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Maurice Tardif - trajetória de um pesquisador: entre profissionalização do ensino, pensamento crítico e riscos contemporâneos 1 1 Esse texto da seção “DIVERSO E PROSA” compõe o DOSSIÊ “Formação de professores na contemporaneidade: da universidade à escola e da escola à universidade”, publicado nesta mesma edição. 2 2 Editor responsável: Carmen Lúcia Soares. https://orcid.org/0000-0002-4347-1924 3 3 Normalização, preparação e revisão textual: Lucas Giron (Tikinet) – williamdunne777@gmail.com 4 4 A transcrição da entrevista em francês foi feita por Eric Gagné – gagne.eric.3@courrier.uqam.ca 5 5 A tradução da entrevista para o português foi realizada por Nicolás Campanário – ncampanario@gmail.com. A revisão final foi feita por Eliana Ayoub e Samuel de Souza Neto.

Maurice Tardif - trajectory of a researcher: between professionalization of education, critical thinking and contemporary risks

Resumo

Este texto apresenta a trajetória acadêmica do professor, intelectual e pesquisador Maurice Tardif, da Université de Montréal (Universidade de Montreal) no Canadá, por meio da realização de uma entrevista, realizada por Samuel de Souza Neto e Eliana Ayoub em maio de 2017. Maurice Tardif vem dedicando suas reflexões e pesquisas a temáticas educacionais relacionadas aos saberes docentes, à formação profissional, à divisão do trabalho na escola, bem como à inserção profissional e às profissões do ensino no contexto escolar. Ele discute a profissionalização do ensino, questionando o fato desse processo não emergir dos professores, mas de induções do estado ou de movimentos de valorização do magistério, desafiando os professores a lutarem pela sua própria identidade profissional. Além da criação de centros de pesquisa, como o Centre de Recherche Interuniversitaire sur la Formation et la Profession Enseignante (Crifpe – Centro de Pesquisa Interuniversitário sobre a Formação e a Profissão Docente), o que se observa é o nascimento de uma escola de pensamento, a Escola Quebequense sobre a Formação e a Profissão Docente.

Palavras clave
saberes docentes; formação de professores; profissionalização do ensino

Abstract

This text presents the academic trajectory of the professor, intellectual and researcher Maurice Tardif from Université de Montréal (University of Montreal) in Canada, through an interview, conducted by Samuel de Souza Neto and Eliana Ayoub in May 2017. Maurice Tardif has been dedicating his reflections and researchers to educational themes related to teacher’s knowledge, to professional education, to division of work at school, as well as professional insertion and teaching professions in the school context. He discusses the professionalization of education, questioning the fact that this process does not emerge from teachers, but from state inductions or from movements for valorization of the magisterium, challenging teachers to fight for their own professional identity. To beyond the creation of research centers, as the Centre de Recherche Interuniversitaire sur la Formation et la Profession Enseignante (Crifpe – Interuniversity Research Center on Teacher’s Education and Profession), what is observed is the birth of a school of thought, the Quebec School on Teacher’s Education and Profession.

Keywords
teacher ’s knowledge; teacher’s education; professionalization of education

Introdução

Este texto tem como objetivo apresentar de forma mais próxima o professor, intelectual e pesquisador Maurice Tardif, da Université de Montréal (UdeM – Universidade de Montreal) no Canadá, por meio de uma entrevista realizada por nós, Samuel de Souza Neto e Eliana Ayoub, no dia 15 de maio de 2017, com a intenção de evidenciar sua trajetória, seu pensamento crítico em relação a questões do campo educacional, bem como seu posicionamento quanto à profissão docente na contemporaneidade.

A entrevista foi realizada nas dependências da Faculté des Sciences de l’Éducation (Faculdade de Ciências da Educação) da UdeM, localizada em Montreal, a maior cidade da província do Quebec. Naquele período, estávamos em Montreal para a participação no 4e Colloque International en Éducation: Enjeux Actuels et Futurs de la Formation et de la Profession Enseignante (Colóquio Internacional em Educação: Desafios Atuais e Futuros da Formação e da Profissão Docente), realizado nos dias 18 e 19 de maio de 2017. A primeira edição desse evento internacional foi realizada no ano de 2013, por ocasião da comemoração dos 20 anos de existência do Centre de Recherche Interuniversitaire sur la Formation et la Profession Enseignante (Crifpe – Centro de Pesquisa Interuniversitário sobre a Formação e a Profissão Docente)6 6 Disponível em: https://www.crifpe.ca/ . Em 2020, o colóquio, que desde 2015 é organizado anualmente, foi realizado numa versão totalmente on-line, devido à pandemia do novo coronavírus. Tivemos o prazer de participar do evento em sua primeira edição e em diversas outras.

Nossa estadia em Montreal também envolveu uma série de atividades científicas de intercâmbio acadêmico com o Crifpe, especialmente com a professora Cecilia Borges, a fim de darmos continuidade a projetos de pesquisa em colaboração, publicações conjuntas, mobilidade de estudantes, organização de eventos internacionais e, principalmente, reuniões para o delineamento do processo de criação do núcleo Crifpe Brasil, sobre o qual falaremos mais adiante. Uma de nossas parcerias acadêmicas com Cecilia Borges é justamente a organização conjunta do dossiê “Formação de professores na contemporaneidade: da universidade à escola e da escola à universidade”, que está sendo publicado neste volume da revista Pro-Posições.

Maurice Tardif é professor titular do departamento Administration et Fondements de l’Éducation (Administração e Fundamentos da Educação) da UdeM, diretor do Crifpe-Montréal e do eixo Profession (Profissão), assim como membro do conselho de administração do Crifpe.

No Brasil, os textos de Maurice Tardif ganharam distinção, tornando-o um dos autores estrangeiros mais lidos no país no campo das publicações em português da área da educação. Ele inaugura essa trajetória com a publicação do artigo intitulado “Os professores face ao saber: esboço de uma problemática do saber docente”, em parceria com Claude Lessard e Louise Lahaye (Tardif, Lessard, & Lahaye, 1991Tardif, M., Lessard, C., & Lahaye, L. (1991). Os professores face ao saber: esboço de uma problemática do saber docente. Teoria & Educação, (4), 215-233.), trabalho que traz reflexões fundamentais a respeito dos saberes docentes e da formação inicial, tornando-se um marco histórico.

Desde então, se consultarmos o Google Acadêmico, apenas para citar algumas de suas produções, poderemos encontrar, nos últimos 30 anos, várias publicações significativas, como por exemplo: o livro Saberes docentes e formação profissional (Tardif, 2002Tardif, M. (2002). Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes.), citado por mais de 13.100 artigos relacionados; o livro O trabalho docente: elementos para uma teoria da docência como profissão de interações humanas, em parceria com Claude Lessard (Tardif & Lessard, 2005Tardif, M., & Lessard, C. (2005). O trabalho docente: elementos para uma teoria da docência como profissão de interações humanas. Petrópolis: Vozes.), citado por mais de 2.500 artigos relacionados; o artigo “Saberes profissionais dos professores e conhecimentos universitários: elementos para uma epistemologia da prática profissional dos professores e suas conseqüências em relação à formação para o magistério” (Tardif, 2000Tardif, M. (2000). Saberes profissionais dos professores e conhecimentos universitários: elementos para uma epistemologia da prática profissional dos professores e suas conseqüências em relação à formação para o magistério. Revista Brasileira de Educação, (13), 5-24. Recuperado de http://anped.tempsite.ws/novo_portal/rbe/rbedigital/RBDE13/RBDE13_05_MAURICE_TARDIF.pdf
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), citado por mais de 1.800 artigos relacionados; o artigo “Os professores face ao saber: esboço de uma problemática do saber docente”, em parceria com Claude Lessard e Louise Lahaye (Tardif et al. 1991Tardif, M., Lessard, C., & Lahaye, L. (1991). Os professores face ao saber: esboço de uma problemática do saber docente. Teoria & Educação, (4), 215-233.), mencionado anteriormente, citado por mais de 1.100 artigos relacionados; e o artigo “Saberes, tempo e aprendizagem do trabalho no magistério”, em parceria com Danielle Raymond (Tardif, & Raymond, 2000Tardif, M. (2000). Saberes profissionais dos professores e conhecimentos universitários: elementos para uma epistemologia da prática profissional dos professores e suas conseqüências em relação à formação para o magistério. Revista Brasileira de Educação, (13), 5-24. Recuperado de http://anped.tempsite.ws/novo_portal/rbe/rbedigital/RBDE13/RBDE13_05_MAURICE_TARDIF.pdf
http://anped.tempsite.ws/novo_portal/rbe...
), citado por mais de 1.000 artigos relacionados.

No âmbito dessas publicações, o núcleo de sua produção contempla de modo especial três temáticas: (i) saberes docentes, (ii) formação profissional e (iii) trabalho docente. Perpassam esses temas a perspectiva da docência como profissão e o processo de profissionalização do ensino.

Em nosso país, é no campo dos saberes docentes que ele se tornou a principal referência, tendo como ênfase as seguintes temáticas, que se apoiam na mobilização desses saberes: prática docente, formação, identidade, profissionalização e políticas educacionais.

Desse modo, a obra de Tardif tem se constituído como importante referência no contexto das pesquisas e dos estudos relacionados à formação de professores no Brasil. No ano 2000, durante o 10º Encontro Nacional de Didática e Prática do Ensino (Endipe), cuja temática foi “Ensinar e aprender: sujeitos, saberes, espaços e tempos”, realizado na cidade do Rio de Janeiro, Tardif participou da mesa-redonda intitulada “Os professores enquanto sujeitos do conhecimento: subjetividade, prática e saberes no magistério”, trazendo reflexões significativas para o campo da formação docente.

Em 2001, organizou, juntamente com Cecilia Borges, o dossiê “Os saberes dos docentes e sua formação” (Borges & Tardif, 2001Borges, C., & Tardif, M. (2001). (Orgs.). Dossiê: os saberes dos docentes e sua formação. Educação & Sociedade, 22(74). Recuperado de https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_issuetoc&pid=0101-733020010001
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) para a revista Educação & Sociedade, com textos de pesquisadores brasileiros e estrangeiros. Em 2002, com a publicação do livro Saberes docentes e formação profissional (Tardif, 2002Tardif, M. (2002). Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes.), citado anteriormente, Tardif apresenta o cerne de sua contribuição acerca da problematização dos saberes que constituem a docência.

Márcia de Souza Hobold (2004)Hobold, M. S. (2004). Saberes docentes e formação profissional. Contrapontos, 4(2), 407-410. Recuperado de https://siaiap32.univali.br/seer/index.php/rc/article/view/791/636
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, ao fazer a resenha desse livro, destaca como contribuição original o fato do autor considerar e sublinhar a relação entre os conhecimentos oriundos da universidade e os saberes produzidos na prática docente cotidiana. Desse modo, Maurice Tardif defende as relações entre saber profissional e os saberes das ciências da educação; o saber dos professores e as suas relações com a sua identidade, a sua experiência de vida e a sua história profissional; e as suas relações com os estudantes em sala de aula e com os outros atores escolares.

Outro importante aspecto a ser ressaltado é a criação do Crifpe, em 1993. Naquela época, Tardif era docente da Université Laval (Universidade Laval), localizada na cidade de Quebec e, juntamente com outros colegas, criou esse centro interuniversitário de pesquisa, dando origem a um intenso trabalho de colegialidade entre pesquisadores da província do Quebec. Posteriormente, o Crifpe abriu espaço para um entrelaçamento de parcerias com pesquisadores de outros países, tanto europeus como africanos, asiáticos, norte-americanos e latino-americanos. Estamos, portanto, diante de um centro de pesquisa que nasce e se compõe no coletivo de universidades, contando com a participação de pesquisadores nacionais e internacionais, sendo reconhecido no Canadá como o mais importante centro de pesquisa em educação.

Dessa interlocução com outros países, surge em 2016, na Universidade de Montreal, o Centre International sur la Formation et la Profession Enseignante (Crifpe International – Centro de Pesquisa Internacional sobre a Formação e a Profissão Docente), englobando um conjunto de grupos de pesquisa de parceiros inicialmente do Brasil, do Chile, da França e da Suíça. Essa iniciativa deu origem ao Crifpe Brasil, cuja sede se encontra na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquista Filho” (Unesp), Campus de Rio Claro, sob coordenação de Samuel de Souza Neto.

Um dos desdobramentos da criação do Crifpe International é o planejamento da organização de congressos internacionais em diferentes países. O primeiro deles, denominado Congreso Internacional sobre la Formación y la Profesión Docente, ocorreu em outubro de 2018 na cidade de Santiago, no Chile. Em outubro de 2020, estava prevista a realização do Congresso Internacional sobre a Formação e a Profissão Docente, na cidade de Brasília, no entanto, devido à pandemia do novo coronavírus, o evento foi adiado para 2021.

No presente, há ainda a criação do periódico Formation et Profession: Revue Scientifique Internationale en Éducation (Formação e Profissão: Revista Científica Internacional em Educação)7 7 Disponível em: https://formation-profession.org. , uma proposta coletiva do Crifpe, que tem um comitê científico internacional com membros da América do Norte, América do Sul, Europa e África. A revista começou como um boletim informativo e recentemente assumiu a proposta de se tornar um periódico científico internacional.

Nessa trajetória, podemos citar, igualmente, o reconhecimento social mais amplo de Maurice Tardif, concedido por meio de importantes prêmios, bolsas de pesquisa e distinções, que podem ser conhecidos no site do Crifpe8 8 Disponível em: https://www.crifpe.ca/members/view/195/2. .

Após essa apresentação inicial, convidamos os/as leitores/as a nos acompanhar no diálogo com Maurice Tardif por meio de uma bela entrevista que ele nos concedeu naquela manhã do dia 15 de maio de 2017, em plena primavera canadense.

Desejamos que apreciem!

Maurice Tardif: trajetória, pensamento e desafios na contemporaneidade

Entrevistadores: Caro professor Maurice Tardif, nós estamos muito felizes por estarmos juntos nesta ocasião para fazer esta entrevista. Da mesma forma, gostaríamos de dar as boas-vindas ao Crifpe Brasil, pois você é também o fundador do Crifpe Internacional, que terá sede no Brasil, no Chile, na França e na Suíça.

Maurice Tardif: Sim, obrigado. Para mim também é um prazer reencontrar os colegas do Brasil e discutir com eles.

Entrevistadores: Nossa primeira questão: Quem é Maurice Tardif: o homem, o intelectual e o professor?

Maurice Tardif: Bem, eu posso falar, inicialmente, sobre os meus títulos oficiais. Eu sou professor titular aqui na Faculdade de Educação da Universidade de Montreal. Estou na Universidade de Montreal desde 2000. Antes disso, eu fui professor titular também na Universidade Laval (Université Laval, Québec), de 1990 a 2000 e, antes disso, de 1982 a 1990, eu fui professor de Filosofia nos colégios denominados Cégeps (Collèges d’Enseignement Général et Professionnel au Québec – Colégios de Educação Geral e Profissional no Quebec). Entre 2004 e 2008, eu fui também reitor de uma universidade na Suíça (Haute École Pédagogique de Berne, du Jura et de Neuchâtel – HEP-Bejune). Era uma universidade profissional dedicada à formação de professores. Era uma universidade “tricantonal” (relativo a cantões, que são como estados, por exemplo, como o estado de São Paulo ou como as províncias do Canadá). Era uma universidade “tricantonal”, então havia o cantão de Neuchâtel, o cantão de Berna, uma parte de língua francesa e o cantão de Jura. A minha formação de base é toda em Filosofia. Fiz a graduação em Filosofia, mestrado em Filosofia e doutorado em Filosofia da Educação. No entanto, é preciso dizer que em Filosofia, sempre tive uma orientação, eu diria, da filosofia social. Quando eu era mais jovem, diria que estava bem próximo das teorias marxistas e pós-marxistas. E depois me interessei pela sociologia crítica e pelas teorias da atividade, especialmente Habermas, Giddens e companhia. Nos anos 1980, eu era estudante aqui na Universidade de Montreal – estava fazendo meu doutorado – e comecei a trabalhar em 1986 com o Claude Lessard. Tornei-me seu assistente e começamos a trabalhar juntos. E quando me tornei professor universitário, em 1990, continuei trabalhando com o Claude. Também comecei, já em Laval, a trabalhar com o Clermont Gauthier. O Claude, o Clermont e eu publicamos muitos livros juntos. Inicialmente, interessei-me pela profissão docente, numa perspectiva macrossociológica, particularmente no Quebec.

Entrevistadores: Como uma profissão?

Maurice Tardif: Sim, ou seja, o corpo docente, o grupo profissional de professores, numa perspectiva macrossociológica, em sua evolução, em suas condições de trabalho, o que o caracteriza no nível sociodemográfico: o número de mulheres, de homens, as condições salariais, o status de emprego. Mas, nos anos 1990, progressivamente, também com o Claude, começamos a nos interessar mais pelas perspectivas microssociológicas para estudar o trabalho docente cotidiano. Publicamos vários livros sobre essa questão.

Posteriormente, no início dos anos 2000, fiquei interessado em outros agentes escolares porque, ao realizar pesquisas com professores nas escolas, percebi que, ao lado dos professores, havia cada vez mais outros atores escolares: ortopedagogos, psicólogos escolares, conselheiros pedagógicos etc. E havia também cada vez mais pessoal técnico, isto é, pessoas que não têm formação universitária – eles têm uma formação colegial ou mesmo uma formação secundária – os quais apoiam os professores para, especialmente, o controle de estudantes, os estudantes com dificuldade, os estudantes em crise. E é isso que chamamos de equipe técnica. Então, progressivamente, me interessei pela divisão do trabalho. E essa questão dominou meu trabalho dos anos 2000 aos anos 2010, aproximadamente 2012. E agora, estou trabalhando com colegas, dentre os quais a Cecilia Borges, na inserção de professores e na construção de seus saberes profissionais. É necessário dizer que a temática do saber sempre foi um fio condutor na minha carreira, que me interessou, tanto nas perspectivas macrossociológicas quanto nas microssociológicas. Então, grosso modo, esta é um pouco da minha biografia profissional.

Entrevistadores: Em seu site oficial é possível constatar uma vasta obra, com muitas publicações: 32 livros e capítulos de livros, 66 artigos etc. Em sua obra, quais seriam as balizas que você consideraria como mais importantes para pensar a formação, a profissão e o trabalho docente?

Maurice Tardif: Creio que um dos temas centrais de meu trabalho, como no de muitos pesquisadores norte-americanos, é o tema da profissionalização do ensino. Esse tema, contrariamente ao que as pessoas pensam, não apareceu nos Estados Unidos nos anos 1980. Diz-se frequentemente que o movimento de profissionalização teve início nos Estados Unidos com o Holmes Group Report, com a Carnegie Foundation etc. É verdade que houve um movimento que começou ali, mas a ideia de tornar o ensino uma profissão é muito antiga. Na América do Norte, no Canadá anglófono, e até mesmo no Quebec, desde o final do século XIX e começo do século XX, há associações de professores que já reivindicam certo estatuto profissional. Ao mesmo tempo, é preciso dizer que a profissionalização sempre foi um fenômeno estreitamente vinculado à sindicalização porque os professores, na América do Norte, sempre tiveram de lutar em duas frentes: por um lado, para proteger e melhorar suas condições de trabalho, o que é um objetivo sindical; por outro, para aumentar sua autonomia profissional e garantir uma formação de boa qualidade, que também são objetivos profissionais. Portanto, objetivos de sindicalização e objetivos de profissionalização sempre estiveram estreitamente imbricados. O que podemos nos perguntar é: o que ocorre com o movimento de profissionalização? Percebemos que esse movimento, que se desenvolve lentamente ao longo de todo o século XX e experimentou uma aceleração nos anos 1980 é inacabado: ele ainda não se encerrou, frequentemente é, até mesmo, caótico. E não podemos compreender a profissionalização dos professores sem relacioná-la com outras temáticas, que são a proletarização dos professores e de uma parte dos agentes escolares e também a desqualificação dos professores. Por exemplo, na temática da divisão do trabalho, algo que é até mesmo fascinante é que vemos desde os anos 1980 um aumento das reivindicações pela criação de uma profissão docente, uma profissão no sentido norte-americano do termo, isto é, tão reconhecida quanto a medicina, o direito ou a engenharia, com uma ordem profissional. Portanto, há pressões políticas, há pressão das universidades, para que o ensino se torne realmente uma profissão. Mas, ao mesmo tempo, percebe-se que na escola há grupos de trabalhadores escolares, especialmente do pessoal técnico, que são proletários, isto é, são muito mal pagos, têm condições de trabalho ruins, 80% em condições precárias e 90% mulheres. Portanto, é possível perceber que a profissionalização se desenvolve em um contexto no qual certos agentes escolares, que gravitam em torno dos professores, são proletarizados ou tecnicizados. Ao mesmo tempo, na América do Norte, no Quebec, observa-se frequentemente que as condições de trabalho dos professores estão muito longe de serem profissionais. Por exemplo, no Quebec, quase um em cada dois professores têm estatuto de trabalho precário; 30% dos professores não ensinam matérias para as quais se formaram; eles não ensinam para estudantes para os quais foram formados. Percebemos, então, que a temática da profissionalização é muito complexa porque é atravessada por pressões sociais contraditórias. Creio que isso é verdade no Brasil, no Quebec, no México. É verdade em todo lugar. Portanto, a profissionalização não é uma linha reta, é uma linha que avança e que recua. Às vezes, ela transborda. Ela é caótica. Ela é irregular. E, desse modo, não há uma tendência histórica à profissionalização. Não se passou da vocação para o ofício e do ofício para a profissão. É possível perceber que há dimensões da vocação e do ofício que ainda perduram. Trata-se de uma questão complexa e isso é fundamental para compreender o que ocorre nesse campo.

Entrevistadores: Em 2013, na revista Educação e Sociedade, você publicou o artigo “A profissionalização do ensino passados trinta anos: dois passos para a frente, três para trás” (Tardif, 2013Tardif, M. (2013). A profissionalização do ensino passados trinta anos: dois passos para a frente, três para trás. Educação & Sociedade, 34(123), 551-571. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0101-73302013000200013
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), no qual você fala sobre as “idades do ensino”. Nesse texto, você discute se o Brasil já estaria na “idade do ofício”. Gostaríamos de fazer duas perguntas a esse respeito:

(1) Quando você pergunta se o Brasil chegou à “idade do ofício”, o que você de fato quer questionar? O que quer dizer com essa provocação?

Maurice Tardif: Gostaria de dizer aqui que não sou um especialista da profissão docente no Brasil; conheço um pouco o que acontece aí. Mas, ao longo dos últimos 20 anos, tive a oportunidade de viajar muito ao Brasil. Fui para o Norte, fui para o Sul, fui para o interior do Brasil. Visitei escolas, escolas do sertão, escolas do Ceará, escolas de Pelotas, escolas do Rio de Janeiro, escolas de Brasília. Portanto, não tenho uma visão de conjunto do Brasil porque o Brasil é um país extremamente complexo. Um ofício, os ofícios tais como os conhecemos aparecem no século XIX. Antes disso, falamos das antigas corporações medievais. Um ofício pressupõe uma relativa unidade de um campo de trabalho. Todas as pessoas que exercem esse ofício, de um modo geral, exercem-no em condições similares. Por exemplo, se tomarmos um eletricista, um encanador, todos os ofícios que conhecemos: essas pessoas exercem o mesmo ofício e podem mudar de função. Ao mesmo tempo, um ofício pressupõe uma certa estabilidade, isto é, não se pode ser eletricista durante duas semanas e depois disso tornar-se um encanador e depois outra coisa. Um ofício implica uma estabilidade do campo de trabalho, certa uniformidade de condições. Ele também implica critérios ou regras de entrada no ofício; não é qualquer pessoa que pode praticá-lo. Portanto, há um controle que habitualmente é exercido pela formação e por outros organismos como, por exemplo, sindicatos ou associações profissionais. Um ofício também possui certa identidade e cultura coletiva. Há crenças compartilhadas, normas, valores. Um ofício não é qualquer coisa: pressupõe certa unidade de um campo de trabalho, condições de emprego relativamente estáveis, uma cultura comum, controles à entrada. Vou dar um exemplo disso. Mesmo que eu seja muito bom como encanador, não posso trabalhar como um, para fazer isso preciso de uma carteira profissional que me autorize a fazer esse trabalho. Portanto, no caso do ensino no Brasil, pelo que vi, sobretudo nos estados mais pobres, como o Ceará, eu realmente não encontrei essas condições do ofício. Por exemplo, frequentemente, os professores no Brasil devem ensinar em várias escolas e cumprem vários contratos de trabalho. Frequentemente, há professores que são contratados com pouquíssima formação. É um trabalho frequentemente instável e mal pago. As pessoas precisam trabalhar, ter um outro emprego além do ensino. Não tenho certeza de que haja no conjunto do Brasil uma cultura comum que faça com que os professores se reconheçam uns aos outros. Certamente, há sindicatos de professores, mas a força desses sindicatos varia muito entre um estado e outro, entre uma cidade e outra. Portanto, creio que no Brasil o ensino possui certas características do ofício, mas não todas elas. Portanto, o ensino no Brasil, ao menos nos estados mais pobres – todos os estados do Nordeste, eu diria, e da Amazônia –, ainda está muito fragmentado, muito caótico na organização das condições de trabalho do ofício de professor. Portanto, o ofício me parece muito instável. E é difícil dizer “é um ofício”, no sentido estrito do termo. Mas, ao mesmo tempo, com certeza, há evoluções nesse campo. Creio que isso talvez ocorra em estados como São Paulo, onde os professores formam um corpo mais unificado, mas em outros estados não. A minha tese é mais ou menos a seguinte: no Brasil há uma evolução rumo ao ofício, mas é uma evolução inacabada. Ela ainda está um pouco caótica. Mas quando digo isso, e essa é uma das teses que disse no Brasil – algo que me parece importante lembrar aqui –, é que para mim a maior parte dos professores brasileiros não devem de início lutar pela profissionalização: eles devem lutar principalmente pela estabilização de suas condições de trabalho. Isso me parece ser o mais importante. A profissionalização, no sentido norte-americano do termo, parece-me um ideal importado dos Estados Unidos para o Brasil que não corresponde necessariamente à situação atual dos professores brasileiros. É por essa razão que eu dizia que devemos estar atentos à ideia de profissionalizar os professores no Brasil porque, no fundo, o próprio ofício ainda não é algo estabelecido. Portanto, há um problema, isto é, talvez seja preferível conquistar melhores condições de trabalho, bons salários, garantias trabalhistas, estabilidade, trabalho em tempo integral, possibilidade de formação continuada, boa aposentadoria, para estabilizar o ofício e depois se pensar em profissionalização.

Entrevistadores: (2) Sobre a “idade do ensino” como profissão, você ainda defenderia a ideia do ensino como profissão?

Maurice Tardif: Como disse há pouco, a profissionalização é um movimento contraditório. Eu, como pesquisador, não tenho de defender a profissionalização; procuro compreender os processos sociais que estão em ação na profissionalização. Nos anos 1990, defendi muito a profissionalização. Agora não a defendo mais. Eu falava do caso do Quebec e do Canadá. No Quebec, fala-se em profissionalização há muito tempo. Quem fala disso? Fundamentalmente, os universitários, o Ministro da Educação e o Conselho Superior da Educação. Bom, há uma parte dos professores, eu diria que talvez um terço deles, que fala disso. Em minha opinião, a profissionalização deve vir dos próprios professores. São os professores que, na base, devem lutar para que a profissionalização emerja.

Entrevistadores: No sentido americano.

Maurice Tardif: No sentido americano: criar uma ordem profissional, um comitê de ética, uma formação continuada obrigatória. No entanto, não é isso que ocorre no Canadá, porque no Canadá, na Colúmbia Britânica, o governo impôs, em 1986, uma ordem profissional aos professores. Em Ontário, ocorreu o mesmo em 1996. Mas, percebemos que essas ordens profissionais não são controladas pelos professores; é realmente uma nova estrutura estatal que exerce um controle sobre os professores sem que estes se reconheçam nela. Portanto, é uma ordem profissional que não representa os professores. A prova disso é que, na ordem profissional, os professores são minoritários nos órgãos decisórios, o que é absurdo. Por exemplo, na Ordem dos Médicos, no Quebec, na corporação médica, quem se senta em torno da mesa para tomar decisões são médicos, mas na Ordem dos Professores não são todos professores, são funcionários, são professores universitários, são pessoas de meios empresariais etc. Absurdo. Não são, pois, ordens profissionais de verdade: são estruturas de controle do governo sobre os professores. E, nesse sentido, penso que no Quebec o governo fala, há 20 anos, em impor aos professores uma ordem profissional, mas eu, pessoalmente, sou contra a imposição de uma ordem. Se os professores não quiserem, sua posição deve ser aceita. Eu não seria favorável à ideia de impor juridicamente, por meio da lei, uma ordem profissional.

Entrevistadores: Na confrontação com a profissionalização do ensino, circula um discurso sobre a “morte da expertise”, no sentido da banalização do conhecimento…

Maurice Tardif: Parece-me que nossas sociedades são fundamentalmente sociedades de especialistas. As sociedades atuais são sociedades de engenheiros. Somos sociedades de engenheiros e de especialistas. Portanto, não creio que estejamos assistindo à morte da expertise. Pelo contrário, estamos nos tornando sociedades cada vez mais tecnocráticas, baseadas cada vez mais em especializações que logo resultarão na criação de algoritmos feitos por inteligências artificiais. Portanto, em minha opinião, a expertise, longe de se enfraquecer, ganha mais força. Contudo, é verdade que essa expertise também comporta riscos, na medida em que se passa a tomar consciência de que as sociedades – e o mesmo é válido no caso da educação – são sistemas dinâmicos, em parte caóticos, que nenhum especialista pode controlar. Há, pois, um ganho de força da expertise, mas há também uma fantasia da expertise em que nossas sociedades, especialmente no campo econômico, julgam que podem controlar tudo. Ora, é perceptível que o controle, progressivamente, escapa de nossas mãos, notadamente o controle sobre o meio ambiente, sobre as sociedades. Quando as sociedades se tornam imensas – grandes cidades modernas, megalópoles – em determinado momento escapam do controle dos especialistas: há processos demais que ocorrem ao mesmo tempo. Portanto, eu não falaria em uma diminuição da expertise: falaria antes em um ganho de força da expertise, mas ao mesmo tempo, como dizia o sociólogo Ulrich Beck, de uma sociedade do risco, de uma expertise que produz riscos que nenhuma outra pode controlar. Creio que o perigo fundamental de nossa época é o ecológico. E infelizmente fala-se muito pouco disso na educação. As ciências da educação, aqui no Canadá, tratam muito pouco desse assunto. Eu, pessoalmente, leio muito, não apenas ciências da educação, mas também antropologia, sociologia, biologia. Interesso-me pelo conjunto das ciências sociais e humanas e não apenas pela educação. Penso que estamos desencadeando processos extremamente perigosos no plano socioambiental, que não vão chegar em 1000 anos, mas em 25, 30 anos. E, nesse caso, os especialistas nos conduzem por um caminho falso. Eles estão nos conduzindo para meios ambientes cada vez mais caóticos. E isso é extremamente perigoso. Parece-me que uma das missões da educação deveria ser formar as crianças também para uma reflexão sobre esses riscos. Um espírito crítico.

Entrevistadores: E você pensa que o Crifpe dialoga com esse tema?

Maurice Tardif: Não, há poucas pessoas no Crifpe que se interessam por essas questões. Hoje em dia, o problema da pesquisa científica em educação ou em física é a sua especialização. As pessoas devem ser muito especializadas porque são avaliadas constantemente por outros especialistas. Quando faço uma solicitação de financiamento, ela é para outros especialistas do meu campo, suíços, brasileiros, franceses, americanos, que leem meus projetos, que avaliam meus artigos. Portanto, é como um circuito fechado, como uma autorreprodução da ciência por si mesma. Não é fácil fazer com que temas exteriores entrem nesse circuito. Talvez, se eu tivesse 25 anos hoje, se estivesse começando minha carreira, eu trabalhasse nisso, na educação ambiental. Mas, neste caso, já é tarde demais para mim. Minha carreira já foi construída. Talvez eu ainda possa escrever alguma coisa sobre o assunto. Meu próximo livro vai tocar nesse tema. Ele vai se chamar Le travail et ses objets (O trabalho e seus objetos). É uma ontologia do trabalho nas sociedades atuais em que vou tratar dos diferentes objetos do trabalho – os objetos materiais, os objetos simbólicos, os objetos humanos, os objetos vivos como os animais – e procurarei mostrar as implicações ontológicas ligadas a essa temática, como, cada vez mais, todos os objetos – os humanos, os seres vivos, os símbolos, o conhecimento – são tratados como objetos-mercadoria. Há, portanto, um risco considerável de que existam consequências ecológicas, evidentemente. Vou me aproximar da filosofia no final de minha carreira.

Entrevistadores: O autor sobre o qual falamos antes se chama Tom Nichols, que publicou o livro The death of expertise, no qual é discutida a ideia da banalização do conhecimento.

Maurice Tardif: Certamente essas novas tecnologias estão apenas começando. É como a invenção do livro no século XV: demorou alguns séculos. Mas a diferença hoje é que a evolução é mais rápida. Certamente, há o risco de modificar a maneira pela qual são pensados os conhecimentos, a maneira pela qual os jovens de hoje vão aprender. Mas, ao mesmo tempo, a produção de conhecimento, pouco importa o campo – na filosofia, na física, na matemática, na educação – implica sempre um trabalho pessoal. Não há conhecimento sem trabalho. Para escrever é preciso ler textos, é preciso sentar-se, é preciso compor, refletir, decompor o que se descobre, recomeçar. Isso não será mudado pela internet. Talvez possam ser mudados os modos de acesso ao conhecimento. Mas, os modos de produção do conhecimento, enquanto os seres humanos forem constituídos do mesmo modo – isto é, enquanto possuírem um cérebro –, o conhecimento implica um intenso trabalho intelectual. E esse trabalho não pode ser uma atividade em que se brinca de um lado para outro: deve-se, em um momento determinado, ser sério e enfrentar o estado do conhecimento atual em nosso campo. Não se pode simplesmente ir consultar a Wikipédia. Em um certo momento, é preciso refletir, ler os autores, analisar os dados. Não vejo como isso possa mudar. Porque se olharmos bem a maneira pela qual os gregos antigos produziam seu conhecimento – Platão, por exemplo, ou Aristóteles – e a maneira pela qual ele é produzido hoje em dia, embora tenham ocorrido mudanças extraordinárias, surgido novas teorias, o trabalho intelectual permanece sensivelmente o mesmo. Sensivelmente o mesmo. Platão se sentava e escrevia, lia os trabalhos dos outros filósofos para criticá-los, para assimilá-los. Aristóteles fazia o mesmo. Ainda fazemos a mesma coisa hoje em dia. Eu não creio em todas as ideias de inteligências múltiplas, de inteligências coletivas; acredito que precisamos nos sentar e trabalhar. Pode-se trabalhar com os outros, pode-se dividir o trabalho, mas em um determinado momento é preciso dedicar-se ao trabalho. Deve-se entrar de cabeça. Isto é verdadeiro não apenas no caso das ciências, mas para tudo. É a mesma coisa para um artista. O grande filósofo Hegel dizia “não se pode fazer nada grandioso sem a paixão”. Tudo o que é importante no mundo, tudo o que existiu de importante nasceu de uma paixão. A grande paixão intelectual é envolver-se no trabalho mental, do pensamento. Isso não mudou. Nesse sentido, a internet talvez possa modificar a maneira pela qual são tratados os conhecimentos, os modos de acesso aos conhecimentos, mas não creio que irá modificar a relação que os seres humanos mantêm com a produção do conhecimento. Talvez eu esteja equivocado: não sabemos em que direção se está indo socialmente. Mas, mesmo hoje em dia, os maiores estudiosos continuam trabalhando exatamente como Platão trabalhava, mesmo que tenham um computador. Eles possuem um computador, mas não muda nada, nesse caso. Portanto, há coisas que não mudam, apesar de tudo.

Entrevistadores: Conte-nos sobre os financiamentos que o Crifpe, um centro da área de educação, tem recebido nos últimos anos e como são realizados os processos de avaliação.

Maurice Tardif: Aqui no Canadá, temos um sistema de avaliação qualificado de “anônimo”, isto é, escrevemos um projeto de financiamento, apresentamos o nosso curriculum vitae e o projeto ao organismo – seja um organismo canadense, seja um organismo quebequense – e eles o enviam a avaliadores externos. O nome, frequentemente, é ocultado: eles não sabem que o solicitante é Maurice Tardif. E fazem uma avaliação da qualidade do projeto e da qualidade do curriculum vitae. Depois disso, fazem três ou quatro avaliações por projeto e então isso é enviado para uma comissão composta por cientistas. E essas pessoas discutem e classificam os projetos uns em relação aos outros: dizem “este, na minha opinião, é o melhor, ele está muito bom” ou “aquele ali não está tão bom”. No fim desse processo, chega-se a uma série de projetos. Por exemplo, de acordo com o orçamento do organismo, eles dirão: “os 30 % melhores vão receber o financiamento”. Creio que, na base do Crifpe, éramos o Claude Lessard, eu e o Clermont Gauthier. Éramos nós três quando começamos. Pouco depois, juntou-se a nós o Yves Lenoir. Um pouco depois, também François Larose. Tínhamos assistentes nos auxiliando, estudantes que faziam doutorado conosco. Claude Lessard, Clermont Gauthier e eu, no Quebec, estamos entre os pesquisadores mais produtivos da história na área da educação. Portanto, estávamos os três juntos. Já éramos nós três, mas cada um de nós estava entre os mais produtivos. Depois disso, nossos estudantes se formaram e se tornaram professores. Falo de Joséphine Mukamurera, Jean-François Desbiens, Louis Levasseur… Monica Cividini, Ahmed Zourhlal. Clermont tinha seus orientandos também: Denis Simard, Stéphane Martineau. Claude também teve orientandos, um pouco menos talvez. Portanto, na segunda geração, nossos orientandos tornaram-se professores e membros do Crifpe. Em seguida, nossos orientados, por sua vez, formaram seus orientandos; portanto é a terceira geração. Eu e Clermont também continuamos a formar estudantes. Por exemplo, recentemente, eu lhes contava que Adrianna Morales-Perlaza tornou-se professora: ela fez seu doutorado comigo ano passado, defendeu-o e foi contratada imediatamente. Marina Schwimmer é minha orientanda; ela também foi contratada. Portanto, uma primeira geração, uma segunda e uma terceira, mas a primeira geração ainda está trabalhando. Portanto, isso faz com que o Crifpe possua como que um núcleo duro, um “coração”. Na base, está a rede formada por Tardif, Lessard, Gauthier, à qual veio se juntar Karsenti em 2000. Thierry Karsenti9 9 Thierry Karsenti é diretor do Crifpe desde 2005. é uma máquina de produzir também. Portanto, o Crifpe é assim, isto é, possui um núcleo muito forte, produtivo, e depois disso vieram se juntar a nós outras pessoas. Depois, outras pessoas de outros lugares quiseram trabalhar conosco, mas essas são mais periféricas, de uma certa maneira. Eles são membros do Crifpe, mas são mais periféricos.

Entrevistadores: Há uma escola de formação de pensamento no Crifpe. Uma primeira geração, uma segunda, uma terceira, uma família de pesquisadores.

Maurice Tardif: Uma “máfia”. Como o padrinho e seus afilhados.

Entrevistadores: No contexto da formação de professores na contemporaneidade, pensando sobre os desafios que são encontrados nos caminhos da “universidade à escola” e da “escola à universidade”, quais ações poderíamos desenvolver para aprofundar o diálogo entre essas duas instâncias de formação?

Maurice Tardif: Isso não é fácil. Isso depende dos países, talvez. É certo que a ideia de profissionalização implica que os professores tenham um papel mais importante a desempenhar em sua própria formação. No Quebec, esse não é o caso atualmente. Isso quer dizer que a formação é decidida pelo ministério, que impõe às universidades um certo número de regras, principalmente um referencial de competências, e os responsáveis pela formação são, então, as universidades. Portanto, os professores têm pouco ou nenhum envolvimento no processo de produção dos programas de formação de professores. Eles intervêm nas escolas para acolher os estagiários da universidade. Então aqui é importante: os professores acolhem os nossos estagiários. Mas, ao mesmo tempo, eles não são parceiros da formação, no sentido de que têm muito pouco poder sobre a formação, porque os professores das escolas que acolhem os estagiários têm muito pouco a dizer sobre a formação geral. Os sindicatos de professores podem fazer recomendações, mas são apenas recomendações. Portanto, não é fácil, porque, aqui no Quebec, é muito difícil ter contato com os professores do meio escolar, porque eles são, um pouco, uma profissão fechada em si mesma. Os professores estão se afastando cada vez mais das universidades. Por exemplo, antes, nos anos 1960-70-80, a formação continuada de professores era oferecida pela universidade; agora, ela se dá principalmente nas escolas, por meio de comunidades de aprendizagem, de centros de formação de professores. Existem, muitas vezes, grupos de professores que não querem nem mesmo convidar os acadêmicos. Eu diria que no Quebec não é fácil, porque há certa ruptura entre os professores e as universidades. Eu penso que seria necessário que os professores tivessem mais poder na formação, nas instâncias de tomada de decisão nas quais se concebe e se organiza a formação. Mas para isso, teria de haver uma ordem profissional, uma corporação, como no direito ou na medicina, mas ela não existe. Portanto, os professores se tornam consumidores de formação e de pesquisa. Eles não são os produtores de sua formação. E trabalhar com os professores nas escolas agora está extremamente difícil aqui, onde eles sempre estão extremamente sobrecarregados. Isso é um problema. E, ao mesmo tempo, há burocracia demais hoje em dia. Aqui, você precisa ter comitês de ética, certificados de ética. São exigidos certificados de ética nas escolas, nos conselhos escolares. Muito complicado. Mas, apesar de tudo, Cecilia (Borges) e eu conseguimos criar uma comunidade de aprendizagem que já dura quatro anos, com 58 professores. Mas isso é completamente independente das escolas: são pessoas que vêm conosco. Isso começou em 2013 e vai durar até 2018-2019 para Cecilia.

Entrevistadores: No campo dos desafios da contemporaneidade, uma das mais recentes proposições do Crifpe está sendo a criação do Crifpe Internacional por sua iniciativa e de outros colegas. Qual é o projeto que vocês têm para o desenvolvimento, estruturação e contribuição desses centros para área da educação?

Maurice Tardif: Quando olhamos para a educação em nível internacional, percebemos que os Estados Unidos e as sociedades anglo-saxônicas que giram em torno dos Estados Unidos (Inglaterra, Austrália, Índia, Nova Zelândia, Canadá) têm seu próprio campo educacional e esse campo é muito fechado. Então, os Estados Unidos têm grandes centros, grandes centros internacionais de pesquisa. Frequentemente, o Banco Mundial, a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e a Unesco recorrem aos americanos devido à sua expertise internacional. Portanto, isso abrange toda a cultura anglo-saxônica. Os países latinos estão muito isolados uns dos outros. Nós, em nosso centro aqui no Quebec, dizemos que alcançamos nossos limites. No Quebec, no Canadá francês, nós não podemos ir mais longe. Nós podemos conseguir outros subsídios, mas já os temos. Por isso, eu sempre achei interessante que pudéssemos nos unir a equipes de outros países para criar um centro internacional latino-francês, para criar uma expertise em nossos campos de idiomas latinos. Eu não trabalho com os americanos. Eu realmente não me reconheço na pesquisa americana. Creio que no Brasil há uma penetração dos americanos. Mas, levando em conta todos os problemas que os americanos criaram na América Latina, eu acho que há mais interesse em trabalhar com francófonos do Quebec do que com os americanos por parte de mexicanos ou brasileiros ou argentinos. Ainda hoje, a política americana em relação à América Latina é péssima. Com Trump, isso ficou ainda pior. Então, eu penso que no plano político, no plano geopolítico, temos interesse em nos associar, em trabalhar juntos. Ao mesmo tempo, uma coisa que necessita ser bem compreendida é que os elos internacionais passam pelos amigos. São os amigos. Eu não quero trabalhar com qualquer um. Você me diz: “há alguém que é bom na Colômbia; há outro que é bom no Paraguai”. Se eu não os conhecer, não irei trabalhar com eles. Primeiramente, eu já trabalho muito, então não quero criar outro trabalho por nada. O Crifpe Internacional não é apenas uma ideia teórica; ele é também as pessoas que conhecemos e com quem trabalhamos há anos. Você (Samuel de Souza Neto), Cecilia, eu. Uma pessoa na Suíça, com as pessoas com quem trabalhei quando estava lá. Na França, com amigos. Portanto, o Crifpe se baseia primeiro em uma rede de amigos. E eu penso que as relações internacionais geralmente são desenvolvidas por meio de redes de amigos. Caso contrário, não é interessante. Caso contrário, você fará um trabalho suplementar por nada. Eu penso que é interessante que os brasileiros se associem ao Crifpe, pois somos um centro estabelecido, existimos há 25 anos. Nós temos dinheiro, temos projetos, temos infraestrutura. E nossa problemática científica é ampla o suficiente para que as pessoas se reconheçam nela. Este não é o caso de todos os centros. Antes disso, havia centros de educação no Quebec, por exemplo o Cirade (Centre Interdisciplinaire de Recherche sur l’Apprentissage et le Développement en Éducation, Université du Québec à Montréal). Havia uma problemática muito estreita ligada à didática da matemática, de acordo com uma abordagem socioconstrutivista. Isso é muito estreito. Se você não é socioconstrutivista, você não se reconhece. Nós não temos uma temática dessa forma; é uma temática de profissão. Significa compreender a profissão docente. Se você quiser, você pode ser um socioconstrutivista, mas você não é obrigado. Portanto, nossos eixos de pesquisa não são baseados em crenças teóricas. São objetos sociais: a inserção do ensino, a formação de professores e o exercício da profissão. E isso, no Brasil, é a mesma coisa. A inserção, a formação de professores, são as mesmas temáticas com que nós trabalhamos.

Entrevistadores: Quais são as suas expectativas em termos de estruturação desses centros internacionais? Para 2018, 2020?

Maurice Tardif: Bem, creio que vai demorar pelo menos cinco ou seis anos. O que está previsto é um primeiro encontro em 2018 no Chile e em 2020 ou 2021 no Brasil. Eu penso que esses primeiros encontros serão de preparação, de desenvolvimento inicial da rede. Mas, ao mesmo tempo, cada grupo em seu país deve continuar a trabalhar, a se estruturar.

Entrevistadores: E quanto às normas de funcionamento?

Maurice Tardif: Nosso centro tem regras de funcionamento, normas. O que é um pesquisador associado? O que é um pesquisador regular? Quais são as obrigações dos pesquisadores? Pessoalmente, penso que pode ser do nosso interesse discutir essas regras e, possivelmente, adotar regras internacionais que levem em conta a diversidade dos países. Não serão, necessariamente, as mesmas regras no Brasil; não serão, necessariamente, as mesmas regras no Chile. A força das equipes varia também de um país para outro. Por exemplo, no Chile, já começa mais ou menos a ser feito. No Brasil, já está muito bem estruturado com o Samuel (de Souza Neto). Na Suíça, está muito bem estruturado, mas ainda não há muitas pessoas nele. Então, eu penso que temos de ir lentamente e construir as coisas uma por uma. Não se deve ir muito rápido com isso.

Entrevistadores: Você recebeu o prêmio de excelência Whitworth 2016, da Associação Canadense de Educação (Association Canadienne de l’Éducation – ACE)10 10 “Whitworth 2016 de l’ACE pour son incidence sur la recherche en enseignement au Canada”. por sua influência sobre a pesquisa educacional no Canadá. Qual foi o significado que esse prêmio teve para você?

Maurice Tardif: Com certeza, isso me deixou muito feliz porque sou um quebequense francófono e a Associação Canadense é uma associação anglófona, amplamente anglófona. Seu nome é Canadian Association of Education, algo assim. Há um pouco de francês, mas é principalmente anglófona. Então, é gratificante ser reconhecido pelos canadenses de outras províncias que não me conhecem pessoalmente. Se você ganha um prêmio e são seus amigos que lhe dão, você fica feliz, mas fica ainda mais feliz quando se trata de estrangeiros. E, ao mesmo tempo, o prêmio Whitworth é antigo, data de 1967. Isso faz muito tempo. Ele é concedido somente a cada três anos e há excelentes pesquisadores canadenses que o conquistaram antes de mim, como Andy Hargreaves, Michael Fullan. Os melhores pesquisadores canadenses já o conquistaram. Estar na lista é muito prazeroso também. O trabalho que você realizou é reconhecido em todo o Canadá e não apenas no Quebec. É como se o trabalho que você faz em São Paulo fosse premiado no Rio (de Janeiro). Seu trabalho é reconhecido em outro estado.

Entrevistadores: E como isso ocorre? Você precisa se inscrever?

Maurice Tardif: Foi Thierry (Karsenti) que submeteu minha candidatura. Alguém tem de submeter a sua candidatura.

Entrevistadores: É visível no Brasil a importância da contribuição de seus trabalhos traduzidos, como por exemplo o livro Saberes docentes e formação profissional (que já está na 17ª edição). É um best-seller. Ele é uma espécie de conjunto estrutural do seu trabalho sobre os saberes docentes e a formação profissional e anuncia o trabalho docente. É muito importante. Como você vê esse trabalho hoje, com um livro tão lido no Brasil? Você o ratificaria hoje, da mesma forma como foi publicado em 2002?

Maurice Tardif: Eu era muito jovem quando escrevi alguns textos de Saberes docentes. Eles foram concebidos nos anos 1980-86, quando trabalhei com o Claude Lessard. Tinha cerca de 28 anos na época e é certo que as ideias que são expressas lá, eu as manteria ainda hoje, mas acrescentaria nuances. Eu acrescentaria nuances com certeza. Talvez uma visão um pouco mais de crítica social do saber, dos componentes sociais dos saberes dos professores. Há um pouco disso, mas não o suficiente.

Entrevistadores: Por fim, você gostaria de dizer mais alguma coisa? Pretendemos publicar esta entrevista juntamente com um dossiê da revista Pro-Posições, que será organizado por nós (Samuel de Souza Neto e Eliana Ayoub) juntamente com a Cecilia (Borges).

Maurice Tardif: Pessoalmente, sempre gosto de dialogar com pesquisadores e pesquisadoras brasileiros. A sociedade brasileira é mil vezes mais complexa que a do Quebec. O Quebec é pequeno: tem apenas 9 milhões de pessoas. No Brasil, vocês são mais de 200 milhões, eu acho, atualmente. O Brasil é um verdadeiro país continental. Existem muitos desafios no Brasil. Não é fácil o que está acontecendo atualmente. Não quero falar sobre política porque não sei o suficiente sobre tudo o que está acontecendo aí, mas é certo que o Brasil está avançando e recuando. Ele avança, ele recua. Ele não avança de maneira linear. Espero que as iniciativas implementadas por Lula para promover a educação, ajudar os desfavorecidos, as classes pobres, possam continuar nas próximas décadas. Portanto, não estou pensando apenas em termos de anos, porque um país não evolui por ano: evolui por década. É preciso olhar 10, 15, 30 anos, 40 anos à frente. Eu espero que o que está acontecendo agora seja apenas um parêntese no desenvolvimento do Brasil. Espero que isso não seja um retrocesso, mas um parêntese e que, posteriormente, o Brasil continue sua evolução positiva em direção a mais democracia, mais acesso à educação, mais igualdade, especialmente para mulheres e crianças. Eu penso que existem desafios importantes e acredito que a educação ainda está no centro do futuro do Brasil. O futuro do Brasil ainda está acontecendo hoje e ainda vai passar amanhã pela educação. Aqui mesmo, no Quebec, que é uma sociedade altamente desenvolvida, enfocamos a educação. Eu acho que o Brasil tem de dobrar o foco na educação. A educação é o caminho do futuro para o Brasil e, consequentemente, eu penso que os acadêmicos brasileiros, os professores brasileiros, não devem parar de lutar para defender os direitos da educação. Há uma luta incessante a ser travada nesse campo.

Entrevistadores: Muito obrigado.

Apontamentos finais

No âmbito dessa entrevista, na qual tivemos como objetivo apresentar o professor, o intelectual e o pesquisador Maurice Tardif, procurarmos compartilhar nuances de sua vida profissional talvez desconhecidas por grande parte de seus leitores e estudiosos.

Com certeza, sabemos que não foi possível abranger tudo o que este intelectual tem produzido ao longo de sua carreira, bem como estamos cientes de que poderão ser encontradas lacunas no que se refere a aspectos que não foram contemplados. Entretanto, acreditamos que uma parte do que este pesquisador e seus colaboradores fizeram (e fazem) veio a público de forma singular e inédita.

Desse modo, nas entrelinhas percorridas por esta entrevista, bem como nas produções do grupo de pesquisadores filiados ao Crifpe, divulgadas no site do centro de pesquisa ou mesmo nos diversos eventos realizados por este centro de pesquisa, dentre os quais o já mencionado Colloque International en Éducation: Enjeux Actuels et Futurs de la Formation et de la Profession Enseignante, podemos constatar o legado que este autor (e o seu grupo) nos traz (trazem), anunciando o percurso de uma escola de pensamento.

A esse respeito, referenciamos o artigo publicado por Samuel de Souza Neto (2014)Souza Neto, S. (2014). Le Crifpe, un centre de recherche, une école de pensée: “l´École québécoise sur la formation et la profession d’enseignant”. Formation et Profession, 22(2), 82-89. Recuperado de https://formation-profession.org/files/numeros/8/v22_n02_a42.pdf
https://formation-profession.org/files/n...
, em que o autor apresenta a perspectiva de uma “escola quebequense sobre a formação e a profissão docente”, cujo movimento começa com a própria criação do Crifpe, em 1993. Seguramente, estamos diante de uma proposta inspiradora a todos que se dedicam ao estudo da formação de professores e da profissão docente.

Para finalizar, citamos, ainda, um ensaio publicado por Maurice Tardif em julho de 2020, na seção debate da revista La Presse, com o título “Pénurie d’enseignants: raccourcir la formation est-il la solution?” (Escassez de professores: encurtar a formação é a solução?), no qual ele se posiciona em relação à pandemia do novo coronavírus e às “oportunidades” que essa época pode proporcionar quando se olha para o magistério, problematizando-as. Ele traz reflexões acerca da escassez de professores no Quebec, afirmando que “Infelizmente, um pouco à margem do coronavírus, essa escassez está avançando sob uma nuvem de incertezas” (Tardif, 2020Tardif, M. (2020, 1 de julho). Pénurie d’enseignants: raccourcir la formation est-il la solution ? La Presse. Recuperado de https://www.lapresse.ca/debats/opinions/2020-07-01/penurie-d-enseignants-raccourcir-la-formation-est-il-la-bonne-solution.php
https://www.lapresse.ca/debats/opinions/...
).11 11 “Malheureusement, un peu à l’image du coronavirus, cette pénurie s’avance sous une nuée d’incertitudes” (tradução livre dos autores/entrevistadores). De acordo com Maurice Tardif, a crise da Covid-19 pode exacerbar esse problema da escassez de professores que já existe em algumas disciplinas mais do que em outras e ele é enfático ao nos alertar para a necessidade de nos protegermos contra soluções mágicas que acabam querendo aligeirar a formação docente, ressaltando que “está na hora de se fazer um balanço crítico e de explorar novos caminhos”12 12 “… il est temps d’en faire un bilan critique et d’explorer de nouvelles avenues” (tradução livre dos autores/entrevistadores). (Tardif, 2020Tardif, M. (2020, 1 de julho). Pénurie d’enseignants: raccourcir la formation est-il la solution ? La Presse. Recuperado de https://www.lapresse.ca/debats/opinions/2020-07-01/penurie-d-enseignants-raccourcir-la-formation-est-il-la-bonne-solution.php
https://www.lapresse.ca/debats/opinions/...
). Consideramos que suas ponderações em relação ao cenário quebequense dialogam com outros contextos educacionais, incluindo o brasileiro.

Que possamos nos inspirar com a trajetória profissional e acadêmica de Maurice Tardif e que suas reflexões acerca da educação nos incentivem a enfrentar coletivamente esses tempos sombrios que temos vivido na sociedade brasileira, sobretudo neste grave cenário da pandemia.

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    Esse texto da seção “DIVERSO E PROSA” compõe o DOSSIÊ “Formação de professores na contemporaneidade: da universidade à escola e da escola à universidade”, publicado nesta mesma edição.
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    Normalização, preparação e revisão textual: Lucas Giron (Tikinet) – williamdunne777@gmail.com
  • 4
    A transcrição da entrevista em francês foi feita por Eric Gagné – gagne.eric.3@courrier.uqam.ca
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    A tradução da entrevista para o português foi realizada por Nicolás Campanário – ncampanario@gmail.com. A revisão final foi feita por Eliana Ayoub e Samuel de Souza Neto.
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    Disponível em: https://www.crifpe.ca/
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    Thierry Karsenti é diretor do Crifpe desde 2005.
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    “Whitworth 2016 de l’ACE pour son incidence sur la recherche en enseignement au Canada”.
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    Malheureusement, un peu à l’image du coronavirus, cette pénurie s’avance sous une nuée d’incertitudes” (tradução livre dos autores/entrevistadores).
  • 12
    “… il est temps d’en faire un bilan critique et d’explorer de nouvelles avenues” (tradução livre dos autores/entrevistadores).

Referencias

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2
Editor responsável: Carmen Lúcia Soares. https://orcid.org/0000-0002-4347-1924

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    02 Dez 2020
  • Aceito
    21 Dez 2020
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