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Viver no mundo conectado: formação para além do “conteudismo produtivista” 1 1 Editor responsável: Alexandre Filordi de Carvalho. https://orcid.org/0000-0003-4510-9440 2 2 Normalização, preparação e revisão textual: Maria Thereza Sampaio Lucinio – thesampaio@uol.com.br 3 3 Apoio: Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul/Edital 56/2021

Resumo

O objetivo deste artigo é problematizar, a partir da perspectiva dos Estudos Foucaultianos, as implicações da transferência da educação escolarizada para o espaço e o tempo do convívio familiar. Tal realidade surge da necessidade de readequação das rotinas, imposta pelo isolamento social fundamental no contexto pandêmico que atingiu a todos no ano de 2020. A ênfase no produtivismo conteudista, via de regra, fortalece os investimentos na sujeição maquínica e enfraquece a formação de sujeitos capazes de se contraporem a essa forma de condução das condutas e à lógica econômica vigente, pautada no consumo e na competição. É justamente a possibilidade de convívio com o outro em espaços e tempos apartados da família que favorece aprender com as diferenças e enfrentar o imprevisível.

Palavras-chave
governamentalidade algorítmica; escola; ensino on-line

Abstract

The objective of this article is to discuss, from the perspective of Foucauldian studies, the implications of transferring formal education to the space and time of family sociability. Such reality arises from the need to adapt routines, imposed by social isolation, which is vital in the pandemic context that struck worldwide in the 2020. The emphasis in productivist contentism usually strengthens the investments in the machinic subjection and weakens the formation of individuals capable of opposing this form of behavioral conduction and the current economic logic, which is based on consumption and competition. It is exactly the possibility of conviviality with theOther in spaces and times separated from the family that allows learning with the differences and facing the unexpected.

Keywords
lgorithmic governmentality; school; online education

De fato, não são apenas as multinacionais ou os acordos comerciais ou a internet ou as agências de turismo que estão globalizando o planeta: cada entidade desse mesmo planeta tem sua própria maneira de integrar ou outros elementos que compõem, a cada momento, o coletivo. Isso é verdade para o CO2, que aquece a atmosfera global por sua difusão no ar; para as aves migratórias, que transportam novas formas de gripe; mas também é verdade, como estamos dolorosamente reaprendendo, para o coronavírus, cuja capacidade de ligar “todos os humanos” passa pela via aparentemente inofensiva dos nossos perdigotos

(Latour, 2020Latour, B. Imaginar gestos que barrem o retorno da produção pré-crise. n-1 edições: https://n-1edicoes.org/008-1
https://n-1edicoes.org/008-1...
, s/p.)

Em questão de semanas, um vírus coloca em suspensão, “em todo o mundo e ao mesmo tempo, um sistema econômico que até agora nos diziam ser impossível de desacelerar ou redirecionar” (Latour, 2020Latour, B. Imaginar gestos que barrem o retorno da produção pré-crise. n-1 edições: https://n-1edicoes.org/008-1
https://n-1edicoes.org/008-1...
, s/p). Esta interrupção em nossas rotinas que, de uma hora para outra, coloca-nos isolados dentro das nossas casas, também faz com que nossas atividades habituais precisem ser repensadas. Se, antes, o espaço e o tempo da casa ainda poderiam impor alguns limites entre as rotinas profissionais e as domésticas, agora, o isolamento social necessário ao combate ao coronavírus compromete tal separação. A casa, que era o espaço e o tempo destinados ao convívio familiar, ao lazer e ao ócio, a partir de agora e para muitos, é oficializada como espaço e tempo também da produtividade.

Enquanto alguns advogam a favor de usarmos a quarentena para repensar a forma como nossas rotinas nos capturavam antes da pandemia, há um expressivo grupo que sequer tem tempo — e agora nem mesmo espaço — para (re)pensar a racionalidade neoliberal competitiva que conduz os nossos modos de viver. Em nome da economia, dos nossos empregos e dos conteúdos escolares, o espaço e o tempo domésticos adquiriram a dimensão da produtividade. Talvez o que mais nos impressione é que nem mesmo as crianças e adolescentes escaparam dessa racionalidade, pois já na primeira semana de isolamento social, cobradas por muitas famílias, as escolas lançaram mão de atividades on-line — ou atividades remotas, conforme alguns vêm denominando — para alunos da Educação Básica. É a forma-empresa, produtivista e competitiva, própria do neoliberalismo, que está impondo as regras. Não há tempo a perder. Os investimentos nas crianças, já dizia Theodore Schultz (1977), constituem, desde a mais tenra infância, o capital humano4 4 Conceber a si mesmo como uma empresa é um dos principais ensinamentos da Teoria do Capital Humano que, conforme explica Foucault (2008), é representativa da racionalidade neoliberal americana e pauta seu interesse em dois aspectos, a saber: empreender uma análise econômica em um campo que até aquele momento ainda não havia sido explorado – no caso, o trabalho, segundo dito no início desta seção – e, a partir dessa análise, “reinterpretar em termos econômicos [...] todo um campo que, até então, podia ser considerado, e era de fato considerado, não econômico” (Foucault, 2008, p. 302). A expressão capital humano foi utilizada pela primeira vez em 1971 em um artigo escrito por Theodore Schultz, intitulado Investindo em capital humano. Entretanto, foi Gary Becker que começou a desenvolver o conceito de capital humano, em uma obra intitulada O capital humano, em 1964 (Castro-Gómez, 2010). fundamental para o futuro autoempresariamento desses sujeitos.

Importa esclarecermos que não é a nossa intenção julgar ou avaliar as práticas on-line desenvolvidas pelas escolas, tampouco indicar os melhores procedimentos a serem adotados nesse contexto. Aflitos pela possibilidade de que este momento de exceção possa servir como pleito de reivindicações e que aulas remotas se tornem uma prática recorrente nos Ensinos Fundamental e Médio, o nosso objetivo é problematizar as implicações da transferência da educação escolarizada para os espaços e os tempos do convívio familiar. Da mesma forma que a dimensão doméstica guarda particularidades que merecem e precisam ser preservadas, o espaço e o tempo da escola também gozam de singularidades que não são reproduzidas — muito menos, cultivadas— por meio de atividades na modalidade on-line.

Além disso, as pesquisas que desenvolvemos (Loureiro & Lopes, 2019Loureiro, C. B., & Lopes, M. C. (2019). Aprendizagem: o imperativo de uma nova ordem econômica e social para o desenvolvimento. Pedagogia y saberes, (51), 89-102.; Loureiro et al., 2019Loureiro, C. B., & Lopes, M. C. (2019). Aprendizagem: o imperativo de uma nova ordem econômica e social para o desenvolvimento. Pedagogia y saberes, (51), 89-102.) têm mostrado que, em um mundo digitalmente conectado, é fundamental que a escola se constitua um espaço e um tempo privilegiados para educar e formar os estudante a fim de que eles habitem este mundo, em que as formas de ser e de estar estão condicionadas ao uso responsável das tecnologias digitais de comunicação. Essa percepção não descarta a potencialidade das tecnologias digitais de comunicação. Ao contrário, elas são compreendidas como integrantes do processo de educação escolarizada e não apenas como ferramentas para o ensino e a aprendizagem de conteúdos.

Assim, a fim de problematizarmos o que foi proposto, este artigo está dividido em três seções. Na primeira, discutiremos a importância da escola enquanto instituição responsável pela formação de sujeitos capazes de compreender a condução exercida pela “ascensão dos algoritmos de recomendação individualizada, dos modelos preditivos” que levam à sedução automatizada (Lipovetsky, 2019Lipovetsky, G. (2019). Agradar e tocar: Ensaio sobre a sociedade da sedução. Edições 70., p. 359). A governamentalidade algorítmica5 5 A noção de governamentalidade algorítmica é desenvolvida a partir do conceito de governamentalidade desenvolvido por Michel Foucault. Foucault desenvolve tal conceito de forma mais específica nos cursos Nascimento da biopolítica e Segurança, território, população. A discussão proposta neste artigo tem como grade de problematização as teorizações foucaultianas e, de forma mais enfática, autores que levam adiante os estudos daquele filósofo. (Rouvrey, 2015Rouvroy, A., & Berns, T. (2015) Governamentalidade algorítmica e perspectivas de emancipação: o díspar como condição de individuação pela relação? Revista Eco-Pós, 18(2), 36-56.), por meio dos algoritmos de recomendação, cria uma espécie de imunização, que faz com que determinados tipos de informações não nos atinjam. A pandemia vem reforçar a importância de sermos capazes de olhar para além do que está diretamente ligado a nós.

Na segunda seção, argumentamos contra a ideia de que as “tecnologias digitas podem constituir a base de uma reinvenção completa das maneiras de aprender e de ensinar” (Lipovestky, 2019Lipovetsky, G. (2019). Agradar e tocar: Ensaio sobre a sociedade da sedução. Edições 70., p. 351). Defendemos a importância da escola enquanto locus para a formação de sujeitos capazes de romper com a bolha algorítmica da imunização e de olhar para além de si mesmos e que disponham de repertório para pensar o comum6 6 Comum, conforme Dardot e Laval (2017), é um princípio político que funciona como um eixo que liga todos aqueles que são contrários aos modos de ser e de estar próprios do neoliberalismo e a favor de uma democracia radical. “A política do comum é sempre transversal às separações instituídas, ela efetiva uma exigência democrática ao mesmo tempo generalizada e coerente: é literalmente ‘por toda a parte’, em todos os domínios que os homens agem em conjunto e devem ter a possibilidade de participar das regras que os afetam, do governo das instituições nas quais atuam, vivem e trabalham. ... Ela deve permear todos os níveis do espaço social, do local ao mundial, passando pelo nacional” (Dardot & Laval, 2017, p. 486). . Esse tipo de educação é inseparável da condução pedagógica exercida pelo professor. Tal condução, pelo menos com os dispositivos tecnológicos de que dispomos hoje, só é possível em espaços presenciais.

As nossas considerações sobre a problematização desenvolvida ao longo do artigo serão apresentadas na última seção. Nela também arriscamos algumas possibilidades para pensar a aliança entre as tecnologias digitais de comunicação e a educação escolarizada.

Imunização informacional

Nesta seção, a nossa intenção é problematizar algumas das implicações ao incorporarmos, de um dia para o outro, práticas pedagógicas mobilizadas por meio das ferramentas digitais de comunicação, especialmente na Educação Básica.

Para atingirmos o nosso propósito, partimos do entendimento de que a Educação Básica desempenha um papel fundamental na constituição das subjetividades (Varela, 1996Varela, J. (1996). Categorías espacio-temporales y socialización escolar: del individualismo al narcisimo. In J. LARROSA (org.), Escuela, poder y subjetivación (pp. 155-189). La Piqueta.). E, em sintonia com Lazzarato (2017)Lazzarato, M. (2017). O governo do homem endividado. n-1 edições., compreendemos que o capitalismo neoliberal organiza o controle e a produção de subjetividades por meio de dois dispositivos diferentes: a sujeição social e a dessubjetivação (ou servidão maquínica).

O primeiro dispositivo diz respeito à produção de um tipo de sujeito que é exterior ao objeto e que encontra a sua “realização no capital humano, que faz de cada um de nós um sujeito responsável e culpado pelas suas próprias ações e comportamentos” (Lazzarato, 2017Lazzarato, M. (2017). O governo do homem endividado. n-1 edições., p. 172), um empresário de si mesmo. Neste quesito, o produtivismo, a competição e os investimentos nas aprendizagens ao longo da vida são fundamentais. Todas as oportunidades que se apresentam para nós devem ser aproveitadas a fim de que, tal qual uma empresa, nos tornemos cada vez mais rentáveis para nós mesmos. Tais investimentos, em tese, fortalecem o nosso capital, tornando-nos, assim, mais produtivos e, por conseguinte, mais competitivos. Quando não suportamos que nossos filhos, estudantes do Ensino Fundamental e Médio, possam ficar algumas semanas, meses, ou até um semestre, fora da escola e sem usar esse tempo para aprender aquilo que consideramos ser útil, estamos assumindo que os investimentos em capital humano devem se sobrepor a todas as outras questões que nos atravessam em tempos pandêmicos.

Não é de hoje que as políticas de disseminação das tecnologias digitais na educação escolarizada estão comprometidas com a constituição de uma sociedade digitalizada. Os discursos mobilizados por tais políticas, desde a última década do século 20, criam as condições de possibilidade para a constituição do Homo œconomicus accessibilis (Loureiro & Lopes, 2015Loureiro, C. B., Lopes, M. C. (2015). A promoção da inclusão digital e a constituição do Homo oeconomicus accessibilis. Educação, 38(3), 329-339.). Trata-se, aqui, de um “tipo” de sujeito que é empresário de si mesmo, disponível para acessar e ser acessado em qualquer lugar e a qualquer tempo. Ainda que, no Brasil, para um número considerável de pessoas o acesso à conexão em rede ainda esteja restrito ao espaço escolar, há também uma quantidade expressiva que navega na conexão digital sem depender da intermediação de políticas públicas. Isso já seria suficiente para justificar a necessidade de formar os estudantes para habitarem a sociedade digitalizada de forma responsável.

Neste ponto, queremos deixar claro que não é o nosso objetivo avaliar o mérito e nem a efetividade —em termos de eficácia e eficiência— das políticas públicas para disseminação das tecnologias digitais. Todavia, entendemos que isso ratifica a importância da discussão aqui proposta, pois somos todos, estejamos ou não conectados, habitantes de uma sociedade digitalizada. Compreender como opera a governamentalidade algorítmica é, portanto, imprescindível para contrapor a produção da servidão maquínica, de modo que a educação escolarizada assume um papel fundamental na formação de sujeitos que saibam pensar e refletir sobre si mesmos.

Ainda nos termos de Lazzarato (2017)Lazzarato, M. (2017). O governo do homem endividado. n-1 edições., o segundo dispositivo está no âmbito do par dessubjetivação—subjetivação, naquilo que ele chama de servidão maquínica[7]. Deleuze e Guattari (2012)Deluze, G., & Guattari, F. (2012). Mil platôs: Capitalismo e esquizofrenia 2. (v. 5). Editora 34. distinguem servidão maquínica e sujeição social. O homem é sujeitado à máquina quando ele é um trabalhador que a utiliza como um objeto exterior a ele. Ele não compõe a máquina. É um trabalhador, um usuário “sujeitado à máquina” (Deleuze & Guatarri, 2012Deluze, G., & Guattari, F. (2012). Mil platôs: Capitalismo e esquizofrenia 2. (v. 5). Editora 34., p. 168). De outra forma, há servidão quando mais do que usuários, os homens são “peças constituintes” das máquinas (Deleuze & Guattari, 2012Deluze, G., & Guattari, F. (2012). Mil platôs: Capitalismo e esquizofrenia 2. (v. 5). Editora 34. p. 167). Nas palavras desses autores,

as máquinas cibernéticas e da informática [...] compõem um regime de servidão generalizado: “sistemas homem-máquinas’, reversíveis e recorrentes, substituem as antigas relações de sujeição não reversíveis e não recorrentes entre os dois elementos; a relação do homem e da máquina se faz em termos de comunicação mútua interior e não mais de uso ou de ação”.

(Deleuze & Guattari, 2012Deluze, G., & Guattari, F. (2012). Mil platôs: Capitalismo e esquizofrenia 2. (v. 5). Editora 34., p. 169)

Em outras palavras, na servidão maquínica, conforme Deleuze e Guattari (2012)Deluze, G., & Guattari, F. (2012). Mil platôs: Capitalismo e esquizofrenia 2. (v. 5). Editora 34., as mudanças e trocas de informações ora são humanas, ora são mecânicas. Embora seja possível fazer a distinção entre sujeição e servidão, estamos submetidos, simultaneamente, às duas operações, “através das mesmas coisas e dos mesmos acontecimentos” (Deleuze & Guattari, 2012Deluze, G., & Guattari, F. (2012). Mil platôs: Capitalismo e esquizofrenia 2. (v. 5). Editora 34., p. 171).

Para Lazzarato (2010, 2017)Lazzarato, M. (2010). Sujeição e servidão no capitalismo contemporâneo. Cadernos de Subjetividade. (12), 168-179., embora também não haja a substituição da sujeição social pela servidão maquínica, há um acréscimo da segunda à primeira. De acordo com Lazzarato (2010)Lazzarato, M. (2010). Sujeição e servidão no capitalismo contemporâneo. Cadernos de Subjetividade. (12), 168-179., a sujeição social produz um sujeito individuado e a essa produção “acrescenta-se todo um ouro tratamento que, ao contrário da sujeição social, procede por dessubjetivação, a ‘servidão maquínica’” (p. 168). Nesta esteira, o capitalismo neoliberal produz um tipo de subjetividade na qual os homens funcionam como “componentes e elementos ‘humanos’ do maquinismo, e é por meio dessa engrenagem entre homem e máquina, denominada de servidão maquínica” (Lazzarato, 2017Lazzarato, M. (2017). O governo do homem endividado. n-1 edições., p.172) que atua a governamentalidade algorítmica. Ela não age diretamente sobre os sujeitos, mas sobre as relações que eles estabelecem nas redes digitais de comunicação.

A governamentalidade algorítmica é “um certo tipo de racionalidade (a)normativa ou (a)política que repousa sobre a coleta, agregação e análise automatizada de dados em quantidade massiva, de modo a modelizar, antecipar e afetar, por antecipação, os comportamentos possíveis” (Rouvrey & Berns, 2015Rouvroy, A., & Berns, T. (2015) Governamentalidade algorítmica e perspectivas de emancipação: o díspar como condição de individuação pela relação? Revista Eco-Pós, 18(2), 36-56., p. 42). Para a governamentalidade algorítmica, o que importa são os dados produzidos sobre os sujeitos a partir da atuação dos próprios sujeitos nas redes de comunicação digital, pois é em função de tais dados que as nossas percepções e ações no mundo digital são conduzidas. Assim, os sujeitos que interagem nas e por meio das redes de comunicação digital “limitam-se a fazer funcionar a máquina e a garantir-lhe sua matéria-prima — a informação” (Lazzarato, 2017Lazzarato, M. (2017). O governo do homem endividado. n-1 edições., p. 173).

Como há mais de duas décadas vem argumentando Levy (1996)Levy, P. (1996). O que é o virtual? Editora 34., o computador conectado à internet —o grande instrumento da telemática— é muito mais do que uma simples ferramenta de comunicação. A atividade humana exercida por meio do computador conectado à internet o transforma numa complexa máquina de atravessamento e reconfiguração das “modalidades de percepção, de atenção, de sensação, de visão e de pensamento” (Lazzarato, 2017Lazzarato, M. (2017). O governo do homem endividado. n-1 edições., p. 177). Enquanto dado (um número), somos “um sinal expurgado de toda significação” (Rouvrey, 2015Rouvroy, A., & Berns, T. (2015) Governamentalidade algorítmica e perspectivas de emancipação: o díspar como condição de individuação pela relação? Revista Eco-Pós, 18(2), 36-56., p. 39), constantemente analisados, tratados e seduzidos para aquilo que mais se aproxima do que acreditamos ser as nossas preferências.

A própria evolução das capacidades tecnológicas reforça este tipo de objetividade do dado que escapa a toda subjetividade: nossos programas são agora capazes de reconhecer as emoções, de transformá-las em dado, de traduzir os movimentos de um rosto, as colorações de uma pele em dado estatístico, por exemplo para medir a atratividade de um produto, o caráter (sub-) ideal da disposição das mercadorias em uma vitrine, bem como o aspecto suspeito de um passageiro.

(Rouvroy & Berns, 2015Rouvroy, A., & Berns, T. (2015) Governamentalidade algorítmica e perspectivas de emancipação: o díspar como condição de individuação pela relação? Revista Eco-Pós, 18(2), 36-56., p. 39)

Os saberes produzidos dessa forma, embora pareçam emergir da massa de dados, não são resultados de uma hipótese preexistente, pois eles são gerados a partir dos próprios dados.

A partir de um imenso acúmulo de dados infinitesimais, torna-se possível, por meio de um tratamento estatístico, realizar uma abordagem preditiva das patologias, fazer recomendações personalizadas, avaliar os riscos, preconizar itinerários em função do tráfego.

(Lipovetsky, 2016Lipovetsky, G. (2016). Da leveza: Rumo a uma civilização sem peso. Manole., p. 132)8 8 Para Lipovetsky (2016, p. 132) a revolução da leveza, marcada pela correlação entre o menor dado possível, produzido pelas ações individuais na rede conectada, e o infinitamente grande, “contribui para o aumento das correlações e não mais da explicação. Não é mais a experiência do devaneio leve, mas o poder do preditivo e da “governamentalidade algorítmica”.

O tratamento da informação exercido por este tipo de estratégia algorítmica cria estatísticas individuais e, sem percebermos, nossas concepções e comportamentos acabam sendo guiados, por exemplo, “pelas grandes plataformas de venda na Internet, a seduzir os consumidores, apresentando de maneira automatizada e instantânea aquilo que corresponde melhor aos desejos idiossincráticos de cada pessoa” (Lipovetsky, 2019Lipovetsky, G. (2019). Agradar e tocar: Ensaio sobre a sociedade da sedução. Edições 70., p. 419). Portanto, a “ação do indivíduo não é mais influenciada por uma confrontação direta com uma norma exterior ... mas suas possibilidades são organizadas no próprio seio de seu ambiente” (Rouvroy & Berns, 2015Rouvroy, A., & Berns, T. (2015) Governamentalidade algorítmica e perspectivas de emancipação: o díspar como condição de individuação pela relação? Revista Eco-Pós, 18(2), 36-56., p. 47). Pouco a pouco, as percepções individuais vão sendo direcionadas na conexão digital para aquilo que mais se assemelha às nossas médias individuais e, assim, o díspar, o diverso, o dissemelhante fica cada vez mais distante das nossas percepções.

A governamentalidade algorítmica, portanto

não produz qualquer subjetivação, ela contorna e evita os sujeitos humanos reflexivos, ela se alimenta de dados “infraindividuais”, insignificantes neles mesmos, para criar modelos de comportamentos os perfis supraindividuais sem jamais interpelar o sujeito, sem jamais convocá-lo a dar-se conta por si mesmo daquilo que ele é, nem daquilo que ele poderia se tornar. O momento de reflexividade, de crítica, de recalcitrância, necessários para que haja subjetivação, parece, incessantemente complicar-se e ser adiado.

(Rouvroy & Berns, 2015Rouvroy, A., & Berns, T. (2015) Governamentalidade algorítmica e perspectivas de emancipação: o díspar como condição de individuação pela relação? Revista Eco-Pós, 18(2), 36-56., p. 42)

Diante disto, parece não ser mais possível pensar a formação escolar separada da necessidade de preparar os estudantes para viverem as condições impostas pela sociedade digitalizada. Isso não significa investimentos no produtivismo nem na idolatria ao modelo empresarial e ao empreendedor de si mesmo. Diferente disso, é na escola que serão fornecidos os conhecimentos e proporcionados o espaço e o tempo necessários para compreendermos a bolha que, facilmente, nos envolve e conduz “a formas de imunização informacionais favoráveis a uma radicalização das opiniões e ao desaparecimento da experiência comum” (Rouvroy & Berns, 2015Rouvroy, A., & Berns, T. (2015) Governamentalidade algorítmica e perspectivas de emancipação: o díspar como condição de individuação pela relação? Revista Eco-Pós, 18(2), 36-56.). E mais: compreender o funcionamento da governamentalidade algorítmica torna-se uma condição necessária para formar as crianças e os jovens não apenas para estarem conectados às redes digitais de comunicação, mas para se fazerem presentes nesse mundo de forma responsável. Para isso, a escola, enquanto espaço e tempo separados da dimensão familiar, é o lugar onde se tornam possíveis os investimentos no ensino dos conhecimentos de base, mas também na abertura de possibilidades para pensar as diferenças.

Assim, educar para a sensibilização, para a capacidade de extrapolar o olhar para além da bolha informacional que nos envolve, implica “propor às gerações futuras novos horizontes, uma ambição superior, um modelo de vida para além dos negócios, do consumível infinito e do entretenimento perpétuo” (Lipovestky, 2019Lipovetsky, G. (2019). Agradar e tocar: Ensaio sobre a sociedade da sedução. Edições 70., p. 429). Portanto, as videoaulas, os aplicativos, as web conferências e as infindáveis atividades realizadas sob as orientações das famílias, podem funcionar como alternativa para compensar os “dias letivos perdidos” se a nossa preocupação for o produtivismo conteudista. No entanto, é somente na escola, enquanto espaço e tempo separados da dimensão familiar e das suas convicções, que o sujeito encontrará os elementos para elevar as capacidades intelectuais e abrir-se às análises e reflexões das informações que acessa e daquelas que chegam até ele.

Isso não quer dizer que a educação escolarizada não deva se apropriar e incorporar o potencial das tecnologias digitais de informação e comunicação às práticas pedagógicas9 9 Castells (2018) explica que “o nosso extraordinário desenvolvimento tecnológico entra em contradição com nosso subdesenvolvimento político e ético, pondo nossas vidas nas mãos de nossas máquinas; todavia, o uso da capacidade de comunicação, deliberação e codecisão de que dispomos por meio da internet pode contrapor essa situação quando nossas ações estão respaldadas em conhecimento e capacidade de atuar sobre as redes de conexão” (p. 145). . “Muitos estudos pedagógicos mostram que as tecnologias digitais têm efeitos positivos no que diz respeito à mobilização dos alunos, à motivação para o trabalho, ... à abertura da escola ao mundo” (Lipovetsky, 2019Lipovetsky, G. (2019). Agradar e tocar: Ensaio sobre a sociedade da sedução. Edições 70., p. 353). Entretanto, ratificamos que um uso reflexivo e crítico da internet requer uma formação pautada no rigor intelectual, que dará as condições para a constituição de repertórios argumentativos.

Escola: espaço e tempo de pensamento, reflexão e imprevisibilidade

Ao iniciar esta seção, queremos fazer mais um esclarecimento: a discussão que trazemos não está inscrita na avaliação das práticas pedagógicas on-line, tampouco nas práticas no formato EAD10 10 Equivocadamente atividades desenvolvidas de forma on-line e remotas vem sendo denominadas de Educação a Distância (EAD). A EAD consiste em uma modalidade de ensino, com características específicas e requer formação docente apropriada e investimentos em recursos próprios para esta forma de ensino. A transposição de atividades realizadas, antes da pandemia do coronavírus, de forma presencial para plataformas virtuais de comunicação não configura EAD. Uma das principais características da EAD é a priorização de atividades assíncronas — ou seja, àquelas em que professor e alunos não precisam estar conectados ao mesmo tempo. Diferentemente do que vem acontecendo no ensino on-line, em que alunos e professores estão simultaneamente conectados. . Esta última se constitui como uma modalidade de ensino que está em processo de expansão graças ao respaldo de pesquisas (Silva & Behar, 2019Silva, K. K. A., & Behar, P. A. (2019). Alunos da EaD on-line do Brasil e competências digitais. EADPECI, 19(2), 21-39.; Vendruscolo & Behar, 2016Vendruscolo, M. I., & Behar, P. A. (2016). Investigando modelos pedagógicos para educação a distância: desafios e aspectos emergentes. Educação, 39(3), 302-311.; Martins & Mill, 2018Martins, S. L. B., & Mil, D. (2016). Estudos científicos sobre a educação a distância no Brasil: um breve panorama. Inclusão Social, 10(1), p.119-131.) que apresentam expressivas contribuições para a educação. Também é de nosso conhecimento, que para ministrar aulas em tal modalidade de ensino, são necessários investimentos em formação docente, tanto em relação aos modos de ensinar quanto às tecnologias que melhor se adequam para cada nível e formato de EAD. Não nos cabe, portanto, especialmente neste momento tão adverso, nos posicionarmos contra ou a favor das estratégias EAD nem das atividades remotas adotadas como alternativas ao cancelamento das atividades presenciais. O que nos interessa problematizar é o produtivismo que, para nós, justifica os investimentos, por parte das escolas, quando tentam “com todas as forças fazer seu trabalho, da melhor forma possível, para cumprir o conteúdo programado” (Beltramin, 2020, s/p).

A maneira como as tecnologias digitais têm sido usadas, nessa transição abrupta do ensino presencial para o on-line, marca a prevalência do “conteudismo”. As inúmeras videoaulas, exercícios, web conferências — em que, para evitar ruídos, os microfones dos estudantes devem ser mantidos desligados enquanto o professor fala e, para evitar sobrecarga da conexão, as câmeras também precisam ficar desligadas —, parecem não ter deixado espaços para pensar a imprevisibilidade que o momento nos impõe. Por um lado, a oferta de as aulas on-line demonstra o compromisso e agilidade, por parte de inúmeras escolas, em dar uma resposta aos estudantes e às famílias. Embora tal oferta não seja garantia de conhecimentos apreendidos. Por outro lado, reforça as diferenças sociais entre os que têm e os que não têm acesso e deixa claro que a teoria do capital humano é a doutrina dominante na educação (Laval, 2003Laval, C. (2004). A escola não é uma empresa. Planta.). Mais importante do que a possibilidade de fazer da experiência da pandemia uma oportunidade de aprender sobre o mundo e as relações humanas, é a reformulação dos objetivos da educação escolarizada que não deveriam apenas enfocar os conhecimentos úteis que, talvez, proporcionem melhores condições de empregabilidade. “O indivíduo é batizado como um aprendiz (ao longo da vida), a aprendizagem é um investimento no próprio capital humano do indivíduo (Masschelein & Simons, 2013Masschlein, J., & Simons, M. (2013). Em defesa da escola: uma questão pública. Autêntica., pp. 111-112). Tais investimentos, mais do que uma forma de aprendizagem, são orientações alinhadas a determinada visão de mundo, própria do neoliberalismo, que tem na competição um modelo de comportamento e na responsabilização individual as justificativas para o sucesso ou fracasso dos sujeitos.

Não é de hoje que a constituição de sujeitos aprendizes é reverberada como um ideal da racionalidade neoliberal. Especialmente o potencial das tecnologias digitais, neste caso, é associado à possibilidade de aprendizagem em qualquer espaço e a qualquer tempo. O Homo œconomicus accessibilis, a que nos referimos na seção anterior, reconfigura-se no Homo œconomicus discentes accessibilis. Aquele empresário de si mesmo, disponível para acessar e ser acessado, agora, precisa também ser um aprendiz ao longo da vida. A mobilidade proporcionada pela conexão digital não pode ser desperdiçada de acordo com esse “novo paradigma” que responsabiliza “os cidadãos por seu dever de aprender” (Laval, 2003, p. 51). Tal concepção reforça a ideia de que a educação deve se manter voltada às “categorias econômicas que permitem pensar a pessoa humana como um ‘recurso humano’ e um consumidor a satisfazer” (Laval, 2003Laval, C. (2004). A escola não é uma empresa. Planta., p. 25). Mais do que isso, a educação escolarizada, desse modo, ratifica a noção do “empreendedorismo como modo do governo de si” (Dardot & Laval, 2016Dardot, P., & Laval, C. (2016). A Nova Razão do mundo: Ensaio sobre a sociedade neoliberal. Boitempo., p. 144) e fortalece, assim, a ideia de que precisamos ser competitivos, acirrando o individualismo e enfraquecendo as possibilidades de enxergar o outro como alguém que está ligado a mim por uma relação de interdependência.

Nesse sentido, parece que não estamos conseguindo avançar e aproveitar a crise sanitária atual para romper com um modelo de educação —disciplinar, hierarquizado— apontado por alguns como ultrapassado. A forma como grande parte das atividades on-line está sendo implementada durante o isolamento social, além de primar pelo “conteudismo”, que, via de regra, já era reproduzido também na modalidade presencial, reforça os investimentos na produção da sujeição maquínica, na medida em que limita e policia o espaço possível para os diferentes olhares sobre um mesmo tema. “A liberdade ... em ver o que não foi visto nem previsto” (Larrosa; 2017Larrosa, J. (2017). Pedagogia profana: Danças, piruetas e mascaradas. Autêntica., p. 181) é completamente cerceada nos encontros em plataformas on-line, cuja participação dos estudantes é extremamente regulada.

Contrários ao foco no produtivismo conteudista, entendemos que “o objetivo da educação nunca é que as crianças e jovens aprendam”, simplesmente (Biesta, 2018Biesta, G. (2018). O dever de resistir: Sobre escolas, professores e sociedade. Educação, 41(1), 21-29., p. 23); mas que “aprendam alguma coisa, que aprendam isso por um motivo e que aprendam isso de alguém” (Biesta, 2018Biesta, G. (2018). O dever de resistir: Sobre escolas, professores e sociedade. Educação, 41(1), 21-29., p. 23). O objetivo da educação escolarizada, neste caso, independentemente de ela acontecer na modalidade presencial ou de forma remota, deveria estar implicado com a formação para além do utilitarismo requerido pela forma-empresa e materializado no empresário de si mesmo. Uma educação comprometida, entre outras coisas, com a “aquisição de conhecimentos que, livres de qualquer vínculo utilitarista, nos fazem crescer e nos tornam mais autônomos” (Ordine, 2016Ordine, N. (2016). A Utilidade do Inútil: Um manifesto. Zahar., p. 108), com condições de confrontar as informações. Com isto, não defendemos que o propósito da educação esteja alijado das questões relacionadas aos conteúdos escolares, à vida prática, ao trabalho etc., mas que esteja engajado também, e principalmente, com a constituição de sujeitos capazes de agir sobre si mesmos e sobre a coletividade.

Isso tem a ver com a possibilidade de que crianças e jovens não adotem apenas uma identidade particular, não sejam apenas parte de comunidades e tradições específicas, apenas objetos das intenções e ações de outras pessoas, mas existam como (um)sujeito por direito próprio, capaz de suas próprias ações e disposto a assumir a responsabilidade pelas consequências dessas ações

(Biesta, 2018Biesta, G. (2018). O dever de resistir: Sobre escolas, professores e sociedade. Educação, 41(1), 21-29., p. 24).

Tal concepção implica em entender que a educação escolarizada vai muitíssimo além do ensino e aprendizagem de conteúdos; ela é composta

por experiências e encontros que desafiam o ponto de partida, que são verbais mas também são afetivos, corporais, visuais. Fazer parte desse espaço, ver-se cara a cara, comunicar-se, irritar-se e voltar a se escutar, são ações que vão armando outra posição política e também de relação com o saber e a linguagem

(Dussel et al., 2016Dussel, I., Masschelein, J., & SIMONS, M. (Orgs). (2017). A politização e a popularização como domesticação da escola: Contrapontos latino-americanos. In J. Larrosa (Org.). Elogio da escola (pp.147-155)., p. 154).

Esse “vai muitíssimo além” evoca, também, as importantíssimas contribuições de Julia Varela e Fernando Álvarez Uría (1991Varela, J., & Alvarez-Uria, F. (1991). Arqueología de la escuela. La Piqueta., 1992)Varela, J., & Alvarez-Uria, F. (1992). A maquinaria escolar. Teoria & Educação, (6), 68-96. para entender a escola, no mundo ocidental, como uma maquinaria —ou seja, um conjunto de máquinas— que se encarregou de fabricar as subjetividades modernas ou, se quisermos, os sujeitos modernos. Como ambos mostraram, tais máquinas funcionaram e ainda funcionam numa intrincada articulação, que envolve práticas disciplinares e de controle, materiais e procedimentos didáticos, programações curriculares, regras explícitas e implícitas, disposições arquitetônicas da escola (internas e externas11 11 Para uma abordagem detalhada das relações entre os diversos elementos da arquitetura escolar, os currículos escolares e os processos de subjetivação, vide também Viñao-Frago; Escolano (1998) e Rocha (2000). ), rituais codificados etc. Por obra dessa intrincada articulação, em associação com algumas outras poucas instituições, a escola encarregou-se de estabelecer o que se costuma denominar “éthos da Modernidade12 12 Com a expressão ‘éthos de Modernidade’Foucault refere-se a uma atitude, a “um modo de relação a respeito da atualidade, ... uma maneira de pensar e de sentir, e também uma maneira de agir e de se conduzir que, ao mesmo tempo, marca um pertencimento e se apresenta como uma tarefa” (Castro, 2009, p. 302). ”, no sentido dado por Michel Foucault à expressão. Poucos anos depois dessas primeiras contribuições, a própria Julia Varela traçou, em detalhe, os modos pelos quais a escola imprimiu socialmente novas práticas e categorias espaço-temporais. Essas novas categorias romperam com as percepções, representações e usos do espaço e do tempo medievais, de modo que o espaço e o tempo se estabeleceram tal como os compreendemos ainda hoje (Varela, 1996Varela, J. (1996). Categorías espacio-temporales y socialización escolar: del individualismo al narcisimo. In J. LARROSA (org.), Escuela, poder y subjetivación (pp. 155-189). La Piqueta.).

Se atentarmos para a função social das disciplinas —a saber: estabelecer determinados códigos para os usos comuns, pacíficos e cooperativos dos espaços e tempos sociais—, então ficarão claros os muitos e até radicais deslocamentos operados sobre esse estado de coisas. A educação on-line e, principalmente, a transferência da educação escolarizada para o âmbito familiar, fazem emergir imediatamente três perguntas: onde, como e quando as crianças aprenderão aqueles códigos sociais que, no fundo, são condições de possibilidade para o comum e para uma vida pautada pela cooperação, tolerância e empatia?

Conclusão

Ao nos posicionarmos contrários à forma como o produtivismo conteudista, especialmente na Educação Básica, vem sendo privilegiado por meio do ensino on-line, procuramos tensionar o quanto tal tipo de prática enfraquece as possibilidades de contrapor a lógica competitiva e favorece o individualismo. Ao reforçar a importância do espaço e tempo da escola, enquanto local apartado da vigilância e das crenças familiares, quisemos deixar claro que a transposição das aulas presencias para as plataformas digitais de comunicação — sob a condução compartilhada entre professores e família — não contempla a dimensão do acontecimento e da imprevisibilidade. Isso não quer dizer que atividades on-line devam ser evitadas ou descartadas. Há, sem dúvida, muita potência nos dispositivos de comunicação virtual e negá-los na educação escolarizada não faria sentido. Por isso, não defendemos uma escola apartada das tecnologias, tampouco uma separação entre ­on-line e off-line, trata-se de dois mundos que se entrelaçam a ponto de não identificarmos onde um termina e o outro começa. Por esses motivos, entendemos, também, que não seja mais possível viver fora da governamentalidade algorítmica. Todavia, compreendemos que é urgente pensarmos a formação de sujeitos para habitarem o mundo digital, e isso requer investimentos em formação com rigor intelectual e não apenas comprometida com o produtivismo conteudista.

A nossa intenção foi também a de marcar a necessidade de (re)pensarmos as relações humanas, a partir das circunstâncias que a pandemia coloca a todos nós. Embora a racionalidade neoliberal não tenha as respostas a um fenômeno que é biológico, e não econômico como foi a crise de 2008, que afetou especialmente os países europeus e os Estados Unidos, é fundamental problematizarmos como chegamos até aqui e os impactos que as nossas escolhas produzem no atual contexto. Os prejuízos econômicos, sociais e políticos —esses últimos, especialmente no caso brasileiro— são inegáveis. As formas de ser e de estar pautadas na racionalidade neoliberal, e que têm a competição e a regulação pelo mercado como as suas principais características, conduziram uma grande parcela da população ao trabalho precário como única possibilidade de contornar a pobreza e a falta de oportunidades. Sob o título de empreendedor de si mesmo, romantizamos a substituição do emprego formal e com garantias trabalhistas pelo trabalho informal que, na maioria das vezes, é capaz de prover apenas o mínimo necessário para a sobrevivência. No Brasil, hoje, cerca de 38 milhões de brasileiros, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios Contínua (PNAD)13 13 Disponível em https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2020-03/informalidade-cai-mas-atinge-38-milhoes-de-trabalhadores. Acessado em 8 de maio de 2020. , encontram no trabalho informal a única forma de subsistência. A luta pela sobrevivência, aliada à lógica de competição, cada vez mais fomentada pelas práticas capitalistas neoliberais, fez com que, pouco a pouco, o individual se sobrepusesse ao coletivo.

Ao mesmo tempo, a educação escolarizada, em muitos casos e por um apreço das famílias, parece ter se rendido à forma-empresa e, com isso, mostra-se cada vez mais comprometida com o produtivismo conteudista. Tal prática, ao invés de formar sujeitos capazes de compreender a governamentalidade algorítmica —que, além de conduzir boa parte das suas escolhas, também produz a imunização informacional— constitui sujeitos cada vez mais obstinados a favor do culto ao empresariamento de si mesmo e, ipso facto, à competição. Solidariedade, empatia e respeito às diferenças tornam-se condutas e exercícios muito pontuais e cada vez mais raros. Tal situação dificilmente será revertida se a formação e o conhecimento —principalmente no campo das Humanidades— não ocuparem o centro do processo educativo. Mudanças deste tipo, no entanto, implicam na necessidade de retomada daquilo que entendemos como sendo um dos pilares da Educação Básica: formar sujeitos livres, capazes de exercer o autogoverno e de compreender a sua condição enquanto parte de um conjunto de sujeitos em que todos estão interligados. É fundamental a compreensão de que todos importam, assim como todas as ações, isoladas ou coletivas, produzem efeitos.

Encaminhando-nos para o final, mas sem pretender dar por encerrada a problematização que desenvolvemos aqui, queremos destacar que a EAD, enquanto modalidade de ensino, não consiste apenas na transposição de aulas presenciais para plataformas on-line. A educação a distância está inscrita em diferentes abordagens pedagógicas e implicada com o tipo e objetivos do curso e da área do conhecimento. No entanto, neste momento tão específico em que nos encontramos, via de regra, as aulas ministradas por meio de plataformas web seguem a ênfase no “conteudismo produtivista”. Por não permitir “perda de tempo”, pois tudo precisa ser convertido em capital, humano ou financeiro, o produtivismo exige respostas rápidas. Assim, o formato que era aplicado no ensino presencial é transposto para as diferentes plataformas de conferências web acessíveis a cada tipo de instituição de ensino e de aluno. E, neste caso, não só desperdiçamos a oportunidade de repensarmos os currículos, as práticas pedagógicas e o utilitarismo que vêm pautando a Educação Básica, como também reduzimos o potencial tecnológico e deixamos de criar possibilidades de espaços e de tempos compartilhados em que seja possível pensar de outros modos e de (con)viver com a imprevisibilidade. Em outras palavras, deixamos de aproveitar as dificuldades do momento como uma oportunidade de contrapor o foco no produtivismo conteudista, que compromete a possibilidade de pensar as condições de vida do presente, de desenvolver a formação necessária para evitar a imunização informacional e para compreender a atuação da governamentalidade algorítmica.

Conforme nos posicionamos ao longo deste artigo, compreendemos que o momento impôs certo imediatismo na busca por soluções para a suspensão das atividades presenciais nas escolas. No entanto, chamamos a atenção para a importância de aproveitar a oportunidade criada por esta situação, jamais vivida por nenhum de nós, para pensarmos juntos, sobretudo, sobre o agravamento das desigualdades produzido pelo período pandêmico, especialmente em um país como o Brasil, em que o desenvolvimento humano é tão desigual.

Arriscamos, assim, algumas perguntas —sem nenhuma pretensão prescritiva— que podem desencadear um exercício de pensamento coletivo: como as condições precárias de trabalho, que impedem uma parcela significativa da população de fazer o isolamento social, podem alavancar a curva de vítimas fatais da Covid-19? De que maneira o produtivismo conteudista afeta os estudantes das diferentes escolas brasileiras, já que há discrepâncias gigantescas entre as possibilidades viabilizadas nas instituições públicas e privadas, além das diferentes condições familiares e materiais de cada uma das crianças e jovens que estão na Educação Básica? Quais são as obrigações do Estado para com a população, no contexto da pandemia e no agravamento da crise do desemprego? Como cidadão, que compromissos eu tenho comigo mesmo e com os outros?

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    Normalização, preparação e revisão textual: Maria Thereza Sampaio Lucinio – thesampaio@uol.com.br
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    Apoio: Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul/Edital 56/2021
  • 4
    Conceber a si mesmo como uma empresa é um dos principais ensinamentos da Teoria do Capital Humano que, conforme explica Foucault (2008)Foucault, M. (2008). O Nascimento da Biopolítica. Martins fontes., é representativa da racionalidade neoliberal americana e pauta seu interesse em dois aspectos, a saber: empreender uma análise econômica em um campo que até aquele momento ainda não havia sido explorado – no caso, o trabalho, segundo dito no início desta seção – e, a partir dessa análise, “reinterpretar em termos econômicos [...] todo um campo que, até então, podia ser considerado, e era de fato considerado, não econômico” (Foucault, 2008Foucault, M. (2008). O Nascimento da Biopolítica. Martins fontes., p. 302). A expressão capital humano foi utilizada pela primeira vez em 1971 em um artigo escrito por Theodore Schultz, intitulado Investindo em capital humano. Entretanto, foi Gary Becker que começou a desenvolver o conceito de capital humano, em uma obra intitulada O capital humano, em 1964 (Castro-Gómez, 2010Castro-Gómez, S. (2010). Historia de la gubernamentalidad: Razón de Estado, liberalismo y neoliberalismo em Michel Foucault. Siglo del Hombre Editores.).
  • 5
    A noção de governamentalidade algorítmica é desenvolvida a partir do conceito de governamentalidade desenvolvido por Michel Foucault. Foucault desenvolve tal conceito de forma mais específica nos cursos Nascimento da biopolítica e Segurança, território, população. A discussão proposta neste artigo tem como grade de problematização as teorizações foucaultianas e, de forma mais enfática, autores que levam adiante os estudos daquele filósofo.
  • 6
    Comum, conforme Dardot e Laval (2017)Dardot, P., & Laval, C. (2017). Comum. Boitempo., é um princípio político que funciona como um eixo que liga todos aqueles que são contrários aos modos de ser e de estar próprios do neoliberalismo e a favor de uma democracia radical. “A política do comum é sempre transversal às separações instituídas, ela efetiva uma exigência democrática ao mesmo tempo generalizada e coerente: é literalmente ‘por toda a parte’, em todos os domínios que os homens agem em conjunto e devem ter a possibilidade de participar das regras que os afetam, do governo das instituições nas quais atuam, vivem e trabalham. ... Ela deve permear todos os níveis do espaço social, do local ao mundial, passando pelo nacional” (Dardot & Laval, 2017Dardot, P., & Laval, C. (2017). Comum. Boitempo., p. 486).
  • 7
    Lazzarato (2010Lazzarato, M. (2010). Sujeição e servidão no capitalismo contemporâneo. Cadernos de Subjetividade. (12), 168-179., 2017)Lazzarato, M. (2017). O governo do homem endividado. n-1 edições., leva adiante a noção de servidão maquínica desenvolvida por Deleuze e Guattari (2012)Deluze, G., & Guattari, F. (2012). Mil platôs: Capitalismo e esquizofrenia 2. (v. 5). Editora 34.. De acordo com Lazzarato (2010, p. 168)Lazzarato, M. (2010). Sujeição e servidão no capitalismo contemporâneo. Cadernos de Subjetividade. (12), 168-179., “Na servidão maquínica, o indivíduo não é mais instituído como sujeito (capital humano ou empresário de si). Ao contrário, ele é considerado como uma peça, como uma engrenagem, como um componente do agenciamento “empresa”, do agenciamento “sistema financeiro”, do agenciamento mídia, do agenciamento “Estado Providência” e seus “equipamentos coletivos de subjetivação” (escola, hospital, museu, teatro, televisão, internet, etc.). O indivíduo “funciona” e é submetido ao agenciamento do mesmo modo que as peças de máquinas técnicas, que os procedimentos organizacionais, que os sistemas de signos etc”.
  • 8
    Para Lipovetsky (2016, p. 132)Lipovetsky, G. (2016). Da leveza: Rumo a uma civilização sem peso. Manole. a revolução da leveza, marcada pela correlação entre o menor dado possível, produzido pelas ações individuais na rede conectada, e o infinitamente grande, “contribui para o aumento das correlações e não mais da explicação. Não é mais a experiência do devaneio leve, mas o poder do preditivo e da “governamentalidade algorítmica”.
  • 9
    Castells (2018)Castells, M. (2018). Ruptura. Zahar. explica que “o nosso extraordinário desenvolvimento tecnológico entra em contradição com nosso subdesenvolvimento político e ético, pondo nossas vidas nas mãos de nossas máquinas; todavia, o uso da capacidade de comunicação, deliberação e codecisão de que dispomos por meio da internet pode contrapor essa situação quando nossas ações estão respaldadas em conhecimento e capacidade de atuar sobre as redes de conexão” (p. 145).
  • 10
    Equivocadamente atividades desenvolvidas de forma on-line e remotas vem sendo denominadas de Educação a Distância (EAD). A EAD consiste em uma modalidade de ensino, com características específicas e requer formação docente apropriada e investimentos em recursos próprios para esta forma de ensino. A transposição de atividades realizadas, antes da pandemia do coronavírus, de forma presencial para plataformas virtuais de comunicação não configura EAD. Uma das principais características da EAD é a priorização de atividades assíncronas — ou seja, àquelas em que professor e alunos não precisam estar conectados ao mesmo tempo. Diferentemente do que vem acontecendo no ensino on-line, em que alunos e professores estão simultaneamente conectados.
  • 11
    Para uma abordagem detalhada das relações entre os diversos elementos da arquitetura escolar, os currículos escolares e os processos de subjetivação, vide também Viñao-Frago; Escolano (1998)Viñao-Frago, A., & Escolano, A. (1998). Currículo, espaço e subjetividade: A arquitetura como pro­grama. DP&A. e Rocha (2000)Rocha, C. F. (2000). Desconstruções edificantes: uma análise da ordenação do espaço como elemento do currículo [Dissertação de mestrado, UFRGS]..
  • 12
    Com a expressão ‘éthos de Modernidade’Foucault refere-se a uma atitude, a “um modo de relação a respeito da atualidade, ... uma maneira de pensar e de sentir, e também uma maneira de agir e de se conduzir que, ao mesmo tempo, marca um pertencimento e se apresenta como uma tarefa” (Castro, 2009Castro, E. (2009). Vocabulário de Foucault. Autêntica., p. 302).
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Referências

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Editor responsável: Alexandre Filordi de Carvalho. https://orcid.org/0000-0003-4510-9440

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    16 Ago 2020
  • Revisado
    24 Nov 2020
  • Aceito
    01 Fev 2021
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