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Um currículo para médicos em Cuba pela solidariedade política no campo da saúde: possível explicação para a atuação no programa “Mais Médicos” 1 1 Editor responsável: Ana Lúcia Guedes-Pinto. https://orcid.org/0000-0002-0857-8187 2 2 Normalização, preparação e revisão textual: Ailton Junior – revisao@tikinet.com.br 3 3 Apoio: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)

Resumo

O presente trabalho tem como objetivo estudar o currículo formal de medicina destinado à formação de médicos cubanos, para identificar possíveis explicações sobre algumas diferenças de suas práticas, já identificadas por diferentes estudos sobre o programa Mais Médicos (PMM). Para tanto, desenvolvemos um estudo exploratório qualitativo, documental e bibliográfico. Para análise definimos dois eixos guias de leitura: (i) a construção do currículo e a conexão sociocultural refletida em raciocínios pedagógicos; (ii) o modelo de educação médica em conexão com o sistema de saúde. Identificamos no currículo estudado características que o aproxima de uma perspectiva decolonial, isto é, o encontro com o “outro” não acontece para dominar, mas para apoiar e trocar, em uma perspectiva de solidariedade política por meio de ações de saúde, com missões médicas. O currículo preza pela medicina integral, estrutura-se por medicina ético-humanista, perspectivas fundamentais para as demandas da prática médica no PMM.

Palavras-chave
currículo; Cuba; programa Mais Médicos; solidariedade política; decolonial

Abstract

This aim of this article is to study the formal medical curriculum for the education of Cuban physicians to identify possible explanations for some differences in their practices, already identified by different studies on the “More Doctors Program” (PMM)5 5 PMM – the More Doctors Program called Programa Mais Médicos (PMM) in Brazil . To do so, we developed a qualitative, documental and bibliographic exploratory study. Therefore, we defined two reading guide axes for the analysis: (i) the construction of the curriculum and the socio-cultural connection reflected in pedagogical reasoning; (ii) the model of medical education in connection with the health system. We identified characteristics in the curriculum studied that tend towards a decolonial perspective, that is, that the encounter with the “other” is not to dominate, but to support and exchange, from a perspective of political solidarity through health actions, with medical missions. There is a lot of emphasis on comprehensive medicine in the curriculum and it is structured by ethical-humanistic medicine, which is a fundamental perspective for the demands of medical practice in the More Doctors Program.

Keywords
curriculum; Cuba; More Doctors program; political solidarity; decolonial

Introdução

A baixa oferta de médicos no Brasil, especialmente em áreas vulneráveis, é um dos problemas estruturais que afeta o Sistema Único de Saúde (SUS). Temos no país um número insuficiente de médicos por habitante4 4 No período da criação do programa, a média brasileira era de 1,8 médicos/mil habitantes. Em se tratando de outros países como Argentina e Uruguai, a média era de 3,2 e 3,7 médicos/mil habitantes, respectivamente. Nos Estados Unidos são 2,4; no Reino Unido, 2,7; na França, 3,5; em Portugal, 3,9; na Espanha, 4; e, em Cuba, 6,4. Ainda, no Brasil, cinco estados apresentavam-se abaixo da média, com menos de 1 médico/mil habitantes: Acre, Amapá, Maranhão, Pará e Piauí (Girardi et al., 2016). - se compararmos com outros países -, somado a mais um agravante: a má distribuição desses profissionais em todo o território nacional (Girardi et al., 2016Girardi, S. N. et al. (2016). Impacto do Programa Mais Médicos na redução da escassez de médicos em Atenção Primária à Saúde. Ciência & saúde coletiva, 21(9), 2675-2684.). Há uma clara preferência de médicos e médicas brasileiras em fixar residência em regiões de maior porte e mais desenvolvidas economicamente. “Logo, são as regiões mais carentes e/ou remotas que apresentam maior dificuldade de atração e fixação de profissionais médicos” (Stralen, Massote, Carvalho, & Girardi, 2017Stralen, A. C. S. V., Massote, A. W., Carvalho, C. L., & Girardi, S. N. (2017). Percepção de médicos sobre fatores de atração e fixação em áreas remotas e desassistidas: rotas da escassez. Physis, 27(1), 147-172. doi:10.1590/s0103-73312017000100008
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, p. 148). O problema toma uma dimensão ainda maior considerando que são justamente essas as áreas que demandam maior cuidado, em uma perspectiva de bem-estar social. E essas áreas mais remotas são encaradas como menos atrativas para os médicos, com menor poder de fixação desses profissionais.

Em resposta a tal questão foi criado pelo governo federal o programa Mais Médicos (PMM)5 5 O PMM foi instituído pela Medida Provisória nº 621, de 8 de julho de 2013. Em seguida, com a Portaria Interministerial nº 1.369, de 8 de Julho de 2013, o governo federal dispõe sobre a implementação do “projeto Mais Médicos para o Brasil”. Na mesma portaria ainda ficou definido que os municípios prioritários para receber os médicos seriam aqueles localizados em áreas de difícil acesso, de difícil provimento de médicos ou com populações em situação de maior vulnerabilidade, definidas com base nos critérios estabelecidos pela Portaria nº 1.377/GM/MS, de 13 de junho de 2011, e que se enquadrem em pelo menos uma das seguintes condições: (i) ter o município 20% ou mais da população vivendo em extrema pobreza, com base nos dados do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), disponíveis no endereço eletrônico www.mds.gov.br/sagi; (ii) estar entre os 100 municípios com mais de 80 mil) habitantes, com os mais baixos níveis de receita pública per capita e alta vulnerabilidade social de seus habitantes; (iii) estar situado em área de atuação de Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI/SESAI/MS), órgão integrante da Estrutura Regimental do Ministério da Saúde; ou (iv) estar nas áreas referentes aos 40% dos setores censitários com os maiores percentuais de população em extrema pobreza dos municípios. Esse último pré-requisito foi complementado com a Portaria Interministerial nº 1.493, de 18 de julho de 2013. A Lei nº 12.871, de outubro de 2013, institui o PMM e dá outras providencias. . Na época de sua criação, grande parte da população obteve acesso a informações sobre o programa por meio de notícias polêmicas, as quais retratavam conflitos entre entidades profissionais e o governo. A polêmica aumentou com a abertura para a participação de médicos cubanos. A vinda de um número razoável de médicos cubanos6 6 As vagas oferecidas pelo Ministério da Saúde para atuação na Atenção Primária à Saúde (APS) e não preenchidas por médicos brasileiros foram disponibilizadas para os estrangeiros devidamente inscritos no programa. O foco do governo federal eram países como Espanha, Portugal e Cuba, devido à formação qualificada na atenção primária e similaridade da língua (Morais et al., 2014, p. 117). para atuar no programa foi um dos motivos mais exaltados entre os posicionamentos que questionavam o PMM. Tal perspectiva somou-se ao incômodo causado pela dispensa concedida a médicos estrangeiros (e brasileiros formados fora do Brasil) do exame de revalidação do diploma, comumente conhecido como Revalida.

Entretanto, passados mais de cinco anos do PMM, é fato notório que os médicos cubanos mantiveram a qualidade da assistência prestada nas unidades básicas de saúde do país, conforme atestam Franco, Almeida e Giovanella (2018)Franco, C. M., Almeida, P. F., & Giovanella, L. (2018). A integralidade das práticas dos médicos cubanos no Programa Mais Médicos na cidade do Rio de Janeiro, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, 34(9), 1-17. Recuperado de http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2018000905012&lng=pt&nrm=iso
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na análise sobre “A integralidade das práticas dos médicos cubanos no programa Mais Médicos na cidade do Rio de Janeiro, Brasil”. Eles concluem que, além do acesso às consultas médicas e da oferta de cuidados integrais em saúde, o PMM tem contribuído para o fortalecimento da Atenção Primária à Saúde (APS). Ainda no mesmo estudo, os autores afirmam que a atuação dos médicos cubanos aconteceu de acordo com os princípios das práticas da APS, em um amplo leque de ações, coerentes com a complexidade dos problemas de saúde encontrados. Os profissionais apresentam uma reconhecida capacidade de inserção comunitária, com enfoque na prevenção de doenças e na promoção de saúde, com posturas técnicas, de acolhimento e relacionamento em equipe bem estruturadas.

Nesse contexto, dois aspectos chamam nossa atenção: o primeiro gesta-se no âmbito dos conflitos e polêmicas, a não aceitação por parte de médicos brasileiros relativa à vinda de estrangeiros e medida extraordinária de não aplicação do exame Revalida. O segundo, tomando por base os estudos realizados por Santos, Maciel, Lessa, Maia e Guimarães (2016)Santos, J. B. F., Maciel, R. H. M. O., Lessa, M. G. G., Maia, A. L. L. N., & Guimarães, E. P. A. (2016). Médicos estrangeiros no Brasil: a arte do saber olhar, escutar e tocar. Saúde e Sociedade, 25(4), 1003-1016. doi:10.1590/s0104-12902016163364
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; Terra, Borges, Lidola, Hernandez, Campos (2016)Terra, L. S. V., Borges, F. T., Lidola, M., Hernández, S. S., Millán, J. I. M., Campos, G. W. S. Análise da experiência de médicos cubanos numa metrópole brasileira segundo o Método Paideia. (2016). Ciência & saúde coletiva, 21(9), 2825-2836. doi:10.1590/1413-81232015219.15312016
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, refere-se ao reconhecimento da qualidade do trabalho dos médicos cubanos no PMM7 7 Reforçamos aqui que o trabalho dos médicos inseridos no PMM sempre aconteceu na APS. Assim, os estudos mencionados tratam da qualidade na assistência nesse nível da atenção. , o que contrariou todas as críticas. Após analisarem diversos aspectos da implementação do PMM, os autores Santos et al. (2019, p. 266)Santos, W., Comes, Y., Pereira, L. L., Costa, A. M., Merchan-Hamann, E., & Santos, L. M. P. (2019). Avaliação do Programa Mais Médicos: relato de experiência. Saúde em Debate, 43(120), 256-268. Recuperado de https://www.scielosp.org/article/sdeb/2019.v43n120/256-268/#
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concluem que “a presença dos médicos cubanos por aqui, nesses anos, deixou marcas fortes, resultantes de uma cultura médica distinta e necessária ao povo brasileiro”. E assim influenciaram “irreversivelmente na formação das futuras gerações de médicos e na organização dos serviços”. Os autores dizem ainda que é preciso se inspirar no trabalho dos cubanos para que possamos “efetivamente avançar para um sistema de saúde resolutivo, universal, integral e equânime” (Santos et al., 2019Santos, W., Comes, Y., Pereira, L. L., Costa, A. M., Merchan-Hamann, E., & Santos, L. M. P. (2019). Avaliação do Programa Mais Médicos: relato de experiência. Saúde em Debate, 43(120), 256-268. Recuperado de https://www.scielosp.org/article/sdeb/2019.v43n120/256-268/#
https://www.scielosp.org/article/sdeb/20...
, p. 266).

Dessa maneira, nosso argumento é que o currículo formal ministrado aos médicos cubanos, funciona como um território de possibilidades outras, com possíveis explicações sobre a performance qualitativamente diferenciada desses médicos no PMM. Ao estudar um currículo formal ministrado em uma escola de medicina de Cuba, não intencionamos caracterizar um caminho “perfeccionista” ou “salvacionista” para a formação geral de médicos. Consideramos que “um currículo é um território político, ético, estético que pode fazer a diferença na vida de muitas pessoas que dependem do currículo” (Paraíso, 2010Paraíso, M. A. (2010). Diferença no currículo. Cadernos de Pesquisa, 40(140), 587-604. doi:10.1590/S0100-15742010000200014
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, p. 588).

Além disso, pela perspectiva aqui adotada, compreendemos que essa diferença tem efeitos nas vidas afetadas pelos cuidados médicos recebidos no contato estabelecido via PMM. O currículo como um discurso (Corazza, 2001) afeta e constrói vidas. Ele serve para evidenciar uma trajetória marcada por habilidades, conflitos, lutas, encontros, escolhas. O presente estudo segue então um percurso de entrecruzamentos, de encontros, atento à interdisciplinaridade: currículo, medicina, um programa de saúde.

O estudo inicia com uma reflexão sobre como a mídia on-line divulgou o programa, isso porque a apresentação midiática do confronto entre as corporações médicas e as ações do governo foi instrumento para informar a população sobre o PMM. Isso aconteceu algumas vezes de maneira preconceituosa e com posicionamentos político-partidários, contrários ao governo da presidente Dilma Rousseff. Concordamos que, apesar da pequena quantidade de artigos estudados, “a mídia atua simultaneamente como espaço de reverberação do debate político e, também, como um ator político que influi na opinião pública acerca do Programa” (Silva, Rios, Soares, Pinto, & Teixeira, 2018Silva, V. O., Rios, D. R. S., Soares, C. L. M., Pinto, I. C. M., & Teixeira, C. F. (2018). O Programa Mais Médicos: controvérsias na mídia. Saúde em Debate, 42(117), 489-502. doi:10.1590/0103-1104201811712
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, p. 499). Em seguida debatemos o sentido da APS para o sistema de saúde brasileiro, pois um dos eixos norteadores do PMM volta-se para o fortalecimento desse nível da atenção. Por fim, analisamos o currículo formal ofertado a médicos em Cuba.

Abordagem metodológica

O ato de navegar no desenvolvimento de uma pesquisa nos apresenta como principal tarefa um caminho cercado pela constante reinventar e ressignificar (Paraíso, 2012Paraíso, M. A. (2012). Metodologias de pesquisas pós-críticas em educação e currículo: trajetórias, pressupostos, procedimentos e estratégias analíticas. In D. E. Meyer, & M. A. Paraíso (Orgs.), Metodologias de pesquisa pós-críticas em educação (pp. 23-45). Belo Horizonte: Mazza Edições.). Há no pesquisar uma preocupação com sentidos, sensibilidades, um cuidado com o dito, em uma dimensão ética, comprometimento metodológico. Os procedimentos no caminho da pesquisa respeitam, assim, estratégias rigorosas e inventivas. Porque a ida a campo no ambiente científico nos abre percursos, nem sempre “seguros”, pois pesquisamos as possibilidades de transgressão e produção de algo novo. Por isso precisamos ser “flexíveis” e “abertos a reorganizar” aquilo que abordamos (Paraíso, 2012Paraíso, M. A. (2012). Metodologias de pesquisas pós-críticas em educação e currículo: trajetórias, pressupostos, procedimentos e estratégias analíticas. In D. E. Meyer, & M. A. Paraíso (Orgs.), Metodologias de pesquisa pós-críticas em educação (pp. 23-45). Belo Horizonte: Mazza Edições.).

O percurso metodológico da pesquisa envolveu duas etapas. A princípio houve um movimento em retrospectiva, buscando sites de notícias, de modo a reunir algumas publicações no ano de 2013, considerando as seguintes palavras de busca: “Programa Mais Médicos”, “médicos cubanos”, “entidades médicas”. A busca (search) no Google por assunto e conteúdo foi uma maneira comum e acessível de identificar as primeiras notícias que trataram do PMM no ano de seu lançamento. Os portais escolhidos foram O Globo, Jornal do Comércio e EBC (Empresa Brasileira de Comunicação), porque foram os primeiros a aparecer na lista de busca. Na leitura investigamos os principais argumentos e conteúdos divulgados sobre o PMM, relacionados à vinda dos médicos cubanos para o Brasil. Em seguida, com o propósito de complementar os achados desse primeiro movimento de busca, pesquisamos no site SciELO Brasil – Biblioteca Eletrônica Científica Online – os artigos em que constassem, seja no título, seja no resumo, os seguintes descritores: “mídia” e “programa Mais Médicos”. Foram localizados apenas dois artigos, a saber: aquele realizado por Morais et al. (2014)Morais, I. et al. (2014). Jornais folha de São Paulo e Correio Braziliense: o que dizem sobre o Programa Mais Médicos?. Revista da Escola de Enfermagem da USP, 48(spe2), 107-115. doi:10.1590/S0080-623420140000800017
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com objetivo de analisar as publicações relacionadas ao PMM de julho a setembro de 2013 em Correio Braziliense e Folha de S.Paulo; e o de Silva et al. (2018)Silva, V. O., Rios, D. R. S., Soares, C. L. M., Pinto, I. C. M., & Teixeira, C. F. (2018). O Programa Mais Médicos: controvérsias na mídia. Saúde em Debate, 42(117), 489-502. doi:10.1590/0103-1104201811712
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, cujo objetivo foi explorar a repercussão do lançamento do PMM na mídia e as informações divulgadas sobre a formação dos médicos em Cuba.

Buscamos os projetos pedagógicos de curso (PPC) nos sites das universidades cubanas, entretanto, após várias tentativas, a estratégia não foi bem-sucedida. Em seguida fizemos contato direto com órgãos de supervisão de gestão do PMM em Minas Gerais, por e-mails8 8 A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), de acordo com a Resolução nº 466, de dezembro de 2012. Aprovação em novembro de 2018 com parecer favorável número: 3.021.804. . O acesso aos documentos aconteceu em outubro de 2018.

O currículo como discurso, como linguagem, observa Corazza (2001)Corazza, S. M. (2001). O que quer um currículo? Pesquisas pós-críticas em educação. Petrópolis: Vozes., também se faz com imagens, representações, metáforas histórica e socialmente construídas, o que se “corporifica em instituições, saberes, normas, prescrições morais, regulamentos, programas, relações, valores, modos de ser dos sujeitos” (Corazza, 2001Corazza, S. M. (2001). O que quer um currículo? Pesquisas pós-críticas em educação. Petrópolis: Vozes., p. 10). Os estudos sobre currículo em uma perspectiva pós-crítica não têm em vista serem normativos ou prescritivos, “não constituem uma doutrina geral sobre o que é ‘bom ser’, nem um corpo de princípios imutáveis do que é ‘certo fazer’” (Corazza, 2001Corazza, S. M. (2001). O que quer um currículo? Pesquisas pós-críticas em educação. Petrópolis: Vozes., p. 56). Por essa entrada aproximamos e expandimos nosso olhar sobre o currículo que forma médicos em Cuba. Procuramos, assim, encontrar outras vivências, outras formas de aprendizagem, outros modos de vida (Paraíso, 2018Paraíso, M. A. (2018). Fazer do caos uma estrela dançarina no currículo: invenção política com gênero e sexualidade em tempos do slogan “ideologia de gênero”. In M. A. Paraíso, & M. C. S. Caldeira, M. C. S. (Orgs.), Pesquisas sobre currículos, gêneros e sexualidades (pp. 23-52). Belo Horizonte: Mazza Edições.), por entender o currículo como um discurso; um artefato cultural produzido em contexto histórico-político-cultural.

Nesse momento da pesquisa adentramos a dimensão do currículo oficial/formal, pois iremos estudar diretrizes, princípios prescritos, regulamentos e planejamentos oficiais, no que chamamos de PPC ou, como é denominado em Cuba, plano de formação para carreira em medicina de Cuba. O território do nosso estudo é, portanto, um currículo que se materializa como uma proposta prescrita com conteúdos organizados para seguir uma sequência temporal.

Na leitura dos documentos, nosso grande cuidado foi pesquisar características históricas, que fossem estruturantes do currículo e anteriores a 2015. Pois, para esse trabalho, voltamos às principais orientações que formam médicos em Cuba – as quais pudessem explicar o seu trabalho no PMM.

Diante da complexidade de possibilidades envoltas no debate sobre currículos, escolhemos dois grandes eixos a serem identificados nos documentos: (i) a construção do currículo e a conexão sociocultural refletida em raciocínios pedagógicos e diretrizes norteadoras; (ii) o modelo de educação médica em conexão com o sistema de saúde (o lugar da APS). Ao estabelecer essas diretrizes no estudo, no intuito de identificar: elementos da história de Cuba e seu papel na configuração do currículo das universidades; características do sistema de saúde cubano; e características socioculturais para apreender como o currículo opera com características de um modelo de educação na área da saúde pela integralidade9 9 A integralidade, como princípio organizativo do APS, permite atenção e acompanhamento continuado das pessoas, e que pode viabilizar uma necessária revolução na medicina (Tesser, & Luz, 2008). .

Uma breve apresentação do Mais Médicos pela lente da mídia

Desde sua criação, o PMM repercutiu em diversos setores e sofreu grande resistência de entidades médicas. Uma das consequências foi a baixa adesão de profissionais brasileiros ao programa. No intuito de direcionar ações para tal questão, o governo federal o disponibilizou para incorporação de estrangeiros. Assim, houve uma abertura e vinda de médicos cubanos - em 2015 já eram 18 mil profissionais, o que representava 79% de médicos cubanos inseridos no programa (Franco, Almeida, & Giovanella, 2018Franco, C. M., Almeida, P. F., & Giovanella, L. (2018). A integralidade das práticas dos médicos cubanos no Programa Mais Médicos na cidade do Rio de Janeiro, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, 34(9), 1-17. Recuperado de http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2018000905012&lng=pt&nrm=iso
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).

As polêmicas e embates advindos de órgãos de entidades profissionais (sindicatos, associações, federações nacionais, fundações médicas etc.), alguns estudantes e formadores de opinião foram noticiadas em diferentes meios de comunicação: telejornais, jornais impressos e mídias on-line. Em 2013, ano de lançamento do programa, houve manifestações, reações contrárias e paralisações registradas em 12 estados brasileiros: Goiás, Espírito Santo, Maranhão, Ceará, Amazonas, Rio Grande do Sul, Paraná, Minas Gerais, Rondônia, Rio de Janeiro, Sergipe e Acre, além do Distrito Federal. “O tema mais controverso foi a abertura de postos de trabalho no SUS para médicos estrangeiros, o que gerou, por parte das Entidades Médicas (EM), uma forte reação contrária, a ponto de ameaçarem o governo com a deflagração de uma greve dos médicos” (Silva et al., 2018Silva, V. O., Rios, D. R. S., Soares, C. L. M., Pinto, I. C. M., & Teixeira, C. F. (2018). O Programa Mais Médicos: controvérsias na mídia. Saúde em Debate, 42(117), 489-502. doi:10.1590/0103-1104201811712
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, p. 494).

O Conselho Federal de Medicina (CFM) ponderava, na época, que “mais médicos” não eram necessários e sim uma política de redistribuição dos profissionais ao longo do território nacional. Em nota, a Federação Nacional de Médicos (Fenam) considerou que o PMM ia contra leis trabalhistas, e denunciou a não garantia de condições adequadas de trabalho nos municípios, como falta de infraestrutura, de raio-X, de medicamentos e macas (Rodrigues, 2013bRodrigues, L. (2013b, 30 de julho) Entenda a polêmica sobre o Programa Mais Médicos. EBC. Recuperado de http://www.ebc.com.br/noticias/saude/2013/07/o-que-e-o-programa-mais-medicos-e-quais-sao-as-criticas
http://www.ebc.com.br/noticias/saude/201...
).

Um dos problemas mais abordados desde a criação do PMM foi a contratação de estrangeiros sem a obrigatoriedade de aplicação da prova de revalidação do diploma10 10 Não temos intenção de aprofundar o debate sobre a necessidade ou não de se realizar o referido exame. . Isso fica evidente no trecho da reportagem do Portal EBC, intitulada “Classe médica diverge sobre projeto do governo para contratação de estrangeiros”:

… Segundo o conselheiro do Conselho Federal de Medicina, Mauro Ribeiro, a manifestação teria surgido de forma espontânea e não é contra a chegada de médicos estrangeiros e sim com o fato de que, pelo projeto, os novos profissionais não serão submetidos ao processo de revalidação do diploma

(Rodrigues, 2013aRodrigues, L. (2013a, 22 de junho). Classe médica diverge sobre projeto do governo para contratação de estrangeiros. EBC. Recuperado de http://www.ebc.com.br/noticias/saude/2013/06/classe-medica-diverge-sobre-projeto-do-governo-para-contratacao-de
http://www.ebc.com.br/noticias/saude/201...
).

De modo concomitante, a mesma matéria apresenta uma análise Do pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o médico Sábado Nicolau Girard: “o movimento contrário à medida é uma reação corporativa ultrapassada … a excepcionalidade do caso permite o surgimento de um exame distinto”. Ao opinar sobre o assunto, Sábado considera um estudo realizado sob sua coordenação, o qual aponta a escassez de profissionais médicos em 1.304 municípios brasileiros (Rodrigues, 2013aRodrigues, L. (2013a, 22 de junho). Classe médica diverge sobre projeto do governo para contratação de estrangeiros. EBC. Recuperado de http://www.ebc.com.br/noticias/saude/2013/06/classe-medica-diverge-sobre-projeto-do-governo-para-contratacao-de
http://www.ebc.com.br/noticias/saude/201...
).

A mesma temática é abordada em notícia do portal G1 de Minas Gerais, em 29 de agosto de 2013, com título “CRM de MG não pode negar registro a médicos estrangeiros, decide juiz: Conselho queria não emitir registro a profissionais do Mais Médicos. Juiz considera o pedido uma ‘batalha’ de reserva de mercado”.

… Ele destaca, ainda, que a medida provisória prevê a prioridade dos médicos formados em instituições de educação superior brasileiras ou com diploma revalidado no país. Ou seja, apenas as vagas não preenchidas por diplomas brasileiros ou revalidados no país é que serão preenchidas por estrangeiros …. Na decisão, o magistrado afirma que apesar de o CRM-MG ter dito na petição inicial que não é contra a presença dos médicos estrangeiros no país, ao tentar negar os registros dos profissionais o Conselho está … instaurando uma verdadeira “batalha” visando a preservação de uma reserva de mercado aos médicos formados em instituições de educação superior brasileiras ou com diplomas revalidados no país … e as vítimas, lamentavelmente, são os doentes e usuários dos órgãos do sistema público.

(Andrade, 2013Andrade, L. (2013, 28 de agosto). CRM de MG não pode negar registro a médicos estrangeiros, decide juiz. G1 Minas Gerais. Recuperado de http://g1.globo.com/minas-gerais/noticia/2013/08/crm-de-mg-nao-pode-negar-registro-de-medicos-estrangeiros-decide-juiz.html
http://g1.globo.com/minas-gerais/noticia...
).

O jornal O Globo (Remigio & Paula, 2013Remigio, M., & Paula, N. (2013, 24 de junho). Na Saúde, medidas propostas por Dilma já não são novas: presidente insiste em criação de novos cursos e importação de médicos. O Globo. Recuperado de https://oglobo.globo.com/brasil/na-saude-medidas-propostas-por-dilma-ja-nao-sao-novas-8801855
https://oglobo.globo.com/brasil/na-saude...
) informava aos leitores, em tom de crítica, sobre o lançamento e oficialização do PMM com a matéria intitulada “Na Saúde, medidas propostas por Dilma já não são novas. Presidente insiste em criação de novos cursos e importação de médicos”. A matéria comenta que os ministros Mercadante (Educação) e Padilha (Saúde) teriam ido ao Congresso defender publicamente a vinda de médicos estrangeiros para o Brasil, a fim de prestar atendimento emergencial no Sistema Único de Saúde, em municípios do interior e na periferia das grandes cidades. Segundo uma pesquisa similar, Morais et al. (2014)Morais, I. et al. (2014). Jornais folha de São Paulo e Correio Braziliense: o que dizem sobre o Programa Mais Médicos?. Revista da Escola de Enfermagem da USP, 48(spe2), 107-115. doi:10.1590/S0080-623420140000800017
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, ao analisar manchetes da Folha de S.Paulo e do Correio Braziliense, identificaram 110 matérias negativas no primeiro jornal e 178 no segundo, contra 50 publicações com posicionamento neutro sobre o PMM.

Em relação à vinda dos médicos cubanos, fica evidente nas matérias anteriormente mencionadas uma característica em comum: um conjunto de opiniões questionando a relação entre a qualidade dos serviços prestados, sem o Revalida, e a formação dos cubanos. Porém, passados mais de cinco anos, os resultados do trabalho daqueles profissionais no PMM se mostrou justificável, mais que satisfatório. O programa tem ido além do aumento de oferta de consultas (Girardi et al., 2016Girardi, S. N. et al. (2016). Impacto do Programa Mais Médicos na redução da escassez de médicos em Atenção Primária à Saúde. Ciência & saúde coletiva, 21(9), 2675-2684.) e tem contribuído com a diminuição das iniquidades na distribuição de médicos (Brasil, 2015Brasil. Ministério da Saúde. (2015). Programa mais médicos – dois anos: mais saúde para os brasileiros. Brasília, DF: Ministério da Saúde.).

Nesse cenário, alguns pesquisadores acreditam que a maioria da população recebeu informações sobre o PMM por meio de matérias com uma abordagem superficial ou com posicionamentos contrários. “Verificou-se que a mídia é fundamental para a repercussão do Programa, porém não transparece a verdade, mas a opinião de jornalistas que escreveram as notícias relacionadas ao tema” (Morais et al., 2014Morais, I. et al. (2014). Jornais folha de São Paulo e Correio Braziliense: o que dizem sobre o Programa Mais Médicos?. Revista da Escola de Enfermagem da USP, 48(spe2), 107-115. doi:10.1590/S0080-623420140000800017
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, p. 112).

Dessa maneira, a apresentação do PMM, no ano de sua criação, pela leitura das notícias consultadas, demonstra pouco esclarecimento sobre o papel dos médicos cubanos, algumas vezes até preconceituosas devido ao sistema político do país. Conforme uma fala de uma médica cubana entrevistada, em dezembro de 2018, sobre o fim da cooperação com o Brasil, com a eleição do governo Bolsonaro: “nossa raiz parece ter espinhos para esse momento do Brasil, mas a nossa missão é o cuidado, atender necessidades de saúde é a solidariedade ao Brasil”11 11 Tradução livre. Os médicos entrevistados, apesar de mesclarem palavras em português e em espanhol, já desenvolveram uma linguagem de fácil compreensão. (Médica Cubana, informação verbal, 2018)12 12 O presente trabalho resulta de uma pesquisa maior, realizada em estágio doutoral com apoio do CNPq. Parte da metodologia foi realizar entrevistas semiestruturadas. .

Além de a mídia não se aprofundar em relação à formação dos médicos cubanos e ao espaço de sua inserção no sistema de saúde brasileiro, merece ser enfatizado que há poucos estudos no país sobre o sistema de saúde cubano e a formação de seus médicos. Ao pesquisar na base de dados da biblioteca SciELO Brasil pelos termos “Cuba” e “saúde” e “Cuba” e “médicos”, foi confirmada uma lacuna entre os estudos sobre a temática (Gomes, Merhy & Ferla, 2018Gomes, L. B., Merhy, E. E., & Ferla, A. A. (2018). Subjetivação dos médicos cubanos: diferenciais do internacionalismo de cuba no programa mais médicos. Trabalho, Educação e Saúde, 16(3), 899-918. doi:10.1590/1981-7746-sol00147
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). De modo concomitante, em oposição às críticas na mídia comum, encontramos nos estudos sobre o tema o reconhecimento da uma inter-relação entre a qualidade da formação desses médicos e a importância dos seus trabalhos com a APS.

A Atenção Primária à Saúde como espaço do Mais Médicos e função estruturante do sistema de saúde brasileiro

A APS não tem suas raízes no Brasil. Sua construção moderna remonta ao ano de 1920, com a divulgação do Relatório Dawson, documento inglês que se contrapõe ao paradigma flexneriano13 13 “Em 1910 foi publicado o estudo que ficou conhecido como o Relatório Flexner (Flexner Report) e é considerado o grande responsável pela mais importante reforma das escolas médicas de todos os tempos nos Estados Unidos da América (EUA), com profundas implicações para a formação médica e a medicina mundial. A doença é considerada um processo natural, biológico …. Os hospitais se transformaram na principal instituição de transmissão do conhecimento médico durante todo o século XX. Às faculdades resta o ensino de laboratório nas áreas básicas (anatomia, fisiologia, patologia) e a parte teórica das especialidades (Luz, 1993). As posturas são assumidamente positivistas, apontando como único conhecimento seguro o científico, mediante a observação e a experimentação” (Pagliosa & Da Ros, 2008, p. 496). (Fahel, Silva, & Oliveira, 2018), também conhecido como biomédico. Já nesse período o relatório previa, pelos princípios dos cuidados primários, que o modelo de atenção deveria se organizar em centros de saúde, com serviços domiciliares, atendimentos regionalizados, de forma que a maior parte dos problemas fosse resolvida por médicos generalistas. A hierarquização dos serviços também estava prevista, de modo que caso algo não fosse resolvido na APS, teria como referência os níveis de atenção secundários, que contariam com médicos especialistas, ou então hospitais, para internação ou cirurgia (Matta & Morosini, 2009Matta, G. C., & Morosini, M. V. G. (2009). Atenção Primária á Saúde. In I. B. Pereira, & J. C. F. Lima (Orgs.), Dicionário de educação profissional em Saúde (2a ed., pp. 44-49). Rio de Janeiro: EPSJV.).

Ao tomar historicamente o sistema de saúde brasileiro, percebemos que, por muito tempo, a sua estruturação tem como centro o hospital e a doença14 14 “Se o ‘hospício’ ou ‘asilo de loucos’ encarnou na história de nossa cultura a separação e segmentação médica em seu formato mais antiquado, duro, coletivo, o ‘hospital’ moderno atualiza essa tendência sob formas brandas e tecnicamente irrepreensíveis” (Duarte, 2003, p. 178). ; o que começa mudar com a criação do SUS e do Programa Saúde da Família (PSF)15 15 A Estratégia Saúde da Família (ESF) é uma coordenação prioritária para expansão, fortalecimento e reestruturação da APS. Desde sua criação, primeiramente como Programa Saúde da Família, em 1994, diversos têm sido os desafios enfrentados para o alcance de expressivo grau de resolutividade e a melhoria do estado de saúde da população brasileira. Destacam-se o subfinanciamento das ações, a dificuldade de contratação e fixação de profissionais de saúde – sobretudo médicos –, a insuficiente qualificação dos trabalhadores, a concorrência de orçamento com a média e alta complexidade, dentre outros fatores (Almeida, Macedo, & Silva, 2019). : o lugar institucionalizado da APS no sistema de saúde do Brasil. Nesse sentido, é possível identificar duas APS, com aspectos interdependentes: “uma estratégia de organização e reorganização dos sistemas de saúde, nos quais representa o primeiro nível de atenção, e também um modelo de mudança da prática clínico-assistencial dos profissionais de saúde” (Oliveira & Pereira, 2013Oliveira, M. A. C., & Pereira, I. C. (2013). Atributos essenciais da Atenção Primária e a Estratégia Saúde da Família. Revista Brasileira de Enfermagem. 2013, 66(spe),158-164. doi: 10.1590/S0034-71672013000700020
https://doi.org/10.1590/S0034-7167201300...
, p. 154). Considerando o significado teórico da APS – mesmo que a implementação na prática ainda seja um desafio – nesse espaço, realizam-se ações direcionadas à comunidade, à família, sem limitar ao cuidado individual; o processo de trabalho possui características específicas e diferenciadas dos outros níveis de atenção. A saúde é o foco, não a doença. Ações são guiadas por critérios sociais, culturais e epidemiológicos, o que inclui atividades de promoção de saúde por meio de ações educativas entre equipe de saúde e a comunidade.

Na APS o trabalho é com a pessoa e sua família. Isso pressupõe que o médico conheça o paciente pelo nome, conheça a comunidade, o território (região) atendido, seus principais problemas; assim, a assistência demanda da equipe de saúde tempo e cuidado regulares, na perspectiva da longitudinalidade assistencial. Ao que fica posto, o cuidado/atendimento/acompanhamento por profissionais da equipe médica não se encerraria, portanto, em uma consulta tradicional em uma unidade básica de saúde, mas continuaria ao longo da vida do usuário do sistema (Fahel, Silva, & Oliveira, 2018Fahel, M. C. X., Silva, M. P., & Oliveira, D. (2018). A trajetória da atenção primária à saúde no Brasil: de Alma-Ata ao Programa Mais Médicos. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro.).

Segundo Starfield (2001)Starfield, B. (2001). Atención Primaria: equilibrio entre necesidades de salud, servicios y tecnología. Barcelona: Masson. e Mendes (2011)Mendes, E. V. (2011). As redes de atenção a saúde. Brasília, DF: Opas., a APS possui atributos e funções estruturantes que contribuem com o bom funcionamento de todo o sistema de saúde, sendo a porta de entrada no sistema, o primeiro contato; que deverá acontecer seguindo os atributos da longitudinalidade; da integralidade; coordenação do sistema; focalização na família; orientação comunitária e competência cultural. No âmbito das funções, como atributos derivados encontram-se a resolubilidade, comunicação e responsabilização.

Ao ser considerada porta de entrada no sistema de saúde, a APS assume, entre outras funções, a responsabilidade de acolher, dar início, de maneira humanizada e educativa, aos cuidados de saúde à população. E ainda, quando necessário, articular com os outros níveis de atenção que compõem o sistema de saúde brasileiro16 16 Ver Portaria nº 2.488, de 21 de outubro de 2011. . A APS deverá dar suporte ao longo do tempo, de modo que possa acompanhar e dar continuidade dos cuidados, no sentido de promover a saúde da população assistida, o que é o próprio exercício da longitudinalidade. Para Starfield (2001)Starfield, B. (2001). Atención Primaria: equilibrio entre necesidades de salud, servicios y tecnología. Barcelona: Masson., esta é reconhecidamente uma característica central e exclusiva da APS, o que significa o acompanhamento do paciente ao longo do tempo por médico generalista ou equipe, para os múltiplos episódios de doença e cuidados preventivos (e promoção de saúde) (Cunha & Giovanella, 2011Cunha, E. M., & Giovanella, L. (2011). Longitudinalidade/continuidade do cuidado: identificando dimensões e variáveis para a avaliação da Atenção Primária no contexto do sistema público de saúde brasileiro. Ciência & saúde coletiva, 16(sup.1), 1029-1042. Recuperado de http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232011000700036&lng=en&nrm=iso
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).

Além disso, espera-se que na APS o atendimento seja pela dimensão da integralidade17 17 Anderson, & Rodrigues (2016) desenvolvem um debate sobre a efetivação da medicina integral, saúde e adoecimento e integralidade. , o que pode ser associado ao trabalho em equipe para atender seguindo a promoção, prevenção, cura, cuidado e reabilitação, bem como o reconhecimento dos problemas de saúde como determinados por questões biológicas, psicológicas e sociais. A capacidade gestora de garantir a continuidade da atenção – o que requer constante articulação e comunicação entre os diferentes níveis da atenção – é a própria coordenação da APS. Comunicação que prevê a participação da comunidade. O sujeito da atenção, na APS, é a família em conexão com a comunidade/território que reside, o que exige uma interação maior da equipe com essa unidade social. A competência cultural propõe que haja entre equipe, profissionais e comunidade uma relação horizontal que respeite as singularidades culturais e as preferências das pessoas e das famílias (Mendes, 2011Mendes, E. V. (2011). As redes de atenção a saúde. Brasília, DF: Opas.).

A Lei nº 12.871, que instituiu o PMM, determina que ele seja estruturado em grandes eixos, com objetivos que gravitam em torno do fortalecimento da APS e da formação médica. Na composição do programa espera-se diminuir as desigualdades regionais no tocante à carência de médicos; fortalecer a Atenção Primária à Saúde no país; ampliar a inserção do médico na realidade da saúde da população brasileira, com práticas nas unidades básicas de saúde (UBS), como parte do processo de formação; realizar a integração ensino-serviço no intuito de fortalecer a política de educação permanente, com supervisões acadêmicas das atividades realizadas; promover a troca de conhecimentos entre profissionais da saúde; contribuir com o aperfeiçoamento de médicos brasileiros para a atuação nas políticas públicas de saúde; e estimular a realização de pesquisas aplicadas ao SUS.

O PMM prevê que os médicos, tanto brasileiros quanto estrangeiros (cubanos), sejam inseridos na Estratégia Saúde da Família, o lócus da APS18 18 Para todos os médicos trabalharem no PMM havia uma regra condicionante à participação em um curso de especialização. . Madureira (2010), em estudo sobre o Sistema de Saúde Cubano, considera que o perfil daqueles médicos, como profissionais generalistas, tem como característica basilar uma formação com grande atenção direcionada para o trabalho conforme os princípios da APS. Em consonância com tal afirmação, seguimos para o estudo do currículo formal ministrado a médicos em Cuba.

Formação de médicos em Cuba: um currículo com característica decolonial por uma solidariedade revolucionária na saúde

Até aqui voltamos para algumas ramificações que nos levam ao currículo para médicos em Cuba. Nesse percurso, temos clareza da existência de diferentes alternativas e “entradas” no estudo de currículos. Há aquela construída pelos raciocínios políticos, quando pergunta-se sobre relações de poder, arranjos políticos, conflitos, alianças, escolhas. À porta do sistema de pensamento cultural seguirão caminhos para estudar o currículo que cruzam preferências, silenciamentos, modos de vida, diferenciações. Por fim, podemos entrar no território do currículo pela porta que o liga a dimensões de raciocínios pedagógicos, isto é, a critérios de organização, de seleção de conteúdo, de planejamento do que ensinar, do que avaliar e como avaliar (Paraíso, 2018). Mesmo que o foco principal situe nas dimensões que norteiam as estratégias pedagógicas (ou os princípios curriculares), as outras duas dimensões se encontram e se entrelaçam nesse mesmo espaço, que é o currículo – como um artefato social.

A criação de cursos de Medicina em Cuba data do século XVIII, no período colonial. Nessa época, os currículos eram guiados pela dicotomia teoria e prática e os aprendizados eram centralizados no hospital (Universidad de Ciencias médicas de la Habana, 2015aUniversidad de Ciencias Médicas de la Habana. (2015a). Modelo Del Profesional para La Formación de Médicos. Havana: Comission Nacional de Carrera. [Recebido via e-mail]., 2015bUniversidad de Ciencias Médicas de la Habana. (2015b). Fundamentacion. Plano Carrera. Havana: Comission Nacional de Carrera. [Recebido via e-mail].). Segundo Vela-Valdés et al. (2018, p. 1)Vela-Valdés, J. et al. (2018). Formación del capital humano para la salud en Cuba. Revista Panamericana de Salud Pública, 42. Recuperado de https://www.scielosp.org/article/rpsp/2018.v42/e33/
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, “Antes de 1959, solo existía una Escuela de Medicina en el país, creada en 1728, y una Escuela de Odontología, fundada en 1900, ambas ubicadas en la capital”. Os autores nos chamam atenção para o fato de o acesso ser limitado devido aos altos preços. Muitos dos egressos do curso de medicina teriam que migrar para conseguir trabalho. No que diz respeito ao modelo de formação escrito nos currículos, prevalecia essencialmente uma perspectiva curativa.

ingreso era limitado por el costo de la matrícula y los altos precios de los libros de textos, y los egresados tenían como mercado laboral las capitales provinciales o debían emigrar del país. Los planes de estudios eran teóricos y esencialmente curativos, se enfocaban solo en los aspectos biológicos de la enfermedad y preparaban al profesional para la práctica privada, carente del enfoque social de la salud

(Vela-Valdés et al., 2018Vela-Valdés, J. et al. (2018). Formación del capital humano para la salud en Cuba. Revista Panamericana de Salud Pública, 42. Recuperado de https://www.scielosp.org/article/rpsp/2018.v42/e33/
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, p. 1-2).

O triunfo revolucionário de 195919 19 “A partir de 1959 en todas las universidades la matrícula y la adquisición de los libros de textos se tornaron gratuitas, lo que posibilitó progresivamente la masificación del ingreso a estos estudios. Esto condujo a la necesidad de universalizar y extender la formación de los estudiantes de ciencias médicas a todas las provincias del país, por lo que se estableció el plan de becas universitarias” (Vela-Valdés et al., 2018, p. 2). produziu mudanças radicais e, dentre elas, a atenção médica passou a ser garantida como um direito social e sua orientação se tornou preventiva-curativa, com ênfase nos aspectos profiláticos. Por outro lado, como resultado da Revolução Cubana, ocorreu um significativo êxodo de médicos (Universidad de Ciencias médicas de la Habana, 2015aUniversidad de Ciencias Médicas de la Habana. (2015a). Modelo Del Profesional para La Formación de Médicos. Havana: Comission Nacional de Carrera. [Recebido via e-mail].). Antes da revolução havia cerca de seis mil médicos em Cuba; logo, após 1959, restaram cerca de três mil20 20 Apesar do déficit de profissionais, o governo cubano investiu significativamente na formação de recursos humanos, fato que, somado à vontade política, ao direito do cidadão e à responsabilidade do Estado, tornou-se a base de transformação do sistema nacional de saúde cubano (Dal Prá, Minelli, Martini, Fetzner, & Fontana, 2015). . O problema toma uma dimensão maior, pois a evasão foi mais intensa entre os professores de medicina. Sendo assim, em 1962 o país contava com apenas 16 professores médicos. “E foi a partir dos que ficaram que eles formaram massivamente novos médicos21 21 Segundo Gomes, Merhy e Ferla (2018), em 1999, quatro décadas depois da implantação da revolução, atuavam em Cuba 64.863 médicos – um para cada 175 habitantes. (Gomes, Merhy, & Ferla, 2018Gomes, L. B., Merhy, E. E., & Ferla, A. A. (2018). Subjetivação dos médicos cubanos: diferenciais do internacionalismo de cuba no programa mais médicos. Trabalho, Educação e Saúde, 16(3), 899-918. doi:10.1590/1981-7746-sol00147
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).

El éxodo de médicos a raíz de las primeras medidas revolucionarias, llevó a ampliar la formación de nuevos profesionales para cubrir las necesidades de todo el pueblo. En la década del 60 se fundó el Instituto de Ciencias Básicas y Preclínicas “Victoria de Girón” y las Facultades de Medicina de Santiago de Cuba y Santa Clara, con el concurso de un escaso número de profesores que asumieron la responsabilidad de la formación en número creciente de médicos

(Universidad de Ciencias médicas de la Habana, 2015aUniversidad de Ciencias Médicas de la Habana. (2015a). Modelo Del Profesional para La Formación de Médicos. Havana: Comission Nacional de Carrera. [Recebido via e-mail]., p. 3).

A organização, o planejamento e a formação de profissionais para área da saúde em Cuba, desde a década de 1960, são garantidos pelo próprio sistema nacional de saúde. Em 2017, Cuba contava com 13 universidades com curso de Medicina e duas faculdades independentes, a Escuela Latinoamericana de Medicina (ELAM) e a Escula Nacional de Salud Publica. No período letivo de 2014 a 2015, estavam matriculados 52.235 estudantes em curso de graduação na área. No ano de 2015, havia em Cuba 7,7 médicos para cada mil habitantes, o que corresponde a um médico a cada 130 habitantes. Em 2015, houve o reconhecimento por parte da Organização Mundial da Saúde de que Cuba tinha eliminado a transmissão vertical de HIV e sífilis (Alves, Oliveira, Matos, Santos, & Delduque, 2017Alves, S. M. C., Oliveira, F. P., Matos, M. F. M., Santos, L. M. P., & Delduque, M. C. (2017). Cooperação internacional e escassez de médicos: análise da interação entre Brasil, Angola e Cuba. Ciência & saúde coletiva, 22(7), 2223-2235. Recuperado de http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232017002702223&lng=en&nrm=iso
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
).

Ao longo da história, a construção curricular dos cursos de medicina em Cuba – conforme apresentado em um dos documentos analisados, intitulado Plan de estudio D, Carrera Medicina: Fundamentacion – passou por algumas mudanças. No período de 1962 a 1980, existiam cinco planos de estudo para a medicina. O documento possibilita entender que ficou definido então apenas uma orientação curricular. O Ministério da Educação, após realizar um estudo em todo o país, levantou demandas provenientes da situação de saúde e da educação médica cubanas, bem como deficiências e perspectivas. A par dos resultados é elaborado um novo currículo, em 1984, com o objetivo de formar um médico (clínico) geral e que trabalhará como médico de família nas comunidades (Universidad de Ciencias médicas de la Habana 2015bUniversidad de Ciencias Médicas de la Habana. (2015b). Fundamentacion. Plano Carrera. Havana: Comission Nacional de Carrera. [Recebido via e-mail].).

Mas o que significa um médico geral no currículo de Cuba? Quais propostas inerentes a esse currículo ajudarão a formar um médico de família? Qual o tempo de duração da graduação em medicina em Cuba? O modelo para formar um médico clínico geral, segundo o documento estudado, inclui três dimensões: ético-humanista, profissional e ocupacional (Universidad de Ciencias médicas de la Habana, 2015aUniversidad de Ciencias Médicas de la Habana. (2015a). Modelo Del Profesional para La Formación de Médicos. Havana: Comission Nacional de Carrera. [Recebido via e-mail].).

No currículo, a dimensão ético-humanista parece articular as outras duas (profissional e ocupacional). Dessa maneira, segundo a proposta curricular, os valores inerentes à formação do médico em Cuba buscam escapar daquele modelo ocidental, tradicionalmente constituído com uma tendência à forte especialização e fundamentado prioritariamente em princípios cientificistas/cartesianos. Para além desse aspecto, o currículo pretende uma formação preocupada com a comunidade, com a família em abrangência, com o atendimento de pessoas e não somente para tratar doença.

Em Cuba, assim como no Brasil, o curso de graduação em medicina tem duração de seis anos. “La duración del plan de estudios de Medicina es de 6 años. Su eje de formación profesional representado por la disciplina principal integradora se extiende en la totalidad de los semestres” (Universidad de Ciencias Médicas de la Habana, 2015bUniversidad de Ciencias Médicas de la Habana. (2015b). Fundamentacion. Plano Carrera. Havana: Comission Nacional de Carrera. [Recebido via e-mail]., p. 8). Nesse período, a formação é organizada por períodos acadêmicos e mais um ano de internato. Para se graduar, o aluno deve ser aprovado em um exame nacional, quando realiza uma prova prática e outra teórica, com o objetivo de comprovar suas competências profissionais estabelecidas. A participação no exame só poderá acontecer após ele obter aprovação em todas as disciplinas do internato. Os médicos são preparados para realizar atividades de acordo com uma atenção integral a todas as fases do ciclo de vida do indivíduo e das famílias, mediante ações pela integralidade à saúde22 22 No Brasil, a integralidade se constituiu como diretriz do SUS. É determinada tanto no nível do trabalho em saúde quanto no âmbito das políticas capazes de intervir nos determinantes do processo saúde-doença-cuidado para garantia de condições satisfatórias de bem-estar. A integralidade das práticas na atenção primária à saúde envolve uma abordagem biopsicossocial no cuidado a indivíduos e famílias (Franco, Almeida, & Giovanella, 2017, p. 2). (Organização Pan-Americana da Saúde, 2018Organização Pan-Americana da Saúde. (2018). Programa Mais Médicos como expressão de Cooperação Sul-Sul: transferência de conhecimentos e inovações. Brasília, DF: Opas. Recuperado de http://maismedicos.bvsalud.org/wp-content/uploads/2018/04/Programa-Mais-Me%CC%81dicos-como-expressa%CC%83o-de-Cooperac%CC%A7a%CC%83o-Sul-Sul-transfere%CC%82ncia-de-conhecimentos-e-inovac%CC%A7o%CC%83es-WEB.pdf
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).

A integralidade é um dos atributos da APS, conforme vimos em Starfield (2001)Starfield, B. (2001). Atención Primaria: equilibrio entre necesidades de salud, servicios y tecnología. Barcelona: Masson.. É um conceito que abrange diversos aspectos do processo de trabalho no sentido de ser articulador de uma rede de atenção, o que contempla um atendimento com ações de promoção de saúde e prevenção e cuidados para a reabilitação da saúde da população (Comes et al., 2016Comes, Y. et al. (2016). A implementação do Programa Mais Médicos e a integralidade nas práticas da Estratégia Saúde da Família. Ciência & saúde coletiva, 21(9), 2729-2738.). O perfil profissional e ocupacional proposto prevê “atención médica integral y continua mediante acciones de promoción de salud, de prevención de enfermedades y otros daños a la salud, de diagnóstico y tratamiento oportunos, y de rehabilitación” (Universidad de Ciencias Médicas de la Habana, 2015aUniversidad de Ciencias Médicas de la Habana. (2015a). Modelo Del Profesional para La Formación de Médicos. Havana: Comission Nacional de Carrera. [Recebido via e-mail]., p. 8).

Além do sentido de integralidade posto em movimento no currículo para médicos, Cuba prevê, por exemplo, em seus raciocínios pedagógicos, metodologias, atividades e o desenvolvimento de habilidades que direcionam o cuidado para o indivíduo e sua família, como pessoa e não como doença. Na integralidade também está inerente o conceito ampliado de saúde, o que inclui as dimensões social, cultural, econômica, política e ambiental do processo saúde-doença. E também direcionar o olhar para cada indivíduo e família de maneira completa, considerando condições de riscos ambientais e epidemiológicas. Tais características podem ser identificadas em diversos aspectos do currículo estudado, uma vez que a atenção integral é caracterizada com um papel orientador de outras cinco funções e do trabalho em equipe: “se definen cinco funciones para el Médico General, siendo la función rectora la de Atención Médica Integral: Atención médica integral; docente-Educativa; Administración; Investigación; Especiales (Universidad de Ciencias Médicas de la Habana, 2015aUniversidad de Ciencias Médicas de la Habana. (2015a). Modelo Del Profesional para La Formación de Médicos. Havana: Comission Nacional de Carrera. [Recebido via e-mail]., p. 8). Dito de outra maneira, o currículo que forma médicos em Cuba inclui a atenção médica integral, docente, investigativa e administrativa, além da atuação em situações especiais como, por exemplo, desastres (Organização Pan-Americana da Saúde, 2018Organização Pan-Americana da Saúde. (2018). Programa Mais Médicos como expressão de Cooperação Sul-Sul: transferência de conhecimentos e inovações. Brasília, DF: Opas. Recuperado de http://maismedicos.bvsalud.org/wp-content/uploads/2018/04/Programa-Mais-Me%CC%81dicos-como-expressa%CC%83o-de-Cooperac%CC%A7a%CC%83o-Sul-Sul-transfere%CC%82ncia-de-conhecimentos-e-inovac%CC%A7o%CC%83es-WEB.pdf
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).

A solidariedade política na saúde também é outra dimensão prevista, uma vez que o currículo não está limitado à formação de médicos para atender somente a ilha. Assim, prevê o currículo que o médico cubano deverá, entre outras responsabilidades, ser capacitado para enfrentar:

las realidades del planeta relacionadas con los peligros que ponen en riesgo su sostenibilidad. En su desempeño como profesional: actuará en función de los intereses de la sociedad y de la satisfacción de las crecientes necesidades de salud del pueblo. Estará dispuesto para actuar ante situaciones de desastres.

(Universidad de Ciencias médicas de la Habana, 2015aUniversidad de Ciencias Médicas de la Habana. (2015a). Modelo Del Profesional para La Formación de Médicos. Havana: Comission Nacional de Carrera. [Recebido via e-mail]., p.7).

A ação política de solidariedade pela saúde consiste em uma estratégia construída em Cuba com o uso das missões internacionalistas, para o envio de profissionais de saúde, especialmente médicos, a outras nações que estejam vivenciando situações de desastres, epidemias ou outras necessidades no âmbito da saúde. Desde a primeira missão, em 1962, até o ano de 2011, Cuba enviou cerca de 132 mil profissionais de saúde em missões de solidariedade em mais de 100 países. Em 2011, foram 69 países atendidos por 31 mil profissionais. A missão cubana no Haiti reduziu em algumas áreas a mortalidade infantil de 42 para 16 por mil nascidos vivos (Castro, 2007; Gomes, Merhy, & Ferla, 2018Gomes, L. B., Merhy, E. E., & Ferla, A. A. (2018). Subjetivação dos médicos cubanos: diferenciais do internacionalismo de cuba no programa mais médicos. Trabalho, Educação e Saúde, 16(3), 899-918. doi:10.1590/1981-7746-sol00147
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). Enfim, por meio da assistência médica, por mais que haja nesse discurso uma dimensão de relação política entre as nações, percebe-se também que o encontro com o “outro” não acontecerá para dominar, mas para apoiar e trocar. Identificamos que a missão não é pela guerra/poder ou para “evangelizar”, como fizeram os colonizadores. É pela vida e pela saúde. Por esse prisma, identificamos no currículo uma oposição ao caráter mercantil, que transforma a saúde em mercadoria. A solidariedade prevista vincula-se com um tipo de acolhimento ao outro, que seja “capaz de impulsionar intercâmbios em encontros entre seres e saberes, sentidos e práticas diferentes” (Walsh, 2005Walsh, C. (2005) Interculturalidad, conocimientos y descolonialidad. Signo y Pensamiento, 24(46), 39-50., p. 45). E não pelo poder, Nascimento & Garrafa (2011)Nascimento, W. F., & Garrafa, V. (2011). Por uma vida não colonizada: diálogo entre bioética de intervenção e colonialidade. Saúde e Sociedade, 20(2), 287-299. doi:10.1590/S0104-12902011000200003
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. Essa ação política de solidariedade é chamada por Gomes, Merhy e Ferla (2018)Gomes, L. B., Merhy, E. E., & Ferla, A. A. (2018). Subjetivação dos médicos cubanos: diferenciais do internacionalismo de cuba no programa mais médicos. Trabalho, Educação e Saúde, 16(3), 899-918. doi:10.1590/1981-7746-sol00147
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de uma construção subjetiva de um “médico revolucionário”23 23 O que segundo os autores não representa uma completa ruptura com a perspectiva cientificista. E ainda aproxima daquela definição foucaultiana do mito da extinção das doenças, o governo dos corpos e das cidades, advindo do poder médico. . O caráter revolucionário está exatamente em formar médicos para um trabalho de missões internacionalistas, como ato de solidariedade, de honra e auxílio aos povos mais necessitados. Uma resposta ética, portanto, contra a lógica imperialista, que domina e subjuga.

Em oposição ao modelo biomédico24 24 Para melhor compreensão do significado do modelo biomédico, apresentamos algumas características: pouco considerar a relação médico-paciente como elemento fundamental da terapêutica; buscar meios terapêuticos complexos com uso de tecnologia cara; investir pouco na autonomia do paciente; afirmar uma medicina que tenha como categoria central de seu paradigma a categoria de doença e não de saúde (Luz Madel, 1997, p. 28). No modelo biomédico, há “o conhecimento produzido por disciplinas científicas do campo da biologia” (Camargo Jr., 1997, p. 47). Assim, o modo de ser médico centraliza-se em uma prática médica que, na tentativa de ser “científica”, descola-se do sujeito (Romano, 2008). , em Cuba o currículo formal guia-se por uma perspectiva que na dobra, porque integra um processo de subjetivação, defende uma solidariedade, reproduzida em uma ética-humanitária do trabalho com a saúde. Dessa maneira, prevê-se que o médico: “Actuará conforme a los principios de la ética médica y atemperará sus acciones, como médico y como ciudadano a las exigencias del momento histórico y el lugar donde presta sus servicios” (Universidad de Ciencias Médicas de la Habana, 2015aUniversidad de Ciencias Médicas de la Habana. (2015a). Modelo Del Profesional para La Formación de Médicos. Havana: Comission Nacional de Carrera. [Recebido via e-mail]., p.7).

Além do mais, é preciso destacar que há no currículo formal para médicos cubanos um discurso de “disciplina” da vida social, ao posicionar o saber médico em um lugar de poder na organização social (Gomes, Merhy, & Ferla, 2018Gomes, L. B., Merhy, E. E., & Ferla, A. A. (2018). Subjetivação dos médicos cubanos: diferenciais do internacionalismo de cuba no programa mais médicos. Trabalho, Educação e Saúde, 16(3), 899-918. doi:10.1590/1981-7746-sol00147
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). Entretanto, ressaltamos, não há no currículo estudado, um espaço para estabelecer uma relação de superioridade ou de dominação ou de status na relação entre médico e a comunidade, ou mesmo entre médicos e a equipe de saúde. Os valores mencionados no que significaria o “espírito ético humanista”, dentro do currículo estudado, dizem respeito à negação de qualquer posição elitista, em um trabalho que desapega de sentimentos mercantilistas, com foco no espírito de solidariedade em qualquer parte do mundo.

Desarrollará un sistema de valores que le permitan demostrar una clara concepción de su papel como profesional al servicio del pueblo, alejado de posiciones elitistas, despojado de sentimientos mercantilistas con respecto al desempeño de la profesión, con un elevado espíritu de solidaridad, dispuesto a tratar a los demás sin distinción como seres humanos y a prestar sus servicios en cualquier parte del mundo que sean necesarios

(Universidad de Ciencias médicas de la Habana, 2015aUniversidad de Ciencias Médicas de la Habana. (2015a). Modelo Del Profesional para La Formación de Médicos. Havana: Comission Nacional de Carrera. [Recebido via e-mail]., p. 7).

Ao enfatizar um padrão contrário ao poder capitalista global; ao se distanciar de relações de exploração ou disputa no âmbito do cuidado à saúde – quando estabelece como prioridade formar médicos para missões de solidariedade; ao valorizar uma aprendizagem também voltada para a cultura interna e a história de Cuba e da Revolução: o currículo de formação de médicos cubano se reveste e envereda por um caminho alternativo. O que, a nosso ver, o aproxima de uma perspectiva pedagógica deconolial.

Portanto, historicamente, Cuba e a Revolução representam uma narrativa outra, o que é possível detectar na construção do currículo estudado. Nota-se, nos modos de subjetivação, uma presença intrínseca de diferentes tipos de conhecimento e saberes, ao envolver a comunidade no cuidado. Observa-se fatores e características socioculturais próprias por uma negação da lógica capitalista imperialista, ao propor, por exemplo, a formação médica com ações direcionadas a questões internas e também para populações necessitadas de outros países. Ou ao reconhecer a importância de saberes da comunidade, da medicina tradicional, com uso de plantas medicinais aprovadas no sistema de saúde; com uso de medicina integrativa; com atividades de medicina tradicional asiática, como acupuntura, desde que autorizados nos centros previstos para esse fim.

A decolonialidade é uma resposta ao processo histórico de colonização, dominação e modernidade: vivenciados na colonialidade. O colonialismo e a colonialidade são conceitos interligados, sendo este último característico da modernidade (Mignolo, 2017Mignolo, W. D. (2017). Colonialidade: o lado mais escuro da Modernidade. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 32(94), e329402. doi:10.17666/329402/2017
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). Na perspectiva decolonial, segue-se ao pluriversal em oposição ao universal, não se baseia em opções de rivalidade. Nesse lugar, que seja uma relação “onde nenhum ser humano tem o direito de dominar e se impor a outro ser humano”. O que significa mudanças. Não apenas de fala e conteúdo, mas de ação e reflexão (Mignolo, 2017Mignolo, W. D. (2017). Colonialidade: o lado mais escuro da Modernidade. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 32(94), e329402. doi:10.17666/329402/2017
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, p. 14).

Em Cuba, a Revolução “transformou aquele país em várias dimensões e elas têm inter-relações” (Gomes, Merhy, & Ferla, 2018Gomes, L. B., Merhy, E. E., & Ferla, A. A. (2018). Subjetivação dos médicos cubanos: diferenciais do internacionalismo de cuba no programa mais médicos. Trabalho, Educação e Saúde, 16(3), 899-918. doi:10.1590/1981-7746-sol00147
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). Assim, dizemos haver em Cuba um processo de subjetivação, um discurso voltado para o “outro”, que na formação de médicos reverbera em solidariedade. Cuba não forma médicos apenas para a ilha. Cuba forma médicos para o mundo. Seu currículo de formação de médicos atenta para a dimensão do cuidado que elege, para si, um pensamento-outro. O que se faz com “luta contra a não-existência, a existência dominada e a desumanização …. Em oposição à proposta pelo conceito de colonialidade do ser, uma categoria que serve como força para questionar a negação histórica da existência dos não-europeus” (Oliveira & Candau, 2010Oliveira, L. F., & Candau, V. M. F. (2010). Pedagogia decolonial e educação antirracista e intercultural no Brasil. Educação em Revista, 26(1), 15-40. doi:10.1590/S0102-46982010000100002
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, p. 24).

Em outros termos, podemos identificar tal dimensão em meio aos raciocínios pedagógicos no currículo que forma médicos em Cuba e seu contexto de construção, associada a uma visão essencial na relação saúde/revolução, “que se projeta muito além dos processos de ensino e de transmissão de saber” (Oliveira & Candau, 2010Oliveira, L. F., & Candau, V. M. F. (2010). Pedagogia decolonial e educação antirracista e intercultural no Brasil. Educação em Revista, 26(1), 15-40. doi:10.1590/S0102-46982010000100002
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, p. 28). Ainda, concebe a medicina como uma das alternativas do ser médico, o exercício de uma prática política cultural humanitária. Enfim, “supõe também construção e criação. Sua meta é a reconstrução radical do ser, do poder e do saber” (Oliveira & Candau, 2010Oliveira, L. F., & Candau, V. M. F. (2010). Pedagogia decolonial e educação antirracista e intercultural no Brasil. Educação em Revista, 26(1), 15-40. doi:10.1590/S0102-46982010000100002
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, p. 24).

É importante, entretanto, fazer uma breve reflexão25 25 A formação de médicos como alternativa de exportação não é a temática principal do nosso estudo. Porém, essa é uma questão de fundo, que está conectada à formação. Dessa maneira, não poderíamos deixar de mencioná-la, mesmo que brevemente. sobre o processo de diplomacia por meio da medicina em Cuba ou, denominando de outra maneira, a geopolítica de saúde cubana. Em que medida a iniciativa de enviar médicos para outros países renderia ganhos para Cuba? Em resposta a esta pergunta, na breve análise de Feinsilver (2008)Feinsilver, J. M. (2008). Médicos por petróleo: la diplomacia médica cubana recibe una pequeña ayuda de sus amigos. Revista Nueva Sociedad, 216, 107-122. Recuperado de https://nuso.org/articulo/la-diplomacia-medica-cubana-recibe-una-pequena-ayuda-de-sus-amigos
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, pondera-se sobre benefícios econômicos da exportação de médicos. No caso analisado da relação Cuba e Venezuela, nos chama atenção o acordo comercial no qual foram trocados médicos por petróleo26 26 Cabe mencionar que corroboramos a observação de Rollo e Weber, que consideraram: “Em que pesem as divergências teóricas/ideológicas presentes ao debate, é inegável a relevância das missões e cooperações internacionais cubanas – como no exemplo do prêmio concedido pela OMS ao contingente Henry Reeve – reconhecidas, inclusive, pelos organismos internacionais” (Rollo & Weber, 2018, p. 24). , como uma forma estratégica de sustentar a economia em Cuba.

El comercio con Venezuela y el acuerdo de intercambio de médicos por petróleo le ha permitido expandir su diplomacia médica y, lo más importante, ha ayudado a sostener la economía de la isla. Según las últimas cifras, las ganancias provenientes de los servicios médicos –incluida la exportación de personal médico– representaron en 2006, 28% de las exportaciones totales, por una suma de 2.300 millones de dólares. Esto implica beneficios superiores a los obtenidos por las exportaciones de níquel y cobalto e ingresos mayores a los provenientes del turismo. La exportación de servicios médicos es hoy el negocio más próspero en el horizonte económico de Cuba

(Feinsilver, 2008Feinsilver, J. M. (2008). Médicos por petróleo: la diplomacia médica cubana recibe una pequeña ayuda de sus amigos. Revista Nueva Sociedad, 216, 107-122. Recuperado de https://nuso.org/articulo/la-diplomacia-medica-cubana-recibe-una-pequena-ayuda-de-sus-amigos
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, p. 121).

Para dar continuidade à resposta sobre nosso questionamento, tomamos o debate apresentado por Rollo e Weber (2018)Rollo, R. M., & Weber, D. L. (2018). O Sistema Nacional de Saúde cubano e a geopolítica: reflexões a partir de vivências in loco. Ágora, 20(2), 14-26. Recuperado de https://online.unisc.br/seer/index.php/agora/article/view/12358
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, quando mencionam matéria publicada em 19 de abril de 2017 pelo jornal Folha de S.Paulo27 27 Folha de S.Paulo, “Exportar médicos está se tornando a maior fonte de renda de Cuba”. Recuperado de https://www1.folha.uol.com.br/paywall/signup.shtml?https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/04/1876523-exportar-medicos-esta-se-tornando-a-maior-fonte-de-renda-de-cuba.shtml . Na matéria em questão, levanta-se uma tensão sobre as motivações humanitárias e o caráter econômico e político da “exportação” de médicos por parte de Cuba. Os autores, nesse mesmo trabalho, destacaram o posicionamento do professor John Kirk28 28 Professor de estudos latino-americanos na Universidade de Dalhousie em Halifax, província de Nova Escócia, Canadá, que em 19 de janeiro de 2015 enviou uma carta ao Comitê Norueguês do Prêmio Nobel em favor do Programa de Internacionalismo Médicos Cubanos como indicação ao Prêmio Nobel da Paz. em contraposição à matéria da Folha de S.Paulo29 29 Em breve pesquisa no site de busca Google por novas matérias de jornais sobre esse tema, localizamos uma no site As vozes do mundo, intitulada “Exportar médicos está se tornando a maior fonte de renda de Cuba”, publicada e atualizada no mês de abril de 2017, na qual se informa que, segundo o ex-ministro da Economia cubano José Luis Rodríguez, citado por um artigo publicado pelo site oficial Cubadebate, os médicos do país que atuam no exterior forneceram “um valor estimado de US$ 11,543 bilhões, na média anual, entre 2011 e 2015”. A exportação de médicos supera as receitas da indústria turística, que se situaram em US$ 2,8 bilhões em 2016. Recuperado de http://br.rfi.fr/americas/20170417-exportar-medicos-inclusive-para-o-brasil-ja-e-maior-fonte-de-renda-de-cuba-0 . Kirk observa, em entrevista concedida ao jornal Viamundo, em 201330 30 Ano de criação do PMM no Brasil. , que o processo de solidariedade e envio de médicos para outros países já existe há mais de 50 anos em Cuba. Ressalta ainda que o país sempre investiu no programa (no caso, diplomacia médica ou programa de solidariedade política pela saúde) esse tempo todo. Entretanto, nos últimos tempos, devido à lógica do mundo capitalista, segundo a qual os interesses econômicos determinam ações governamentais, pode soar irreal acreditar na solidariedade cubana. Mas o aspecto solidário das missões de saúde sempre prevaleceu e prevalece. Assim, para Kirk, o princípio humanitário não foi perdido. Na mesma entrevista, o professor observa o fato de a ilha estar “mais recentemente utilizando esse programa como forma de manter a economia cubana31 31 Em consulta na plataforma SciELO combinando os descritores “Cuba”, “saúde”, “médicos”, “solidariedade”, “exportação”, “economia”, não localizamos qualquer estudo que faça esse debate. Em uma segunda tentativa, utilizamos os seguintes descritores: “Cuba”, “programa Mais Médicos”, “economia”. Não localizamos nenhum artigo científico sobre a relação exportação de médicos e retorno financeiro e em alta escala para o Estado cubano. Assim, reconhecemos a importância de um estudo mais detalhado sobre a dimensão geopolítica, econômica e social do processo de formação de médicos em Cuba como uma alternativa estratégica na relação entre as nações. em dia” (Rollo & Weber, 2018Rollo, R. M., & Weber, D. L. (2018). O Sistema Nacional de Saúde cubano e a geopolítica: reflexões a partir de vivências in loco. Ágora, 20(2), 14-26. Recuperado de https://online.unisc.br/seer/index.php/agora/article/view/12358
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, p. 24).

Ao tomar as características socioeconômicas da chamada diplomacia médica e sua conexão com o currículo, direcionamos essa análise à noção de híbridos. Os discursos e a própria noção de currículo, de uma maneira geral, podem ser considerados como híbridos (Dussel, 2002Dussel, I. (2002). O currículo híbrido: domesticação ou pluralização das diferenças? In A. R. C. Lopes, & E. Macedo (Orgs.), Currículo: debates contemporâneos (pp. 55-77). São Paulo: Cortez.). No currículo haverá o encontro de híbridos culturais, novos sentidos para velhos conceitos ou conceitos novos, em uma mescla do novo, do híbrido e da potencialidade para emergir novas ideias e diferentes perspectivas, que possam até questionar relações de poder, na articulação cultura e política. “Ou seja, um resultado de um processo que seleciona a cultura e a traduz a um ambiente e a uma audiência particulares” (Matos & Paiva, 2007Matos, M. C., & Paiva, E. V. (2007). Hibridismo e currículo: ambivalências e possibilidades. Currículo sem Fronteiras, 7(2), 185-201., p. 192).

No caso do currículo para medicina em Cuba, concordamos com aqueles que o aproximam da teoria do capital humano (Gomes, Merhy, & Ferla, 2018Gomes, L. B., Merhy, E. E., & Ferla, A. A. (2018). Subjetivação dos médicos cubanos: diferenciais do internacionalismo de cuba no programa mais médicos. Trabalho, Educação e Saúde, 16(3), 899-918. doi:10.1590/1981-7746-sol00147
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), no intuito de fortalecer no país potencialidades em educação e pesquisa na área da saúde. Há, entre as diretrizes do currículo estudado, uma direção para a medicina cientificista, reconhecida e construída nos moldes internacionais. As clínicas especializadas, o trabalho com níveis mais complexos da atenção. O aprendizado para o trabalho no hospital. Mas, essa presença não se trata de tornar tais características norteadoras do processo.

Concordamos com Lopes (2005)Lopes, A. C. (2005). Política de currículo: recontextualização e hibridismo. Currículo sem Fronteiras, 5(2), 50-64., quando este afirma que a hibridação gera ambivalentes, mas é um indicador da emergência de possibilidades no caminho para novas articulações com finalidades sociais e educacionais. Enfim, o papel social e humanista da medicina no currículo guia-se pela medicina integral pela promoção, prevenção e reabilitação da saúde, onde há espaço considerável para os atributos da APS.

Ao reconhecer essa característica, uma possível “hibridação” do currículo, não se diminui as potencialidades desse currículo em relação ao trabalho com uma medicina integral – aspecto já trabalhado neste artigo. Isso tudo afasta o currículo de medicina cubano daquela formação médica centralizada em uma perspectiva tecnicista biomédica.

A medicina cientificista presente no currículo em Cuba reconhece o valor de disciplinas em uma perspectiva de medicina anatomoclínica. Está presente a importância do conhecimento científico/clínico construído historicamente, quando a grade curricular prevê estudos como: anatomia; histologia; propedêutica clínica e semiologia; anatomia patológica; farmacologia, entre outras – distribuídas nos chamados “ciclo básico-clínico” e “ciclo clínico”. As atividades em policlínicas e hospitais estão distribuídas ao longo do curso e dividem espaço com atividades da APS. Ou seja, o hospital e a doença não são o centro do processo formativo (Universidad Ciencias Medica de la Habana, 2015bUniversidad de Ciencias Médicas de la Habana. (2015b). Fundamentacion. Plano Carrera. Havana: Comission Nacional de Carrera. [Recebido via e-mail].).

Reconhecemos, portanto, que nesse currículo existe uma preocupação em desenvolver pesquisas e acompanhar avanços científicos na área da saúde. Há, também, incentivo a pesquisas orientadas para a medicina integral, inerente ao significado da APS. No curso existe, inclusive, a disciplina orientadora medicina geral integral, ministrada ao longo de dez semestres, e no estágio profissionalizante. Os estágios, por sua vez, são acompanhados pelos chamados “professores integrais” e no período há distribuições da aprendizagem em quatro módulos principais.

Se introduce el Internado Profesionalizante, con cuatro módulos: Atención integral a la familia y la comunidad; Atención integral a la mujer; Atención integral al niño; y Atención integral al adulto … eso permite la formación desde la Atención Primaria de Salud, asumiendo el educando la atención de un consultorio médico, bajo supervisión

(Universidad de Ciencias Médicas de la Habana, 2015bUniversidad de Ciencias Médicas de la Habana. (2015b). Fundamentacion. Plano Carrera. Havana: Comission Nacional de Carrera. [Recebido via e-mail]., p. 3).

Merece atenção o fato de não termos identificado caminhos que levem a uma fragmentação do conhecimento científico clínico referente a cada área médica abordada nos conteúdos, pois são previstos com uma abordagem generalista e humanitária. Na concepção do trabalho com a APS, percebemos, existe um cuidado com múltiplos fatores da comunidade, da família, do indivíduo inserido em um contexto. Assim, estamos dizendo que no currículo prescrito estudado (cubano) não identificamos características como: uma formação elitista e que prioriza uma classe social branca (Kemp & Edler, 2004Kemp, A., & Edler, F. C. (2004). A reforma médica no Brasil e nos Estados Unidos: uma comparação entre duas retóricas. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, 11(3), 569-585. doi:10.1590/S0104-59702004000300003
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); formação centrada na fisiopatologia das doenças; fragmentação do indivíduo em sistemas biológicos; relação médico-paciente em que o paciente tem papel secundário, conforme uma lógica de poder centralizada no médico; foco principal no hospital ou na indústria farmacêutica; ou uma forte tendência à superespecialização (Amoreti, 2005Amoretti, R. (2005). A educação médica diante das necessidades sociais em saúde. Revista Brasileira de Educação Médica, 29(2), 136-146. Recuperado de https://www2.ghc.com.br/ghc/noticias/not071105_01.pdf
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; Provenzano et al., 2014Provenzano, B.C. et. al. (2014). A empatia médica e a graduação em medicina. HUPE, 13(4),19-25. Recuperado de http://bjhbs.hupe.uerj.br/WebRoot/pdf/505_pt.pdf
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32 32 A formação médica identificada no currículo estudado afasta de características do modelo criticado pelos autores do estudo intitulado: A empatia médica e a graduação em medicina. ). Ao contrário, o currículo analisado possui, em perspectiva, características revolucionárias pela saúde.

Breves considerações…

Nesta pesquisa, o currículo cubano nos pareceu bem distante de querer transformar o cuidado à saúde em um projeto de relação de poder. A metodologia de ensino o aproxima de uma entrada entre raciocínios pedagógicos decoloniais e o trabalho com saúde de maneira integral e humanista. Buscam, assim, formar modos de ser médico que sejam capazes de levar assistência e auxilio em diferentes partes do mundo, pela premissa revolucionária da solidariedade e não da dominação. Em um mundo que segue uma lógica global prioritariamente capitalista, Cuba atua com raciocínios pedagógicos outros, politizados, que vinculam a formação de médicos para o trabalho humanitário em missões, com sistema de valores próprios – portanto, guiados pela ética socialista, coerentes com a Revolução Cubana.

O modo como a dimensão da saúde integral está presente no currículo demonstra uma tentativa de não ter uma forte dependência tecnológica do hospital. O cuidado da saúde não se limita apenas ao caráter curativo de doenças. Buscamos conhecer o currículo formal destinado à formação dos médicos cubanos, para identificar possíveis explicações sobre a performance diferenciada desses profissionais no PMM. Identificamos entre os processos e articulações uma proposta de solidariedade política e o foco em uma medicina ética humanitária que age pela saúde integral dos que recebem seus cuidados, seja na ilha, seja em outros países. A medicina em Cuba é pensada de modo diferenciado pela solidariedade e pela dignidade humana. Assim, a prática no Brasil foi identificada com sentidos outros do cuidado, o que repercutiu nos atendimentos no PMM.

  • 2
    Normalização, preparação e revisão textual: Ailton Junior – revisao@tikinet.com.br
  • 3
    Apoio: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
  • 4
    No período da criação do programa, a média brasileira era de 1,8 médicos/mil habitantes. Em se tratando de outros países como Argentina e Uruguai, a média era de 3,2 e 3,7 médicos/mil habitantes, respectivamente. Nos Estados Unidos são 2,4; no Reino Unido, 2,7; na França, 3,5; em Portugal, 3,9; na Espanha, 4; e, em Cuba, 6,4. Ainda, no Brasil, cinco estados apresentavam-se abaixo da média, com menos de 1 médico/mil habitantes: Acre, Amapá, Maranhão, Pará e Piauí (Girardi et al., 2016).
  • 5
    O PMM foi instituído pela Medida Provisória nº 621, de 8 de julho de 2013. Em seguida, com a Portaria Interministerial nº 1.369, de 8 de Julho de 2013, o governo federal dispõe sobre a implementação do “projeto Mais Médicos para o Brasil”. Na mesma portaria ainda ficou definido que os municípios prioritários para receber os médicos seriam aqueles localizados em áreas de difícil acesso, de difícil provimento de médicos ou com populações em situação de maior vulnerabilidade, definidas com base nos critérios estabelecidos pela Portaria nº 1.377/GM/MS, de 13 de junho de 2011, e que se enquadrem em pelo menos uma das seguintes condições: (i) ter o município 20% ou mais da população vivendo em extrema pobreza, com base nos dados do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), disponíveis no endereço eletrônico www.mds.gov.br/sagi; (ii) estar entre os 100 municípios com mais de 80 mil) habitantes, com os mais baixos níveis de receita pública per capita e alta vulnerabilidade social de seus habitantes; (iii) estar situado em área de atuação de Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI/SESAI/MS), órgão integrante da Estrutura Regimental do Ministério da Saúde; ou (iv) estar nas áreas referentes aos 40% dos setores censitários com os maiores percentuais de população em extrema pobreza dos municípios. Esse último pré-requisito foi complementado com a Portaria Interministerial nº 1.493, de 18 de julho de 2013. A Lei nº 12.871Lei nº 12.871, de 22 de outubro de 2013. (2013, 23 de outubro). Institui o Programa Mais Médicos, altera a Lei nº 8.745, de 9 de dezembro de 1993, e nº 6.932, de 7 de julho de 1981, e dá outras providências. Diário Oficial da União, seção 1., de outubro de 2013, institui o PMM e dá outras providencias.
  • 6
    As vagas oferecidas pelo Ministério da Saúde para atuação na Atenção Primária à Saúde (APS) e não preenchidas por médicos brasileiros foram disponibilizadas para os estrangeiros devidamente inscritos no programa. O foco do governo federal eram países como Espanha, Portugal e Cuba, devido à formação qualificada na atenção primária e similaridade da língua (Morais et al., 2014, p. 117).
  • 7
    Reforçamos aqui que o trabalho dos médicos inseridos no PMM sempre aconteceu na APS. Assim, os estudos mencionados tratam da qualidade na assistência nesse nível da atenção.
  • 8
    A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), de acordo com a Resolução nº 466, de dezembro de 2012. Aprovação em novembro de 2018 com parecer favorável número: 3.021.804.
  • 9
    A integralidade, como princípio organizativo do APS, permite atenção e acompanhamento continuado das pessoas, e que pode viabilizar uma necessária revolução na medicina (Tesser, & Luz, 2008).
  • 10
    Não temos intenção de aprofundar o debate sobre a necessidade ou não de se realizar o referido exame.
  • 11
    Tradução livre. Os médicos entrevistados, apesar de mesclarem palavras em português e em espanhol, já desenvolveram uma linguagem de fácil compreensão.
  • 12
    O presente trabalho resulta de uma pesquisa maior, realizada em estágio doutoral com apoio do CNPq. Parte da metodologia foi realizar entrevistas semiestruturadas.
  • 13
    “Em 1910 foi publicado o estudo que ficou conhecido como o Relatório Flexner (Flexner Report) e é considerado o grande responsável pela mais importante reforma das escolas médicas de todos os tempos nos Estados Unidos da América (EUA), com profundas implicações para a formação médica e a medicina mundial. A doença é considerada um processo natural, biológico …. Os hospitais se transformaram na principal instituição de transmissão do conhecimento médico durante todo o século XX. Às faculdades resta o ensino de laboratório nas áreas básicas (anatomia, fisiologia, patologia) e a parte teórica das especialidades (Luz, 1993). As posturas são assumidamente positivistas, apontando como único conhecimento seguro o científico, mediante a observação e a experimentação” (Pagliosa & Da Ros, 2008, p. 496).
  • 14
    “Se o ‘hospício’ ou ‘asilo de loucos’ encarnou na história de nossa cultura a separação e segmentação médica em seu formato mais antiquado, duro, coletivo, o ‘hospital’ moderno atualiza essa tendência sob formas brandas e tecnicamente irrepreensíveis” (Duarte, 2003, p. 178).
  • 15
    A Estratégia Saúde da Família (ESF) é uma coordenação prioritária para expansão, fortalecimento e reestruturação da APS. Desde sua criação, primeiramente como Programa Saúde da Família, em 1994, diversos têm sido os desafios enfrentados para o alcance de expressivo grau de resolutividade e a melhoria do estado de saúde da população brasileira. Destacam-se o subfinanciamento das ações, a dificuldade de contratação e fixação de profissionais de saúde – sobretudo médicos –, a insuficiente qualificação dos trabalhadores, a concorrência de orçamento com a média e alta complexidade, dentre outros fatores (Almeida, Macedo, & Silva, 2019).
  • 16
    Ver Portaria nº 2.488Portaria nº 2.488, de 21 de outubro de 2011. (2011, 24 de outubro). Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Diário Oficial da União, seção 1., de 21 de outubro de 2011.
  • 17
    Anderson, & Rodrigues (2016) desenvolvem um debate sobre a efetivação da medicina integral, saúde e adoecimento e integralidade.
  • 18
    Para todos os médicos trabalharem no PMM havia uma regra condicionante à participação em um curso de especialização.
  • 19
    “A partir de 1959 en todas las universidades la matrícula y la adquisición de los libros de textos se tornaron gratuitas, lo que posibilitó progresivamente la masificación del ingreso a estos estudios. Esto condujo a la necesidad de universalizar y extender la formación de los estudiantes de ciencias médicas a todas las provincias del país, por lo que se estableció el plan de becas universitarias” (Vela-Valdés et al., 2018, p. 2).
  • 20
    Apesar do déficit de profissionais, o governo cubano investiu significativamente na formação de recursos humanos, fato que, somado à vontade política, ao direito do cidadão e à responsabilidade do Estado, tornou-se a base de transformação do sistema nacional de saúde cubano (Dal Prá, Minelli, Martini, Fetzner, & Fontana, 2015).
  • 21
    Segundo Gomes, Merhy e Ferla (2018), em 1999, quatro décadas depois da implantação da revolução, atuavam em Cuba 64.863 médicos – um para cada 175 habitantes.
  • 22
    No Brasil, a integralidade se constituiu como diretriz do SUS. É determinada tanto no nível do trabalho em saúde quanto no âmbito das políticas capazes de intervir nos determinantes do processo saúde-doença-cuidado para garantia de condições satisfatórias de bem-estar. A integralidade das práticas na atenção primária à saúde envolve uma abordagem biopsicossocial no cuidado a indivíduos e famílias (Franco, Almeida, & Giovanella, 2017, p. 2).
  • 23
    O que segundo os autores não representa uma completa ruptura com a perspectiva cientificista. E ainda aproxima daquela definição foucaultiana do mito da extinção das doenças, o governo dos corpos e das cidades, advindo do poder médico.
  • 24
    Para melhor compreensão do significado do modelo biomédico, apresentamos algumas características: pouco considerar a relação médico-paciente como elemento fundamental da terapêutica; buscar meios terapêuticos complexos com uso de tecnologia cara; investir pouco na autonomia do paciente; afirmar uma medicina que tenha como categoria central de seu paradigma a categoria de doença e não de saúde (Luz Madel, 1997, p. 28). No modelo biomédico, há “o conhecimento produzido por disciplinas científicas do campo da biologia” (Camargo Jr., 1997, p. 47). Assim, o modo de ser médico centraliza-se em uma prática médica que, na tentativa de ser “científica”, descola-se do sujeito (Romano, 2008).
  • 25
    A formação de médicos como alternativa de exportação não é a temática principal do nosso estudo. Porém, essa é uma questão de fundo, que está conectada à formação. Dessa maneira, não poderíamos deixar de mencioná-la, mesmo que brevemente.
  • 26
    Cabe mencionar que corroboramos a observação de Rollo e Weber, que consideraram: “Em que pesem as divergências teóricas/ideológicas presentes ao debate, é inegável a relevância das missões e cooperações internacionais cubanas – como no exemplo do prêmio concedido pela OMS ao contingente Henry Reeve – reconhecidas, inclusive, pelos organismos internacionais” (Rollo & Weber, 2018, p. 24).
  • 27
  • 28
    Professor de estudos latino-americanos na Universidade de Dalhousie em Halifax, província de Nova Escócia, Canadá, que em 19 de janeiro de 2015 enviou uma carta ao Comitê Norueguês do Prêmio Nobel em favor do Programa de Internacionalismo Médicos Cubanos como indicação ao Prêmio Nobel da Paz.
  • 29
    Em breve pesquisa no site de busca Google por novas matérias de jornais sobre esse tema, localizamos uma no site As vozes do mundo, intitulada “Exportar médicos está se tornando a maior fonte de renda de Cuba”, publicada e atualizada no mês de abril de 2017, na qual se informa que, segundo o ex-ministro da Economia cubano José Luis Rodríguez, citado por um artigo publicado pelo site oficial Cubadebate, os médicos do país que atuam no exterior forneceram “um valor estimado de US$ 11,543 bilhões, na média anual, entre 2011 e 2015”. A exportação de médicos supera as receitas da indústria turística, que se situaram em US$ 2,8 bilhões em 2016. Recuperado de http://br.rfi.fr/americas/20170417-exportar-medicos-inclusive-para-o-brasil-ja-e-maior-fonte-de-renda-de-cuba-0
  • 30
    Ano de criação do PMM no Brasil.
  • 31
    Em consulta na plataforma SciELO combinando os descritores “Cuba”, “saúde”, “médicos”, “solidariedade”, “exportação”, “economia”, não localizamos qualquer estudo que faça esse debate. Em uma segunda tentativa, utilizamos os seguintes descritores: “Cuba”, “programa Mais Médicos”, “economia”. Não localizamos nenhum artigo científico sobre a relação exportação de médicos e retorno financeiro e em alta escala para o Estado cubano. Assim, reconhecemos a importância de um estudo mais detalhado sobre a dimensão geopolítica, econômica e social do processo de formação de médicos em Cuba como uma alternativa estratégica na relação entre as nações.
  • 32
    A formação médica identificada no currículo estudado afasta de características do modelo criticado pelos autores do estudo intitulado: A empatia médica e a graduação em medicina.

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Editor responsável: Ana Lúcia Guedes-Pinto. https://orcid.org/0000-0002-0857-8187

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    09 Abr 2019
  • Revisado
    26 Nov 2019
  • Aceito
    17 Dez 2019
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