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Diários online como dispositivos de pesquisa-formação: uma conversa com o filme Avatar 1 1 Editor responsável: César Donizetti Pereira Leite https://orcid.org/0000-0001-8889-750X 2 2 Normalização, preparação e revisão textual: Andreza Silva (Tikinet) - comercial@tikinet.com.br

Resumo

Tomando como inspiração uma pesquisa realizada no âmbito da disciplina Currículos e Cotidianos do Curso de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ, as autoras, amparadas no paradigma da complexidade (Morin, 2003), nos princípios da multirreferencialidade (Ardoino, 1998; Macedo, 2012) e na abordagem da pesquisa com os cotidianos (Alves, 2008) objetivam mostrar, à luz do filme Avatar, como o diário online pode ser usado como dispositivo experiencial, potencializando atos de currículo, que levam em conta fatores, tais como: diferenças, diversidade, alteridade, autonomia, e autoria, entre outros. Nessa perspectiva, aproximam educação e artes, englobando aspectos culturais, históricos, literários e políticos inerentes ao filme.

Palavras-chave
Cinema; Atos de currículo; Diários online; Cibercultura

Abstract

Inspired by research conducted in Curricula and Daily Life of the Education course at the Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, the authors, based on the paradigm of complexity (Morin, 2003), principles of multireferentiality (Ardoino, 1998 ; Macedo, 2012), and the research approach with everyday life (Alves, 2008) aim to show, in light of the movie Avatar, how online journals can be used as an experiential device which enhances curriculum acts, considering factors such as such as: differences, diversity, alterity, autonomy, and authorship, among others. In this perspective, they bring education and arts closer together, encompassing the cultural, historical, literary, and political aspects inherent to the film.

Keywords
Cinema; Acts of curriculum; Online journals; Cyberculture

Introdução

Considerando-se que a aprendizagem se dá ao longo de nossas existências, as diferentes formas como agimos, bem como o conteúdo dessas ações cotidianas são plurais, dinâmicos e provisórios. Portanto, caracterizam-se não apenas pela diferenciação, sob a influência de fatores diversos – em muitas ocasiões, aleatórios –, mas também pela complexidade, conferida pelo emaranhado de ações, interações e reações que se estabelecem em todas as áreas das atividades humanas.

Nessa ótica, o desenvolvimento de uma pesquisa exige que se extrapolem os padrões de investigação e análise herdados da ciência moderna, pois, na atualidade, nenhuma teoria é capaz de restabelecer uma unidade de pensamento para dar conta dos problemas cotidianos e sua complexidade. O tratamento do mundo contemporâneo exige a hibridização dos elementos da natureza, da política e do discurso, dado que as redes são, como adverte Latour (1994)Latour, B. (1994). Jamais fomos modernos. Editora 34., ao mesmo tempo reais como a natureza, narradas como o discurso e coletivas como a sociedade. Desse modo, não obstante sua relevância para o processo de investigação, esses padrões científicos modernos constituem, cada vez mais, limites ao que é preciso ser tecido para lidar com as diversidades, as diferenças e as desigualdades do mundo.

Santos, B. (2010)Santos, B. S. (2010). Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In B. S. Santos, & M. P. Meneses (Orgs.). Epistemologias do sul (pp. 31-83). Cortez. ressalta que a hegemonia científica vive um momento de crise devido, entre outros motivos, ao fato de o causalismo, como categoria de inteligibilidade do real, vir perdendo terreno para o finalismo, na medida em que a ideia de causa se relaciona diretamente a uma intervenção no real e descarta a possibilidade de se ver o real a partir de uma ação sobre a própria realidade. Para o autor, precisamos levar em conta a perspectiva de análise histórico-cultural, além de trabalhar noções de imprevisibilidade, espontaneidade, auto-organização, criatividade e acontecimento, deslocando-nos do conhecimento regulador, que marcou a modernidade, em direção a um conhecimento ‘libertador’ que, em última análise, possibilite a emancipação social.

[…] um paradigma que tende a reduzir o universo dos observáveis ao universo dos quantificáveis e o rigor do conhecimento ao rigor matemático do conhecimento, do que resulta da desqualificação (cognitiva e social) das qualidades que dão sentido à prática ou, pelo menos, do que nelas não é redutível, por via da operacionalização, a quantidades; um paradigma que desconfia das aparências e das fachadas e procura a verdade nas costas dos objetos, assim perdendo de vista a expressividade do face a face das pessoas e das coisas onde, no amor ou no ódio, se conquista a competência comunicativa

(Santos, B., 1989Santos, B. S. (1989). Introdução a uma ciência pós-moderna. Graal., p. 34).

Diante da complexidade do mundo, Morin (2003, p. 71)Morin, E. (2003). Introdução ao pensamento complexo (3. ed.) Edições Piaget. argumenta que, quando o pensamento simplificador e reducionista não consegue responder a questões em que a incerteza, a desordem, a contradição, a pluralidade e a complicação ganham relevo, “a inteligência parcelada, compartimentalizada, mecanicista, disjuntiva, reducionista, destrói a complexidade do mundo em fragmentos distintos, fraciona os problemas, separa o que está unido, unidimensionaliza o multidimensional”.

Sob essa ótica, Mignolo (2004)Mignolo, W. (2004). Os esplendores e as misérias da “ciência”: colonialidade, geopolítica do conhecimento e pluri-versalidade epistêmica. In B. S. Santos (Org.). Conhecimento prudente para uma vida decente (pp. 667-710). Cortez. afirma que o paradigma emergente vem se afastando da “uni-versalidade” do conhecimento imposta pelo cristianismo, pela filosofia secular e pela modernidade, e caminhando em direção a uma “pluri-versalidade” do conhecimento e da compreensão, subordinada ao objetivo de um conhecimento prudente para uma vida decente. Esse novo paradigma, proposto por Santos, B. (2010)Santos, B. S. (2010). Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In B. S. Santos, & M. P. Meneses (Orgs.). Epistemologias do sul (pp. 31-83). Cortez., ressalta a necessidade de um olhar plural, que rompa a hierarquia entre conhecimento científico e saber comum, pois “uma vez que nenhuma forma singular de conhecimento pode responder por todas as intervenções possíveis no mundo, todas elas são, de diferentes maneiras, incompletas” (p. 58).

Nesse contexto, o cinema se apresenta como um dispositivo que possibilita esse olhar multifacetado, pois, diferentemente da narrativa escrita, em que podemos detalhar as características físicas e emocionais dos personagens, nas narrativas cinematográficas, todas essas características ficam por conta do olhar e da percepção do espectador, capaz de captar desde as expressões corporais e faciais dos personagens, até aspectos relacionados à cenografia e à trilha sonora. Ademais, tem o potencial de ousar, experimentar, provocar encontros crítico-criativos com a realidade, por meio de suas imagens e sons; o que constitui um valioso objeto de estudo, que deve ser explorado nos cotidianos escolares, pois como afirma Fresquet (2013)Fresquet, A. M. (2013). Cinema e educação: Reflexões e experiências com professores e estudantes de educação básica, dentro e “fora” da escola. Autêntica., entre o real e o ficcional, a realidade e a fantasia, o cinema e a educação transitam e se encontram, eventualmente.

O cinema não se limita a produções criativas, mas se engaja na criação de formas de vida. É dessa criação que a comunidade escolar participa, na medida em que o cinema nos possibilita imprimir algumas dúvidas ao que vemos, autorizando-nos a fazer leituras críticas e criativas do que nos é dado a ver, e pensarmos nas possibilidades de alterar o mundo para além da crítica ideológica ou do modo passivo de perceber. Nesse sentido, a presença do cinema atua como um dispositivo propulsor de transformações das próprias práticas educacionais. (Fresquet; Migliorin, 2015Fresquet, A. M., & Migliorin, C. (2015). Da obrigatoriedade do cinema na escola, notas para uma reflexão sobre a Lei 13.006/14. In A. Fresquet (Org.). Cinema e Educação: A Lei 13.006/14: reflexões, perspectivas e propostas (pp. 4-21). Universo Produção., p. 17).

Nessa perspectiva, pedimos licença a James Cameron, autor do filme AVATAR, para adentrarmos em sua obra – cuja ficha técnica e sinopse são apresentadas adiante – e com ela dialogar, objetivando refletir sobre o papel do diário online como potencializador de atos de currículo na pesquisa-formação na cibercultura.

Em conjunto com os praticantes culturais3 3 Praticantes’ (ou praticantes culturais), termo concebido por Certeau (2013), referente àqueles que vivem e se envolvem dialogicamente com as práticas do cotidiano. Para o autor, quando o homem ordinário se torna o narrador, quando define o lugar (comum) do discurso e o espaço (anônimo) de seu desenvolvimento, tem início o enfoque da cultura. Sob essa ótica, os espaços e os tempos de criação coletiva e a ação política emergem como componentes fundamentais no processo de transformação da escola. , coautores dessa pesquisa, articulamos o roteiro do filme às situações de aprendizagem e práticas comunicacionais mediadas e estruturadas por tecnologias digitais em rede, e vivenciadas no âmbito da disciplina “Cotidianos e Currículos”, no Curso de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PROPED- UERJ).

Nessa disciplina, desenvolvida no formato híbrido de ensino, buscamos, mediante processos de auto, hetero e ecoformação, compreender o significado dos cotidianos nas redes de conhecimentos e significações nas quais nos inserimos, bem como a expressão dessas redes nessas ambiências, com ênfase nas relações ‘dentrofora4 4 Adotamos o uso do termo ‘dentrofora’, entre outros, escritos de forma diferenciada, pois nos inspiramos no referencial teórico de Alves (2008) sobre as pesquisas nos/dos/com os cotidianos. Para a autora: “A junção de termos e a sua inversão, em alguns casos, quanto ao modo como são ‘normalmente’ enunciados, nos pareceu, há algum tempo, a forma de mostrar os limites para as pesquisas nos/dos/com os cotidianos, do modo dicotomizado criado pela ciência moderna para analisar a sociedade” (Alves, 2008, p. 11). das escolas, nos processos de ‘aprendizagemensino’, nos múltiplos artefatos culturais utilizados e nos ‘fazeressaberes’ ‘docentesdiscentes’ nos múltiplos processos curriculares.


AVATAR, o filme. Ficha Técnica

Sinopse

AVATAR, filme de ficção científica, produzido por Lightstorm Entertainment e distribuído pela 20th Century Fox, foi lançado, em Londres, em dezembro de 2009, tendo sido indicado a nove Oscars. A história se passa no ano 2154, num planeta chamado Pandora, no qual uma espécie humanoide azulada de três metros de altura, chamada na’vi, vive em conflito com colonizadores humanos que intencionam dominar seu território, para explorar o minério unobtainium.

Paralelamente, visando a uma relação pacífica com os nativos, é desenvolvido o Programa AVATAR, que consiste na criação de corpos híbridos humano-na’vi, pois os humanos não conseguem respirar na atmosfera de Pandora, rica em metano, amônia e dióxido de carbono; e porque precisam entender o modo de vida daqueles nativos, em total harmonia com a natureza. Jake Sully, um ex-fuzileiro paraplégico, é chamado para participar desse programa, coordenado pela Dra. Grace Augustine, no qual os humanos podem controlar mentalmente um corpo de na’vi e, dessa forma, conhecer a vida dos humanoides.

Ainda que não tenha qualquer experiência, nem conhecimento do povo nativo, Jake é escolhido para substituir seu irmão gêmeo, cientista do programa, morto num assalto, devido ao fato de seu DNA ser similar ao dele. Isso lhe permite usar seu avatar6 6 Avatar consiste na manifestação corporal de um ser superpoderoso, na religião hindu. . Por entender que aquela era uma grande oportunidade para realizar uma cirurgia, que lhe restituiria o movimento das pernas, Jake aceita a proposta do coronel Miles Quaritch para se misturar aos nativos e aprender seus costumes, identificando seus pontos fracos. Em outras palavras, estudá-los e buscar sua colaboração, haja vista que o território dos na’vi se localiza acima da maior reserva do precioso mineral, tão ambicionado por Quaritch.

A Dra. Grace, que prepara um livro sobre a botânica pandoriana, inicialmente não aprova sua contratação. Enxerga-o, assim como os demais pesquisadores, de forma estereotipada, por não possuir familiaridade com a área. Porém, acaba aceitando essa condição; o que deixa evidente a mensagem de Cameron sobre a importância da união de forças e competências para o atingimento de metas.

Numa primeira incursão ao planeta, Jake é atacado por uma criatura e se perde do grupo, sendo salvo por Neytiri (na’vi mulher), que o apresenta a sua família, porque acredita que ele foi mandado pela mãe-natureza Eywa, uma divindade à qual tudo e todos se conectam. O avatar Jake conquista a confiança do povo na’vi, bem como o coração de Neytiri. A partir de então ela lhe ensina os costumes da tribo.

À medida que o tempo passa, Jake começa a valorizar e dar preferência ao modo de vida dos na’vi. O coronel ouve quando Jake relata, em seu diário online, que nada e ninguém conseguirá fazer com que os nativos deixem aquele lugar e, de forma vingativa, ao descobrir seu romance com Neytiri, manda desligar seu Avatar.

A Dra. Grace e os outros cientistas tentam convencer Jake de que ele não pode conter a invasão, mas não adianta. A guerra começa entre os militares e o povo, dado que os nativos os consideram traidores, e os aprisionam. Muitos morrem; entre eles, o pai de Neytiri. Todos os avatares são desligados. Trudy Chacon, uma piloto da nave, revoltada com tanta destruição, adere à causa dos na’vi, e salva os cientistas, que retornam aos corpos do Avatar. Durante a fuga, Grace é atingida por uma bala. Muitas são as tentativas para salvá-la, inclusive dos na’vi, que tentam transferir sua alma para o Avatar, mas ela não resiste.

Jake consegue dominar Toruk, uma criatura muito temida e respeitada pelos na’vi, e acaba resgatando a confiança do povo. Na defesa de Eywa e do planeta, une-se a eles, e combate os humanos. Quando a derrota parece eminente, Jake ora à deusa Eywa para que aquela natureza não seja destruída. Em resposta, a fauna de Pandora entra em ação e, com determinação e suas armas rudimentares, os nativos conseguem vencer o poderio tecnológico, expulsando os militares de Pandora. O coronel ainda tenta matar Jake, retirando-o da cápsula que controla os corpos dos avatares; porém, Neytiri consegue impedi-lo, matando-o.

Jake, ao final, torna-se um verdadeiro na’vi, unindo-se à Neytiri. Juntamente com os cientistas, a piloto e os nativos, toma posse da fortaleza construída pelos humanos e faz dela sua nova casa, já que a Casa da Árvore7 7 Árvore fonte de conhecimento e união de todos os seres vivos do planeta Pandora, por meio dela o povo na’vi têm acesso às memórias dos antepassados e a possibilidade de ligar-se a sua divindade, Eywa. fora destruída. Jake decide transferir, permanentemente, sua alma para o corpo do avatar, por meio da Árvore das Almas8 8 Árvore considerada mãe de todas as coisas, uma simbologia do arquétipo materno. . Dessa forma, conquista, definitivamente, esse novo estado de ser, cruzando a linha divisória, para além da vida humana, e renascendo completamente como um avatar.

O diário online como dispositivo9 9 Termo cunhado por Ardoino (1998) para designar os recursos materiais e intelectuais utilizados numa pesquisa, para ir ao encontro de seu objeto. potencializador de atos de currículo

Diário de campo, diário de bordo, jornal de pesquisa, diário online, diário de itinerâncias, entre outros, são apenas alguns nomes que podem indicar a “descrição minuciosa e intimista, portanto densa, de existencialidade, que alguns pesquisadores despojados das amarras objetivas constroem ao longo da elaboração de um estudo”, afirma Macedo (2000, p. 195)Macedo, R. S. (2000). A etnopesquisa crítica e multirreferencial nas ciências humanas e na educação. EDUFBA..

Além de possibilitar momentos de análise dos dados produzidos ao longo de uma pesquisa, o diário é, ele próprio, um produtor de dados, na medida em que esses não surgem espontaneamente na realidade vivenciada, mas são produzidos pela ação dos pesquisadores e por sua aceitação, mais ou menos ampla, pelos praticantes culturais.

Desse modo, consiste na escrita contínua de fatos, encontros, leituras, reflexões, estudos, entre outros, organizados em torno das experiências vividas em ‘espaçostempos’ diversos, seja no trabalho, na conjugalidade, na relação com o Outro10 10 Entendido como aquele com quem nos relacionamos, de modo isonômico, respeitando sua identidade, sua bagagem individual, sua intelectualidade, bem como suas ideias e visões de mundo. , ou consigo mesmo, propiciando: (a) a formação para a pesquisa, mediante diálogo com as questões que emergem no campo; (b) a formação para a escrita, a partir do exercício contínuo do registro das narrativas e, (c) principalmente, a formação autoral no contexto da pesquisa. Nessa perspectiva, carrega uma dimensão pedagógica, pois consiste, a um só tempo, num dispositivo e num processo, dado que “formar não é instruir… É primeiro refletir, é pensar uma experiência vivida” (Borba, 2001 apud Barbosa; Hess, 2010Barbosa, J. G., & Hess, R. (2010). O diário de pesquisa: o estudante universitário e o seu processo formativo. Libe Livro., p. 54).

Nesse dispositivo, cada indivíduo faz anotações sobre tudo o que sente, reflete e poemiza e, também, sobre o que retém de uma teoria ou de uma conversação; ou seja, aquilo que constrói para dar significado à vida, conferindo-lhe um sentido instrumental a serviço da pesquisa.

No filme, Jake, ao regressar de Pandora após sua primeira missão, dá início ao seu diário online. Observado pela Dra. Grace, grava suas primeiras impressões num telefone celular:

São 21:32. Preciso fazer isso agora?”, pergunta Jake. “Estou com sono e preciso dormir”. “AGORA… para não esquecer, pois as informações estão ‘frescas’ em sua memória”, responde a doutora, incentivando-o a expressar suas itinerâncias formativas, tendo em vista compartilhá-las com outros sujeitos envolvidos no processo.

“Estou no acampamento da Grace, e os dias estão passando rápido. A língua é difícil. Mas, acho que é como desmontar uma arma. Repetição… repetição… repetição”, continua Jake.

Desse modo, o diário online possibilita ao seu autor registrar, em tempo real, atitudes, acontecimentos e eventos diversos. Nesse sentido, esses registros, sempre datados, devem sinalizar os sujeitos envolvidos, o local, a situação vivenciada, a influência da rotina, as normas institucionais e as condições gerais que podem interferir no fenômeno observado. Assim, Jake não se limita a descrever o que viu, mas atribui sentido ao vivido, percebido e concebido, tendo em vista compreender suas ações.

Buscando aproximações com as ideias de Macedo (2010)Macedo, R. S. (2010). Compreender/mediar a formação: O fundante da educação. Liber Livro., ao iniciarmos nossa pesquisa, além de utilizarmos o diário como um instrumento reflexivo, nos apropriamos das ideias do autor como forma de conhecer o vivido dos praticantes culturais, apreendendo os significados que esses atores dão as suas experiências; o que vai ao encontro do pensamento de Bogdan e Biklen (1994)Bogdan, R. C., & Biklen, S. K. (1994). Investigacão qualitativa em educação: Uma introdução à teoria e aos métodos. Porto Ltda., quando afirmam que as notas de campo comportam dois tipos de materiais: um descritivo, no qual a preocupação é captar uma imagem por palavras do local, pessoas, ações e conversas observadas, e outro, reflexivo, para apreender mais o ponto de vista do observador, as ideias e preocupações.

O borbulhar de inquietações, tais como: de que modo nossa inserção como docentes-pesquisadores seria percebida pelo grupo? Como os praticantes reagiriam a nossa proposta de trabalhar os cotidianos escolares, de forma presencial e online, explorando as potencialidades das tecnologias digitais em rede? Como nossas mediações poderiam agregar valor às discussões e ao processo formativo? – foram essenciais para que pudéssemos planejar, problematizar e atualizar nossas práticas, tendo em vista a tessitura dos conhecimentos.

Fundamentados no princípio da pesquisa-formação – no qual todos os sujeitos envolvidos formam e se formam mediante processos dialógicos, interativos e colaborativos –, buscamos movimentos de transformação individual e coletiva, a partir das experiências tecidas na aproximação dialética entre prática, teoria e prática. Assumimos, dessa forma, a complexidade da realidade, pondo em evidência as práticas sociais que emergem de contextos diversos de trabalho e aprendizagem. Procuramos, então, registrar, minuciosamente, nossas percepções, refletindo, de forma contínua, sobre nossas ações e reações. Compartilhamos impressões, sentimentos, inquietudes e interpretações, assim como expressamos dificuldades vividas nas relações com os praticantes culturais, nas quais a ideia de implicação, alteridade, autorização e negatricidade11 11 A ideia da alteração, cunhada por Jacques Ardoino. Afirma o outro, que nos é diferente, não somente como alteridade, mas ainda, e fundamentalmente como condição para nos alterar. Essa ideia está totalmente interrelacionada à experiência da negatricidade, que é o movimento pelo qual todo ator social, não sendo o mesmo, pode contrariar expectativas postas e desjogar o jogo do outro. O conceito de autorização, por sua vez, implica processos nos quais nos constituímos coautores de nós mesmos, via nossa ineliminável negatricidade (MACEDO, 2012). – conceitos muito caros apresentados por Ardoino (1998)Ardoino, J. (1998). Pesquisa multirreferencial (plural) das situações educativas e formativas. In J. G. Barbosa, (Coord.). Multirreferencialidade nas ciências sociais e na educação. UFScar, pp. 24-41. –, tornam-se fundamentais. Isso nos permitiu repensar o vivido, sem as costumeiras “lentes” que ofuscam nossa visão da realidade; analisar, com mais segurança aquilo que foi observado e construir novas visões/versões a partir das experiências descritas em nosso diário.

Fundamentadas nas ideias de Alves (2008)Alves, N. (2008). Decifrando o pergaminho: os cotidianos das escolas nas lógicas das redes cotidianas. In I. B. Oliveira, & N. Alves (Orgs.). Pesquisa nos/dos/com os cotidianos das escolas (pp. 15-38). DP et Alii., experimentamos o sentimento do mundo, buscando referências de sons, variedades de gostos e odores, tocando pessoas e objetos, e nos deixando por eles tocar, para melhor compreensão da complexidade e da rede de saberes, poderes e fazeres tecida nesses espaços, desvelando o que existe para além de seus discursos formais, e permitindo o fluir de sentimentos, sentidos e atitudes de partilha, cooperação e colaboração. Como mediadores, e despidos de pré-conceitos, concebemos os praticantes como coautores do processo de aprendizagem. À medida que impressões, sentimentos e percepções afloravam, caminhávamos, por meio de nossos registros, para processos de autonomia e criação, estabelecendo uma comunicação com o nosso próprio interior, ampliando nossa formação; o que nos permitiu exercitar a independência psíquica e intelectual.

Já nos primeiros encontros, percebemos que teríamos algumas questões a serem gerenciadas, dado que, de uma forma geral, os alunos, provenientes de diversas licenciaturas e acostumados a aulas expositivas, experimentavam certo desconforto em colocar suas opiniões para o grupo, o que comprometia sua interação com o Outro. Um segundo aspecto se relacionava ao medo de se exporem nas redes sociais, sob a alegação de falta de privacidade e a dificuldade de se deslocarem de uma posição mais individualista para uma prática mais coletiva, com vistas à tessitura dos conhecimentos nesses espaços educativos. Finalmente, ainda pesava o não reconhecimento do Outro como alguém que detém saberes diferenciados, possibilidades e limitações, que devem ser respeitados, como ressaltado no depoimento da praticante Luana a seguir:

“Algumas pessoas são extremamente tímidas, o que impossibilita a total participação no processo de aprendizagem, devido às aulas terem o intuito de dar voz aos alunos, saber o que ele pensa a respeito dos assuntos abordados. Tal prática é inovadora, porém os indivíduos estão bastante acostumados com aulas expositivas, em que não são convidados para a interação nem construção do conhecimento.”

À medida que nossas dúvidas iniciais iam se dissipando ao longo do processo ‘aprendizagemensino’, e outros dilemas surgiam, íamos nos dando conta da importância do diário como estratégia de formação e como instrumento de reflexão acerca das histórias formativas de cada um dos praticantes, em diferentes ‘espaçotempos’. Esses fios que se trançam em rede, de maneira não linear e caótica, pareciam-nos, num primeiro momento, desconexos em sua variedade; mas, gradativamente, levavam-nos a ‘aprenderpesquisarensinar’ e a ‘pesquisarensinaraprender’. Para melhor ilustrar esse movimento, torna-se relevante destacar, entre outras, duas notações feitas nesse dispositivo sobre a experiência vivenciada, na disciplina, a respeito de dilemas iniciais que emergiram no campo.

Dilema 1: Gerenciando conflitos

Observamos que apesar de portarem celulares, ou tablets, os alunos não exploravam as potencialidades desses objetos. Convidados a postarem suas produções numa página da turma, que criamos no Facebook, dois alunos vieram ao nosso encontro justificar que, por opção, não usavam esse ambiente, e que não gostariam de fazê-lo, tendo sido, então, orientados para que se juntassem aos seus respectivos grupos, a fim de aprenderem com eles como se procedia para a inserção desses artefatos naquela interface. Ao final da aula, um deles nos disse:

“Não quero fazer uma crítica, mas vocês estão sendo muito invasivos ao nos obrigarem a postar esses produtos e nos filmarem durante as aulas. Além de não ter sido consultado sobre o uso público de minha imagem, aulas com muitas dinâmicas como as que vocês propõem mexem com a gente, pois nem todo mundo gosta de se expor”.

Esclarecemos, então, que as imagens e informações não eram públicas, e que, ao término da disciplina, somente seriam utilizadas em nossos trabalhos com a concordância do grupo. Ressaltamos que a disciplina era eletiva e que nossa proposta fora negociada com todos, no primeiro encontro da disciplina. Pontuamos, ainda, que a pesquisa nos cotidianos primeiros trabalha a prática, depois a teoria para, em seguida, refletir sobre a prática com vistas a novas ações. Apesar de a aluna parecer ter aceitado nossos argumentos, não retornou às aulas subsequentes, preferindo não participar da disciplina (item previsto em nosso termo de consentimento).

Dilema 2: Quando o inesperado acontece

Durante a atividade proposta, houve uma queda de luz. Quando a energia voltou, a rede Wi-Fi não funcionou direito (pouco ou nenhum sinal). Fizemos, então, o upload das produções, via Bluetooth e 3G; o que tomou um tempo maior do que o previsto, dado que grande parte dos alunos demonstrou não ter muita familiaridade com os procedimentos necessários para tal. Enquanto os praticantes tentavam, com nossa ajuda, atualizar suas produções no Facebook, uma aluna reclamou do tempo de espera, alegando que a grande maioria da turma estava “parada”. Então, sugeriu-nos deixar a tecnologia de lado, e retomar a aula tradicional, mediante exposição oral.

Sem subestimar a observação da aluna, mas aproveitando a oportunidade, enquanto os grupos concluíam suas postagens – faltavam apenas dois – conversamos com a turma sobre os “acontecimentos” cotidianos que, de alguma forma, modificam nossos planos, a exemplo do que havia ocorrido em nossa sala de aula; que isso acontecia em situações diversas, e que era preciso escolher outros percursos sem que se perdesse a essência da proposta, ficando decidido que todos, independentemente de terem conseguido inserir seus artefatos na rede, fariam suas narrativas na aula seguinte; o que tornou essa atividade muito producente, devido ao debate que se instaurou sobre a relação ‘práticateoriaprática’, com base no texto sobre cotidianos, recomendado para leitura.

Com efeito, o diário de campo nos convida a um contínuo processo de análise no qual avaliamos nossas implicações e produções, e planejamos novas estratégias de aprendizagem. Dada a sua importância em nossa pesquisa, queríamos avançar um pouco mais; fazê-lo transbordar e ir ao encontro dos demais praticantes, atravessando as práticas cotidianas. Precisávamos compartilhar nossas impressões, questionamentos, e inquietações, a fim de que funcionasse como uma dobra entre a observação das práticas e a reflexão sobre elas. E, assim o fizemos: os dados foram discutidos coletivamente, sendo ressignificados no processo de pesquisa, pois como asseveram Barros e Kastrup (2009, p. 70)Barros, L. P., & Kastrup, V. (2009). Cartografar é acompanhar processos. In E. Passos, V. Kastrup, & L. Escóssia (Orgs.). Pistas do método da cartografia: Pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Sulina., “esses relatos não se baseiam em opiniões, interpretações ou análises objetivas, mas buscam, sobretudo, captar e descrever aquilo que se dá no plano intensivo das forças e dos afetos”.

A tessitura do conhecimento, portanto, não ocorreu tão somente com base na racionalidade, mas envolveu, entre outros aspectos, motivações, desejos, e expectativas na relação sujeito/objeto, no processo de investigação, possibilitando tanto o desvelamento do objeto, como o dos sujeitos. A escrita inspiradora do diário revelou pontos singulares que nos ajudaram a voltar o olhar sobre nós mesmos, e sobre nossa atuação docente, com vistas a uma educação mais ética e mais qualificada. A reflexão propiciada por esses registros permitiu certo distanciamento daquilo que foi vivenciado; o que contribuiu para depurar as ações empreendidas.

Esses episódios nos fizeram lembrar de que o olhar multirreferencial envolve um jogo de influências mútuas, desencadeando “jogos próprios das vontades, dos desejos, da angústia, das manifestações de uma vida inconsciente, de um funcionamento imaginário […]”, como enfatiza Ardoino (1998, p. 43)Ardoino, J. (1998). Pesquisa multirreferencial (plural) das situações educativas e formativas. In J. G. Barbosa, (Coord.). Multirreferencialidade nas ciências sociais e na educação. UFScar, pp. 24-41., que geram táticas (Certeau, 2013Certeau, M. (2013). A invenção do cotidiano: artes de fazer. Vozes.), ambivalências, resistências, que apontam para os caminhos das “incertezas” e do “inacabamento”; inconcebível na perspectiva de uma epistemologia positivista. Convém ressaltar que, independentemente dos cuidados que se tomem para que o processo de pesquisa ocorra num clima de colaboração e cordialidade, não há garantia quanto ao desenvolvimento de uma relação dialógica e interativa no seu decorrer.

Desse modo, ao concebermos a prática docente como prática de pesquisa, vivenciamos experiências formativas na cibercultura: formamo-nos, formando o Outro; constituímo-nos, constituindo-o; o que nos tornou mais sujeitos, na relação de alteridade. Nesse contexto, como asseverado por Santos, E. (2014)Santos, E. O. (2014). Pesquisa-formação na cibercultura. Whitebooks., a escrita do diário não só permitiu a reflexão das experiências, saberes habilidades e valores, como também nos levou a compreender significados, reorientar estratégias e ressignificar práticas; o que contribuiu para experenciarmos a autoformação, a heteroformação e a ecoformação (Pineau, 1988Pineau, G. (1998). A autoformação no decurso da vida: entre hetero e a ecoformação. In A. Nóvoa, & M. Finger (Orgs.). O método (auto)biográfico e a formação (pp. 65-77). Ministério da Saúde.)12 12 Autoformação – o sujeito reflete sobre seus percursos pessoais e profissionais; heteroformação – forma-se nas relações com o Outro; e ecoformação – forma-se por intermédio das coisas – saberes, técnicas, culturas, artes, tecnologias, entre outros, e de sua compreensão crítica (Pineau, 1988). .

Em sua missão, Jake precisa aprender a ver Pandora – território iluminado, mágico, que respira vida – com os olhos de Neytiri, através de seu ponto de vista, como ressalta Jake:

“Estou tentando entender a conexão com a floresta. Ela (Neytiri) diz que uma rede de energia flui das coisas vivas. Todas emprestadas e que tem de ser devolvidas”.

Como se constata, o ato de “olhar”, diferentemente do ato de “ver”, encerra um processo bastante complexo que, supostamente, leva à essência das coisas do mundo. Nesse sentido, Jake vai aprendendo a viver em Pandora, e já não distingue mais entre uma realidade ou outra, querendo estar todo o tempo naquele lugar, no corpo do Avatar:

“Não olhe nos olhos da ave. A caça deve escolher você quando estiver pronto”, diz Neytire. / “Tudo isso é culpa sua. Por que não deixou me devorarem?”, argumenta Jake. “Porque teu coração é forte, sem medo; mas, ignorante como criança. Ninguém pode lhe ensinar a ver”, arremata a nativa.

De forma similar, a “escuta sensível”, termo cunhado por Barbier (2007)Barbier, R. (2007). A pesquisa-ação. Libe Livro., é um ato de autotranscendência, dado que consiste em buscar a compreensão daquilo que é dito, com interesse tanto pela fala do Outro, como pela situação informada. Assim, quando alguém compreende o Outro, suas palavras não deixam de atingi-lo, de forma empática.

“Tudo está ao contrário. Como se lá fosse o mundo real e este aqui fosse o sonho. Nem acredito que se passaram três meses. Estou quase esquecido de minha vida antiga. Nem sei mais quem sou”, reflete Jake, escutando “a voz das palavras” (experiência) que está em seu interior, como se pode constatar no relato, a seguir:

Neytiri me chama de idiota”, diz Jake. “A atitude de Norman melhorou. Essa é uma parte muito importante: Norman começou a me ajudar; mas acho que ele me vê como um idiota. Estou melhorando. A cada dia corro mais longe. Mas não é só. Te vejo na minha frente. Te vejo dentro de mim”.

Para Larrosa (2004)Larrosa, J. (2004). Linguagem e educação depois de Babel. Autêntica., a experiência é da ordem do acontecimento. É quando algo nos toca e exige de nós uma interrupção, para que possamos sentir e pensar a experiência vivenciada, o que “requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar, parar para sentir, […] aprender a lentidão, escutar os outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter a ciência e dar-se tempo e espaço” (p. 24).

Desse modo, pusemos em prática a “escuta sensível”, a negociação e a flexibilidade, razões por que a interação ganhou relevo em nossa pesquisa, dado que é no exercício do diálogo que o conhecimento vai sendo tecido. Desse modo, arrumamos a sala em círculo para quebrarmos o gelo inicial, comportamento comum quando se adentra um novo ambiente.

À medida que iam chegando, os alunos procuravam seus pares (colegas) e formavam grupinhos. Após as apresentações, solicitamos a cada um que escrevesse em uma folha em branco alguma característica sua, ou mesmo uma imagem que o identificasse. Após dobrarem as folhas com seus escritos, cada praticante pegou uma delas para tentar adivinhar de quem seria o relato ou a imagem. Mesmo que muitos não se conhecessem, quase todos descobriram seus autores.

Um fato chamou-nos a atenção: faltava um papel, pois uma aluna, apesar de ter feito a atividade, não colocou seu papel para ser distribuído. Indagada sobre a razão da negativa, ela simplesmente disse que não o fez porque não quis. Resolvemos, então, deixá-la à vontade, ainda que estranhássemos o ocorrido, dado que a referida aluna é bem articulada. Pós-aula, procuramos conversar com ela, que nos disse ter escrito coisas negativas a seu respeito, demonstrando autoestima superbaixa. Ficamos atentas, e trabalhamos no sentido de valorizar suas ações, convidando-a a pensar a logomarca de nossa página no Facebook, dado que era aluna de artes visuais e desenhava muito bem, especialmente mangás. Nesse ponto, torna-se relevante registrar o depoimento da referida aluna, no final do curso, evidência de seu crescimento e sua integração ao grupo:

Durante as aulas desta disciplina, pudemos perceber a importância de o professor identificar e registrar em suas notas de campo seus dilemas, suas observações, além das dificuldades e potencialidades dos alunos, compartilhando-as com a turma, a fim de buscar e propor novas metodologias de ensino, tendo em vista a superação de barreiras, principalmente numa turma tão heterogênea. A experiência aqui vivida possibilitou refletir sobre metodologias alternativas, que deram ênfase à interdisciplinaridade, criatividade e originalidade, características importantes para a criação de recursos, pelo professor, de maneira autoral e criativa.

Conscientes de que para apreender o movimento do cotidiano em todos os seus detalhes – identificando as táticas usadas pelos praticantes e evidenciadas em suas ações – é preciso estar atentos a tudo e mergulhar com todos os sentidos naquilo que desejamos apreender, tomamos a realidade, para além dos clichês instituídos nos cotidianos e, rompendo os muros da Universidade, imbricamos o ambiente online e a cidade, abrindo as portas para outras formas de ler, ver, sentir e conceber o mundo.

Bakhtin (2011)Bakhtin, M. (2011). Estética da criação verbal. Martins Fontes. assevera que as narrativas estabelecem a relação dialógica entre os sujeitos, histórias e personagens de suas próprias histórias e das histórias de outros. Assim, a mobilização dessas habilidades narrativas possibilitou aos praticantes culturais o desenvolvimento da autonomia e da autoria, na medida em que direcionaram seus olhares, de modo mais sistemático, para a realidade que os cercava, a fim de elaborarem algo sobre ela.

Nesse contexto, exercitamos a mediação partilhada, incentivando os estudantes a se expressassem por meio de múltiplas linguagens, passando do simples registro da realidade para uma escrita com indícios autorais. Assim, o processo formativo se instituiu a partir dos atos de currículo que criamos. Atuando como mediadores das mediações, garantimos que a mediação se fizesse em orientação e reorientação.

Realidades complexas, mundos imaginários, fragilidade das relações, enredos, que parecem caminhar para um desfecho negativo, caracterizam, em geral, o cinema na contemporaneidade. Como mostra o filme analisado, para além de seus aspectos técnicos com o uso de efeitos tridimensionais, James Cameron valeu-se de metáforas e alegorias para se comunicar com o público, o que nos ajuda a compreender quem somos e nosso lugar no mundo, com base nas nossas “projeções-identificações”, transformadas em imagens em movimento (Morin, 1997Morin, E. (1997). Cultura de massas no século XX. Forense Universitária.). Assim, o imaginário construído em Avatar envolve o espectador, ao combinar o mundo real de Jake e o mundo virtual – Pandora – que lhe permite, ao assumir o controle de um avatar, libertar-se de suas limitações, podendo andar livremente numa natureza ampliada, com capacidade física superior, respirando, correndo, saltando e sorrindo. Muito embora seus olhos sejam de seu avatar, brilham e irradiam felicidade, como expresso em sua fala:

“Melhorando: a cada dia corro mais longe. Preciso confiar no corpo. Tento observar o fluxo e a energia dos animais. Tento entender a forte conexão do povo com a floresta”.

Diferentemente do real, que consiste no possível, no estático e no já constituído, o virtual representa o complexo problemático, o nó de tendências ou de forças que acompanha uma situação; um acontecimento, um objeto ou uma entidade qualquer, e que chama um processo de resolução: a atualização (Lévy, 1999Lévy, P. (1999). Cibercultura. Editora 34.). Nessa perspectiva, o filme Avatar, ainda que se enquadre no âmbito da Indústria Cultural13 13 Indústria cultural é um termo desenvolvido para denominar o modo de produzir cultura no período industrial capitalista. Ele designa principalmente a situação da arte na sociedade capitalista industrial, marcado por modos de produção que visavam sobretudo o lucro. Criado por Max Horkheimer (1895-1973) e Theodor Adorno (1903-1969), ambos intelectuais da Escola de Frankfurt na Alemanha. Ele surgiu na década de 40, no livro “Dialética do Esclarecimento: Fragmentos Filosóficos”, publicado posteriormente em 1947. , ao reproduzir uma série de lugares comuns, por exemplo, perseguições, tiroteio, romance proibido, trilha sonora atraente, entre outros, para conquistar o público jovem, consumidor de entretenimento e cultura, e com poder de compra, também contempla questões contemporâneas, problematizando, numa perspectiva multirreferencial, aspectos da realidade, relacionados à preservação do meio ambiente, à crítica político-ideológica, à religiosidade, à tecnologia, à cultura e à própria existência. Para Ardoino (1998)Ardoino, J. (1998). Pesquisa multirreferencial (plural) das situações educativas e formativas. In J. G. Barbosa, (Coord.). Multirreferencialidade nas ciências sociais e na educação. UFScar, pp. 24-41., multirreferencialidade significa o exercício de uma leitura plural de objetos práticos ou teóricos, que implica tanto visões específicas quanto linguagens apropriadas, por reconhecer a complexidade e a heterogeneidade que caracterizam as práticas sociais.

Pandora é um mundo pleno de utopias que transitam no imaginário coletivo humano, especialmente no que diz respeito à trilogia homem, natureza e vida selvagem, afirma Gomes (2010)Gomes, M. R. (2010). Avatar: entre utopia e heterotopia. Revista Matrizes, 3(2), 35-49., com base nas ideias foucaultianas sobre heterotopia14 14 Espaços das práticas microbianas, da microfísica do poder, resultante das práticas socioespaciais mais cotidianas, mais comuns, mas, ao mesmo tempo, dotadas de elementos que fundamentam a existência de “espaços outros” no que se refere a outros tipos de relações de poder e outra dimensão do poder nas relações. Sociais (FOUCAULT, 2001). . Desse modo, é apresentado por Cameron como um planeta distante, multicolor, detentor de uma beleza ímpar, e caracterizado pela diversidade de sua fauna e de sua flora. Funciona como se fosse um “[…] espelho, devolvendo-nos uma visão de nós mesmos, ou de nossa cultura” (idem, p. 45), e nos reporta à ideia de dominação, na qual “invasores”, fundamentados em relações assimétricas de poder e de comércio estabelecidas com outros povos, exploram recursos naturais em outros continentes, suplantam culturas, e destroem a natureza, como expressa Quaritch15 15 Miles Quaritch foi o principal antagonista de Avatar . Coronel que serviu como chefe de segurança no Portão do Inferno em Pandora , ao afirmar que a aldeia estava em cima de uma fortuna, e que matar não é correto, mas é preciso atender aos acionistas.

A questão político-ambiental posta em discussão por Cameron, também presente em nossos dias, se revela na apropriação de terras alheias e destruição dos recursos naturais, e só poderá ser superada mediante mudança de comportamento do ser humano em relação a sua maneira de ser, de viver e de se relacionar com o Outro; o que implica a articulação da subjetividade em estado nascente, do socius, em estado mutante e do meio ambiente no ponto em que pode ser reinventado (Guatarri, 1990Guattari, F. (1990). As três ecologias. Papirus.).

Em seus relatos, Jake também revela a crise econômica em seu país, que pode ser ampliada para todo o planeta. No seu próprio dizer, participar do Programa, era como ir para uma batalha, da qual poderia se arrepender: “Tommy era cientista; eu só sou outro militar, indo para uma missão, da qual vou me arrepender”; e, referindo-se aos demais militares, afirma que “devem estar preparados para passar em qualquer teste”, sugerindo que, de fato, nenhum deles gostaria de estar envolvidos naquelas disputas, abstendo-se do convívio de seus familiares, por brigas sem qualquer significado para eles. Enfatiza a falta de atenção do governo para com os veteranos no que tange à precariedade do hospital de guerra e à pensão ínfima paga aos mesmos que, ao invés de lutarem pela liberdade, como o faziam na Terra, tornam-se mercenários em Pandora, trabalhando para a empresa.

O entendimento da realidade cotidiana e das relações dialéticas entre poder, saber e fazer, interioridade e exterioridade, singularidade e totalidade, e razão e emoção, requer de nós pesquisadores muita atenção e contínuo questionamento, para ir muito além do olhar que vê, e incluir sentimentos, sentidos e atitudes de compartilhamento, de cooperação e de colaboração.

O reconhecimento da necessidade desse olhar multidimensional levou-nos a associar os saberes científicos, propostos nos currículos formais, aos saberes do cotidiano, abrindo-nos, dessa forma, a novos agenciamentos de comunicação, encontrando nos contornos e dobras, linhas de fuga que permitem olhar e articular outros espaços nos quais as singularidades e heterogeneidades possam emergir na multiplicidade, os afetos possam ser construídos e a subjetividade autorreferente também se revele, conforme afirmam Deleuze e Guattari (1997)Deleuze, G., & Guattari, F. (1997). Mil platôs. Editora 34..

Coulon (1995)Coulon, A. (1995). Etnometodologia. Vozes. ressalta que à medida que ações práticas são desenvolvidas, ações racionais vão sendo executadas (reflexidade), a partir de estímulos externos (ambiente) e internos (próprios de cada pessoa). Por meio de narrativas, os sujeitos constroem suas redes, e compartilham com outros essas experiências acumuladas, por meio de histórias contadas e recontadas inúmeras vezes (relatibilidade).

Com efeito, mediante atos de currículo, desenvolvemos uma práxis que possibilitou aos sujeitos uma formação implicada com o mundo vivido, comprometida com o desenvolvimento da criatividade, da autoria e da autonomia. Nessa perspectiva, partimos da realidade dos alunos e de suas histórias de vida para melhor compreender seus pontos de vista e percebermos a qualidade da formação que vivenciavam, dado que, na nossa prática, a narrativa assume papel de relevo ao sintetizar e reproduzir a realidade, dando-lhe sentido, como se pode observar no relato do praticante Marco Paulo sobre como os artefatos culturais influenciam nossas formações e nossas escolhas, e nos permite ler muito além do que foi escrito, fazendo-nos refletir sobre novas práticas curriculares possíveis em nosso cotidiano (Figura 2).

Figura 2
Artefatos que nos formam

Eu me lembro como se fosse há pouco tempo – eu na sexta série do fundamental (7º ano), como muitos alunos do meu antigo colégio nessa época, tinha dificuldade da tão temida Matemática. (…) a partir desta série comecei a gostar mais e mais da matéria, (…), pela forma como um professor de Matemática ensinava (ele hj aposentado), a forma como ele passava seu conhecimento e o que de fato era a paixão pela Matemática e pela sua profissão. Meus primos e irmã, em média com 4 anos de diferença de idade pra mim, sentiam muitas dúvidas sobre muitas matérias na escola, incluindo matemática… O que me fez decidir por comprar um quadro negro e colocar na parede do meu quarto para então poder ensinar-lhes matemática. (…) passei a dar aulas do que sabia sobre qualquer matéria, inclusive matemática; tentava reproduzir a maneira como meu professor (mencionado no parágrafo anterior) dava aulas, a forma de explicar; tentava ser o mais claro possível na hora de explicar os assuntos. Dessas experiências descobri que gostava de ensinar. ― A gente não nasce professor, a gente se torna professor na prática e na reflexão da prática. (Paulo Freire). Hoje vejo a relação da citação de Freire com o meu quadro negro – eu na minha inocência de criança querendo ensinar e “brincar” de certo modo (porque eu falava pra eles que queria brincar de escolinha e perguntava em que eles tinham dificuldade), acabei por perceber que queria ser professor, numa brincadeira de criança por assim dizer.

A narrativa de Marcos Paulo também foi objeto de muita reflexão. Afinal, o que realmente mudou no processo de ‘aprendizagemensino’, desde que o velho quadro-de-giz passou a perder espaço para as tecnologias digitais? Ousamos afirmar que pouco, muito pouco. Mudaram as tecnologias, mas não os paradigmas que dão sustentabilidade à educação, pois as transformações tecnológicas carecem de um acompanhamento mais efetivo das transformações pedagógicas. A ênfase dada a um modelo educacional centralizado em aulas expositivas e avaliações pontuais não é condizente com o mundo contemporâneo conectado, pleno de informação.

Interessante pontuar que a tecnologia é apresentada no filme como algo positivo, capaz de unir na’vis16 16 Habitantes nativos de Pandora e humanos (criação de avatares), em benefício de um bem comum. No entanto, observamos que em relação aos avanços tecnológicos, há uma guerra que opõe o mundo desenvolvido, constituído pelos humanos e sua prepotência, a outro mundo, subdesenvolvido (atrasado), o dos na’vis e sua cultura; o que poderia ser visto como uma forma simulada de o autor buscar o apoio do público às novas tecnologias que emergem a cada dia.

Na atualidade isso não é muito diferente. Sendo as tecnologias objetos construídos pelos homens, a elas não se pode atribuir propriedades de neutralidade ou não neutralidade. Como afirma Santos, E. (2014)Santos, E. O. (2014). Pesquisa-formação na cibercultura. Whitebooks., seu uso, para o bem ou para o mal, depende das intenções de quem delas se apropria; o que vai ao encontro do pensamento de Castells (2003)Castells, M. (2003). A galáxia da internet: Reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Zahar., quando nos alerta que não podemos analisar a cibercultura apenas pela ótica singular da cultura empresarial, pois esta não age sozinha e não domina os meios exclusivamente em processos de difusão de informações.

Encerrando seus depoimentos, Jake questiona a si próprio por que razão continuar, se tudo que o mandam fazer é perda de tempo, pois os nativos não vão sair de seus territórios. “Não importa o que acontecer essa noite. Não quero chegar atrasado. Afinal, hoje é meu aniversário. Jake, desligando”.

Como podemos constatar, os registros feitos por Jake são pautados por posicionamentos pessoais, resultantes de vivências, que tanto podem se referir a sentimentos de atração como de repulsa, conectando, dessa forma, fragmentos de suas observações e narrativas a sua visão de mundo. Tal reflexão lhe desperta o sentido ético e de pertencimento àquele grupo, com quem decide estar de forma definitiva, valorizando suas singularidades e colaborando, efetivamente, para a sua sobrevivência.

Da mesma forma, na interação com os praticantes culturais, deparamo-nos com múltiplas vozes, silêncios e silenciamentos que nos enredam e impregnam nossos discursos da presença do Outro. Com efeito, nesses entrecruzamentos de vozes, há aspectos impossíveis de serem traduzidos nos contextos dialógicos que tiveram lugar nos encontros entre pesquisador e pesquisados – os risos, os sons, os aplausos, as lágrimas, as ausências, o cansaço, a tensão e o tédio pela falta de sentido da ação, havendo sempre um gás entre a experiência e a tradução; ou seja, aquilo que não conseguimos traduzir, apenas sentir (Amorim, 2004Amorim, M. (2004). O pesquisador e seu outro: Bakhtin nas ciências humanas. Musa.).

Essa pluralidade de registros mobilizados pelo diário online configura-o para além de simples ferramenta de coleta de dados fornecidos pelos sujeitos das pesquisas. Na relação de alteridade, vivenciamos, junto aos praticantes, o sentimento do mundo, na perspectiva de um olhar multirrefencial, atentos a tudo e a todos, exercitando, dessa forma, nossos escritos e nos autorizando.

Conclusão

As transformações mundiais ocorridas nas últimas décadas têm impactado diferentes áreas das atividades humanas, exigindo uma reflexão mais profunda sobre os problemas contemporâneos e seus entrelaçamentos com a produção acadêmica em educação. Surgem novas formas de pensar as diferentes redes educativas (presenciais e online) que se instauram – verdadeiros espaços de reinvenção, de criação e de recriação, no qual a vida flui, de forma dinâmica e integrada, e os sujeitos se articulam, formando e se formando como cidadãos e profissionais, produtores de conhecimentos e significações, além de consumidores de informações.

Como pudemos constatar, mais do que um entretenimento fugaz, destinado ao consumo massivo, o diálogo com o filme Avatar possibilitou às autoras refletirem sobre a importância do diário online, como catalizador e potencializador de atos de currículo na pesquisa-formação multirreferencial, na medida em que despontou como um dispositivo midiático capaz de estimular processos reflexivos, críticos e criativos, a partir de problematizações que vão para além de sua apropriação didática como simples ilustração dos conteúdos formalizados nos programas curriculares oficiais, para englobar os aspectos culturais, históricos, econômicos, existenciais, ambientais e políticos a ele inerentes.

Nesse contento, os diários possibilitaram descrever, de forma minuciosa e reflexiva, percepções acerca de nossas ações e reações nos cotidianos da pesquisa realizada. Por meio deles, compartilhamos impressões, sentimentos, inquietudes e interpretações; expressamos dificuldades vividas nas relações com o Outro, nas quais a ideia de alteridade se tornou fundamental; rememoramos percepções, reações, os sentimentos, o previsto, o inusitado/inesperado. Os registros realizados constituíram, portanto, em apoio recursivo às práticas engendradas, tendo em vista a melhoria do fazer pedagógico.

  • 2
    Normalização, preparação e revisão textual: Andreza Silva (Tikinet) - comercial@tikinet.com.br
  • 3
    Praticantes’ (ou praticantes culturais), termo concebido por Certeau (2013)Certeau, M. (2013). A invenção do cotidiano: artes de fazer. Vozes., referente àqueles que vivem e se envolvem dialogicamente com as práticas do cotidiano. Para o autor, quando o homem ordinário se torna o narrador, quando define o lugar (comum) do discurso e o espaço (anônimo) de seu desenvolvimento, tem início o enfoque da cultura. Sob essa ótica, os espaços e os tempos de criação coletiva e a ação política emergem como componentes fundamentais no processo de transformação da escola.
  • 4
    Adotamos o uso do termo ‘dentrofora’, entre outros, escritos de forma diferenciada, pois nos inspiramos no referencial teórico de Alves (2008)Alves, N. (2008). Decifrando o pergaminho: os cotidianos das escolas nas lógicas das redes cotidianas. In I. B. Oliveira, & N. Alves (Orgs.). Pesquisa nos/dos/com os cotidianos das escolas (pp. 15-38). DP et Alii. sobre as pesquisas nos/dos/com os cotidianos. Para a autora: “A junção de termos e a sua inversão, em alguns casos, quanto ao modo como são ‘normalmente’ enunciados, nos pareceu, há algum tempo, a forma de mostrar os limites para as pesquisas nos/dos/com os cotidianos, do modo dicotomizado criado pela ciência moderna para analisar a sociedade” (Alves, 2008Alves, N. (2008). Decifrando o pergaminho: os cotidianos das escolas nas lógicas das redes cotidianas. In I. B. Oliveira, & N. Alves (Orgs.). Pesquisa nos/dos/com os cotidianos das escolas (pp. 15-38). DP et Alii., p. 11).
  • 5
    Disponibilizado em: https://filmow.com/avatar-t8531/ficha-tecnica/. Acesso em: 8 nov. 2019
  • 6
    Avatar consiste na manifestação corporal de um ser superpoderoso, na religião hindu.
  • 7
    Árvore fonte de conhecimento e união de todos os seres vivos do planeta Pandora, por meio dela o povo na’vi têm acesso às memórias dos antepassados e a possibilidade de ligar-se a sua divindade, Eywa.
  • 8
    Árvore considerada mãe de todas as coisas, uma simbologia do arquétipo materno.
  • 9
    Termo cunhado por Ardoino (1998)Ardoino, J. (1998). Pesquisa multirreferencial (plural) das situações educativas e formativas. In J. G. Barbosa, (Coord.). Multirreferencialidade nas ciências sociais e na educação. UFScar, pp. 24-41. para designar os recursos materiais e intelectuais utilizados numa pesquisa, para ir ao encontro de seu objeto.
  • 10
    Entendido como aquele com quem nos relacionamos, de modo isonômico, respeitando sua identidade, sua bagagem individual, sua intelectualidade, bem como suas ideias e visões de mundo.
  • 11
    A ideia da alteração, cunhada por Jacques Ardoino. Afirma o outro, que nos é diferente, não somente como alteridade, mas ainda, e fundamentalmente como condição para nos alterar. Essa ideia está totalmente interrelacionada à experiência da negatricidade, que é o movimento pelo qual todo ator social, não sendo o mesmo, pode contrariar expectativas postas e desjogar o jogo do outro. O conceito de autorização, por sua vez, implica processos nos quais nos constituímos coautores de nós mesmos, via nossa ineliminável negatricidade (MACEDO, 2012Macedo, R. S. (2012). Multirreferencialidade: o pensar de Jacques Ardoino em perspectiva e a problemática da formação. In R. S. C. Macedo, J. G. Barbosa, & S. Borba (Orgs.). Jacques Ardoino & a educação. Autêntica.).
  • 12
    Autoformação – o sujeito reflete sobre seus percursos pessoais e profissionais; heteroformação – forma-se nas relações com o Outro; e ecoformação – forma-se por intermédio das coisas – saberes, técnicas, culturas, artes, tecnologias, entre outros, e de sua compreensão crítica (Pineau, 1988Pineau, G. (1998). A autoformação no decurso da vida: entre hetero e a ecoformação. In A. Nóvoa, & M. Finger (Orgs.). O método (auto)biográfico e a formação (pp. 65-77). Ministério da Saúde.).
  • 13
    Indústria cultural é um termo desenvolvido para denominar o modo de produzir cultura no período industrial capitalista. Ele designa principalmente a situação da arte na sociedade capitalista industrial, marcado por modos de produção que visavam sobretudo o lucro. Criado por Max Horkheimer (1895-1973) e Theodor Adorno (1903-1969), ambos intelectuais da Escola de Frankfurt na Alemanha. Ele surgiu na década de 40, no livro “Dialética do Esclarecimento: Fragmentos Filosóficos”, publicado posteriormente em 1947.
  • 14
    Espaços das práticas microbianas, da microfísica do poder, resultante das práticas socioespaciais mais cotidianas, mais comuns, mas, ao mesmo tempo, dotadas de elementos que fundamentam a existência de “espaços outros” no que se refere a outros tipos de relações de poder e outra dimensão do poder nas relações. Sociais (FOUCAULT, 2001Foucault, M. (2001). Microfísica do poder (16. ed.). Graal.).
  • 15
    Miles Quaritch foi o principal antagonista de Avatar . Coronel que serviu como chefe de segurança no Portão do Inferno em Pandora
  • 16
    Habitantes nativos de Pandora

Referências

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Editado por

1
Editor responsável: César Donizetti Pereira Leite https://orcid.org/0000-0001-8889-750X

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    26 Nov 2019
  • Aceito
    29 Jun 2020
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