispositivos, táticas e estratégias de poder-saber, que fazem circular conjuntos de verdades” (p. 80).

Carvalho (2014, p. 84)Carvalho, A. F. de. (2014). Foucault e a função-educador. Ijuí: Unijuí. compreende que no cotidiano poderão surgir acontecimentos transgressivo-criadores, já que é nesse espaço que o educador ainda possui propriedade de reconhecimento. A docente LD2 aponta que, na sala de aula, durante o exercício docente, ela pode identificar e elaborar estratégias que contribuam com a aprendizagem, mesmo quando as condições e o funcionamento dos agenciamentos de ensino operam no sentido da molarização do processo:

O domínio da atenção de uma sala tão numerosa é difícil porque os alunos estão numa fase que o poder de concentração e atenção não é tão duradouro. Então, temos que usar de artifícios para chamar a atenção do aluno na sala, para prender um pouco mais a atenção deles

(LD2, entrevista concedida ao pesquisador).

Ao pensar as experiências de singularização como possibilidades para emersão de processos criativos, a função-educador “concede margens mais amplas para se instaurar dissipações à medida que rompe, dissolve, indaga a recepção de qualquer enunciado fincado na verdade normativa pelo próprio pensamento” (Carvalho, 2014Carvalho, A. F. de. (2014). Foucault e a função-educador. Ijuí: Unijuí., p. 86).

O que poderia então ser caracterizado como experiência? Pelbart (2013, p. 45)Pelbart, P. P. (2013). Experiência e sujeito. In S. T. Muchail, M. A. da Fonseca, & A. Veiga-Neto (Orgs.), O mesmo e o outro – 50 anos de história da loucura (pp.45-57). Belo Horizonte: Autêntica. concebe experiência como uma metamorfose, uma transformação do sujeito. Compara a compreensão fenomenológica de experiência com a experiência à qual se refere Michel Foucault em seus textos e ressalta que, enquanto aquela consistiria em pousar um olhar reflexivo sobre um objeto do vivido para dele extrair significações, a perspectiva foucaultiana trata não de atingir o objeto vivido, mas o invivível da vida, a experiência em que a vida atinge o máximo de intensidade, a experiência-limite.

Larossa (2015)Larossa, J. (2015). Tremores – escritos sobre a experiência. Belo Horizonte: Autêntica. entende experiência a partir das compreensões linguísticas que se dão ao vocábulo, concluindo que a palavra designa uma passividade em relação a uma ação: experiência é o que nos acontece, o que nos passa, o que nos toca. O sujeito da experiência seria como um território de passagem e se definiria por sua abertura: “Trata-se, porém, de uma passividade anterior à oposição entre ativo e passivo, de uma passividade feita de paixão, de padecimento, de paciência, de atenção, como uma receptividade primeira, como uma disponibilidade fundamental, como uma abertura essencial” (p. 26).

A experiência atinge a existência como passagem, passagem de um ser que não tem essência ou razão ou fundamento, que existe de forma singular, finita, imanente, contingente. Na UFABC, esse estatuto foi identificado por LA1 nos professores com maior tempo de trabalho docente:

Os professores mais velhos, no geral, dão aulas melhores que os novatos. Tem alguns novatos que são muito dedicados, e aí vão dar uma aula fenomenal. Mas no geral eu acho que professores mais velhos acabam tendo uma experiência e já sabem os pontos onde o aluno vai ter dúvida, então ele já fala de uma forma mais clara

(LA1, entrevista concedida ao pesquisador).

Aqui, não é o conhecimento prévio ou saber acumulado que permite ao docente experiente um melhor desempenho como professor, mas a abertura às singularidades dos alunos que, em suas dúvidas, catalisam nos docentes experientes e abertos a concretização de encontros que produzem sentido na relação de afeto desencadeada pela paixão docente.

A promoção desses acontecimentos pelos docentes experientes é linha de fuga ao tecnicismo que encarcera a função-educador na identidade profissional docente. Este sujeito técnico, identitário, molar, recebe cada vez mais raramente as experiências transformadoras, tendo como refúgio o excesso de informação de uma sociedade de opinião, imbricado na sensação permanente de falta de tempo que torna os estímulos cada vez mais efêmeros e descartáveis.

Buscar estas linhas de fuga, desterritorializações e reterritorializações que escapem ao sistema enunciativo do discurso fechado da educação permite ao sujeito-educador criar tensões nas linhas contínuas de força que remetem às experiências de formação humana. A função-educador torna possível outras posições de sujeito, inclusive para si mesmo, que reexaminam os privilégios e os elementos condicionantes (Carvalho, 2014Carvalho, A. F. de. (2014). Foucault e a função-educador. Ijuí: Unijuí., p. 87).

A emergência de singularidades, afirmam Guattari e Rolnik (2013, p. 60)Guattari, F., & Rolnik, S. (2013). Micropolítica – cartografias do desejo (12a ed.). Petrópolis: Vozes., provoca sempre dois tipos de resposta micropolítica: a normalizadora ou a que busca direcionar a singularidade para a construção de um processo de mudança. Isso significa que um ponto de singularidade pode ser orientado no sentido de uma estratificação que a anule completamente. Ou pode entrar numa micropolítica que o transformará de ponto em processo de singularização. O que caracterizaria esse processo de singularização é ser automodelador: ele capta os elementos da situação, constrói seus próprios tipos de referências, sem qualquer dependência em relação a um poder normalizador global (p. 55). Atrás da aparência de qualquer subjetividade, então, convém procurar situar quais os reais processos de subjetivação que operam através de agenciamento de enunciação.

Tal abordagem está em conformidade ao entendimento de Pelbart (2011, p. 30)Pelbart, P. P. (2011). Vida capital – ensaios de biopolítica. Iluminuras: São Paulo., já que assumir um sujeito da experiência como passional não significa pensá-lo como incapaz de conhecimento. O saber da experiência é um saber distinto do científico e do saber da informação, de uma práxis distinta daquela da técnica e do trabalho. O saber da experiência se dá na relação entre o conhecimento e a vida humana, não trata da verdade do que são as coisas, mas do sentido e do sem-sentido do que nos acontece (p. 32).

Planejar-executar-avaliar

Os saberes pedagógicos, afirma Varela (2002, p. 93)Varela, J. (2002). O estatuto do saber pedagógico. In T. T. da. Silva, O sujeito da educação – estudos foucaultianos (5a ed., pp.87-96). Petrópolis: Vozes., são o resultado da articulação de processos que levaram à pedagogização dos conhecimentos e à disciplinarização interna dos saberes. Tais classificações e hierarquias de sujeitos e saberes passam a ser aceitos, em geral, naturalmente, contribuindo para aprofundar sua lógica de funcionamento. A pedagogia racionaliza organizações escolares, formas de transmissão e práticas, sem questionar a arbitrariedade do estatuto desses saberes.

Ao descrever as tecnologias do eu em educação, Larossa (2002, p. 57)Larossa, J. (2002). Tecnologias do eu e educação. In T. T. Silva, O sujeito da educação – Estudos foucaultianos (5a ed., pp.35-86). Petrópolis: Vozes. define que um dispositivo pedagógico (aquilo que Deleuze e Guattari [1997, p. 218] chamariam de agenciamento) é qualquer lugar no qual se constitui ou se transforma a experiência de si, no qual se aprendem ou se modificam as relações que o sujeito estabelece consigo mesmo. Ao tomar os dispositivos pedagógicos – em especial aqueles tomados diretamente pelo discurso educacional – como constitutivos das subjetividades, reconhecem-se suas contingências e historicidade. Cinco são as dimensões fundamentais desses dispositivos, conforme o autor apresenta: ótica, que determina e constitui o que é visível dentro do sujeito para si mesmo; discursiva, que estabelece e constitui o que o sujeito pode e deve dizer acerca de si; jurídica, em que se dão as formas pelas quais o sujeito deve julgar a si mesmo; narrativa, que envolve a relação entre os componentes discursivos e jurídicos, já que a modalidade discursiva é essencial para construção temporal da autoidentidade; e prática, que estabelece o que o sujeito pode e deve fazer consigo mesmo.

O controle do tempo, regido na UFABC principalmente pelos quadrimestres letivos e pelas cargas horárias das disciplinas, é uma forma de controle temporal dos corpos, uma das dimensões do dispositivo pedagógico. Silva (2005, p. 203)Silva, T. T. (2005). Currículo e identidade social: territórios contestados. In T. T. Silva (Org.), Alienígenas na sala de aula – uma introdução aos estudos culturais em educação (6a ed., pp.190-207). Petrópolis: Vozes. demonstra que as organizações de tempo e espaço, os movimentos, os rituais e cerimônias, permitem compreender a extensão na qual o currículo tem no corpo um dos seus componentes centrais, provavelmente, de efeitos mais duradouros e permanentes. Em especial, a organização quadrimestral aumenta a velocidade dos processos – de ensino-aprendizagem, de organização e planejamento, de avaliação –, os quais impõem um ritmo aos corpos e carregam com ele novos estatutos para os sujeitos docentes: “O ponto negativo, para todos os docentes, é sabermos a disciplina que vamos ministrar muito emcima da hora e, às vezes, não temos essa possibilidade de troca de informações com os outros docentes” (LD2, 2014, entrevista concedida ao pesquisador).

Nas sociedades de controle, o homem nunca termina nada (Deleuze, 2013Deleuze, G. (2013). Conversações (3a ed.). Rio de Janeiro: Editora 34.), encontramo-nos sempre endividados em relação ao tempo. Sibilia (2012, p. 204)Sibilia, P. (2012). Redes ou paredes – a escola em tempos de dispersão. Rio de Janeiro: Contraponto. indica que nestes tempos pós, abunda a sensação de que o tempo é insuficiente e escoa rápido demais, tudo é urgente e tudo é veloz, tudo é instantâneo, e mantemos constantemente a sensação de atraso. Na fala da docente LD2, o ritmo acelerado imposto pela organização acadêmica da universidade impede a realização de encontros de trocas de experiências e planejamentos: “Transformações químicas é uma disciplina para todos os alunos, temos várias turmas muito numerosas. Às vezes conseguimos fazer só uma reunião antes do início do quadrimestre, e isso é pouco” (LD2, 2014, entrevista concedida ao pesquisador).

A resolução ConsEPE n.º 159 (UFABC, 2013bUFABC, 2013b. Resolução ConsEPE n.º 159, de 10 de julho de 2013. Define a figura, as formas de indicação e as atribuições dos coordenadores de disciplinas nos cursos de graduação da UFABC. Recuperado em 19 de outubro de 2015, de http://prograd.ufabc.edu.br/images/pdf/res_consepe_n159_atribuicoes_coordenadores_disciplinas.pdf
http://prograd.ufabc.edu.br/images/pdf/r...
) regulamenta o papel de coordenador de disciplina, uma figura estabelecida como uma relação de controle e homogeneização entre as coordenações de curso e os docentes alocados na unidade curricular correspondente. É uma forma de estriamento da prática pedagógica dos docentes, utilizando espaços lisos de comunicação, singularidades da prática pedagógica. O objetivo é vencer o nomadismo (Deleuze & Guattari, 1997Deleuze, G., & Guattari, F. (1997). Mil platôs – capitalismo e esquizofrenia 2 (Vol. 5). Rio de Janeiro: Editora 34., p. 59), controlando os fluxos e fazendo valer zonas de direitos por todo o domínio − neste caso, das práticas pedagógicas e, consequentemente, dos processos formativos inicial, para o aluno, e continuado, para o docente. Empreendem-se processos de captura de fluxos de toda sorte; todavia, são necessários trajetos fixos, com direções bem determinadas, que limitem a velocidade e as circulações. Dado o alto fluxo de trocas dos coordenadores de disciplinas, a docente LD1 identifica que a estratégia mais comum é normatizar as práticas dentro da unidade curricular, muitas vezes, calando as experiências desenvolvidas pelos docentes:

Eu acho que uma coisa que dificulta é a questão do coordenador da disciplina. Cada vez que você oferece a disciplina será um coordenador diferente, não dá tempo suficiente para o coordenador, se quiser, propor alguma mudança. O coordenador tem que refletir a visão do grupo e o grupo deverá escolher, dizer o que sim, o que não, o que deixar mais pra frente.

(LD1, 2014, entrevista concedida ao pesquisador)

Carvalho (2013, pp. 23-26)Carvalho, A. F. de. (2013). A escola: uma maquinaria biopolítica de rostidades? Revista Sul-Americana de Filosofia e Educação, 20, 04-29. convida a pensar tensionadores em três frentes que permitiriam buscar novos horizontes para a formação escolar contemporânea: vazar os muros dos significantes-significados dominantes, dar lugar a uma educação artesanal e substituir o planejamento estrito pelo acontecimento. Com essas diretrizes, o autor pretende romper com a lógica binária das rostidades, a lógica normalizadora, cedendo a atitudes reconhecedoras e producentes de singularidades. Também, deve-se redimensionar a escala manufatureira que se dissemina pelo sistema educacional. A aceleração promovida pelo capitalismo contemporâneo reduz as mutações subjetivas em meio à massificação promovida pela democratização do acesso à educação. Um modo de educar artesanal favoreceria a produção de saber e fazer pedagógicos mais lentos, singulares, abertos a imprevistos e destinados a diversas formas de ganhos subjetivos. Enquanto a gestão e o planejamento pedagógicos encontram engrenagens de rostidades institucionais (como é o caso dos coordenadores de disciplina) que unificam e reduzem as possibilidades, o acontecimento é ruptura imprevista em qualquer dinâmica que prevê uma transição, uma mudança, um devir. A docente LD2 identifica-se como docente-devir:

Nós também estamos sempre inovando, vamos adquirindo experiência. Aqui na UFABC a maioria dos docentes é jovem. Eu estou aqui faz três anos e é relativamente um tempo curto e acredito que já ganhei uma experiência bem grande. Se estou repetindo uma disciplina eu vejo o que eu fiz no período anterior e mudo o que eu achei que não funcionou muito bem, tentando melhorar sempre.

(LD2, 2014, entrevista concedida ao pesquisador)

A modelização dos sujeitos é contrária à lógica da multidão (Hardt & Negri, 2014Hardt, M., & Negri, A. (2014). Declaração: isto não é um manifesto. São Paulo: N-1 Edições.), em que as singularidades são negociadas em assembleias constituintes cujas temporalidades virais e autonomias políticas diferem dos rígidos movimentos de agenda globais, territorializados.

O mais importante são os modos de organização dos movimentos e, especificamente, os modos que incluem diferenças. As assembleias horizontais, democráticas, não esperam nem buscam unanimidade, mas sim são constituídas por um processo plural, que está aberto a conflitos e contradições. As decisões da maioria avançam através de um processo de inclusão diferencial, ou melhor, através da aglutinação de ideias. (p. 91)

Apostamos neste modo de organização pedagógica, apoiados nas falas das docentes, para possibilitar modos de subjetivação singulares. A cooperação produtiva tende a ser criada em redes sociais entre produtores, sem necessidade de supervisão nem orientação burocráticas.

As rebeliões do início da década de 2010 marcam o surgimento do homem comum (Hardt & Negri, 2014Hardt, M., & Negri, A. (2014). Declaração: isto não é um manifesto. São Paulo: N-1 Edições., p. 140), uma pessoa comum que realiza tarefa extraordinária: abrir a propriedade privada ao acesso público; transformar a propriedade pública em comum; descobrir mecanismos para administrar, desenvolver mecanismos de sustentar a riqueza comum de maneira democrática, criando meios para a livre circulação de alimentos, de ideias, imagens, códigos e informações.

As condições para a emergência do homem comum, afirmam os autores (Hardt & Negri, 2014Hardt, M., & Negri, A. (2014). Declaração: isto não é um manifesto. São Paulo: N-1 Edições.), são a capacidade de criar obrigações sociais comuns uns com os outros, o poder das singularizações para se comunicar por meio das diferenças, a segurança real dos destemidos e a capacidade da ação política democrática. No âmbito da UFABC, as falas dos alunos mostram o anseio pela tomada da universidade como lugar do comum, principalmente na valorização das diferenças e das singularidades: “O professor tem que saber ouvir os alunos, tem que permitir que os alunos exponham as dúvidas” (LA2, 2014, entrevista concedida ao pesquisador).

Construir um currículo na multidão, em meio a encontros potencializados pelos múltiplos afetos, pelas informações compartilhadas, pela busca da construção do comum, defendem Carvalho e Rangel (2013, p. 187)Carvalho, J. M., & Rangel, I. S. (2013). Currículos, multidão e políticas de narratividade. In C. E. Ferraço, & J. M. Carvalho, Currículos, pesquisas, conhecimentos e produção de subjetividades (pp.183-202). Petrópolis: DP et Alii; Vitória: Nupec/Ufes., trata de considerar a potência do coletivo e da instauração de um sistema público no qual as singularidades não anulem a multiplicidade; e, fundamentalmente, considerar a potência das vozes e da inventividade, ciente de que sempre haverá territórios por descobrir. Questionada sobre a principal característica de um bom professor, a aluna LA3 apresenta a necessidade de o docente conhecer todos os alunos, por nome, singularizando-os pelos seus desejos e evitando uma individualização da categoria alunos:

Ele também decora o nome de todos os alunos. Se ele te ver de novo, ele sabe quem você é. Ele lembra como você foi na disciplina passada, então ele já sabe o quanto você tem dificuldade, o quanto não tem. Isso é uma coisa bem legal.

(LA3 2014, entrevista concedida ao pesquisador)

No contexto de uma pedagogia rizomática, Lins (2005, p. 1248)Lins, D. (2005, setembro-dezembro). Mangue’s School ou por uma pedagogia rizomática. Educação & Sociedade. 26(93), 1229-1256. define o aprendizado imanente como aquilo que ainda não é: o participado/professor torna-se o princípio ativo, e o participante/aluno é o efeito da aprendizagem. Ambos intercessores, tornando possível aquilo que parecia impossível: transmitir sem dominar, transmitir sem ofuscar os devires. Essa perspectiva educacional surge na fala de ID:

Mais que ensinar, os professores têm que abrir janelas para os estudantes explorarem o conhecimento novo, dar orientação. Você pode ficar horas e horas no quadro negro e nada acontece, o estudante não aprende. Quando começou a UFABC, um professor queria dar 6 horas de aula presencial. "Mas eles não vão aprender..." Porque você acha que é você que está colocando coisas na cabeça deles? É uma coisa absurda.

(ID, 2014, entrevista concedida ao pesquisador)

Talvez o homem comum potencialize o devir-minoritário, posto que a potência das minorias não se mede por sua capacidade de se impor no sistema majoritário, nem mesmo tem interesse em reverter o critério tautológico da maioria (Deleuze & Guattari, 1997Deleuze, G., & Guattari, F. (1997). Mil platôs – capitalismo e esquizofrenia 2 (Vol. 5). Rio de Janeiro: Editora 34., p. 175). A ideia de devir está ligada à possibilidade ou não de se singularizar, afirmam Guattari e Rolnik (2013, p. 86)Guattari, F., & Rolnik, S. (2013). Micropolítica – cartografias do desejo (12a ed.). Petrópolis: Vozes.; é a mola-mestra da problemática da multiplicidade e da pluralidade típica das minorias, e não uma questão identitária. Sua potência reside na força dos conjuntos não numeráveis contra conjuntos numeráveis, em escapar aos níveis de produção da subjetividade coletiva, individuada, maquínica.

Alguns direcionamentos

Percursos formativos determinados pelos desejos; encontros que singularizam a existência; fronteiras científicas em constante devir; sujeitos na multidão, construindo uma universidade aberta ao futuro; experiências que rompem identidades e abrem-se para acontecimentos; fronteiras do saber que atravessam conhecimentos que não são só científicos e constroem saberes experienciais... Algumas possibilidades de existir são abertas por programas de formação flexíveis, que aparecem apenas na valorização da experimentação nos acontecimentos das práticas pedagógicas e que têm a possibilidade de dar emergência a pedagogias rizomáticas.

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Legislação

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    01 Nov 2016
  • Aceito
    18 Set 2017
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