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Iniciação científica no ensino médio: refletir para construir o futuro1 1 Editor responsável: Universidade Estadual de Campinas – Faculdade de Ciências Aplicadas (campus Limeira), Rua Pedro Zaccaria, 1300, Limeira, SP, Brasil. 13484350 2 2 Normalização, preparação e revisão textual: Luan Maitan – revisao@tikinet.com.br 3 3 Apoio: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)

La iniciación científica en la escuela secundaria: reflexionar para construir el futuro

Resumo

Este artigo relata uma experiência no Programa Pibic-EM na Unicamp que teve como objetivo formar jovens multiplicadores das políticas públicas de saúde em escolas do município de Limeira. Utilizou-se como base metodológica algumas características da pesquisa-ação. Partiu-se do pressuposto de que os adolescentes são alvo de ações, mas que geralmente não participam ativamente das discussões que dizem respeito à sua condição de adolescentes. Buscou-se refletir e construir junto com esses jovens uma forma diferenciada de pensar e agir como cidadãos, na medida em que se trabalhou nos moldes da pesquisa internalizada, entendida aqui como atitude cotidiana a ser desenvolvida de diversas maneiras. A natureza do projeto permitiu auxiliar na construção de um pensamento crítico, na própria estruturação da identidade desses jovens, na instrumentalização para a identificação de problemas e na atuação em suas comunidades de origem. Os adolescentes mostraram-se motivados para pensar, refletir, discutir e construir estratégias de solução e sair de seu papel de vítimas para o papel de atores e autores do processo.

Palavras-chave
políticas públicas; formação; adolescentes; pesquisa-ação; Pibic-EM

Resumen

Este artículo relata la experiencia en el Programa PIBIC-EM de la UNICAMP. Tuvo como objetivo formar jóvenes multiplicadores de las políticas públicas de la salud en escuelas del municipio de Limeira, San Pablo - Brazil. Se utilizó como base metodológica algunas características de la investigación-acción. Se partió del presupuesto de que los adolescentes son objetivo de acciones, pero generalmente no participan activamente de las discusiones que dicen respecto a su condición de adolescentes. Se buscó reflexionar y construir con los jóvenes una forma diferente de pensar y actuar como ciudadanos, a medida que se trabajó en los moldes de la investigación internalizada, entendida aquí como actitud cotidiana a ser desarrollada de varias maneras. La naturaleza del proyecto permitió auxiliar en la construcción de un pensamiento crítico, la propia estructuración de la identidad de estos jóvenes, en la instrumentalización para la identificación de problemas y en la actuación en sus comunidades de origen. Los adolescentes se mostraron motivados para pensar, reflexionar, discutir y construir estrategias de solución y salir de su papel de víctimas para el papel de actores y autores del proceso.

Palabras-clave
políticas públicas; formación; adolescentes; investigación acción; Pibic-EM

Abstract

This article reports an experience in the PIBIC-EM Program, at UNICAMP. It aimed to train young multipliers of public health policies in municipal schools of Limeira. Some characteristics of action research were used as a methodological basis. It was assumed that adolescents are the target of actions, but that they generally do not actively participate in discussions regarding their condition as adolescents. We sought to reflect and build, along with these young people, a different way of thinking and acting as citizens, insofar as we worked along the lines of internalized research, understood here as an everyday attitude to be developed in different ways. The nature of the project allowed us to assist in the construction of a critical thinking, in the structuring of the identity of these young people, in the instrumentalization to identifying problems, and in the performance in their communities of origin. The adolescents were motivated to think, reflect, discuss, build solution strategies, and move from their role as victims to the role of actors and authors of the process.

Keywords
public policies; formation; adolescents; action-research; Pibic-EM

Introdução

O objetivo deste artigo é relatar uma experiência de integração das atividades de pesquisa, ensino e extensão com jovens do ensino médio da cidade de Limeira, inserida no contexto do Programa de Iniciação Científica Ensino Médio (Pibic-EM), da Unicamp.

Foram concebidos dois projetos para o Pibic-EM na tentativa de sensibilizar os jovens do ensino médio acerca de sua realidade, para dela extrair elementos que permitissem a formação de multiplicadores das políticas públicas de saúde em suas respectivas escolas.

Observamos que o adolescente é muitas vezes alvo de ações, mas não necessariamente participa das discussões sobre sua condição de adolescente e de ser em desenvolvimento. Muito se fala dos riscos de sua vivência, mas não se dispõe de estratégias suficientes para minimizá-los. Questões como educação, saúde e assistência emergem e criam-se políticas que desconhecidas pelos próprios envolvidos. Grande parte das ações desconsidera a percepção dos adolescentes e se fundamenta no ponto de vista e na referência do adulto, que acredita ser a única autoridade para pensar o que é melhor para o jovem.

Demo (2005)Demo, P. (2005). Saber pensar. Saber pensar desdobra duplo horizonte combinado: de um lado, exige habilidade metodológica; de outro, habilidade política. Revista da ABENO, 5(1), 75-9. Recuperado de http://abeorg.br/ckfinder/userfiles/files/revista-abeno-2005-1.pdf
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aponta que “saber pensar” é a teoria mais prática que existe; reforça que não cabe separar o pensar do intervir e que pensar socialmente seria a base da cidadania atuante. Saber ler o mundo para desconstruir e intervir, pois pensar não se restringe somente ao campo técnico, ao método, mas à habilidade humana de fazer parte, de se assumir como sujeito atuante (Freire, 1997Freire P. (1997). Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra.). À medida que o adolescente descobre o conhecimento, é chamado a tornar-se autor e a constituir-se como sujeito visível. Quando conhecemos a realidade e a desconstruímos e reconstruímos, estamos, acima de tudo, interferindo e realizando um dos horizontes fundamentais da cidadania: saber pensar para saber intervir (Demo, 2005Demo, P. (2005). Saber pensar. Saber pensar desdobra duplo horizonte combinado: de um lado, exige habilidade metodológica; de outro, habilidade política. Revista da ABENO, 5(1), 75-9. Recuperado de http://abeorg.br/ckfinder/userfiles/files/revista-abeno-2005-1.pdf
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).

A cidadania exige uma discussão aberta, uma escuta cuidadosa, mais argumentos e menos imposição; realiza consensos, objetiva construir e criar em conjunto estratégias fortes que viabilizem o conhecimento e o desenvolvimento de posturas mais críticas e atuantes em função do próprio desenvolvimento de crianças e adolescentes

Na sociedade contemporânea tem-se por referência majoritária a separação entre o mundo dos adultos e das crianças. A infância aparece como uma preocupação recente e é considerada, de acordo com Kuczynski (2010)Kuczynski, E. (2010). Qualidade de vida na infância e na adolescência. In F. B. Assumpção Jr., & Kuczynski. Qualidade de vida na infância e na adolescência: orientações para pediatras e profissionais da saúde mental. Porto Alegre: Artmed., uma etapa da vida de pouca duração, que chega ao fim com o aparecimento das primeiras mudanças físicas surgidas na puberdade, momento em que o indivíduo é visto como jovem. Segundo Ariès (1981)Ariès, P. (1981). História Social da Criança e da Família. Rio de Janeiro: Guanabara., responsabilidades e deveres legitimam o jovem como membro produtivo da sociedade, e a construção social, da infância e da adolescência, admite peculiaridades e especificidades.

O autor aponta os sinais do sentimento de infância, que nas sociedades modernas embasam a ação judicial e as políticas públicas para garantir necessidades de cuidado especial para crianças e adolescentes, por vivenciarem etapas complexas do desenvolvimento (Segundo, 2002Segundo, R. (2002). A invenção da infância: pressuposto para a compreensão do direito da criança e do adolescente. Recuperado de http://jus.com.br/artigos/4542
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), que os distingue do adulto e, que ao mesmo tempo, determinam uma condição de vulnerabilidade.

Pensar na adolescência, de alguma forma, é pensar no futuro de uma nação. Nas palavras de Minayo (1999)Minayo, M. C. (Org.). (1999). Fala, galera: juventude, violência e cidadania. Rio de Janeiro: Garamond., para a Organização Mundial de Saúde, a juventude é tratada como “processo sociocultural demarcado pela preparação dos indivíduos para assumirem o papel de adulto na sociedade, no plano familiar e profissional” (p. 13). A consideração desse momento de transição entre a infância e a vida adulta envolve diversos processos, que se dão num momento de vida complexo, tanto para o próprio indivíduo como para a sociedade.

Definir a faixa etária em que acontece a adolescência não pode ser o único fator a ser considerado. Pois fatores biológicos, psicológicos, sociais, ambientais e culturais são de grande relevância, na medida em que contribuem de diferentes formas para o desenvolvimento e crescimento dos adolescentes (Carreteiro, 2010Carreteiro, T. C. (2010). Adolescências e experimentações possíveis. In M. M. Magnabosco, & L. F. Costa, (Orgs.) Temas da Clínica do adolescente e da família. São Paulo: Ágora.; Pratta, 2008Pratta, M. A. B. (2008). Adolescentes e jovens… em ação! Aspectos psíquicos e sociais na educação do adolescente hoje. São Paulo: Unesp.; Brasil, 2007Brasil. Ministério da Saúde (2007). Secretaria de Atenção à Saúde. Área de Saúde do Adolescente e do Jovem. Marco legal: saúde, um direito de adolescentes. Brasília: Ministério da Saúde. Recuperado de http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/07_0400_M.pdf
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). É preciso ver a adolescência como um fenômeno singular, que recebe influências sociais e culturais, reformulando seu caráter social, sexual, relações de gênero, ideologias e até questões vocacionais (Brasil, 2007Brasil. Ministério da Saúde (2007). Secretaria de Atenção à Saúde. Área de Saúde do Adolescente e do Jovem. Marco legal: saúde, um direito de adolescentes. Brasília: Ministério da Saúde. Recuperado de http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/07_0400_M.pdf
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).

É necessário ainda contextualizar o mundo em que os jovens estão inseridos para pensar as diferenças entre o passado e as possibilidades que o futuro reserva. O mundo pós-moderno, descrito por Bauman (2008)Bauman, Z. (2008). Medo Líquido. São Paulo: Jorge Zahar. como “líquido”, apresenta diversas contradições a ser levadas em conta quando pensamos a condição humana e, em particular, a etapa da juventude. Pois ser moderno é ser parte de um universo em que, como disse Marx, “tudo que é sólido se desmancha no ar” (Harvey, 2008Harvey, D. (2008). Condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 17a Ed.).

O mito do progresso garantido se dissolveu, e decorre daí a necessidade de reconhecer na educação do futuro o princípio da incerteza racional (Morin, 2004Morin, E. (2004). Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: Unesco.), para evitar reduções simplificadoras. Se para os adultos essas incertezas e contradições são por vezes angustiantes, para os jovens talvez gerem ainda mais medo, especialmente em relação ao futuro. Esse medo difuso e de difícil definição na sociedade do século XXI – “medo líquido”, na fala de Bauman (2008)Bauman, Z. (2008). Medo Líquido. São Paulo: Jorge Zahar. – traz questões diferenciadas para os jovens. Na medida em que transitamos de uma sociedade de produtores para a de consumidores, trocamos alguma segurança por uma utopia do controle sobre o mundo social, econômico e natural, apregoada pela modernidade, para poder desfrutar de mais liberdade: a liberdade de comprar, de consumir e de aproveitar a vida. Existem, então, os medos que ameaçam o corpo e as propriedades; os que rodam a durabilidade da ordem social e os que ameaçam o lugar da pessoa no mundo (Bauman, 2001Bauman, Z. (2001). Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.).

Na sociedade brasileira, em que o globalitarismo se faz bastante presente, a adolescência vem associada à crise, desordem, irresponsabilidade, configurando um verdadeiro problema social e fortalecendo os fatores de risco, como gravidez, doenças sexualmente transmissíveis (Martins et al., 2006Martins, L. B. M., Costa-Paiva, L. S. da; Osis, M. J. D., Sousa, M. H. de; Pinto-Neto, A. M., & Tadini, V. (2006). Fatores associados ao uso de preservativo masculino e ao conhecimento sobre DST/Aids em adolescentes de escolas públicas e privadas do Município de São Paulo, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, 22(2), 315-323.), abuso de drogas, violência, entre outros (Brasil, 2007Brasil. Ministério da Saúde (2007). Secretaria de Atenção à Saúde. Área de Saúde do Adolescente e do Jovem. Marco legal: saúde, um direito de adolescentes. Brasília: Ministério da Saúde. Recuperado de http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/07_0400_M.pdf
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).

Tudo isso deve levar à reflexão sobre o significado de ser adolescente, de forma mais particular que universal, quando se elaboram ações para minimizar fatores de risco e identificar fatores de proteção dos adolescentes, considerando-os dentro das dimensões social, política, institucional e pessoal (Pratta, 2008Pratta, M. A. B. (2008). Adolescentes e jovens… em ação! Aspectos psíquicos e sociais na educação do adolescente hoje. São Paulo: Unesp.; Brasil, 2007Brasil. Ministério da Saúde (2007). Secretaria de Atenção à Saúde. Área de Saúde do Adolescente e do Jovem. Marco legal: saúde, um direito de adolescentes. Brasília: Ministério da Saúde. Recuperado de http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/07_0400_M.pdf
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).

A identificação das condições de vida, de acesso à informação e às políticas públicas de saúde, educação, assistência social, ocupação, entre outras, pode ajudar não apenas a expor os problemas dos adolescentes, mas também na revisão de conceitos e das práticas de intervenção. As situações de risco identificadas apontam que, apesar do conhecimento dos riscos, os jovens têm dúvidas em relação a questões básicas de prevenção, mostrando que a preocupação pelos altos índices não é suficiente e deve ser acompanhada pela mudança nos comportamentos (Kuczynski, 2010Kuczynski, E. (2010). Qualidade de vida na infância e na adolescência. In F. B. Assumpção Jr., & Kuczynski. Qualidade de vida na infância e na adolescência: orientações para pediatras e profissionais da saúde mental. Porto Alegre: Artmed.; Pratta, 2008Pratta, M. A. B. (2008). Adolescentes e jovens… em ação! Aspectos psíquicos e sociais na educação do adolescente hoje. São Paulo: Unesp.).

Na atualidade, constata-se alto índice de consumo de álcool e outras drogas (Marques; Cruz, 2000Marques, A. C. P. R., & Cruz, M. S. (2000). O adolescente e o uso de drogas. Revista Brasileira de Psiquiatria; 22(II), 32-6.), aumentando a vulnerabilidade dos adolescentes, somado a isto o tráfico de drogas, que seduz o adolescente, os níveis de violência (Abramovay et al., 2002Abramovay, M., Mary, G. C., Pinheiro, L. C., Lima, F. S., & Martinelli, C. C. (2002). Juventude, violência e vulnerabilidade social na América Latina. Brasília, DF: Unesco, Cortez.), tanto doméstica como na rua ou escola, a morte precoce, a falta de expectativas de futuro, entre outras questões. Este cenário reflete um panorama desanimador que requer ações diferentes, que permitam o desenvolvimento de habilidades e competências nos jovens, para que eles possam enfrentar e resolver problemas de seu cotidiano, assim como oferecer espaços onde o adolescente possa discutir, ter voz e construir modos de vida mais adequados para seu melhor desenvolvimento, considerando questões internas (subjetividade) e sociais (Pratta, 2008Pratta, M. A. B. (2008). Adolescentes e jovens… em ação! Aspectos psíquicos e sociais na educação do adolescente hoje. São Paulo: Unesp.; Assumpção Jr. 2010Assumpção Jr. (2010). Evolução histórica do conceito de qualidade de vida. In F. B. Assumpção Jr., & Kuczynski, Qualidade de vida na infância e na adolescência: orientações para pediatras e profissionais da saúde mental. Porto Alegre: Artmed.).

A esfcolaridade é fator determinante para seu posicionamento no mercado de trabalho e sua inserção social. Aqueles que são privados desses direitos podem se tornar adultos incapazes de agir na sociedade de forma crítica, responsável e produtiva (Asmus et al., 1996Asmus, C. I. R. F., Barker, S. L. B., Ruzany, M. L., & Meirelles, Z. V. (1996). Riscos ocupacionais na infância e na adolescência: uma revisão. J. Pediatria, 72(4). Recuperado de http://www.jped.com.br/conteudo/96-72-04-203/port_print.htm
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).

O Brasil tem sido muito receptivo em relação às normas internacionais, e entre os grandes avanços encontra-se o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), criado em 1990, regulamentando o artigo 227 da Constituição Federal de 1988, que incorporou os princípios da convenção sobre os direitos da criança e do adolescente, trazendo uma importante mudança no modelo de proteção da infância e da adolescência, ao reconhecer o adolescente como sujeito de direito (Arroyo, 2007Arroyo, M. G. (2007). Quando a violência infanto-juvenil indaga a pedagogia. Educ. Soc., 28(100, Especial), 787-807.), e não como objeto de intervenção do Estado, da família e da sociedade (Brasil, 2007Brasil. Ministério da Saúde (2007). Secretaria de Atenção à Saúde. Área de Saúde do Adolescente e do Jovem. Marco legal: saúde, um direito de adolescentes. Brasília: Ministério da Saúde. Recuperado de http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/07_0400_M.pdf
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).

Fortalecer o jovem a partir do conhecimento e de atividades que contribuam para melhorar sua autoestima e desenvolver responsabilidade sobre a vida e seus atos possibilitará uma mudança na sua atuação como parte da sociedade. Portanto, pensar nele como multiplicador de ações que permitam o desenvolvimento de atitudes que, de alguma forma, minimizem a sua condição de risco e de vulnerabilidade vem ao encontro do que Demo (2003)Demo, P. (2003). Educar pela pesquisa. 6a ed. Campinas: Autores Associados. traz quando discute o educar pela pesquisa, e que de fato foi realizado com os adolescentes participantes do Pibic-EM na experiência aqui relatada.

Contudo, formar adolescentes multiplicadores das políticas públicas de saúde foi uma escolha, porque acreditamos que a educação entre pares pode ser um diferencial para o conhecimento e a reflexão sobre essas políticas. Conhecer as políticas e refletir sobre os direitos e deveres de um cidadão, bem como sobre sua realidade, pode permitir aos adolescentes adquirir e levar conhecimento a seus pares de forma mais efetiva, quando comparado ao conteúdo trabalhado pelo adulto. Acredita-se também que um adolescente que leva conhecimento para seus pares, das questões que lhes dizem respeito, irá também conduzir mudanças relacionadas com autoestima, visão de futuro e compreensão de sua realidade.

Pensar na educação, conforme aponta Demo (2003)Demo, P. (2003). Educar pela pesquisa. 6a ed. Campinas: Autores Associados., não pressupõe exclusivamente a educação formal, a escola, pois aprendemos no cotidiano da vida, e esta é um espaço naturalmente educativo, à medida que induz à aprendizagem constante. Assim, a cidadania que se elabora na escola é aquela que sabe fundar-se no conhecimento, primeiro para educar o conhecimento e, segundo, para estabelecer com competência inequívoca uma sociedade ética, mais equitativa e solidária.

Processo metodológico participativo

Utilizar algumas caraterísticas da pesquisa-ação como opção metodológica foi uma escolha a fim de atingir os objetivos dos dois projetos de pesquisa realizados junto ao Pibic-EM. Esta metodologia tem base em avaliação qualitativa das manifestações sociais, comprometida com a intervenção e a construção de estratégias de enfrentamento dos problemas na comunidade (Demo, 1995Demo, P. (1995). Metodologia científica em Ciências Sociais. São Paulo: Atlas.). Ela permite, ainda, segundo Toledo e Jacobi (2013)Toledo R. F., & Jacobi, P. R. (2013). Pesquisa-ação e educação: compartilhando princípios na construção de conhecimentos e no fortalecimento comunitário para o enfrentamento de problemas. Educ. Soc., 34(122)., “estimular a autonomia dos sujeitos, por meio da construção dialógica de saberes, o desenvolvimento de práticas cidadãs e a busca de soluções para os problemas de forma participativa” (p. 169).

Na pesquisa-ação há uma ação planejada e absolutamente necessária (Thiollent, 2000Thiollent, M. (2000). A metodologia participativa e sua aplicação em projetos de extensão universitária. In M. Thiollent, T. Araújo Filho, & R. L. S. Soares. Metodologia e experiências em projetos de extensão. Niterói: EdUFF.; 1988Thiollent, M. (1988). Metodologia da pesquisa-ação. 4a ed. São Paulo: Cortez.); é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo, no qual os pesquisadores e os participantes estão envolvidos (Brandão, 1999Brandão, C. R. (Org.). (1999). Repensando a pesquisa participante. São Paulo: Brasiliense.). Por seu caráter de orientação prática, pode ter múltiplas aplicações em diferentes áreas (Thiollent, 2005Thiollent, M. (2005). Metodologia da Pesquisa-ação (14a ed.). São Paulo: Cortez.).

Para Barbier (2007)Barbier, R. (2007). A Pesquisa-ação (L. Didio, trad.) Brasília: Liber Livro., a pesquisa-ação obriga o pesquisador a implicar-se nela, perceber-se incluído em sua estrutura social, afetado pelo desejo e interesses dos outros. Nesse processo, descobre que sua própria vida social e afetiva está presente, e que o imprevisto está também no centro de sua prática. Portanto, as metodologias tradicionais devem ser retomadas, desenvolvidas e reinventadas, e isto não exclui os sujeitos-atores da pesquisa: trabalha-se com os outros, e não sobre os outros.

Em outras palavras, na pesquisa-ação a investigação ativa desponta como espaço de reflexão teórico-metodológica e como método de ação política, que se traduz numa forma diferenciada de fazer educação (Gajardo, 1986Gajardo, M. (1986). Pesquisa participante na América Latina. São Paulo: Brasiliense.) e de promover articulação entre teoria e prática, bem como estimular a produção de novos saberes (El Andaloussi, 2004El Andaloussi, K. (2004). Pesquisas-ações: ciências, desenvolvimento, democracia. São Carlos: Edufscar.).

O compromisso de transformação social, por sua vez, não pode ser assumido exclusivamente pela área de extensão das universidades. Assim sendo, o ensino e a pesquisa, tidos como suas principais missões, precisam ser repensados e reestruturados (Botomé, 1996Botomé, S. P. (1996). Pesquisa alienada e ensino alienante: o equívoco da extensão universitária. Petrópolis, São Carlos, Caxias do Sul: Vozes, Edufscar, EDUCS.).

No pensamento de Thiollent (2000)Thiollent, M. (2000). A metodologia participativa e sua aplicação em projetos de extensão universitária. In M. Thiollent, T. Araújo Filho, & R. L. S. Soares. Metodologia e experiências em projetos de extensão. Niterói: EdUFF., é preciso muito poder para modificar o sistema de ensino e de pesquisa. No entanto, podem-se experimentar ações diferenciadas, que partam de docentes e alunos interessados em integrar ações educativas, diagnósticos e outros trabalhos de extensão a uma linha de pesquisa. Foi exatamente nessa perspectiva que se desenvolveram as ações junto aos jovens do Pibic-EM, nas quais os sujeitos envolvidos em determinada problemática constituíram-se em um grupo com objetivos comuns, e no qual assumiram papéis diversos, inclusive o de pesquisadores (Pimenta, 2005Pimenta, S.G. (2005). Pesquisa-ação crítico-colaborativa: construindo seu significado a partir de experiências com a formação docente. Educação & Pesquisa, 31(3), 521-539.).

Educar pela pesquisa foi um grande desafio, pois se fez necessário “construir a capacidade de (re)construir” (Demo, 2003Demo, P. (2003). Educar pela pesquisa. 6a ed. Campinas: Autores Associados., p. 1), para promover um processo de pesquisa no qual o aluno deixa de ser objeto de ensino para ser parceiro do trabalho; e para também se estabelecer relações mais participativas, em que os sujeitos envolvidos contam com um desafio comum. Afinal, “sem sonho e sem utopia, sem denúncia e sem anúncio, só resta o treinamento técnico a que a educação é reduzida” (Freire, 2000Freire P. (2000). Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: Unesp., p. 57).

A pesquisa como “uma face educativa não se restringe à acumulação de dados, inclui a percepção emancipatória do sujeito que busca não só fazer, mais oportunidades na medida em que se reconstitui pelo questionamento sistemático da realidade”, e é aí onde o contato pedagógico acontece, “quando mediado pelo questionamento reconstrutivo, como um processo de construção do sujeito, advindo do conhecimento inovador. Caso contrário não se distingue de qualquer outro tipo de contato” (Demo, 2003Demo, P. (2003). Educar pela pesquisa. 6a ed. Campinas: Autores Associados., p. 7).

A pesquisa precisa ser internalizada como atitude cotidiana, por ser um questionamento reconstrutivo que pode ser realizado de diversas maneiras, conforme o estágio de desenvolvimento das pessoas. Significa saber fazer e se refazer, permanentemente; alimentar a curiosidade, oferecer experiências que tragam significado, permitir a descoberta de novos conhecimentos (Rogers, 1986Rogers, C. (1986). Liberdade para aprender em nossa década (2a ed.). Porto Alegre: Artes médicas.).

Por fim, entender que a educação e a pesquisa não se reduzem uma à outra, ao contrário, complementam-se no conhecimento inovador, na renovação da teoria e da prática, e no agir, cuja base é o pensar e a busca da consciência crítica como marca da interpretação da realidade (Freire, 1997Freire P. (1997). Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra.; Demo, 2003Demo, P. (2003). Educar pela pesquisa. 6a ed. Campinas: Autores Associados.). Foi exatamente nessa perspectiva que se construiu a participação do grupo de professoras e adolescentes do Pibic-EM.

A experiência com os adolescentes do ensino médio na pesquisa

O Pibic-EM é apoiado pelo CNPq e propicia oportunidades de integrar estudantes do ensino médio de escolas públicas em atividades de pesquisa, sob a orientação de professores ou pesquisadores.

A proposta de unir esforços no Pibic-EM se deu no sentido de buscar estratégias para atuação conjunta na construção da interdisciplinaridade, que em nosso campus é um princípio fundamental do projeto pedagógico. As professoras trabalharam com oito alunos, maioria do sexo feminino, provenientes de quatro escolas públicas da região de Limeira, que estiveram juntos (de agosto de 2011 a dezembro de 2012) em reuniões semanais, com duração de 2 a 3 horas. Cabe apontar que no primeiro ano do projeto tínhamos seis (6) alunas e dois (2) alunos, dos quais quatro (4) desistiram no final do ano – dois (2) por terem concluído o ensino nédio e dois (2) porque a escola deixou de fazer parte do programa. Estes alunos foram substituídos por quatro (4) novas alunas no segundo ano do projeto.

No primeiro momento (agosto a dezembro de 2011) foi apresentado o conteúdo dos projetos, seus respectivos objetivos, as metodologias a serem empregadas, bem como noções básicas sobre ciência, pesquisa científica e sistematização do conhecimento científico. Posteriormente, foi promovido um espaço de escuta e discussão no grupo, onde os adolescentes tiveram a oportunidade de compartilhar suas expectativas, suas necessidades e suas histórias de vida, bem como de refletir sobre seu papel e formas de atuação na perspectiva da construção de uma cidadania mais plena. O tempo nestas reuniões foi bastante amplo, pois estava clara a necessidade desses jovens de um espaço de escuta atenta, no qual pudessem expressar suas angústias e alegrias, e ainda pensar sobre o futuro. Seus relatos de violência e abuso dentro e fora da escola ganharam uma proporção enorme dentro das reuniões, quando comparados aos relatos de situações prazerosas na escola e na convivência familiar e social.

Uma das alunas relatou:

vivemos em um lugar inseguro, com drogas, brigas e onde as pessoas acabam ficando de mãos atadas para reagir … após conhecer nossas realidades e perceber que não são tão diferentes, vemos nossa preocupação com o que acontece dentro das nossas escolas, e que os adultos não dão conta da situação que a cada dia se agrava.

No segundo momento (fevereiro de2012), os alunos foram levados à biblioteca da faculdade e capacitados nas ferramentas de busca e pesquisa científica, bem como incentivados a pesquisar sobre as políticas públicas e temas diversos, como adolescência, violência, relacionamentos, drogas, cidadania, direitos, entre outros. O ECA foi estudado na íntegra e, por meio dele, os jovens puderam refletir sobre sua condição atual e os direitos e deveres ali contidos, o que propiciou um novo movimento nos adolescentes ao pensarem ações que poderiam ser realizadas nas escolas. Eles selecionaram alguns trechos do Estatuto, elaboraram cartazes e os colocaram em diferentes espaços dentro das escolas, com a finalidade de levar informação e sensibilizar a comunidade escolar.

Devido ao interesse dos jovens em conhecer melhor a realidade nas escolas, na perspectiva dos próprios adolescentes, iniciou-se o terceiro momento (março a maio de 2012) do projeto. A cada relato, crescia no grupo uma motivação e, ao mesmo tempo, uma conscientização do próprio papel que eles poderiam ter como multiplicadores do que eles estavam descobrindo. Decidiram por fazer um levantamento dos problemas vivenciados pelos adolescentes nas escolas, identificando local e frequência dos eventos. Nas palavras deles, o objetivo seria “dar voz” ao adolescente. No final, foi realizada uma enquete nas quatro escolas, com adolescentes de 10 a 19 anos de idade, que responderam a duas questões: Qual(is) o(s) maior(es) problema(s) que você, adolescente, enfrenta hoje? (pergunta aberta); Onde ocorre(m)? (questão alternativa: casa, rua, bairro, escola, outro).

O número total de questionários preenchidos foi de 2134. Distribuídos da seguinte forma: na escola A, de 1950 alunos, 741 responderam ao questionário; na escola B, de 1121, responderam 417 alunos; na Escola C, de 473 alunos, responderam 380; e na escola D, de 682 alunos no período noturno, 596 responderam.

A partir da sistematização dos dados da enquete, realizada integralmente pelos jovens, foi possível identificar quatro problemas principais apontados pelos adolescentes: relações (interpessoais), questões de cidadania, temas relacionados à violência e preocupações com o futuro. Apareceram situações como, por exemplo, problemas nos relacionamentos entre eles, com pais, professores, colegas, namorados(as) e amigos(as). Já sobre a violência, os relatos envolviam queixas de bullying, violência doméstica, preconceito, pais presos, drogas, assédio moral e sexual, entre outros. No tema sobre o futuro, apareceram preocupações relacionadas ao primeiro emprego, orientação vocacional, saída da casa dos pais, formação educacional e profissional. Na categoria cidadania, foram agrupadas as queixas relacionadas com dificuldade de acesso à saúde, educação, lazer e transporte público.

Com os dados levantados, o grupo discutiu diversas possibilidades para atuar nas escolas como multiplicadores. Surgiu, então, o quarto momento (junho a julho de 2012) do projeto. Várias ideias foram desenvolvidas pelos alunos, tais como colocar nas escolas caixas de sugestões, banners, cartazes com frases alusivas ao Estatuto da Criança e do Adolescente ou que permitissem a reflexão dos jovens. Pensaram, ainda, em fazer uma peça de teatro com os jovens e seus pais; por conta das dificuldades levantadas, esta ideia não obteve consenso no grupo.

Em seguida, pensaram em fazer um “minifórum” nas escolas, apresentar partes de alguns vídeos e conversar com os adolescentes, para posteriormente elaborar um fórum maior. O minifórum não foi realizado pela falta de apoio de algumas escolas e pela desistência de quatro alunos nessa etapa do projeto. Com a entrada de uma nova turma de quatro alunos no grupo de iniciação científica, resolveu-se criar o “1º Fórum do Adolescente: Refletir sobre o presente para construir o futuro”, que foi realizado na Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA-Unicamp), no dia 2 de julho de 2012. Para organizar o fórum, limitou-se o número de vagas em 120 lugares, ou seja, 20 inscritos por escola e 20 inscrições livres para convidados oriundos dos grupos de jovens que participam de formação de líderes na cidade.

Para a divulgação do fórum, os alunos elaboraram cartazes que foram afixados nas escolas, assim como fichas de inscrição para participação no evento. O apoio de alguns diretores e a colaboração de alguns professores das escolas envolvidas foi de fundamental importância para o desenvolvimento do fórum, assim como da direção do campus da FCA. Os alunos participaram ativamente de todos os momentos da organização do fórum, tais como: planejamento, logística, contatos, materiais necessários, convidados, solicitação do espaço físico, preparação do lanche, entre muitos outros.

Eles participaram, ainda, de um minicurso de formação promovido pelas professoras, a fim de capacitá-los para coordenar as oficinas que seriam oferecidas no fórum, onde foi possível aprender, entre outras questões, a lidar com a diversidade de opiniões, para poder organizar as discussões com os jovens na condição de coordenadores de grupo. Na preparação para essas oficinas, os alunos tiveram ainda que realizar pesquisa sobre os temas que iriam coordenar nas discussões do fórum. Para tanto, pesquisaram nas bases de dados de revistas científicas, com o apoio de um funcionário da biblioteca que os ensinou como fazer a busca nas bases de dados. Entrar em contato com estudos científicos permitiu a apropriação dos temas por parte deles, bem como uma oportunidade para esclarecer as possíveis dúvidas que poderiam ser levantadas pelos participantes durante as oficinas.

Os adolescentes se organizaram em duplas e contaram com o apoio do SAE (Serviço de Apoio ao Estudante) e de alunos da graduação (“bolsa trabalho”) que os ajudaram na logística e no apoio durante as oficinas. Foram feitas várias reuniões de trabalho com os bolsistas até deixar preparadas as oficinas, e os envolvidos puderam vivenciar, tanto os alunos Pibic-EM como os bolsistas, a diversidade de tarefas que devem ser feitas para a realização de um evento. Esse foi um momento interessante, onde os alunos do ensino médio puderam se integrar com os alunos da graduação e assumir o papel de coordenadores do evento, tarefa que desenvolveram com muita propriedade.

Igualmente, pensou-se que, se o objetivo era oferecer um espaço de escuta para o adolescente deveríamos convidar autoridades do município de Limeira para ouvir o resultado dos trabalhos, e assim foram convidadas as autoridades das secretarias de cultura, segurança, educação, saúde, esporte, transporte, o conselho tutelar, a polícia militar, o Centro de Promoção Social Municipal (Ceprosom) e, ainda, os diretores das quatro escolas envolvidas no projeto. Infelizmente, somente três autoridades participaram do fórum, provenientes da Secretaria de Educação (Diretoria de Ensino), do Ceprosom e do Curso de Formação de Líderes de Limeira, as demais autoridades não compareceram, mesmo tendo confirmado presença, tampouco enviaram representante(s). No entanto, a todas elas foi enviado o relatório final do fórum.

O fórum teve início às 8 horas, e os jovens identificaram os inscritos por meio de pulseiras que permitiram distribuí-los de forma equilibrada nos grupos das oficinas. No anfiteatro da FCA, as boas-vindas foram dadas pelo diretor associado, assim como foi feita uma apresentação do Pibic-EM, das expectativas e da dinâmica do fórum pelas professoras. Foi oferecido um café da manhã para os participantes, que logo em seguida foram divididos em quatro grupos, com cerca de 17 adolescentes, para dar início às oficinas nas seguintes temáticas: relacionamentos interpessoais, cidadania, violência e expectativas quanto ao futuro.

Para manter a atenção e o interesse pela discussão nas oficinas, os alunos tiveram que desenvolver estratégias e, ao mesmo tempo, cuidar para que todas as falas fossem contempladas e respeitadas, assim como para motivar os adolescentes mais tímidos a se posicionar e a falar de sua experiência. Outra estratégia para manter a atenção e a motivação foi contar com o grupo de “medicina do riso” para descontrair os grupos de estudantes e aproximar os participantes. As oficinas terminaram com a elaboração de um material escrito para posterior discussão em plenária. Após a finalização dos trabalhos da manhã, os adolescentes fizeram visita guiada às dependências da faculdade e almoçaram no restaurante universitário.

No período da tarde, o resultado das discussões das oficinas foi apresentado em plenária por dois representantes de cada grupo das quatro oficinas temáticas, e então desenvolveu-se discussão no grande coletivo de jovens, que contou ainda com a presença das autoridades convidadas. Os adolescentes conseguiram expor suas opiniões, discuti-las, trazer exemplos e também ouvir a colocação das autoridades. Como disse uma aluna:

… e assim deixar dentro de cada participante ali presente um pouco do que eles próprios podem fazer para mudar o que não está certo e saber cobrar seus direitos com responsabilidade.

Finalizada a discussão, foi proferida uma palestra interativa pelo grupo “medicina do riso” e realizada uma avaliação da vivência pelos participantes. Por sinal, os adolescentes ficaram o dia todo, ninguém quis ir embora e ficaram muito atentos às observações colocadas pelas professoras em cada fechamento de tema. Chamou-nos atenção as colocações feitas por muitos dos participantes, das quais destacamos:

os adolescentes nas oficinas nos perguntaram se o evento se repetiria novamente, pois eles queriam ser avisados para poder participar; aprendemos que há diferentes formas de falar e que podemos ser ouvidos, sobretudo entre nós mesmos … poder discutir e poder falar e ser respeitado.

Os adolescentes coordenadores das oficinas e que participaram do processo de desenvolvimento do projeto em suas diferentes etapas afirmaram que

o fórum nos mostrou que não é fácil lutar pelos nossos direitos, que preparar espaços como este não é suficiente, precisa do interesse dos próprios adolescentes para mudar as coisas … tínhamos 100 inscritos e compareceram apenas 70, sendo que apenas alguns poucos eram das nossas próprias escolas.

Igualmente,

a dificuldade de se manifestar e o pouco interesse dos adultos que viabilizam as políticas públicas ao não se fazerem presentes explica, de alguma forma, a participação do adolescente na construção e a viabilização das políticas públicas.

E ainda:

O projeto nos ensinou como é importante o trabalho em equipe. Aprendemos como se constrói e como se planeja, saímos com um grande diferencial e com certeza vamos ser cidadãos diferentes.

Após o fórum, o projeto teve um quinto momento (agosto a dezembro de 2012), que consistiu na elaboração e encaminhamento de relatórios para a organização geral do Pibic-EM/CNPq. Nessa atividade, foi possível, além de propiciar o aprendizado sobre redação de relatório científico, fazer uma avaliação geral da experiência. Os adolescentes do projeto participaram também de dois eventos científicos, divulgando sua experiência em forma de pôster.

Encerradas as atividades do projeto, foi feita uma avaliação com os adolescentes participantes em relação a sua experiência no Pibic-EM. Mediante alguns depoimentos, podemos exemplificar os efeitos singulares da participação no processo de construção e desenvolvimento do projeto:

… Eu era tímida, e agora não tenho medo de expressar minhas ideias em público;

… fazer parte deste projeto mudou em mim o modo de ver as coisas. Poder olhar para os problemas com um olhar mais crítico, pensando sempre em alguma maneira de solucioná-los, me ajudou na escola a ser mais participativa, defendendo o meu ponto de vista, me incentivou a questionar mais, indo sempre em busca de respostas concretas e científicas e, como cidadã, me ajudou a lutar pelos meus direitos;

… durante todo o desenvolvimento do projeto pude aprender diversas coisas que, até então, eu não tinha conhecimento. Como, por exemplo, analisar e sistematizar dados, realizar pesquisas científicas, conhecer e entender o ECA, organizar e coordenar um fórum, entre muitas outras coisas, que me fizeram crescer muito durante o desenvolvimento do projeto, não somente academicamente, mas também como pessoa;

… foi fundamental para que eu pudesse desenvolver melhor minha habilidade de trabalhar em grupo, ter responsabilidade com prazos e pesquisar muito;

… o projeto foi uma parte fundamental para meu crescimento pessoal e acadêmico durante o segundo ano do Ensino Médio, me proporcionando conhecimentos que eu não obteria apenas na escola;

… me mostrou a importância das políticas públicas na vida das pessoas;

… aprendi a liderar, a escutar, e, o mais importante, multiplicar o conhecimento sobre as políticas públicas.

Igualmente, para nós, como orientadoras, participar desse projeto foi bastante importante e desafiador, por permitir vivenciar os problemas que afligem atualmente os adolescentes. Muitos deles foram expressos de forma tão dramática que nos marcaram profundamente e nos impulsionaram a auxiliar esses jovens na construção de cada etapa do projeto.

Considerações finais

O Pibic-EM, conduzido por meio de algumas características da metodologia da pesquisa-ação, permitiu integrar as atividades de pesquisa com ensino e extensão e, assim, promover diagnósticos mais precisos e transformações na comunidade dos jovens, por meio de suas próprias ações.

Foi possível ainda favorecer a integração dos alunos do ensino médio com alunos de graduação e pós-graduação que trabalham com pesquisas em temáticas correlatas, assim como promover divulgação dos cursos de graduação da universidade e, em especial, de nossa faculdade, que se localiza no município onde residem os alunos participantes do projeto.

Ao propiciar a vivência cotidiana dentro do campus, a partir das atividades do Pibic-EM os alunos puderam conhecer as oportunidades que a universidade oferece para a comunidade, bem como despertar o interesse pela vida universitária e sua inclusão na construção de seus projetos de vida.

Projetos dessa natureza, que têm como base os pressupostos da pesquisa-ação, podem auxiliar na construção do pensamento crítico dos jovens e na estruturação de sua própria identidade, bem como na instrumentalização capaz de gerar diagnósticos e possibilidades de atuação diferenciada em suas escolas e comunidades de origem.

Educar pela pesquisa motivou os alunos a pensar, refletir, discutir e construir conceitos e estratégias de solução, e a se apropriar do espaço que lhes foi oferecido. Igualmente, permitiu que saíssem do papel de vítimas e da apatia inicial para o papel de atores e autores em relação ao projeto que os instigou a trazer sua realidade e analisá-la em grupo. Nesse processo, alguns desistiram, talvez porque esperassem tarefas já prescritas antecipadamente para a resolução dos problemas, tais como palestras de conscientização para jovens, entre outras.

Ressalta-se, nessa experiência, que a abordagem metodológica escolhida demanda um processo lento de construção coletiva, que exigiu muita dedicação e tempo, além de uma escuta atenta e cuidadosa, em relação às demandas trazidas pelos adolescentes, assim como foi preciso aprender a lidar com as angústias provocadas pelos relatos sobre a vida desses adolescentes, no papel de mulheres, mães e pesquisadoras.

De nossa perspectiva, foi possível observar a transformação desses adolescentes a cada encontro, no aprendizado e nas vivências, para além do “conhecimento científico”. Assistimos a mudanças de comportamento, aumento de autoestima, apropriação do processo e do projeto, autorreflexão sobre suas realidades, mudança de olhar sobre si e sobre os outros, assim como sobre suas instituições educacionais.

Percebê-los com atitudes novas, com mais esperança, na expectativa de um mundo melhor do qual eles também farão parte e que podem ajudar a construir, na medida em que aprendem a se colocar, a se abrir para a opinião do outro e, de certa forma, se superar, faz acreditar que a experiência foi amplamente significativa.

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    Normalização, preparação e revisão textual: Luan Maitan – revisao@tikinet.com.br
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    Apoio: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)

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Editado por

1
Editor responsável: Universidade Estadual de Campinas – Faculdade de Ciências Aplicadas (campus Limeira), Rua Pedro Zaccaria, 1300, Limeira, SP, Brasil. 13484350

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    03 Ago 2018
  • Revisado
    04 Set 2019
  • Aceito
    04 Jan 2020
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