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Formação docente: efeitos de um programa autorreflexivo de intervenção em teorias sociocognitivas da motivação 1 1 Editor responsável: Adriana Varani. https://orcid.org/0000-0002-7480-4998 2 2 Normalização, preparação e revisão textual: Ailton Junior – revisao@tikinet.com.br 3 3 Revisão (inglês): Viviane Ramos - vivianeramos@gmail.com 4 4 Apoio: A segunda autora agradece o apoio do CNPq. 5 5 O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001, em conformidade com a Portaria CAPES nº 206, de 4 de setembro de 2018.

Resumo

A formação continuada de professores é tema recorrente na literatura. Todavia, estudos que visam analisar o professor, sua motivação e aprendizagem como estudante são escassos. Este artigo reporta resultados de um programa autorreflexivo de intervenção para professores sobre motivação para aprender, realizado em dupla vertente: o professor como estudante e como docente. Participaram do estudo 27 professores do ensino fundamental, divididos em dois grupos: experimental e controle. Os dados foram obtidos por instrumentos qualitativos e autorreflexivos. Constatou-se que a intervenção aumentou a autoconsciência dos professores não só sobre sua motivação e aprendizagem, mas também sobre suas práticas pedagógicas, além de ampliar seus conhecimentos acerca das teorias motivacionais.

Palavras-chave
motivação; autorreflexão; intervenção; docência

Abstract

Continuing teacher education is a frequent theme in the literature. However, studies aimed to analyze teachers, their motivation and learning as a student are scarce. This article reports results of a self-reflective intervention program for teachers, on motivation to learn, conducted in a dual focus: the teacher as a student and as a teacher. The sample consisted of twenty-seven elementary school teachers divided into two groups: experimental and control. The data were collected by qualitative and self-reflective instruments. The intervention increased teachers’ self-awareness not only about their motivation and learning, but also about their pedagogical practices, besides expanding their knowledge about motivational theories.

Keywords
motivation; self-reflection; intervention; teaching

Introdução

O envolvimento dos professores em atividades de aprendizagem profissional é um forte preditor de melhores práticas de ensino. Pesquisas acerca da aprendizagem docente, entretanto, enfatizam as dimensões estruturais, como as condições de trabalho na escola, por exemplo, e culturais, em detrimento dos fatores psicológicos associados a sua aprendizagem (Avila, Pranke, & Frison, 2018; Thoonen, Sleegers, Oort, Peetsma, & Geijsel, 2011). A necessidade de formação continuada proposta pelo Plano Nacional de Educação 2014-2024 (Brasil, 2014) mostra que é imprescindível que a dimensão de estudante do professor seja investigada e valorizada (Hollingsworth & Clarke, 2017Hollingsworth, H., & Clarke, D. (2017). Video as a tool for focusing teacher self-reflection: supporting and provoking teacher learning. Journal of Mathematics Teacher Education, 20(5), 457-475.; Machado & Boruchovitch, 2019Boruchovitch, E., & Gomes, M. (Org.) (2019). Aprendizagem autorregulada - Como promovê-la no contexto educativo? Petrópolis: Editora Vozes.; Szücs, 2018Szücs, I. Z. (2018). Teacher trainers’ self-reflection and self-evaluation. Acta Educationis Generalis, 8(2), 9-23.). No entanto, são escassos os estudos e os investimentos nacionais que se preocupam em conhecer e aperfeiçoar o processo de aprendizagem dos docentes. Boruchovitch (2014)Boruchovitch, E. (2014). Autorregulação da aprendizagem: contribuições da psicologia educacional para a formação de professores. Psicologia Escolar e Educacional, 18(3), 401-409., ao analisar diversas pesquisas nacionais e internacionais sobre professores em exercício, aponta que os docentes, em geral, refletem pouco sobre como aprendem e tendem também a não oferecer oportunidades para que os seus alunos pensem sobre seus próprios processos de aprendizagem. De acordo com Nóvoa e Finger (2010)Nóvoa, A., & Finger, M. (Orgs.). (2010). O método (auto)biográfico e a formação. Natal: EDUFRN., na formação e na autoformação de professores é essencial que o docente em exercício ou o futuro professor tome consciência sobre suas próprias formas de aprender. De modo semelhante, Avila et al. (2018)Avila, L. T. G., Pranke, A., & Frison, L. M. B. (2018). O uso de estratégias autorregulatórias para aprender e para ensinar: formação de professores. Perspectiva, 36(4), 1265-1280. doi:10.5007/2175-795X.2018v36n4p1265
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destacam que é fundamental para o processo de autoformação que os docentes desenvolvam a habilidade de aprender a aprender.

A perspectiva da aprendizagem autorregulada tem sido empregada nos estudos atuais relacionados à formação de professores (Avila et al., 2018Avila, L. T. G., Pranke, A., & Frison, L. M. B. (2018). O uso de estratégias autorregulatórias para aprender e para ensinar: formação de professores. Perspectiva, 36(4), 1265-1280. doi:10.5007/2175-795X.2018v36n4p1265
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; Godfrey, 2014Godfrey, T. K. (2014). Self-regulated learning intervention: Teaching metacognition to enhance school performance and motivation of middle school students. Senior Thesis, Trinity College, Hartford.; Zimmerman, 2002Zimmerman, B. J. (2002). Becoming a self-regulated learner: An overview. Theory into Practice, 41(2), 64-70.). A autorregulação da aprendizagem é definida como a habilidade do indivíduo para autogerir e ajustar pensamentos, sentimentos, motivações e ações em função da tarefa a ser realizada. A importância dos processos autorregulatórios para a promoção da aprendizagem profunda e significativa entre estudantes e docentes é documentada em diversos trabalhos (Ardasheva, Wang, Adesope & Valentine, 2017Ardasheva, Y., Wang, Z., Adesope, O. O., & Valentine, J. C. (2017). Exploring effectiveness and moderators of language learning strategy instruction on second language and self-regulated learning outcomes. Review of Educational Research, 87(3), 544-582.; Boruchovitch, 2014Boruchovitch, E. (2014). Autorregulação da aprendizagem: contribuições da psicologia educacional para a formação de professores. Psicologia Escolar e Educacional, 18(3), 401-409.; Boruchovitch & Gomes, 2019Boruchovitch, E., & Gomes, M. (Org.) (2019). Aprendizagem autorregulada - Como promovê-la no contexto educativo? Petrópolis: Editora Vozes.; Callan & Cleary, 2018Callan, G. L., & Cleary, T. J. (2018). Multidimensional assessment of self-regulated learning with middle school math students. School Psychology Quarterly, 33(1), 103-111.; Frison, Veiga Simão, & Cigales, 2017Frison, L. M. B., Veiga Simão, A. M., & Cigales, J. R. (2017). Aprendizagens na docência: PIBID e a formação de professores. Revista e-Curriculum, 15(1), 25-44.; Szücs, 2018Szücs, I. Z. (2018). Teacher trainers’ self-reflection and self-evaluation. Acta Educationis Generalis, 8(2), 9-23.; Zimmerman, Moylan, Hudesman, White, & Flugman, 2011Zimmerman, B. J., Moylan, A., Hudesman, J., White, N., & Flugman, B. (2011). Enhancing self-reflection and mathematics achievement of at-risk urban technical college students. Psychological Test and Assessment Modeling, 53(1), 141-160.). Ademais, estes estudos mostram que a capacidade de o indivíduo autorregular sua aprendizagem é vista como determinante do sucesso no contexto educativo, possibilitando vários ganhos, como: melhor processamento da informação; responsabilidade pelas próprias ações; mais sucesso na resolução de problemas, na transferência de saberes e no desempenho acadêmico em geral (Boekaerts & Corno, 2005Boekaerts, M., & Corno, L. (2005). Self-regulation in the classroom: A perspective on assessment and intervention. Applied Psychology, 54(2), 199-231.; Dembo, 2001Dembo, M. H. (2001). Learning to teach is not enough-future teachers also need to learn how to learn. Teacher Education Quarterly, 28(4), 23-35.; Flores, 2012Flores, M. A. A. (2012). Formação de professores e a construção da identidade profissional. In L. M. L. Frison, A. M. Veiga Simão, & M. H. M. B. Abrahão, Autorregulação da aprendizagem e narrativas autobiográficas: epistemologia e prática (pp. 93-111). Natal: EDUFRN; Porto Alegre: EDIPUCRS; Salvador: EDUNEB.; Machado & Boruchovitch, 2019Machado, A. C. T. A., & Boruchovitch, E. (2019). Formação Continuada de Professores: Sugestões Práticas para a promoção da autorreflexão e motivação para aprender. In: Boruchovitch, E., & Mezzalira, M. A. G. (Orgs.). Aprendizagem autorregulada - Como promovê-la no contexto educativo?. 1ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1, 169-181.; Steinbach & Stoeger, 2016Steinbach, J., & Stoeger, H. (2016). How primary school teachers’ attitudes towards self-regulated learning (SRL) influence instructional behavior and training implementation in classrooms. Teaching and teacher education, 60, 256-269.).

Entre as variáveis-chave da aprendizagem autorregulada, destacam-se a autorreflexão e a motivação para aprender (Bzuneck, 2009Bzuneck, J. A. (2009). A motivação do aluno: aspectos introdutórios. In E. Boruchovitch, & J. A. Bzuneck (Orgs.), A motivação do aluno: contribuições da Psicologia contemporânea (4a ed., pp. 9-36). Petrópolis: Vozes.; Callan & Cleary, 2018Callan, G. L., & Cleary, T. J. (2018). Multidimensional assessment of self-regulated learning with middle school math students. School Psychology Quarterly, 33(1), 103-111.; De Smul, Heirweg, Van Keer, Devos, & Vandevelde, 2018De Smul, M., Heirweg, S., Van Keer, H., Devos, G., & Vandevelde, S. (2018). How competent do teachers feel instructing self-regulated learning strategies? Development and validation of the teacher self-efficacy scale to implement self-regulated learning. Teaching and Teacher Education, 71, 214-225.; Machado & Boruchovitch, 2019Machado, A. C. T. A., & Boruchovitch, E. (2019). Formação Continuada de Professores: Sugestões Práticas para a promoção da autorreflexão e motivação para aprender. In: Boruchovitch, E., & Mezzalira, M. A. G. (Orgs.). Aprendizagem autorregulada - Como promovê-la no contexto educativo?. 1ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1, 169-181.). Acredita-se que pesquisas que trabalhem com práticas autorreflexivas associadas ao ensino de conteúdos motivacionais são importantes para a formação de professores. Se os docentes conhecerem e tiverem consciência de seus processos motivacionais tanto para aprender como para ensinar, poderão se tornar mais compreensivos, reflexivos e analíticos sobre suas próprias crenças e práticas educativas. Poderão também promover esses processos de maneira eficiente em seus alunos (De Smul et al., 2018De Smul, M., Heirweg, S., Van Keer, H., Devos, G., & Vandevelde, S. (2018). How competent do teachers feel instructing self-regulated learning strategies? Development and validation of the teacher self-efficacy scale to implement self-regulated learning. Teaching and Teacher Education, 71, 214-225.; Paris & Winograd, 2003Paris, S. G., & Winograd, P. (2003). The role of self-regulated learning in contextual teaching: principals and practices for teacher preparation. Washington, DC: Office of Educational Research and Improvement (ED). Eric Number: ED479905.). Ademais, o conhecimento das teorias motivacionais contribui para que o professor desenvolva novas formas de compreender a motivação do aluno, de propor avaliações e de planejar as suas aulas. Para além desses ganhos, existem os benefícios pessoais para a prática do professor, tais como a confiança em sua capacidade de ensinar e a consciência do seu papel como influenciador e criador de situações que possam ajudar os seus alunos a se sentirem mais motivados (Boruchovitch, 2008Boruchovitch, E. (2008). A motivação para aprender de estudantes em cursos de formação de professores. Educação, 31(1), 30-38.; Chatzisarantis & Hagger, 2009Chatzisarantis, N. L., & Hagger, M. S. (2009). Effects of an intervention based on self-determination theory on self-reported leisure-time physical activity participation. Psychology and Health, 24(1), 29-48.; Ryan & Deci, 2020Ryan, R. M., & Deci, E. L. (2020). Intrinsic and extrinsic motivation from a self-determination theory perspective: Definitions, theory, practices, and future directions. Contemporary Educational Psychology, 61(101860). doi:10.1016/j.cedpsych.2020.101860
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).

As teorias motivacionais começaram a ser investigadas profundamente pela psicologia em meados da década de 1930. Inicialmente, a motivação foi atrelada à satisfação das necessidades fisiológicas e orgânicas do indivíduo, como fome, sede, sono, entre outras (Graham & Weiner, 1996Graham, S., & Weiner, B. (1996). Theories and principles of motivation. Handbook of educational psychology, 4, 63-84.). Na década de 1960, com os avanços da psicologia cognitiva, o foco do estudo da motivação se voltou para os processos cognitivos, como as escolhas, o engajamento em atividades, o sucesso e o fracasso e a aprendizagem no contexto educativo. Essa mudança de foco possibilitou que ambientes como a escola se tornassem um campo importante de pesquisa para estudos motivacionais. Professores, alunos, métodos de ensinar e aprender protagonizaram os estudos subsequentes. Entretanto, sabe-se pouco ainda sobre as principais características da motivação para aprender e sobre a qualidade da aprendizagem docente, tanto na formação inicial como continuada (Callan & Cleary, 2018Callan, G. L., & Cleary, T. J. (2018). Multidimensional assessment of self-regulated learning with middle school math students. School Psychology Quarterly, 33(1), 103-111.; Machado & Boruchovitch, 2019Machado, A. C. T. A., & Boruchovitch, E. (2019). Formação Continuada de Professores: Sugestões Práticas para a promoção da autorreflexão e motivação para aprender. In: Boruchovitch, E., & Mezzalira, M. A. G. (Orgs.). Aprendizagem autorregulada - Como promovê-la no contexto educativo?. 1ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1, 169-181.; Reeve, Ryan & Deci, 2018Reeve, J., Ryan, R. M., & Deci, E. L. (2018). Sociocultural influences on student motivation as viewed through the lens of self-determination theory. Big Theories Revisited, 2, 15-40.; Ryan, Soenens & Vansteenkiste, 2019Ryan, R. M., Soenens, B., & Vansteenkiste, M. (2019). Reflections on self-determination theory as an organizing framework for personality psychology: Interfaces, integrations, issues, and unfinished business. Journal of Personality, 87(1), 115-145.).

Em linhas gerais, constata-se a necessidade de que os fundamentos da psicologia cognitiva, das teorias sociocognitivas da motivação e da perspectiva da aprendizagem autorregulada façam parte da formação dos professores, tanto pela importância do conhecimento teórico que podem proporcionar, quanto pela possibilidade de refletir sobre crenças e construtos que geram, o que certamente contribuiria para a prática pedagógica mais condizente com a aprendizagem de qualidade (Boruchovitch & Machado, 2017Boruchovitch, E., & Machado, A. C. T. A. (2017). Autorregulação da aprendizagem na formação inicial e continuada de professores; como intervir para desenvolver?. In Polydoro, S. (Org.). Promoção da autorregulação da aprendizagem: Contribuições da Teoria Social Cognitiva. 1ed.Porto Alegre: Letra 1, 1, 89-104.; Boruchovitch & Gomes, 2019Boruchovitch, E., & Gomes, M. (Org.) (2019). Aprendizagem autorregulada - Como promovê-la no contexto educativo? Petrópolis: Editora Vozes.; Frison et al., 2017Frison, L. M. B., Veiga Simão, A. M., & Cigales, J. R. (2017). Aprendizagens na docência: PIBID e a formação de professores. Revista e-Curriculum, 15(1), 25-44.). Com efeito, a perspectiva da autorregulação da aprendizagem e as teorias sociocognitivas da motivação tornam-se relevantes para compreender o professor e o futuro professor, tanto em sua dimensão profissional, em sua prática pedagógica, como em sua dimensão de estudante (Boruchovitch & Gomes, 2019Boruchovitch, E., & Gomes, M. (Org.) (2019). Aprendizagem autorregulada - Como promovê-la no contexto educativo? Petrópolis: Editora Vozes.; Dembo, 2001Dembo, M. H. (2001). Learning to teach is not enough-future teachers also need to learn how to learn. Teacher Education Quarterly, 28(4), 23-35.; Machado & Boruchovitch, 2019Machado, A. C. T. A., & Boruchovitch, E. (2019). Formação Continuada de Professores: Sugestões Práticas para a promoção da autorreflexão e motivação para aprender. In: Boruchovitch, E., & Mezzalira, M. A. G. (Orgs.). Aprendizagem autorregulada - Como promovê-la no contexto educativo?. 1ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1, 169-181.; Parsons, Vaugh, Malloy, & Pierczynski, 2017Parsons, S. A., Vaughn, M., Malloy, J. A., & Pierczynski, M. (2017). The development of teachers’ visions from preservice into their first years teaching: A longitudinal study. Teaching and teacher education, 64, 12-25.).

Embora a motivação para aprender seja uma variável-chave para aprendizagem estratégica e autorregulada, os professores, em geral, não apenas desconhecem a sua própria motivação para aprender e ensinar, mas também não dominam as principais teorias sobre como motivar a si e a seus alunos (Haerens, Aelterman, Vansteenkiste, Soenens, & Van Petegem, 2015Haerens, L., Aelterman, N., Vansteenkiste, M., Soenens, B., & Van Petegem, S. (2015). Do perceived autonomy-supportive and controlling teaching relate to physical education students’ motivational experiences through unique pathways? Distinguishing between the bright and dark side of motivation. Psychology of Sport and Exercise, 16, 26-36.; Reeve & Cheon, 2016Reeve, J., & Cheon, S. H. (2016). Teachers become more autonomy supportive after they believe it is easy to do. Psychology of Sport and Exercise, 22, 178-189.). Entretanto, é essencial que os professores conheçam bem as teorias sociocognitivas da motivação e suas implicações psicoeducacionais. Apesar de muito relevantes, essas teorias ainda são pouco estudadas e discutidas em cursos de formação de professores, sobretudo com enfoque autorreflexivo, fundamental para práticas pedagógicas promotoras da motivação adequada para aprender, estudar e ensinar (Cheon & Reeve, 2015Cheon, S. H., & Reeve, J. (2015). A classroom-based intervention to help teachers decrease students’ amotivation. Contemporary Educational Psychology, 40, 99-111.; Slemp, Field, & Cho, 2020Slemp, G. R., Field, J. G., & Cho, A. S. (2020). A meta-analysis of autonomous and controlled forms of teacher motivation. Journal of Vocational Behavior, 121, 103459. doi:10.1007/BF02291170
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; Szücs, 2018Szücs, I. Z. (2018). Teacher trainers’ self-reflection and self-evaluation. Acta Educationis Generalis, 8(2), 9-23.).

Assim, o objetivo deste artigo é apresentar os principais resultados de uma pesquisa que se propôs a construir e analisar os efeitos e a eficácia de um programa de intervenção de caráter autorreflexivo, a ser desenvolvido em um curso de formação continuada para um grupo de professores do ensino fundamental, tendo como tema “Como motivar estudantes no contexto escolar”. Aventou-se a seguinte hipótese:

O curso ampliará o uso de práticas autorreflexivas pelo professor – como estudante e como docente – em situações de ensino e aprendizagem, e aperfeiçoará o seu conhecimento a respeito de motivação; desmotivação; e teorias sociocognitivas da motivação.

O programa autorreflexivo de intervenção em teorias sociocognitivas da motivação

O programa autorreflexivo de intervenção em teorias sociocognitivas da motivação, destinado à formação continuada de professores, foi desenvolvido no formato de um curso de caráter inovador, de natureza autorreflexiva sobre as principais teorias sociocognitivas da motivação. Composto de seis módulos, o curso teve como conteúdo programático: a teoria da autodeterminação (TAD), a teoria de metas e a teoria da atribuição de causalidade. Teve a duração de doze semanas, com um encontro presencial quinzenal de duas horas, além de duas horas de atividades semanais realizadas em uma plataforma virtual (Moodle), desenvolvida em parceria com a Secretaria de Educação de um município do interior de São Paulo no qual a pesquisa foi realizada. A primeira sessão foi destinada ao pré-teste e teve como propósito a apresentação dos objetivos da pesquisa e a aplicação dos instrumentos de coleta de dados. Já a última sessão foi destinada ao pós-teste, cuja finalidade foi a reaplicação dos instrumentos utilizados no pré-teste e o fornecimento de feedback sobre as atividades realizadas ao longo do curso.

A dinâmica do curso envolveu sempre a mesma sequência. Cada módulo teve início com a proposição, a realização e a discussão de uma atividade de caráter autorreflexivo sobre o tema do módulo, seguida da apresentação de conteúdos teóricos e evidências de pesquisa sobre o tema. Encerrou-se com uma atividade de aplicação prática, referente ao conteúdo apreendido. Estas atividades, propostas para autorreflexão e discussão, tinham uma dupla vertente: o docente deveria analisar os conteúdos aprendidos e as questões propostas tanto na perspectiva de estudante realizando o curso, no momento, como na perspectiva profissional.

A descrição a seguir traz um exemplo da dinâmica do curso para o primeiro módulo, cujo conteúdo era o significado dos termos “motivação”, “motivação intrínseca e extrínseca”. A primeira autora solicitou aos participantes que refletissem e escrevessem no caderno (diário de campo) uma resposta à questão: o que o motiva a continuar estudando? Em seguida, promoveu-se discussão aberta em grupo tendo como norteador tal pergunta. Na sequência, o conteúdo teórico foi apresentado oralmente e por meio de slides. Os temas tratados foram: o que é motivação, seus tipos, exemplos de atividades motivadas intrínseca e extrinsecamente. Ao mesmo tempo, eram feitas perguntas aos participantes, que iam fornecendo suas opiniões sobre o tema em discussão. Em seguida, foi solicitado que respondessem à segunda questão proposta: “Garantir que os estudantes não fiquem entediados com atividades fáceis demais ou desistam por considerarem a atividade acima de suas capacidades. Nas tarefas escolares, o desafio deve estar presente a fim de fortalecer a motivação intrínseca dos alunos. Desta forma, por favor, elabore uma atividade escolar sobre qualquer área de conhecimento utilizando o desafio como característica. Caso prefira, você poderá descrever uma atividade em que já utilizou o desafio e obteve sucesso com seus alunos”. Alguns participantes começaram a conversar com os colegas, pois não lembravam exatamente de um exemplo que se encaixasse na resposta. Depois que todos responderam, pediu-se que as respostas fossem compartilhadas com o grupo. Por fim foi informado aos participantes sobre as duas tarefas autorreflexivas a serem realizadas na plataforma virtual. A primeira solicitava que o participante assistisse a um vídeo sobre motivação e respondesse uma questão sobre sua própria motivação enquanto estudante. A segunda atividade autorreflexiva era uma questão sobre aplicação do conteúdo do módulo à prática docente. Elas deveriam ser feitas até a data do próximo encontro.

O conteúdo da intervenção, os objetivos de cada encontro e as atividades realizadas para alcançá-los encontram-se detalhados no Quadro 1, no Apêndice.

Método

Participantes:

Dentre o conjunto de escolas de um município do interior de São Paulo que se voluntariaram para receber o programa de intervenção, foram sorteadas duas para compor os grupos experimental e controle. Todos os professores do ensino fundamental de ambas escolas foram convidados a integrar a pesquisa. A amostra foi composta por 27 professores. Participaram do estudo 14 professores no Grupo Experimental (GE), todos do gênero feminino, e 13 no grupo de controle (GC), 11 do gênero feminino e 2 do masculino. A faixa etária dos participantes do GE foi assim distribuída: 23-30 anos (n=4; 29%), 31-50 anos (n=9; 64%) e acima de 51 (n=1; 7%). No GC as idades variaram: até 22 anos (n=1; 7,6%), 23-30 anos (n=2; 15,5%), 31-50 anos (n=9; 69,3%) e acima de 51 (n=1; 7,6%). Quanto ao tempo de magistério, no GE os participantes possuíam: nenhuma experiência (n=2; 14,3%), de 4-10 anos (n=4; 28,6%), acima de 11 anos (n=8; 57,1%). Já no GC, o tempo de magistério variou entre: nenhuma experiência (n=1; 7,8), de 1-3 anos (n=2; 15,4%), de 4-10 anos (n=4; 30,7%), acima de 11 anos (n=6; 46,1%).

Instrumentos:

Aplicados no pré-teste para ambos os grupos:

  1. “Como eu ensino e motivo um aluno desmotivado”. Desenvolvido por Reeve, Bolt e Cai (1999)Reeve, J., Bolt, E., & Cai, Y. (1999). Autonomy-supportive teachers: How they teach and motivate students. Journal of Educational Psychology, 91(3), 537., solicitava ao participante que descrevesse brevemente uma situação em que agiu para motivar seu aluno.

  2. “Questões sobre a autorreflexão de professores” (Machado & Boruchovitch, 2014Machado, A. C. T. A. & Boruchovitch, E. (2014). Como motivar estudantes: uma proposta de intervenção autorreflexiva para a capacitação de professores em Teorias Sociocognitvas da Motivação.Unicamp, manuscrito não publicado.). Havia três questões autorreflexivas que buscavam identificar as concepções e as práticas adotadas pelos professores em relação a suas motivações para aprender.

Responda as perguntas abaixo, procurando ser o mais sincero possível.

  1. Que tipo de aula o motiva, quando é você que está assistindo?

  2. O que você faz quando tem que estudar algum conteúdo e se sente desmotivado?

  3. O que você faz para dar aulas que motivem os seus alunos?

Aplicados no pós-teste em ambos os grupos:

Na etapa do pós-teste foram reaplicados os instrumentos utilizados na etapa do pré-teste.

Aplicados no pós-teste postergado – apenas para o grupo experimental

  • 3. “Questões sobre a autorreflexão de professores” (Machado & Boruchovitch, 2014Machado, A. C. T. A. & Boruchovitch, E. (2014). Como motivar estudantes: uma proposta de intervenção autorreflexiva para a capacitação de professores em Teorias Sociocognitvas da Motivação.Unicamp, manuscrito não publicado.). O instrumento é composto por duas questões autorreflexivas e foi aplicado três meses após o término do programa de intervenção. A primeira questão investiga se o conhecimento adquirido no curso estava sendo utilizado pelos docentes em suas práticas pedagógicas. A segunda avalia se as teorias sociocognitivas da motivação e as atividades autorreflexivas contribuíram para os professores fortalecerem seus processos autorregulatórios como estudantes:

    1. Você está utilizando algum conhecimento que aprendeu no curso? ( ) Sim ( ) Não

      Em caso afirmativo, relate uma situação em que você utilizou tais conhecimentos em sala de aula. Em caso negativo, explique por quê.

    2. Agora, faça uma reflexão sobre você como estudante. O curso pôde de alguma maneira contribuir para melhorar suas habilidades de estudo e sua motivação para aprender? Se sim, descreva uma situação em que os conhecimentos adquiridos foram úteis para fortalecer a sua forma de aprender. Se não, gostaríamos que nos explicasse por quê.

Procedimentos de coleta de dados:

A coleta de dados foi realizada em duas etapas, previamente agendadas, nos horários de maior conveniência das escolas e dos professores que aceitaram participar. Após o contato com a Secretaria de Educação local, ofertou-se uma formação psicopedagógica em teorias sociocognitivas da motivação em um encontro destinado somente para coordenadores ou diretores de escolas do ensino fundamental. Aproveitou-se a oportunidade para fazer um levantamento sobre quais coordenadores gostariam de receber, em suas escolas, um programa de intervenção em teorias sociocognitivas da motivação, no formato de um curso de capacitação para os professores abordando motivação no contexto escolar. Diversas escolas manifestaram interesse em participar do curso “Como motivar estudantes no contexto escolar”. No entanto, foram selecionadas apenas duas delas para o desenvolvimento da pesquisa. Feito o sorteio para determinar qual escola comporia o grupo controle e qual delas seria o experimental, a primeira autora fez contato com as diretoras das escolas selecionadas. Na segunda etapa, com a pesquisa já aprovada tanto pelo comitê de ética como pela Secretaria de Educação do munícipio, um estudo de delineamento quase experimental foi conduzido. Para participar da pesquisa, os professores precisaram assinar o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE). O grupo experimental (GE) foi avaliado em quatro fases: pré-teste, intervenção, pós-teste e pós-teste postergado. A primeira e a última sessão de intervenção foram utilizadas para a aplicação do pré e do pós-teste; o pós-teste postergado foi aplicado três meses após o fim da intervenção. O grupo controle (GC) participou das fases de pré-teste e pós-teste. A aplicação dos questionários foi feita em local e dia diferentes no GE. Os horários destinados para a coleta de dados e para o desenvolvimento do programa de intervenção foram acordados com a direção da escola, que disponibilizou semanalmente o Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC), cuja duração era de duas horas.

Procedimentos de análise:

Para os dados coletados pelo instrumento “Como eu ensino e motivo um aluno desmotivado” e para as informações fornecidas no questionário sobre autorreflexão, ambos qualitativos, foram feitas análises de conteúdo das respostas. Esse método de análise dos resultados é amplamente utilizado em pesquisas qualitativas e se baseia principalmente no protocolo desenvolvido por Bardin (2011)Bardin, L. (2011). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70.. A primeira etapa, pré-análise, foi realizada para sistematizar as ideias iniciais, tendo como diretriz os objetivos da pesquisa e os referenciais teóricos. Assim, estabeleceram-se os indicadores para a interpretação das informações coletadas. A segunda etapa, exploração do material, consistiu na construção das operações de codificação (Mendes & Miskulin, 2017Mendes, R. M., & Miskulin, R. G. S. (2017). A análise de conteúdo como uma metodologia. Cadernos de Pesquisa, 47(165), 1044-1066.). O texto foi recortado em unidades de registro, depois foi estabelecida a regra de contagem, classificação e, finalmente, a agregação das informações em categorias temáticas. A terceira etapa compreendeu o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação, tendo em vista capturar o conteúdo manifesto e latente contido em todo o material obtido.

Resultados e Discussão

A sessão dos resultados foi dividida em duas partes. A primeira descreve e analisa o impacto do “Programa autorreflexivo de intervenção em teorias sociocognitivas da motivação” no professor como estudante. Já a segunda discorre sobre esse impacto em relação a sua prática pedagógica.

O impacto do “Programa autorreflexivo de intervenção em teorias sociocognitivas da motivação” no professor como estudante.

Os resultados que evidenciaram a dimensão de estudante do professor foram coletados por meio do Instrumento 2, Questões autorreflexivas. A Tabela 1 mostra as respostas dos professores à pergunta: “Que tipo de aula o motiva quando você está assistindo?”. As categorias emergiram a partir das respostas fornecidas pelos participantes e foram organizadas de acordo com a frequência da ocorrência.

Tabela 1
Tipologia de aula ideal na concepção dos professores no pré e pós-teste

É possível notar que no pré-teste os dois grupos se aproximam, ao definir o que seria uma aula interessante quando estão na posição de alunos. A categoria mais recorrente atribui o sucesso de uma aula aos procedimentos metodológicos utilizados. De acordo com os participantes, uma aula motivadora seria dinâmica, ou seja, mesclaria teorias com debates e atividades práticas, preferencialmente relacionando o conteúdo ensinado a situações reais e significativas. Além disso, para torná-la mais interessante, o professor deveria utilizar recursos de multimídia – vídeos, áudios, internet, entre outros – como apoio ao conteúdo selecionado.

No pós-teste, tanto para o GE quanto para o GC, a categoria mais escolhida foi características das aulas, e, entre as respostas, as qualidades mais citadas foram “dinâmicas” e “interativas”. No entanto, o GE demonstrou ter mais variedades quanto às qualidades de uma boa aula. Em alguns depoimentos ficou claro que o curso, ao trabalhar com os constructos e as práticas orientadas pelas teorias sociocognitivas da motivação, teve um impacto positivo sobre a percepção dos participantes, conforme este exemplo:

P5: Aulas dinâmicas, em que, além de pensar no conteúdo, eu possa agir, ou seja, ter também a prática.

P12: Aulas dinâmicas, participativas, que me coloquem a refletir sobre o assunto e que sejam significativas.

Tanto no pré como no pós-teste, em ambos os grupos, a motivação foi relacionada à qualidade da aula, ou seja, para uma aula ser interessante, ela deveria ser dinâmica, interativa, envolver desafios e novidades. Esse achado é coerente com o de outros pesquisadores (Reeve, Ryan, & Deci, 2018Reeve, J., Ryan, R. M., & Deci, E. L. (2018). Sociocultural influences on student motivation as viewed through the lens of self-determination theory. Big Theories Revisited, 2, 15-40.; Ryan & Deci, 2020Ryan, R. M., & Deci, E. L. (2020). Intrinsic and extrinsic motivation from a self-determination theory perspective: Definitions, theory, practices, and future directions. Contemporary Educational Psychology, 61(101860). doi:10.1016/j.cedpsych.2020.101860
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). O uso de estratégias de embelezamento e de recursos que apelam ao senso de competência, autonomia e pertencimento há tempos se relaciona ao sucesso do processo de ensino-aprendizagem (Cheon & Reeve, 2015Cheon, S. H., & Reeve, J. (2015). A classroom-based intervention to help teachers decrease students’ amotivation. Contemporary Educational Psychology, 40, 99-111.).

A segunda questão desse instrumento perguntava ao participante o que ele faz quando tem que estudar um conteúdo e se sente desmotivado. As respostas estão organizadas na Tabela 2.

Tabela 2
Respostas dos participantes quanto à desmotivação para estudar

No geral, os dois grupos reportaram tomar algum tipo de atitude em relação à desmotivação, mesmo que o assunto não lhes agradasse em ambas as fases. No entanto, no GE, na etapa do pós-teste, as respostas foram mais próximas às que se encontram na literatura da área sobre a autorregulação da aprendizagem (Machado & Boruchovitch, 2019Machado, A. C. T. A., & Boruchovitch, E. (2019). Formação Continuada de Professores: Sugestões Práticas para a promoção da autorreflexão e motivação para aprender. In: Boruchovitch, E., & Mezzalira, M. A. G. (Orgs.). Aprendizagem autorregulada - Como promovê-la no contexto educativo?. 1ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1, 169-181.; Steinbach & Stoeger, 2016Steinbach, J., & Stoeger, H. (2016). How primary school teachers’ attitudes towards self-regulated learning (SRL) influence instructional behavior and training implementation in classrooms. Teaching and teacher education, 60, 256-269.; Zimmerman, 2002Zimmerman, B. J. (2002). Becoming a self-regulated learner: An overview. Theory into Practice, 41(2), 64-70.), em comparação com a fase de pré-teste. Os exemplos que se seguem ilustram esta afirmação:

P3 – Vejo se terei outra data para este estudo. Caso não tenha, me esforço para realizá-lo.

P8 – Tento me concentrar e relembrar minha meta que é aprender sobre tal assunto.

P9 – Procuro pensar no que o conteúdo acrescentará em minha prática.

P12 – Continuo estudando e procurando outras estratégias para finalizar.

P7 – Procuro pensar que o conteúdo poderá me ser útil, então procuro estudar visando alcançar e atingir os objetivos propostos.

Os resultados do pré-teste evidenciaram que os participantes do GC relataram maior uso de estratégias de aprendizagem, sobretudo as metacognitivas, quando comparados ao GE. Nesta categoria, encontravam-se comportamentos como estratégias de planejamento, monitoramento e regulação.

Após o período de intervenção, pode-se perceber um aumento nos depoimentos quanto ao uso de estratégias metacognitivas para os participantes do GE. Esta evidência pôde ser observada tanto nas respostas aos instrumentos como também nas atividades autorreflexivas. Essa mudança é relevante, pois, de acordo com Boruchovitch (2008)Boruchovitch, E. (2008). A motivação para aprender de estudantes em cursos de formação de professores. Educação, 31(1), 30-38., o uso de estratégias metacognitivas está grandemente associado à autorregulação da aprendizagem, permitindo que os indivíduos, em situações futuras, empenhem mais esforços nas tarefas e, dessa forma, alcancem uma aprendizagem mais profunda e significativa (Ardasheva et al., 2017Ardasheva, Y., Wang, Z., Adesope, O. O., & Valentine, J. C. (2017). Exploring effectiveness and moderators of language learning strategy instruction on second language and self-regulated learning outcomes. Review of Educational Research, 87(3), 544-582.; Dembo, 2001Dembo, M. H. (2001). Learning to teach is not enough-future teachers also need to learn how to learn. Teacher Education Quarterly, 28(4), 23-35.; Godfrey, 2014Godfrey, T. K. (2014). Self-regulated learning intervention: Teaching metacognition to enhance school performance and motivation of middle school students. Senior Thesis, Trinity College, Hartford.). O aprendizado desse tipo de estratégias por parte dos professores poderá promover futuramente o ensino e o desenvolvimento dessas habilidades em seus alunos (Szücs, 2018Szücs, I. Z. (2018). Teacher trainers’ self-reflection and self-evaluation. Acta Educationis Generalis, 8(2), 9-23.).

A terceira questão proposta nesse instrumento solicitava ao participante que descrevesse o que ele faz para dar aulas que motivem os seus alunos. A Tabela 3 sintetiza as respostas obtidas.

Tabela 3
O que faço para dar boas aulas?

Foi possível notar que, para os dois grupos de professores, dar uma boa aula está associado com a qualidade da aula em si. Nesse sentido, os participantes destacam a importância de diversificar as estratégias, de utilizar jogos e brincadeiras e de aproximar o conteúdo programático à realidade do aluno. Bzuneck (2009)Bzuneck, J. A. (2009). A motivação do aluno: aspectos introdutórios. In E. Boruchovitch, & J. A. Bzuneck (Orgs.), A motivação do aluno: contribuições da Psicologia contemporânea (4a ed., pp. 9-36). Petrópolis: Vozes. argumenta que motivação autônoma e positiva no ambiente escolar está relacionada ao envolvimento de qualidade nas atividades, ao empreendimento de esforço para aprender tarefas desafiadoras, possibilitando, assim, a construção do conhecimento. Ryan e Deci (2020)Ryan, R. M., & Deci, E. L. (2020). Intrinsic and extrinsic motivation from a self-determination theory perspective: Definitions, theory, practices, and future directions. Contemporary Educational Psychology, 61(101860). doi:10.1016/j.cedpsych.2020.101860
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argumentam que as ações do professor em sala de aula que promoveriam os tipos de motivação autônoma são aquelas que procuram satisfazer as necessidades psicológicas básicas de todo o ser humano: a competência, o vínculo e a autonomia. Ademais, devem ser prescritas na aula tarefas significativas e ligadas ao mundo real, para contextualizar o aluno e mostrar as possibilidades de uso dos conhecimentos aprendidos. Os resultados apresentados na Tabela 3 corroboram os encontrados na literatura, já que os professores foram capazes de, no pós-teste, reconhecer essas qualidades citadas anteriormente (Haerens et al., 2015Haerens, L., Aelterman, N., Vansteenkiste, M., Soenens, B., & Van Petegem, S. (2015). Do perceived autonomy-supportive and controlling teaching relate to physical education students’ motivational experiences through unique pathways? Distinguishing between the bright and dark side of motivation. Psychology of Sport and Exercise, 16, 26-36.; Reeve & Cheon, 2016Reeve, J., & Cheon, S. H. (2016). Teachers become more autonomy supportive after they believe it is easy to do. Psychology of Sport and Exercise, 22, 178-189.; Ryan & Deci, 2020Ryan, R. M., & Deci, E. L. (2020). Intrinsic and extrinsic motivation from a self-determination theory perspective: Definitions, theory, practices, and future directions. Contemporary Educational Psychology, 61(101860). doi:10.1016/j.cedpsych.2020.101860
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).

O impacto do “Programa autorreflexivo de intervenção em teorias sociocognitivas da motivação” na prática pedagógica do professor.

A Tabela 4 mostra os resultados da análise do Instrumento 1. Os dados possibilitaram avaliar a segunda parte da hipótese – de que o curso aperfeiçoaria o conhecimento dos professores participantes a respeito de motivação e desmotivação.

Tabela 4
Conceitos dos participantes acerca da desmotivação dos alunos

Para os professores do GE, a desmotivação parece estar ligada principalmente ao baixo valor estimado à tarefa, à falta de energia e esforço para o envolvimento nas atividades propostas e às características pessoais do aluno. A Professora 7 descreveu: “Semana passada me deparei com um aluno desmotivado, com um olhar triste, sem vontade de se sentar e pegar o material para a aula”; já a Professora 3 relatou: “Lembro de uma turma em que existiam vários alunos nesta situação. Por mais que você fizesse, não conseguia atingir o aluno. Era aquele que demonstrava que tanto faz, nada o abalava, nada o motivava”.

Para os professores do GC, na categoria desmotivação, as justificativas por baixo valor da tarefa e por características pessoais dos alunos foram as mais citadas. A Professora 10C relata: “aluna do nono ano, que não gosta de práticar educação fisica, recusando-se a participar das aulas práticas”. A Professora 5C descreve: “não participa das aulas, não responde ao que o professor pergunta, não interage com os colegas e acha tudo chato”.

Foi interessante notar que, após o programa de intervenção, os professores do GE aumentaram a atribuição à desmotivação por baixo valor estimado à tarefa, falta de energia e esforço para o envolvimento nas atividades propostas e diminuíram a atribuição em relação à justificativa relativa a características pessoais dos alunos.

Professora 6 – Hoje mesmo conversei com um aluno muito desmotivado e tentei fazer com que ele refletisse que as ações dele devem mudar, o esforço tem que vir de dentro dele.

Professora 11 – Estou trabalhando o projeto Copa do Mundo há mais ou menos 45 dias e nesta semana estamos montando e expondo o que foi produzido no pátio da escola. Não consegui ver nenhum aluno apático porque todos estão engajados a expor o que produziram. Ou seja, um aluno desmotivado que normalmente não é ativo e participa pouco, em tarefas como essa atua naturalmente, porque consegue ver e desenvolver uma motivação tanto intrínseca como extrínseca para participar ativamente do processo de aprendizagem.

No GC, quatro professores não responderem à questão. Os que descreveram o aluno desmotivado optaram em maior número pela categoria atrelada às características pessoais dos alunos. Entre os exemplos desse grupo, a Professora V. relata: “aluno apático, que prefere copiar as respostas a tentar solucionar os desafios, não quer ter que passar pelo erro, prefere esperar a solução”.

Os resultados que surgiram no pré-teste sobre a definição de desmotivação evidenciam que ambos os grupos possuíam concepções próximas às categorias elaboradas originalmente pela literatura da área (Cheon & Reeve, 2015Cheon, S. H., & Reeve, J. (2015). A classroom-based intervention to help teachers decrease students’ amotivation. Contemporary Educational Psychology, 40, 99-111.; Reeve et al., 2018Reeve, J., Ryan, R. M., & Deci, E. L. (2018). Sociocultural influences on student motivation as viewed through the lens of self-determination theory. Big Theories Revisited, 2, 15-40.; Ryan & Deci, 2020Ryan, R. M., & Deci, E. L. (2020). Intrinsic and extrinsic motivation from a self-determination theory perspective: Definitions, theory, practices, and future directions. Contemporary Educational Psychology, 61(101860). doi:10.1016/j.cedpsych.2020.101860
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). Foi possível notar, no entanto, que alguns docentes relacionaram a desmotivação à indisciplina e a componentes de agressividade. De acordo com Cheon e Reeve (2015)Cheon, S. H., & Reeve, J. (2015). A classroom-based intervention to help teachers decrease students’ amotivation. Contemporary Educational Psychology, 40, 99-111., a desmotivação se aproximaria mais de um estado de apatia, em que os alunos possuem pouca ou nenhuma razão para investir a energia e o esforço necessários para aprender ou para realizar algo. Dessa forma, comportamentos como conversas, bagunças e agressividade seriam esperados para um aluno que simplesmente não vê necessidade de se envolver com o ambiente de sala de aula. No pós-teste, foi possível perceber que os professores do GE, em seus relatos, descreveram o aluno desmotivado com mais conhecimento teórico, aproximando-se da definição proposta por Cheon e Reeve (2015)Cheon, S. H., & Reeve, J. (2015). A classroom-based intervention to help teachers decrease students’ amotivation. Contemporary Educational Psychology, 40, 99-111., Ryan e Deci (2020)Ryan, R. M., & Deci, E. L. (2020). Intrinsic and extrinsic motivation from a self-determination theory perspective: Definitions, theory, practices, and future directions. Contemporary Educational Psychology, 61(101860). doi:10.1016/j.cedpsych.2020.101860
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e Ryan, Soenens e Vansteenkiste (2019)Ryan, R. M., Soenens, B., & Vansteenkiste, M. (2019). Reflections on self-determination theory as an organizing framework for personality psychology: Interfaces, integrations, issues, and unfinished business. Journal of Personality, 87(1), 115-145.. No GC, alguns professores não definiram o termo, e os que o fizeram adotaram palavras como “desinteresse”, “tristeza” e “ausência”, para referir-se à desmotivação. Observa-se que nos dois grupos as definições foram bem próximas ao que é proposto teoricamente (Ryan & Deci, 2020Ryan, R. M., & Deci, E. L. (2020). Intrinsic and extrinsic motivation from a self-determination theory perspective: Definitions, theory, practices, and future directions. Contemporary Educational Psychology, 61(101860). doi:10.1016/j.cedpsych.2020.101860
https://doi.org/10.1016/j.cedpsych.2020....
).

No entanto, o procedimento de intervenção pode ter gerado uma definição mais clara sobre os conceitos de motivação e desmotivação para os professores do GE. Em uma outra perspectiva, adotar uma definição de desmotivação baseada na falta de esforço, ou seja, na falta de vontade de gastar a energia necessária para executar um comportamento ou tarefa particular, é mais interessante e passível de superação, pois o professor poderá estimular e criar estratégias para que o aluno empenhe mais energia nas futuras atividades.

As respostas à segunda questão, relativa às estratégias utilizadas para motivar esses alunos, podem ser vistas na Tabela 5.

Tabela 5
Descrição das estratégias para motivar um aluno desmotivado

Na etapa do pré-teste do GE, as categorias foram bem equilibradas quanto à ocorrência. Como exemplo de resposta, a Professora 3 relatou:

Naquela época, decidi tentar ser “amiga”. Era uma classe difícil, de um projeto complicado. Aproximei-me deles barganhando, por exemplo, “tente resolver este exercício, que disputo uma bola na quadra”, ou “faça aquela atividade que tiraremos ‘braço de ferro’”, e assim por diante. Dessa forma, aquela turma, em especial, pôde contar comigo em momentos do dia a dia. Eu precisava ensiná-los as coisas de escola, mas também mostrar um pouco da vida lá fora. Precisava mostrar para eles outro caminho que não fosse o de drogas, roubos e maus tratos. Gostei dos resultados.

A Professora 6 descreveu que “Conversar e compreender o aluno faz com que essa interação contribua para uma relação de confiança. Isso pode resultar em mudanças de atitudes para ambos os lados”.

Em ambos os depoimentos pode-se perceber a vontade do professor de criar um clima de empatia que favoreça o vínculo e um ambiente mais agradável para o aprender. Num outro depoimento, no entanto, fica evidente que, às vezes, só as ações do professor e da equipe pedagógica são insuficientes para resolver os problemas em sala. É o que relatou a Professora 8:

Para tentar reverter essa situação, primeiramente conversei com o aluno e questionei o porquê de ele estar agindo daquela forma. Ele não esclareceu o motivo e no dia seguinte agrediu um colega de classe. Essa atitude fez com que o mesmo fosse advertido. O problema não foi solucionado, pois ele voltou a agredir fisicamente outro colega. Juntamente com a direção convocamos a mãe do mesmo, que por ter agredido um colega novamente, foi suspenso. Na conversa com a mãe, esta afirmou que em casa ele não a respeita e não ouve o que ela diz. Conversamos com ela sobre regras, respeito e limites, com a finalidade de que ela cobre dele isso em casa para que o mesmo respeite colegas e professores na escola.

Já no GC, na etapa do pré-teste, a categoria centrar-se no aluno foi observada na maioria das respostas. Foi interessante constatar que os professores do GC elaboraram relatos mais completos e alinhados com o discurso da promoção de autonomia do que os do GE, como pode ser visto na afirmação da seguinte professora:

Professora 2C – Para me aproximar destes alunos procurei conhecer sua realidade e o porquê de apresentar esse tipo de comportamento. Fui tentando várias maneiras de me aproximar, sempre com muita paciência e diálogo. O começo não foi nada fácil, mas o pós é muito gratificante. Você saber o que faz a pessoa ter tal atitude muda completamente sua meta. Sempre procuro novos caminhos para atingir meus objetivos. Procuro auxílio em conversas com colegas, coordenadora, sites, e pessoas especializadas. O melhor caminho é saber o que está fazendo o sujeito agir de tal forma. Após esse conhecimento, traçar metas e objetivos. Cada um tem uma maneira de ser e reagir. Precisamos tentar entender e ajudar nesse processo de aprendizagem.

Os resultados do pós-teste evidenciaram um aumento das respostas de interações promotoras de autonomia relatadas pelos professores do GE, quando comparadas ao GC. No GE três categorias se destacaram: centrar-se no aluno, nutrir a competência e valorizar a tarefa. Como exemplo de depoimento, pode-se citar:

Professora 4 – Conversei com ele, orientando-o a realizar as tarefas, pois sua atitude indicava desmotivação, mas que eu tinha certeza de que ele poderia se sair bem melhor se tentasse realizar as atividades.

Já o GC teve um número menor deste tipo de respostas do que o G.E. As categorias mais citadas foram: centrar-se no aluno, incentivar a iniciativa e mostrar as razões. Os relatos foram mais sucintos, se comparados à etapa do pré-teste. No entanto, o conteúdo das respostas também estava em consonância com o que é proposto teoricamente por Ryan e Deci (2020)Ryan, R. M., & Deci, E. L. (2020). Intrinsic and extrinsic motivation from a self-determination theory perspective: Definitions, theory, practices, and future directions. Contemporary Educational Psychology, 61(101860). doi:10.1016/j.cedpsych.2020.101860
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no que concerne a estratégias para promover a motivação para aprender. Como exemplo, cita-se:

Professora 2C – Chamei o aluno para conversar sozinho comigo e perguntei o que estava acontecendo com ele/na família. A partir daí, busquei soluções para encorajar esse aluno a se levantar e seguir em frente, mostrando que há várias possibilidades e saídas.

Os resultados do pós-teste mostraram um aumento no relato de uso de estratégias de suporte à autonomia dos participantes do GE, ao estimular sua motivação autônoma. Para esse grupo, ideias como entender a situação em que o aluno está e nutrir sua necessidade de competência apareceram na maioria dos relatos.

Consistente com outros estudos experimentais realizados sob o enfoque da teoria da autodeterminação (Chatzisarantis & Hagger, 2009Chatzisarantis, N. L., & Hagger, M. S. (2009). Effects of an intervention based on self-determination theory on self-reported leisure-time physical activity participation. Psychology and Health, 24(1), 29-48.; Cheon & Reeve, 2015Cheon, S. H., & Reeve, J. (2015). A classroom-based intervention to help teachers decrease students’ amotivation. Contemporary Educational Psychology, 40, 99-111.; Reeve et al., 2018Reeve, J., Ryan, R. M., & Deci, E. L. (2018). Sociocultural influences on student motivation as viewed through the lens of self-determination theory. Big Theories Revisited, 2, 15-40.; Ryan & Deci, 2020Ryan, R. M., & Deci, E. L. (2020). Intrinsic and extrinsic motivation from a self-determination theory perspective: Definitions, theory, practices, and future directions. Contemporary Educational Psychology, 61(101860). doi:10.1016/j.cedpsych.2020.101860
https://doi.org/10.1016/j.cedpsych.2020....
; Ryan et al., 2019Ryan, R. M., Soenens, B., & Vansteenkiste, M. (2019). Reflections on self-determination theory as an organizing framework for personality psychology: Interfaces, integrations, issues, and unfinished business. Journal of Personality, 87(1), 115-145.), os dados do presente estudo revelaram que os professores que fizeram parte da intervenção aumentaram o relato de uso de estratégias que favorecem a motivação.

Pós-Teste Postergado

A etapa do pós-teste postergado, realizada três meses após o encerramento da intervenção, teve como finalidade identificar se o programa de intervenção promoveu mudanças positivas na aprendizagem dos participantes como estudantes e como professores. Dela participaram 11 professores do GE, do total inicial de 14. A primeira pergunta do questionário era: “Você está utilizando algum conhecimento que aprendeu no curso?”. Todos os professores assinalaram que sim. A segunda pergunta então solicitava: “Em caso afirmativo, ilustre uma situação em que você utilizou tais conhecimentos em sala de aula. Em caso negativo, explique por quê”.

As respostas obtidas foram, em sua maioria, positivas. Em relação aos ganhos para a prática pedagógica, pode-se citar: uso de metodologias mais colaborativas, como rodas de conversa; atividades em grupo; material interessante e desafiador; uso de outros espaços da escola; avaliações mais pontuais e próximas, sem deixar acumular muito conteúdo; participação ativa dos alunos. Para além desses ganhos, existem os benefícios pessoais, em relação à sua prática, alcançados pelos professores, tais como a confiança em sua capacidade de ensinar e a consciência do seu papel como influenciador e criador de situações que possam ajudar os seus alunos a se sentirem mais motivados.

A terceira parte do pós-teste solicitava que o participante fizesse uma reflexão sobre ele como estudante e, em seguida, respondesse a questão:

O curso pôde de alguma maneira contribuir para melhorar suas habilidades de estudo e sua motivação para aprender? Se sim, descreva uma situação em que os conhecimentos adquiridos foram úteis para fortalecer a sua forma de aprender. Se não, gostaríamos que nos explicasse por quê.

De acordo com os depoimentos dos professores, o curso pôde proporcionar benefícios pessoais e relacionados à autorregulação da aprendizagem: melhor gerenciamento de tempo, concentração, esforço, uso da autorreflexão para outras atividades de aprendizagem, valorização do conhecimento a ser aprendido, reconhecimento das limitações e das necessidades de melhoria em situações de estudo, e motivação para o aprender. Constata-se, pois, que os benefícios para a prática docente são expressos pelas novas formas de compreender a motivação do aluno, de propor avaliações, de planejar a aula, entre outros já citados. Esses efeitos são positivos e refletem o alcance do objetivo do presente estudo, haja vista as mudanças qualitativas na percepção dos professores acerca de si como estudantes e de suas práticas educativas (Boruchovitch & Machado, 2017Boruchovitch, E., & Machado, A. C. T. A. (2017). Autorregulação da aprendizagem na formação inicial e continuada de professores; como intervir para desenvolver?. In Polydoro, S. (Org.). Promoção da autorregulação da aprendizagem: Contribuições da Teoria Social Cognitiva. 1ed.Porto Alegre: Letra 1, 1, 89-104.; Flores, 2012Flores, M. A. A. (2012). Formação de professores e a construção da identidade profissional. In L. M. L. Frison, A. M. Veiga Simão, & M. H. M. B. Abrahão, Autorregulação da aprendizagem e narrativas autobiográficas: epistemologia e prática (pp. 93-111). Natal: EDUFRN; Porto Alegre: EDIPUCRS; Salvador: EDUNEB.; Frison & Veiga Simão, 2011Frison, L. M. B., & Veiga Simão, A. M. (2011). Abordagem (auto)biográfica-narrativas de formação e de autorregulação da aprendizagem reveladas em portfólios reflexivos. Educação, 34(2), 198-206.; Machado & Boruchovitch, 2019Machado, A. C. T. A., & Boruchovitch, E. (2019). Formação Continuada de Professores: Sugestões Práticas para a promoção da autorreflexão e motivação para aprender. In: Boruchovitch, E., & Mezzalira, M. A. G. (Orgs.). Aprendizagem autorregulada - Como promovê-la no contexto educativo?. 1ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1, 169-181.).

Considerações finais

O contexto atual da educação brasileira requer, por meio do Plano Nacional de Educação 2014-2024 (Brasil, 2014Brasil. (2014). Ministério da Educação. Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino. Planejando a próxima década. Conhecendo as 20 metas do Plano Nacional de Educação. Brasília, DF: MEC/SASE.), que a formação e a capacitação docente sejam um processo permanente e inovador. Este artigo apresentou os resultados de uma pesquisa que se propôs a este fim, com o propósito de construir e analisar a eficácia de um programa autorreflexivo de intervenção desenvolvido em um curso de formação continuada para professores sobre motivação no contexto escolar. Pode-se perceber que os resultados, ainda que modestos em alguns aspectos, foram muito promissores e revelaram ganhos importantes para o grupo experimental que participou da intervenção.

A análise do impacto do programa de intervenção no professor como estudante revelou ganhos em autoconsciência sobre gerenciamento de tempo, aumento de concentração e esforço, ampliação do uso da autorreflexão em outras atividades de aprendizagem, maior valorização do conhecimento a ser aprendido, reconhecimento das próprias limitações e necessidades de melhoria em situações de estudo. Já o professor como professor ampliou seu conhecimento sobre as teorias sociocognitivas que embasam a motivação para aprender e as práticas para promover a motivação autônoma, como, por exemplo, maior fomento a atividades cooperativas que estimulem a participação do aluno e que supram suas necessidades psicológicas básicas. Os professores passaram também a compreender melhor a importância do uso de atividades mais desafiadoras e significativas e de avaliações mais próximas e pontuais. Os processos de aprendizagem dos docentes afetam o modo como ensinam, e uma maneira de influenciar suas estratégias de ensino é, portanto, enriquecer o seu comportamento como professores-alunos. Se experimentarem a eficácia das próprias habilidades de autorregulação, os professores podem se tornar mais propensos a promovê-las em seus alunos.

Para além destas considerações, tem-se a expectativa de que o presente estudo possa estimular pesquisadores brasileiros a investir em intervenções com professores em temas relacionados à psicologia cognitiva, principalmente no que concerne à aprendizagem autorregulada e à motivação para aprender. Por meio de iniciativas como essas, podem-se esperar mais dados e informações para construir outras propostas que auxiliem os docentes das mais diversas escolas e regiões do país. Assim, estimulam-se o desenvolvimento do pensamento científico e a produção de conhecimentos entre os diversos profissionais na área da educação. Sugere-se que futuras intervenções procurem conscientizar os professores acerca de abordagens alternativas para o ensino, buscando formas de promover a autorrealização docente por meio da autorreflexão e do autodesenvolvimento. Focar nos temas abordados no programa de intervenção proposto também é uma direção futura positiva, visto que, na graduação, os assuntos ora tratados são pouco explorados. Se apreendidos em profundidade, trarão, certamente, muitos benefícios ao processo ensino-aprendizagem.

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    Normalização, preparação e revisão textual: Ailton Junior – revisao@tikinet.com.br
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    Revisão (inglês): Viviane Ramos - vivianeramos@gmail.com
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    Apoio: A segunda autora agradece o apoio do CNPq.
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    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001, em conformidade com a Portaria CAPES nº 206, de 4 de setembro de 2018.

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APÊNDICE

Quadro 1
Programa autorreflexivo de intervenção em teorias sociocognitivas da motivação
1
Editor responsável: Adriana Varani. https://orcid.org/0000-0002-7480-4998

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    19 Ago 2020
  • Aceito
    17 Dez 2020
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