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Mobilidade estudantil de universitários oriundos do ensino médio público: experiências com o programa Ciência sem Fronteiras 1 1 Editor responsável: Helena Maria Sant’Ana Sampaio Andery. https://orcid.org/0000-0002-1759-4875 , 2 2 Normalização, preparação e revisão textual: Andreza Silva (Tikinet) – revisao@tikinet.com.br , 3 3 Apoio: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq e Universidade de Brasília – UnB (auxílio financeiro).

Resumo

A internacionalização da educação superior é uma marca das universidades no mundo contemporâneo. Nesse processo, programas voltados à mobilidade acadêmica recebem centralidade, representando a faceta mais visível da internacionalização. O presente artigo analisa a mobilidade acadêmica de estudantes oriundos do ensino médio público no âmbito do programa Ciência sem Fronteiras, trazendo para a discussão o acesso ao programa, a experiência internacional e os projetos de futuro. A pesquisa foi conduzida em uma universidade pública da Região Centro-Oeste e consistiu na aplicação de dois surveys e na realização de grupos de discussão que foram analisados à luz do Método Documentário. Com base nos resultados, identificamos que a origem social e o capital escolar são dimensões que podem dificultar ou privar o acesso de estudantes de classes menos favorecidas em programas de mobilidade estudantil. Quando as barreiras são rompidas, as contribuições da experiência internacional ultrapassam os ganhos acadêmicos, possibilitando a abertura para novos projetos de futuro, tanto no campo pessoal quanto profissional.

Palavras-chave
mobilidade acadêmica; escola pública; grupos de discussão; Método Documentário

Abstract

The internationalization of higher education is a marker of universities in the contemporary world. In this process, academic mobility programs are central, representing the most visible aspect of internationalization. This article analyzes the academic mobility of students from the Science without Borders program who have studied in public high schools, especially the access of the students to the program, their international experiences, and projects for the future. The empirical research, carried out in a public university in the Midwest region of Brazil, consisted of two surveys and group discussions analyzed through the Documentary Method. Based on the results, we identified that social origin and school capital are dimensions that can hinder or deprive the participation of students from less favored classes in the access to student mobility programs. However, for students who were able to overcome these barriers, the contribution of the international experience goes beyond academic conquers and offers opportunities for the development of new projects for the future, both in the personal and professional fields.

Keywords
academic mobility; public school; group discussion; Documentary Method

Introdução

A internacionalização da educação superior, fenômeno que se intensificou com o processo de globalização que avançou a passos acelerados nas últimas décadas do século XX (Morosini, 2006Morosini, M. C. (2006). Estado do conhecimento sobre internacionalização da educação superior: conceitos e práticas. Educar em revista, 28, 107-124. http://doi.org/10.1590/S0104-40602006000200008
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; Morosini & Corte, 2018Morosini, M. C., & Corte, M. G. D. (2018). Teses e realidades no contexto da internacionalização da educação superior no Brasil. Revista Educação Em Questão, 56(47), 97-120. http://doi.org/10.21680/1981-1802.2018v56n47ID14000
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), é uma marca das universidades no mundo contemporâneo. Santos e Almeida Filho (2012)Santos, F. S., & Almeida Filho, N. (2012). A quarta missão da universidade: internacionalização universitária na sociedade do conhecimento. Imprensa da Universidade de Coimbra. consideram se tratar da quarta missão da universidade, integrada ao tripé: ensino, pesquisa e extensão. Definir o que vem a ser a internacionalização é uma tarefa complexa, pois não há um conceito universal que contemple diferentes realidades, interesses, objetivos e sujeitos, representando coisas distintas para diversos contextos e atores (Knight, 2004Knight, J. (2004). Internationalization remodeled: Definition, approaches, and rationales. Journal of studies in international education, 8(1), 5-31. http://doi.org/10.1177/1028315303260832
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). No intuito de oferecer uma compreensão, apesar da imprecisão conceitual, Knight (2004, pp. 11)Knight, J. (2004). Internationalization remodeled: Definition, approaches, and rationales. Journal of studies in international education, 8(1), 5-31. http://doi.org/10.1177/1028315303260832
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se refere à internacionalização como um “processo de integração de uma dimensão internacional, intercultural ou global em propósitos, funções ou oferta do ensino pós-secundário” (tradução nossa4 4 No original: “the process of integrating an international, intercultural or global dimension into the purpose, functions or delivery of post-secondary education”. ).

Desde os anos 1990, a internacionalização da educação superior vem sendo guiada por lógicas de excelência voltadas para uma boa posição no mercado global da educação e atestadas por rankings (De Wit, 2019De Wit, H. (2019). Internationalization in Higher Education, a Critical Review. SFU Educational Review, 12(3), 9-17. https://doi.org/10.21810/sfuer.v12i3.1036
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; Khomyakov et al., 2020Khomyakov, M., Dwyer, T., & Weller, W. (2020). Internacionalização da educação superior: excelência ou construção de redes? Do que os países BRICS precisam mais? Sociologias, 22(54), 120-143. http://doi.org/10.1590/15174522-99066
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). Sobre essa questão, F. Leal et al. (2018)Leal, F. G., Stallivieri, L., & Moraes, M. C. B. (2018). Indicadores de internacionalização: o que os Rankings Acadêmicos medem? Revista Internacional de Educação Superior, 4(1), 52-73. http://doi.org/10.22348/riesup.v4i1.8650638
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alertam para a dimensão reducionista dos rankings internacionais e nacionais na avaliação da internacionalização de instituições de educação superior, visto que eles não contemplam a complexidade e os diferentes aspectos, práticas e estratégias desse fenômeno. Não se opondo aos rankings, mas buscando construir outras definições de excelência e de reconhecimento das universidades na academia global, De Wit (2020)De Wit, H. (2020). Internationalization of Higher Education: The Need for a More Ethical and Qualitative Approach. Open Journals in Education, 10, 1-4. https://doi.org/10.32674/jis.v10i1.1893
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propõe uma abordagem mais qualitativa, ética e inclusiva da internacionalização, enfatizando que esse processo deve envolver todos os sujeitos da instituição e estar a serviço da melhoria da qualidade educacional e da sociedade.

Outros autores apontam para a importância de um perfil internacional de estudantes e de professores capazes de lidar com os desafios globais e com a diversidade cultural, não esquecendo dos problemas mais urgentes em seus próprios países (Gacel-Ávila & Rodríguez-Rodríguez, 2018Gacel-Ávila, J., & Rodríguez-Rodríguez, S. (2018). Internacionalización de la educación superior en América Latina y el Caribe: un balance. Universidad de Guadalajara.). Nesse sentido, torna-se “necessário encontrar um equilíbrio adequado entre a orientação aos padrões internacionais e o comprometimento nacional ou regional da instituição de educação superior” (Khomyakov et al., 2020Khomyakov, M., Dwyer, T., & Weller, W. (2020). Internacionalização da educação superior: excelência ou construção de redes? Do que os países BRICS precisam mais? Sociologias, 22(54), 120-143. http://doi.org/10.1590/15174522-99066
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, pp. 127).

Dentre o conjunto de estratégias de internacionalização adotadas pela academia global, a mobilidade acadêmica ocupa centralidade nesse processo (Castro & Cabral, 2012Castro, A. A., & Cabral Neto, A. (2012). O ensino superior: a mobilidade estudantil como estratégia de internacionalização na América Latina. Revista Lusófona de Educação, 21, 69-96.; Guilherme et al., 2016Guilherme, A. A., Herbertz, D. H., & Morosini, M. C. (2016). Internacionalização da educação superior: uma análise comparativa documental entre duas instituições privadas e comunitárias da região sul do Brasil. Educação Por Escrito, 7(2), 138-157. http://doi.org/10.15448/2179-8435.2016.2.24583
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; Morosini & Corte, 2018Morosini, M. C., & Corte, M. G. D. (2018). Teses e realidades no contexto da internacionalização da educação superior no Brasil. Revista Educação Em Questão, 56(47), 97-120. http://doi.org/10.21680/1981-1802.2018v56n47ID14000
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). Essa estratégia compreende o deslocamento voluntário de estudantes, docentes ou pesquisadores para outra instituição de educação superior fora de seu país de origem para realizar disciplinas, conduzir investigações ou obter um diploma no exterior em diferentes níveis de formação (De Wit, 2014De Wit, H. (2014). Las dinâmicas de la internacionalización a través de la movilidad académica. In C. M. Nupia (Ed.), Reflexiones para la política de internacionalización de la educación superior en Colombia (pp.135-157). Ministerio de Educación Nacional.; Iesalc, 2019Instituto Internacional para la Educación Superior en América Latina y el Caribe (Iesalc)(2019). La movilidad en la educación superior en América Latino y el Caribe: retos y oportunidades de un Convenio renovado para el reconocimiento de estudios, títulos y diplomas. Iesalc.). Castro e Cabral (2012, pp. 77)Castro, A. A., & Cabral Neto, A. (2012). O ensino superior: a mobilidade estudantil como estratégia de internacionalização na América Latina. Revista Lusófona de Educação, 21, 69-96. avançam nessa definição e destacam que a mobilidade acadêmica “é muito mais ampla, pois é social e envolve estruturas, meios, culturas e significados”.

Observa-se que essa estratégia de internacionalização cresceu significativamente no século XXI. Em um período de dez anos (2000 – 2010), esse número passou de 2,1 para 4,1 milhões e, em 2017, alcançou 5 milhões de estudantes em circulação (De Wit, 2014De Wit, H. (2014). Las dinâmicas de la internacionalización a través de la movilidad académica. In C. M. Nupia (Ed.), Reflexiones para la política de internacionalización de la educación superior en Colombia (pp.135-157). Ministerio de Educación Nacional.; Iesalc, 2019). Na América Latina, embora o quantitativo de estudantes que participaram de programas de mobilidade acadêmica entre os anos de 2012 e 2017 não tenha crescido significativamente quando comparado a outras regiões do mundo5 5 Segundo Iesalc (2019), no contexto global (2012 a 2017), o quantitativo de estudantes que participaram de programas de mobilidade acadêmica passou de 4 a 5 milhões. No mesmo período, o número de estudantes em circulação na América Latina passou de 258 mil a 312 mil. , destaca-se que 97% das ações de internacionalização das universidades estão voltadas para a mobilidade acadêmica de professores e estudantes (Gacel-Ávila & Rodríguez-Rodríguez, 2018Gacel-Ávila, J., & Rodríguez-Rodríguez, S. (2018). Internacionalización de la educación superior en América Latina y el Caribe: un balance. Universidad de Guadalajara.; Unesco, 2017).

Inquestionavelmente, a política mais audaciosa de mobilidade acadêmica estabelecida pelo governo brasileiro foi o Programa Ciência sem Fronteiras (CsF), desenvolvido entre os anos de 2011 e 2016 (Manços & Coelho, 2017Manços, G. D. R., & Coelho, F. D. S. (2017). Internacionalização da ciência brasileira: subsídios para avaliação do Programa Ciência sem Fronteiras. Revista Brasileira de Políticas Públicas e Internacionais, 2(2), 52-82. http://doi.org/10.22478/ufpb.2525-5584.2017v2n2.37056
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; Prolo et al., 2019Prolo, I., Vieira, R. C., Lima, M. C., & Leal, F. G. (2019). Internacionalização das Universidades Brasileiras-Contribuições do Programa Ciência sem Fronteiras. Administração: Ensino e Pesquisa, 20(2), 319-361. http://doi.org/10.13058/raep.2019.v20n2.1330
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). Com o objetivo de “promover a consolidação, expansão e internacionalização da ciência e tecnologia, da inovação e da competitividade brasileira por meio do intercâmbio e da mobilidade internacional” (Ciências Sem Fronteiras, n. d.Ciências Sem Fronteiras (n.d.). O que é? Portal Ciências Sem Fronteiras. http://www.cienciasemfronteiras.gov.br/web/csf/o-programa
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), a Presidência da República, através do Decreto nº 7.642 de 13/12/2011Decreto nº7.642 (2011, 13 de dezembro). Institui o Programa Ciência sem Fronteiras. Diário Oficial da União, Seção 1, pp.7., instituiu esse programa voltado para a concessão de bolsas de estudo e pesquisa no exterior nos seguintes níveis e modalidades: graduação sanduíche; mestrado; doutorado sanduíche; doutorado pleno; pós-doutorado; pesquisador visitante especial; e atração de jovens talentos. Ressalta-se, porém, que a mobilidade de estudantes de graduação recebeu destaque especial no âmbito do CsF, contemplando 73.341 universitários de um total de 93.247 bolsas concedidas no período (Ciências Sem Fronteiras, n. d.Ciências Sem Fronteiras (n.d.). Bolsistas pelo mundo. Portal Ciências Sem Fronteiras. http://www.cienciasemfronteiras.gov.br/web/csf/bolsistas-pelo-mundo
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)6 6 Observação: Dados atualizados até dezembro de 2015. .

O CsF foi concebido para atender áreas de conhecimento específicas, sobretudo as engenharias, ciências exatas, da natureza e da saúde, e não para a internacionalização das universidades brasileiras como um todo, o que foi motivo de críticas, principalmente no campo das ciências humanas e sociais (Chaves & Castro, 2016Chaves, V. L. J., & Castro, A. M. D. A. (2016). Internacionalização da educação superior no Brasil: programas de indução à mobilidade estudantil. Revista Internacional de Educação Superior, 2(1), 118-137. https://doi.org/10.22348/riesup.v2i1.7531
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). A baixa proficiência em idiomas estrangeiros por parte dos bolsistas e a inexistência prévia de uma política linguística no país voltada para o alcance dos objetivos de programas de mobilidade acadêmica internacional encontram-se entre os aspectos que geraram mais questionamentos (Archanjo, 2015Archanjo, R. (2015). Globalização e Multilingualismo no Brasil Competência Linguística e o Programa Ciência Sem Fronteiras. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, 15(3), 621-656. http://doi.org/10.1590/1984-639820156309
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). Além disso, o enorme investimento público na concessão de bolsas de estudo no exterior e a ausência de avaliações sistemáticas do CsF também geraram debates e reflexões na sociedade civil e na academia (Granja & Carneiro, 2021Granja, C. D., & Carneiro, A. M. (2021). O programa Ciência sem Fronteiras e a falha sistêmica no ciclo de políticas públicas. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, 29(110), 183-205. https://doi.org/10.1590/S0104-40362020002801962
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).

Embora o programa CsF tenha suscitado críticas significativas quanto ao seu planejamento, implementação e avaliação, salienta-se que ele contribuiu significativamente na internacionalização da educação superior brasileira, promovendo maior visibilidade das universidades do país, estabelecimento de parcerias e colaboração científica, contribuindo também para o desenvolvimento de planejamentos estratégicos de internacionalização por parte das universidades brasileiras. Posteriormente, outras propostas de internacionalização, a exemplo do Programa Capes-Print (F. Leal, 2019Leal, F. G. (2019). Os caminhos recentes da internacionalização da educação superior brasileira. Revista de Educación Superior en América Latina, 6, 31-35.; Manços & Coelho, 2017Manços, G. D. R., & Coelho, F. D. S. (2017). Internacionalização da ciência brasileira: subsídios para avaliação do Programa Ciência sem Fronteiras. Revista Brasileira de Políticas Públicas e Internacionais, 2(2), 52-82. http://doi.org/10.22478/ufpb.2525-5584.2017v2n2.37056
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; Prolo et al., 2019Prolo, I., Vieira, R. C., Lima, M. C., & Leal, F. G. (2019). Internacionalização das Universidades Brasileiras-Contribuições do Programa Ciência sem Fronteiras. Administração: Ensino e Pesquisa, 20(2), 319-361. http://doi.org/10.13058/raep.2019.v20n2.1330
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), foram desenvolvidas, em parte, como reação à falta de autonomia das universidades no âmbito do CsF. Destaca-se que o CsF, até a presente data, representou uma das poucas oportunidades de intercâmbio ofertada em larga escala para estudantes brasileiros de graduação, tendo em vista o pouco incentivo e investimento em mobilidade acadêmica internacional para esse nível de ensino quando comparada à pós-graduação (Neves & Barbosa, 2020Neves, C. E. B., & Barbosa, M. L. D. O. (2020). Internacionalização da educação superior no Brasil: avanços, obstáculos e desafios. Sociologias, 22(54), 144-175. http://doi.org/10.1590/15174522-99656
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).

Considerando a centralidade dos cursos de graduação no âmbito do CsF, o presente artigo analisa a mobilidade acadêmica de estudantes oriundos do ensino médio público, trazendo para a discussão o acesso ao programa, a experiência internacional e os projetos de futuro. A primeira parte apresenta a justificativa para a escolha desse grupo de estudantes, o contexto em que foi realizada a pesquisa, bem como os procedimentos analíticos — grupo de discussão e Método Documentário —, referencial teórico e metodológico que orientou a interpretação dos dados qualitativos. A segunda seção destina-se à análise de dois grupos de discussão realizados com universitários provenientes do ensino médio público que participaram do programa CsF. Na última seção, apresentamos algumas reflexões acerca das barreiras enfrentadas por jovens de classes menos favorecidas no âmbito da mobilidade acadêmica.

Sobre a pesquisa em suas diferentes etapas

Buscando compreender a contribuição do intercâmbio estudantil para estudantes de graduação nas áreas de conhecimento contempladas pelo programa CsF, assim como conhecer as experiências de intercâmbio cultural e as relações estabelecidas entre o país de origem e o país de intercâmbio, desenvolvemos, entre os anos de 2014 e 2017, a pesquisa intitulada Geração sem Fronteiras: experiências de intercâmbio internacional de jovens universitários que contou com apoio CNPq7 7 Registramos aqui nossos agradecimentos à equipe que participou da pesquisa, sobretudo aos bolsistas de iniciação científica Bruno Fernandes de Matos, Geiziane Silva de Oliveira, Luiza Tuler Veloso e Lucas Rodrigues Rocha. . A primeira fase se constituiu da aplicação de um survey enviado para todos os bolsistas do CsF de uma universidade pública da Região Centro-Oeste (2.117 no total), na qual obteve-se um retorno de aproximadamente 30% (672 respostas) dos estudantes, dentre os quais 334 eram do gênero masculino e 338 do gênero feminino. No contexto dessa amostra, chamou-nos a atenção o quantitativo de 94 estudantes (13,9%) que eram egressos do ensino médio público.

Embora pesquisas sobre mobilidade acadêmica já indicassem que as dificuldades para realização de intercâmbio no exterior são, sobretudo, de ordem financeira (C. Leal & Ramos, 2013Leal, C. D. O. S., & Ramos, K. M. C. (2013). Desenvolvimento pessoal e formação acadêmico-profissional no Ensino Superior: mobilidade estudantil internacional em questão. Revista Fafire, 8(2), 108-120.), ainda eram escassos os estudos com estudantes que, mesmo contemplados com uma bolsa, não contavam com apoio financeiro adicional por parte de suas famílias. Considerando que, em nossa amostra, 13,9% dos respondentes haviam estudado em escolas públicas, o que a priori não define a situação socioeconômica de suas famílias, identificamos a necessidade de dar continuidade à pesquisa, abordando, entre outros aspectos: Que tipo de escola pública de ensino médio esses jovens frequentaram? A origem escolar e familiar teve alguma influência na participação desses estudantes no programa CsF? Como foi o acesso ao programa? Como foi a experiência de intercâmbio e de que forma a experiência internacional trouxe contribuições para suas perspectivas profissionais e seus projetos de futuro?

Nesse sentido, a análise dos dados da primeira fase da pesquisa serviu de base para o desenvolvimento de um novo survey8 8 Para a realização dessa etapa da pesquisa, foi construído um novo questionário alocado na Plataforma LimeSurvey e enviado a 2.117 bolsistas de uma universidade da Região Centro-Oeste. Obteve-se um retorno de 87 estudantes que responderam ao questionário e que atenderam ao requisito de ser estudante oriundo de escola pública durante o ensino médio, dos quais 38 estudantes eram do gênero feminino e 49 do gênero masculino. , com questões sobre a trajetória escolar e familiar dos bolsistas oriundos de escolas públicas. Entre os resultados, no que se refere ao ensino médio público, identificamos que o maior percentual (63,22%) se relaciona a bolsistas que estudaram em escolas públicas pertencentes aos estados da Região Centro-Oeste, com destaque para aqueles que frequentaram a escola no período diurno, seguidos daqueles que estudaram no Colégio Militar localizado na região em que se encontra a universidade (33,33%) e de estudantes que haviam frequentado o ensino médio em um Centro Federal de Educação Tecnológica ou Instituto Federal de Educação, representando 3,45%. Um dado importante, no segundo survey aplicado, foi o fato de nossa hipótese inicial, de que esses bolsistas seriam, em sua maioria, provenientes do Colégio Militar ou de um dos Institutos Federais existentes na região, não foi confirmada.

Os resultados do segundo survey realizado revelaram a importância de seguirmos nosso estudo com esses estudantes, buscando adentrar em outras dimensões da experiência do intercâmbio que só poderiam ser alcançadas por meio de uma pesquisa qualitativa. Assim, na terceira fase da pesquisa, optamos por realizar grupos de discussão com ex-bolsistas do CsF que haviam fornecido anteriormente seus dados pessoais para contato (e-mail e telefone). Os critérios para a seleção dos participantes levaram em consideração o tipo de escola frequentada durante o ensino médio (escolas públicas regulares e colégio militar) e o gênero dos estudantes. Desse modo, foram realizados quatro grupos de discussão, sendo um grupo feminino e três grupos masculinos.

Procedimentos teórico-metodológicos: grupos de discussão e Método Documentário

Os grupos de discussão, procedimento amplamente utilizado em pesquisas com jovens desde os anos 1980 (Weller, 2006Weller, W. (2006). Grupos de discussão na pesquisa com adolescentes e jovens: aportes teórico-metodológicos e análise de uma experiência com o método. Educação e pesquisa, 32, 241-260., 2019Weller, W. (2019). Group Discussions and the Documentary Method in Education Research. In Oxford Research Encyclopedia of Education.), possibilitam o acesso às experiências conjuntivas e ao conhecimento implícito partilhado por um grupo. Entende-se por “espaços de experiência conjuntiva” as experiências comuns que ligam determinado grupo de indivíduos (Bohnsack, 2020Bohnsack, R. (2020). Pesquisa Social Reconstrutiva: Introdução aos métodos qualitativos. Vozes.). No caso desta investigação, a origem escolar no ensino médio e a participação no programa CsF são espaços de experiências conjuntivas partilhados por esses jovens.

Para a realização dos grupos de discussão, foi preparado um tópico-guia com base em alguns princípios desenvolvidos por Bohnsack para a condução de grupos de discussão (Bohnsack, 2020Bohnsack, R. (2020). Pesquisa Social Reconstrutiva: Introdução aos métodos qualitativos. Vozes.; Weller, 2006Weller, W. (2006). Grupos de discussão na pesquisa com adolescentes e jovens: aportes teórico-metodológicos e análise de uma experiência com o método. Educação e pesquisa, 32, 241-260., 2019Weller, W. (2019). Group Discussions and the Documentary Method in Education Research. In Oxford Research Encyclopedia of Education.). Esse tópico-guia incluiu questões que versavam sobre a trajetória escolar e acadêmica no Brasil, a experiência de intercâmbio no exterior, o regresso ao Brasil, o término do programa CsF, os projetos de futuro e outras questões que o grupo desejasse discutir.

A análise dos grupos de discussão foi realizada com base no Método Documentário, termo cunhado por Mannheim (1971)Mannheim, K. (1971). From Karl Mannheim. Oxford University Press. e mantido por Bohnsack nos anos 1980, quando o autor retomou a Sociologia do Conhecimento mannheimiana e, a partir dela, desenvolveu um método de análise de dados empíricos (Bohnsack, 2014Bohnsack, R. (2014). Documentary method. In U. Flick (Ed.), The SAGE handbook of qualitative data analysis (pp.217-233). Sage. https://dx.doi.org/10.4135/9781446282243.n15
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, 2017Bohnsack, R. (2017). Praxeological sociology of knowledge and documentary method: Karl Mannheim’s framing of empirical research. In D. Kettler & V. Meja (Eds.), The Anthem companion to Karl Mannheim. Anthem Press., 2020Bohnsack, R. (2020). Pesquisa Social Reconstrutiva: Introdução aos métodos qualitativos. Vozes.)9 9 A Etnometodologia, a Sociologia da Cultura de Pierre Bourdieu e a Iconologia de Erving Panofsky também foram importantes no desenvolvimento desse procedimento, sendo que a contribuição desse último autor foi especialmente importante na adaptação do Método Documentário para a análise de imagens. . Segundo Bohnsack (2014, pp. 217)Bohnsack, R. (2014). Documentary method. In U. Flick (Ed.), The SAGE handbook of qualitative data analysis (pp.217-233). Sage. https://dx.doi.org/10.4135/9781446282243.n15
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, Mannheim desenvolveu em seu trabalho “o primeiro argumento abrangente para uma abordagem particular da observação nas ciências sociais, que ainda hoje é capaz de atender às exigências do raciocínio epistemológico”. Para Mannheim (1971)Mannheim, K. (1971). From Karl Mannheim. Oxford University Press., há três tipos de significados que podem ser identificados em ações cotidianas. Por exemplo, no gesto de uma pessoa que oferece uma esmola a um pedinte percebe-se: um nível imanente ou objetivo de significado, que é dado, ou seja, que pode ser interpretado imediatamente; um nível expressivo de significado, que é aquele transmitido por palavras ou ações e requer o conhecimento dos atores envolvidos para ser interpretado; e, finalmente, o nível documentário, que documenta a ação prática e requer que o processo de interpretação também envolva a posição daquele que está interpretando a ação observada.

Além da definição desses três níveis de interpretação, Mannheim (1982)Mannheim, K. (1982). Structures of Thinking. Routledge & Kegan Paul. enfatiza que a compreensão do nível documentário ocorre apenas pelo desenvolvimento de uma atitude sociogenética no processo de interpretação. Essa atitude é um dos componentes mais importantes do método documentário e pressupõe uma mudança analítica que, ao invés de perguntar o que é uma realidade social, buscará analisar como ela é constituída (Bohnsack, 2020Bohnsack, R. (2020). Pesquisa Social Reconstrutiva: Introdução aos métodos qualitativos. Vozes.; Weller, 2019Weller, W. (2019). Group Discussions and the Documentary Method in Education Research. In Oxford Research Encyclopedia of Education.).

No processo de adaptação do Método Documentário para a pesquisa social reconstrutiva e no intuito de oferecer uma ferramenta analítica para a reconstrução das orientações coletivas dos participantes de um grupo de discussão, Bohnsack (2014Bohnsack, R. (2014). Documentary method. In U. Flick (Ed.), The SAGE handbook of qualitative data analysis (pp.217-233). Sage. https://dx.doi.org/10.4135/9781446282243.n15
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, 2020)Bohnsack, R. (2020). Pesquisa Social Reconstrutiva: Introdução aos métodos qualitativos. Vozes. propôs quatro etapas de análise: interpretação formulada, interpretação refletida, análise comparativa e construção de tipos.

A primeira etapa, interpretação formulada, destina-se à reconstrução da linguagem coloquial para uma linguagem que seja compreensível para aqueles que não fazem parte do meio investigado. Já a interpretação refletida concentra-se na organização do discurso e no modo de interação entre os participantes, por exemplo: a forma como se referem uns aos outros, considerando a dramaturgia e a densidade do discurso. As reconstruções do modo de interação ou de como os participantes organizam o discurso são de suma importância, na medida em que revelam o quanto os membros de um grupo partilham de um espaço de experiências conjuntivas e de orientações coletivas específicas do meio social (Bohnsack, 2014Bohnsack, R. (2014). Documentary method. In U. Flick (Ed.), The SAGE handbook of qualitative data analysis (pp.217-233). Sage. https://dx.doi.org/10.4135/9781446282243.n15
https://doi.org/10.4135/9781446282243.n1...
). A terceira etapa, análise comparativa, já começa a ser elaborada durante o trabalho de campo, quando o pesquisador estabelece critérios para a seleção dos grupos de discussão, que, assim como na Teoria Fundamentada, também no caso do Método Documentário é realizada com base no procedimento definido por Glaser e Strauss (1967)Glaser, B. G., & Strauss, A. L. (1967). Discovery of grounded theory: Strategies for qualitative research. Aldine. como theoretical sampling (Weller, 2019Weller, W. (2019). Group Discussions and the Documentary Method in Education Research. In Oxford Research Encyclopedia of Education.). Essa pré-seleção possibilita a busca por padrões homólogos ou divergentes, por exemplo, entre estudantes do CsF oriundos de escolas públicas.

A análise comparativa no âmbito do método documentário é, desde o início, de fundamental importância, uma vez que o quadro de orientação de um determinado grupo ou meio social só poderá ser constatado quando colocado em relação a outros horizontes ou universos comparativos no processo de interpretação. Por último, Bohnsack (2020)Bohnsack, R. (2020). Pesquisa Social Reconstrutiva: Introdução aos métodos qualitativos. Vozes. apresenta a construção de tipos como a última etapa do Método Documentário, que busca analisar, de forma abdutiva, a gênese de um quadro de orientação e em que circunstâncias ele se configura como típico10 10 No escopo deste artigo, não foi possível apresentar em detalhes as distintas etapas de análise do Método Documentário. Para maior aprofundamento, sugerimos consultar as referências sobre o Método Documentário em português e inglês indicados no final do livro “Pesquisa Social Reconstrutiva” (Bohnsack, 2020, pp. 403-412). .

Importante destacar que o Método Documentário, assim como a Teoria Fundamentada, integra um conjunto de procedimentos de análise de dados qualitativos denominados de métodos reconstrutivos (Bohnsack, 2020Bohnsack, R. (2020). Pesquisa Social Reconstrutiva: Introdução aos métodos qualitativos. Vozes.). A pesquisa qualitativa reconstrutiva compreende o campo empírico como um espaço privilegiado de construção de novos conhecimentos e de geração de teorias fundamentadas na empiria, que serão desenvolvidas, sobretudo, a partir da comparação entre casos empíricos, ou seja, por meio do método comparativo constante (Glaser & Strauss, 1967Glaser, B. G., & Strauss, A. L. (1967). Discovery of grounded theory: Strategies for qualitative research. Aldine.). Com base nessa orientação, o pesquisador não se dirige ao campo com hipóteses pré-estabelecidas, a geração de novos conhecimentos ocorre a partir do que será revelado no campo empírico.

Análise dos grupos de discussão segundo o Método Documentário

Com base no Método Documentário e no procedimento definido por Glaser e Strauss (1967)Glaser, B. G., & Strauss, A. L. (1967). Discovery of grounded theory: Strategies for qualitative research. Aldine. como theoretical sampling, os critérios de seleção dos participantes dos grupos de discussão foram os seguintes: ter estudado em escola pública ou em colégio militar e ser do gênero feminino ou masculino. Apesar de havermos realizado quatro grupos de discussão durante o trabalho de campo, serão apresentadas, no escopo deste artigo, as análises de dois grupos, um feminino e um masculino. A seleção desses dois grupos considerou, por um lado, a conclusão da educação básica em escolas públicas vinculadas às redes estaduais de ensino da Região Centro-Oeste. Por outro, a seleção de um grupo feminino teve por objetivo verificar se havia diferenças significativas no que concerne à questão de gênero e mobilidade acadêmica. Por último, a interação entre os participantes e o aprofundamento das temáticas propostas durante a discussão também foram considerados na seleção desses dois grupos.

Antes de procedermos à análise dos dados, faremos uma breve apresentação dos participantes dos grupos feminino e masculino, tendo em vista que esses dados assumem importância significativa na compreensão do significado do intercâmbio para estudantes oriundos do ensino médio público.

O grupo feminino É cultural11 11 As respectivas nomeações de cada grupo, É cultural e Sair da caixinha, representam as metáforas de foco, isto é, os pontos comuns que tiveram uma densidade interativa entre os participantes do grupo de discussão (Bonhsack, 2020). contou com duas participantes, Sofia12 12 Os e as participantes dos grupos de discussão receberam nomes fictícios. (26 anos) e Laura (25 anos). Laura é filha de professora e de policial militar, ambos com educação superior completa. Toda a trajetória escolar da jovem foi realizada em escolas públicas. Laura recorda que sempre foi incentivada a estudar e enfatiza, de maneira especial, o esforço de seus pais no sentido de suprir lacunas na formação recebida na escola pública por meio de aulas de reforço e outras ajudas nas tarefas escolares. Já Sofia, durante a educação infantil, frequentou uma escola privada e, no ensino fundamental e médio, escolas públicas. Os pais de Sofia possuem ensino superior completo, sendo a mãe enfermeira e o pai policial militar. Diferentemente de Laura, Sofia destaca o papel dos professores no ensino médio, que a incentivaram e demonstraram que era possível acessar a universidade pública.

As participantes ingressaram na universidade por meio do vestibular tradicional, Sofia para o curso de engenharia civil/diurno e Laura para ciências naturais/diurno. A passagem da educação básica para a educação superior na trajetória de Laura é concebida como algo natural e esperado por sua família, pois seu irmão também havia estudado na instituição federal almejada por ela. Inclusive, sua aprovação na universidade foi comemorada com uma viagem pela América do Sul. Sofia destaca que foi incentivada por seus pais, porém não entra em detalhes de como isso acontecia. A jovem realizou sua primeira viagem internacional por meio do CsF e morou na Itália. Laura, por sua vez, fez intercâmbio na Alemanha.

O grupo masculino Sair da caixinha também contou com dois participantes, Guadaci (23 anos) e Tino (23 anos). O pai de Guadaci possui ensino médio completo e é corretor. Sua mãe possui ensino superior completo e é enfermeira. Guadaci estudou em escolas privadas, durante a educação infantil e o ensino fundamental, e em uma escola pública no ensino médio. A experiência no ensino médio é vista pelo jovem a partir da comparação com a experiência em escolas privadas frequentadas anteriormente. Para Guadaci, a qualidade do ensino e do sistema avaliativo da escola pública é inferior ao da iniciativa privada.

A mãe de Tino é professora e possui ensino superior completo; seu pai concluiu o ensino médio e trabalha nos Correios. A maior parte da escolarização básica de Tino (ensino fundamental e médio) ocorreu em escolas públicas. Tino também relata as lacunas do ensino público, como a falta de professores e um certo ceticismo em relação aos estudantes no que diz respeito ao ingresso em uma universidade pública. Sob uma perspectiva distinta da de Guadaci, a escola pública é concebida pelo jovem Tino como uma instituição que possibilitou o convívio com diferentes realidades sociais e a compreensão do valor da ajuda, de ser ajudado e de ajudar os outros, destacando, dessa forma, a importância da formação humana nessa etapa da educação básica.

Para suprir as lacunas da formação escolar, Tino e Guadaci realizaram cursinhos preparatórios durante todo o ensino médio, estratégia educacional que foi apoiada financeiramente pelos pais. Eles destacam que o ingresso na universidade pública representava uma obrigação no sentido de dar continuidade ao legado deixado por seus irmãos, que também haviam estudado em universidades públicas. Assim, Guadaci ingressou na universidade por meio do vestibular tradicional para o curso de engenharia da computação/diurno e realizou intercâmbio nos Estados Unidos da América. Tino foi aprovado por meio do vestibular com cotas raciais para o curso de odontologia/diurno, e sua estadia pelo CsF se deu na Alemanha. Destaca-se que ambos os participantes nunca haviam realizado viagens internacionais antes da mobilidade acadêmica.

Com base nessa breve apresentação da trajetória escolar e familiar, podemos esboçar algumas considerações que perpassaram a experiência escolar dos grupos É cultural e Sair da caixinha, tais como: a) o investimento em cursinhos preparatórios e o reforço escolar; b) um certo ceticismo em relação às escolas públicas de ensino médio, mesmo havendo estudado nelas; e c) o apoio e a inspiração encontrados na família e em professores na construção do projeto de ingresso em uma universidade pública. Para esses jovens, o ingresso na universidade representou um projeto de continuidade na trajetória educacional iniciada pelos pais ou pelos irmãos, que haviam estudado em instituições de educação superior. Destacam-se não apenas os incentivos, que foram traduzidos em cursos preparatórios e reforço dos conteúdos escolares, mas a “obrigação” em dar continuidade a um projeto educacional familiar.

Seguindo as etapas de análise do Método Documentário, realizamos, inicialmente, a divisão temática com o intuito de identificar os temas e a duração do tempo de discussão. Posteriormente, realizamos a transcrição e a codificação das falas, sinalizando pausas, risadas, palavras pronunciadas de forma enfática ou em voz alta, dentre outras marcas discursivas. Portanto, a codificação utilizada ao longo da apresentação dos grupos não segue as normas ortográficas, mas sim os códigos desenvolvidos no âmbito do Método Documentário13 13 Principais códigos utilizados: (.) pausa curta; (2) pausa e tempo de duração; └ falas iniciadas antes da conclusão da fala de outro jovem; ; (ponto e vírgula = leve diminuição do tom da voz); . (ponto = forte diminuição do tom da voz); , (vírgula = leve aumento do tom da voz); ? (interrogação = forte aumento do tom da voz); exem- (submissão de parte da palavra); assim=assim (pronúncia de forma emendada); exemplo ou exemplo (pronúncia de forma enfática); exemplo ou EXEMPLO (pronúncia em tom de voz elevado); °exemplo° (pronúncia em voz baixa); (exemplo) = palavra ou frase entre parêntesis que não foram totalmente compreendidas); @exemplo@ (pronúncia entre risos). Para maiores detalhes, ver também Weller (2006) e Bohnsack (2020). . Por último, selecionamos as passagens que foram submetidas à análise formulada, refletida e comparativa14 14 Neste estudo, considerando o fato de havermos realizado apenas quatro grupos de discussão, não foi possível desenvolver a construção de tipos, última etapa do Método Documentário. e que serão apresentadas a seguir: acesso ao programa Ciência sem Fronteiras, experiência de intercâmbio no exterior e projetos de futuro após a conclusão da graduação.

Como já mencionado, o Método Documentário situa-se no campo da pesquisa social reconstrutiva, que pressupõe uma análise a partir da própria empiria e não do cotejamento com referenciais teóricos ou resultados de outros estudos sobre o tema. Nesse sentido, durante a análise das passagens dos grupos de discussão, buscamos reconstruir as orientações coletivas em torno dos temas discutidos a partir dos discursos produzidos pelos próprios jovens, buscando, dessa forma, analisar não só o que eles narraram sobre suas experiências, mas, principalmente, como elas foram narradas. No entanto, isso não significa que o Método Documentário prescinde da análise da literatura existente sobre o tema, o que será realizado mais adiante.

Interesse pelo programa Ciência sem Fronteiras

Passar uma temporada no exterior para cursar disciplinas, aprender um novo idioma ou realizar pesquisas ainda não está ao alcance da grande maioria dos universitários brasileiros. Muitos bolsistas, mesmo aqueles que frequentaram o ensino médio em escolas privadas e que, em tese, pertencem aos estratos sociais mais elevados, não tinham viajado para o exterior antes da realização do intercâmbio pelo CsF. Em nosso primeiro survey, 84,4% dos respondentes informaram que nunca haviam saído do Brasil. Nesse sentido, discutiremos nesta seção como se deu a tomada de decisão pelo intercâmbio, pelo respectivo país e se esse processo teve apoio de familiares ou de outras pessoas.

No que diz respeito ao grupo feminino É cultural, as jovens apresentam a seguinte narrativa (passagem: percepções sobre o intercâmbio):

01 Y Cês poderiam falar um pouco sobre a experiência de vocês na universidade de 02   - intercâmbio (1) como se deu a escolha da universidade a escolha do país 03 Lf (3) Então eu fazia estágio na Empresa PA né e aí o meu coorientador de lá ele fez o 04   mestrado dele na Alemanha (1) e aí quando eu -tava nesse processo de me inscrever, ele 05   botava, tipo assim ele botava quente pra eu escolher Alemanha […] e aí quando eu escolhi 06   o país e fui contemplada pra escrever as três cartas, não tinha a opção da universidade que 07   ele tinha feito o mestrado aí a gente fez uma pesquisa eu, ele, minha mãe, todo mundo qu 08   e -tava envolvido nesse projeto todo pra escolher a uma das três (2) opções né 09 Sf Eh o meu foi (2) eu -tava (1) quem me incentivou mesmo pra me inscrever foi um amigo 10   meu do curso que ia se inscrever também e ficou ah vamos vamos falei aí não sei se vou 11   conseguir, não sei o que 12 Lf @(1)@ (Você sempre bate) 13 Sf É você sempre bate assim a poxa, não sei também eh (1) eu não tinha o inglês muito bom 14   também porque eu tinha vindo de escola pública o inglês não é lá essas coisas aí (1) ele 15   falou assim então tenta pra Portugal, tem vaga pra Portugal aí […] no meio do processo 16   cancelaram as vagas pra Portugal […] Tinha Austrália tinha outros lugares assim tinha 17 Estados Unidos Canadá Inglaterra e tinha Itália aí eu escolhi a Itália

Embora as famílias tenham acompanhado o processo de inscrição para o CsF (especialmente as mães das bolsistas), o principal incentivo para o intercâmbio e a orientação em relação à escolha do país e da respectiva universidade se deu através de terceiros. No caso de Laura, foi um professor e coorientador que “botava quente” para que a jovem escolhesse a Alemanha, tendo em vista sua experiência enquanto estudante de mestrado nesse país. A mobilidade internacional representa para Laura uma ação planejada como um projeto caracterizado por um ato por vir, como diria Alfred Schütz15 15 De acordo com Alfred Schütz (apud Wagner, 1979), o “projeto é a fantasia motivada pela intenção posterior, antecipada, de desenvolver o projeto” (pp. 138) para o qual “tenho que ter alguma ideia da estrutura a ser montada antes de esquematizar um plano” (pp. 139). . O envolvimento da família e do coorientador indica um nível de expectativas elevadas em relação ao intercâmbio, não só para Laura, mas também para aqueles que participaram do planejamento. Essas expectativas que se estendem para além do tempo de permanência no exterior e parecem se relacionar às contribuições que a experiência poderá trazer para o futuro profissional de Laura e de seu coorientador.

Em relação à Sofia, o intercâmbio decorre de uma ação espontânea, motivada pelo momento de efervescência coletiva que o CsF proporcionou para muitos estudantes de graduação. Nesse processo, Sofia foi contagiada por um amigo que também estava pleiteando uma bolsa (“ia se inscrever também e ficou ah vamos vamos”), que a orientou em relação à escolha de países para os quais a língua inglesa não se colocava como uma barreira (“tenta pra Portugal”). No entanto, após o cancelamento das vagas para Portugal, a jovem acaba optando por realizar o intercâmbio na Itália, opção mais acessível no que diz respeito à língua.

A influência de terceiros na decisão pelo intercâmbio também foi preponderante entre os participantes do grupo masculino Sair da caixinha, como apresentado a seguir (passagem: percepções sobre o intercâmbio):

01 Y Qual foi o principal motivo pra participar do Programa CsF 02 Gm Eu caí de paraquedas pra mim pensar em intercâmbio ainda mais financiado pelo Governo 03   era algo tão distante assim, que eu pensava que isso era coisa só pra mestrando doutorando e 04   tal […] aí uma vez chegaram na turma falando ah tem você se inscreveu pro CsF eu não pô 05   ainda tem inscrição aberta quando eu fui ver as inscrições abertas era pra Portugal; Coréia do 06   Sul Japão lugares que assim só Portugal que eu falava a língua né o resto zero chances de eu 07   aplicar (1) aí eu sei que eu apliquei pra Portugal e não sei se você ficou sabendo dessa 08   chamada que foi cancelada a chamada de Portugal 09 Tm Eu acho que eu fui nessa 10 Gm Aí pediram pra eu escolher entre Austrália Reino Unido e Estados aí eu escolhi Reino Unido 11   porque pô eu queria ir pra Europa […] então eles me colocaram para os Estados Unidos (1) e 12   aí pra uma cidade que eu nem escolhi para os Estados Unidos 13 Tm Eu acredito muito eu sou muito católico e eu nesse negócio de CsF ele começou eu -tava 14   numa aula de citologia […] e aí ficava conversando com esse mestrando lá aí ele chegou e 15   falou ah cara tem esse negócio chamado CsF é muito legal bla bla bla bla eu nem dei moral 16   falei assim ah beleza igual ele falou não isso daí é pra galera que tá lá no mestrado 17 Gm Você não pensa que pode acontecer com você tipo você agora graduando assim mal sabe 18 nada da vida assim e ser mandado para o exterior (1) é uma realidade distante assim pra gente 19 Tm Minha dupla é um amigão […] aí nessa época ele chegou e falou pô cara eu me inscrevi no 20   CsF (1) eu não quis nem saber o que era eu só virei e falei pô você vai me deixar sozinho 21   aqui nessa m** (1) aí ele pô hoje é o último dia @se inscreve também@ (2) aí a gente colocou 22   Portugal também porque a gente não tinha certificado de língua nenhum e pronto gente 23   […]aí tinha Alemanha lá cara aí eu acho que é Deus eu não sei eu comecei a pensar 24   assim pô quando vou poder aprender alemão na vida […] eu fui pra Alemanha

A mobilidade acadêmica na graduação era vista como uma realidade “distante” e acessível somente para estudantes da pós-graduação. A expressão “graduando assim, mal sabe nada da vida”, reforça não só a experiência no exterior como algo impensado para suas vidas até então, mas também o desconhecimento de ações e programas desenvolvidos pela universidade que extrapolam a oferta de disciplinas cursadas por eles. Semelhante ao relato de Sofia, os jovens Guadaci e Tino também destacam que a decisão pelo intercâmbio não resultou de uma ação planejada (“cai de paraquedas”), mas sim de um chamamento coletivo (“uma vez chegaram na turma falando”), que chega a ser percebido por um dos participantes como uma providência divina (“eu acredito muito eu sou muito católico”).

A efervescência coletiva produzida com a divulgação do CsF por parte de um mestrando que entrou na sala em que se encontravam os estudantes também é reproduzida pelos jovens durante o grupo de discussão. A narrativa é elaborada de forma interativa e coloquial, compreendendo risadas e, por vezes, a elevação do tom da voz: “eu não quis nem saber o que era eu só virei e falei pô você vai me deixar sozinho aqui nessa m** aí ele pô hoje é o último dia se inscreve também”. Observa-se ainda uma espécie de euforia gerada pela notícia de que aquele era o “último dia” em que poderiam se inscrever no CsF. Nesse sentido, semelhante ao que foi relatado por Sofia, Tino também indicou Portugal como primeira opção (“não tinha certificado de língua nenhum”), mas foi encaminhado para a Alemanha, tendo em vista o cancelamento das bolsas para Portugal. Ao que tudo indica, Guadaci já havia adquirido proficiência na língua inglesa, mas teve seu pedido para o Reino Unido negado e foi enviado para os Estados Unidos sem a possibilidade de decidir para qual lugar (“pra uma cidade que eu nem escolhi”).

No segmento a seguir, os jovens narram como a notícia do intercâmbio foi recebida por suas famílias (passagem: percepções sobre o intercâmbio):

25 Y E vocês tiveram incentivo dos pais de vocês pra fazer intercâmbio? 26 Gm Tive recebi da minha mãe do meu pai não meu pai é muito sei lá desde cedo foi 27   trabalhar a vida toda dele foi dedicada ao trabalho e tudo mais também não teve uma 28   educação assim de qualidade igual minha mãe teve né minha mãe chegou a fazer 29   ensino superior meu pai não […] Então quanto a intercâmbio ele não, que viajar o 30   que não sei o que ficar aqui trabalhar aqui não sei o que não sei o que se forma logo; 31   quanto a minha mãe não no meu tempo eu nunca ia ter uma oportunidade dessa 32   então você -tá tendo uma chance mergulha mesmo vai de cabeça […] 33 Tm Eu como eu não acreditava que eu ia eu não falei pra ninguém […] criar expectativas 34   pra ninguém encher o meu saco aí chegou esse negócio de qualquer forma eu não 35   acreditava (2) aí tá bom aí depois chegou outro e-mail lá com o intimado assim tipo 36   escolha o país aí eu fui conversar (1) com meu irmão porque eu e meu irmão a gente 37   é muito amigo e tal e falei e aí você acha que vale a pena aí ele falou claro que vale 38   você tem que ir e aí eu fui (2) pensar no que eu queria antes de falar com minha mãe 39   (2) porque o meu pai é mais ou menos o que (2) o Guadaci falou mais cabeça-dura 40   cabeça fechada […] aí ela no começo ela não queria e meu pai também não meu pai 41   ah bla bla bla tem que trabalhar formar logo bla bla bla; aí o (amigo dele) começou a 42   falar ah vai ser legal demais aí meu pai ficou @todo empolgado@ não Tino você 43   tem que ir você tem que ir (1) aí a minha mãe depois empolgou também

Para alguns familiares (sobretudo para a figura paterna), o intercâmbio era relacionado a um passeio turístico (“viajar”), um luxo desnecessário e até mesmo uma ameaça aos planos imediatos traçados pela família para os filhos, que consistiam em “ficar aqui [e] trabalhar” para se “formar” o quanto antes. Esse horizonte restrito da figura paterna (“cabeça-dura cabeça fechada”) é associado pelos jovens ao nível de escolaridade mais baixo quando comparado à formação de suas mães (“não teve uma educação assim de qualidade igual minha mãe teve né”). Nesse sentido, não há propriamente um julgamento da incapacidade dos pais em perceberem o retorno a longo prazo que a experiência de estudos no exterior poderá propiciar para a carreira profissional futura de seus herdeiros. Essa dificuldade em realizar apostas em um projeto que não oferece um retorno financeiro imediato, representando mais despesas para a família em função do prolongamento dos estudos, não representa um caso isolado desse grupo. O survey aplicado na primeira etapa da pesquisa apontou que apenas 34,48% dos bolsistas receberam apoio de ambos os pais na realização do intercâmbio.

No caso do estudante Tino, observa-se ainda que a possibilidade concreta do intercâmbio era vista com desconfiança até mesmo por ele (“como eu não acreditava que eu ia, eu não falei pra ninguém”). Ao serem surpreendidos com a notícia de que haviam sido contemplados com uma bolsa do CsF, foi necessário realizar um trabalho de convencimento pelas mães (no caso de Guadaci) ou por outros familiares e amigos (no caso de Tino) para que os pais concordassem com a saída para o exterior e passassem a apoiar o projeto que os filhos haviam traçado de forma inusitada até então.

A experiência no país de intercâmbio

A mobilidade internacional propicia diferentes vivências, tanto na universidade como na vida cotidiana, promovendo contato com diferentes culturas e até mesmo estranhamentos em relação à própria cultura. A mobilidade acadêmica não se restringe ao âmbito universitário, mas engloba um conjunto de experiências. Na passagem a seguir, buscou-se conhecer o que foi mais importante ou o que representou a maior contribuição da experiência internacional na visão das participantes do grupo feminino É Cultural (passagem: percepções sobre o intercâmbio):

18 Y1 E pra vocês qual foi a maior contribuição do intercâmbio 19 Lf (2) Crescimento pessoal 20 Sf Eu diria também (1) crescimento pessoal (1) muito mais do que académico 21 Lf Muito mais que acadêmico nossa nem se compara 22 Sf Não tem comparação e isso na minha opinião hoje em dia eu não diria isso antes talvez 23   mas vale muito mais do que o crescimento acadêmico até porque com o teu 24   crescimento pessoal você vai chegar muito mais longe academicamente também 25 Lf É, ixi com certeza 26 Sf Mas o crescimento pessoal; (3) você aprende muito 27 Lf Sem comparação 28 Sf Como ela falou você aprende a se virar sozinho você (1) aprende a lidar com 29   de –tá em um lugar diferente com essa questão das diferenças em si de você se adaptar 30   a questão a novas situações 31 Lf É 32 Sf Aos novos desafios né 33 Lf Respeitar os outros também 34 Sf É a ser mais tolerante também 35 Lf Ser mais tolerante 36 Sf A ser mais talvez ter mais empatia porque você já sabe que o outro pode ser diferente 37 Lf Uhum 38 Sf Mas eu diria também mais crescimento pessoal e dessa coisa de você por exemplo você 39   eh (1) tem que aprender um outro idioma (1) mas não tem jeito você tem que 40   aprender; porque que você tá lá 41 Lf É 42 Sf Então assim você tem que se virar e você tem que realmente fazer tudo naquele idioma 43 Lf └Uma hora você precisa 44 Sf se comunicar se adaptar aos costumes das pessoas que -tão ali sabe 45 Lf É 46 Sf Então eh eu acho que é muito crescimento pessoal realmente 47 Lf É porque o intercâmbio é viver né então se (1) você não crescer assim como pessoa (1) 48   @tem alguma coisa de errado@ você ficou numa bolha né

Nessa passagem, a discussão altamente interativa em torno do tema é marcada por uma intensa troca de turnos, nos quais as pausas, as palavras ou as frases pronunciadas de forma enfática ou em tom elevado, geralmente ratificando e complementando a fala anterior, denotam um elevado grau de concordância em relação ao significado e à importância que essa experiência trouxe para suas vidas. As palavras “crescimento” e “crescer” foram empregadas sete vezes pelas jovens, que as associam a enriquecimento pessoal e acadêmico. Adaptar-se a “novas situações”, “novos desafios”, “costumes das pessoas”, “respeitar”, “ser mais tolerante” e “ter mais empatia” também emerge como grande aprendizado e contribuição da vivência em um outro país.

Laura utiliza ainda a metáfora “bolha”, referindo-se possivelmente aos bolsistas do CsF que não foram capazes de se abrir para novas experiências e aprendizados no que diz respeito às relações interpessoais. A “bolha” representa o fechar-se em si ou no grupo de estudantes brasileiros que foram para o exterior, não permitindo o encontro com o outro, o diferente. Já o sair da “bolha” possibilita a abertura para o novo, o desconhecido. O resultado dessa experiência trouxe, entre outros, maior autonomia, independência, empatia e respeito ao diferente.

Por estarem situadas no campo das relações interpessoais, as jovens associam a aquisição dessas competências ao enriquecimento pessoal e não tanto ao crescimento no campo acadêmico e à importância dessas predisposições nas relações profissionais e de trabalho. No entanto, é justamente esse “crescimento pessoal” que permitirá “chegar muito mais longe academicamente também”, ou seja, a superação de desafios como a dificuldade de comunicação em um ambiente desconhecido se constitui em um estoque de experiências, nos termos de Alfred Schütz (Wagner, 1979Wagner, H. R. (Org.) (1979). Fenomenologia e relações sociais: textos escolhidos de Alfred Schutz. Zahar.), que poderá ser acionado futuramente em distintos contextos, não só no âmbito pessoal e acadêmico.

De forma semelhante, o grupo masculino Sair da caixinha compreende a experiência no exterior como transformadora de pensamentos e atitudes, que ampliou suas visões de mundo, seus conhecimentos sobre si e sobre o próximo, como demonstrado no segmento a seguir (passagem: percepções sobre o intercâmbio):

44 Y1 Vocês poderiam falar um pouco sobre o que mais foi importante durante o 45   intercâmbio o que mais marcou 46 Gm Ah o fato de eu ter conhecido minha esposa lá […] mas também ver como as coisas 47   funcionam fora do Brasil você não tem noção do quanto a gente pensa fechado eh 48   assim não pensa fora da caixinha quando você tá no seu país assim eh eu saí daqui 49   sei lá cheio de preconceitos e tal; e é incrível como o intercâmbio é capaz de mudar 50   uma pessoa sabe tipo lá você vai ter aula com mulçumano você vai ter aula com 51   hindu você vai ter aula com pessoas assim das mais diversas crenças e religiões e 52   tudo mais e você ver que eh que não necessariamente um deles vai ter que tá certo e 53   tudo mais você ver o quanto você era cabeça fechada pra certas coisas aceitar certos 54   comportamentos ou não e assim lá é um tapa na cara pra uma pessoa com mente 55   pequena é um tapa na cara mesmo assim então isso foi muito bom pra mim 56 Tm Eh pra mim (1) o mais importante, acho que foi de cunho pessoal porque 57   normalmente você fica muito sozinho também (1) e aí você pensa pensa e repensa e 58   (2) pensa sobre a vida e melhora piora e vai mudando então isso pra mim é o mais 59   importante das experiências que eu tive lá pra pessoa que eu me tornei […] mas a 60   coisa que mais aprendi lá é o respeito e a preocupação com o próximo porque 61   mesmo os alemães sendo malucos e fechados e não falando com você se eles veem     que você tá precisando de ajuda eles vão te ajudar

A metáfora da “cabeça fechada”, utilizada anteriormente para definir o horizonte restrito da figura paterna, é agora empregada pelos jovens para definirem a si próprios em relação à limitação pessoal/cultural (“não pensa fora da caixinha”) e aos “preconceitos” que carregavam consigo (“pessoa com mente pequena”). Estar em sala de aula com “muçulmanos”, “hindus” ou com pessoas “das mais diversas crenças e religiões” fez com que percebessem que não existe “necessariamente” uma pessoa que está “certa” e outros que estão errados. Esse aprendizado é definido por Guadaci de forma enfática e em tom elevado de voz como um “tapa na cara”. No entanto, a expressão utilizada pelo jovem não remete a um insulto, mas à oportunidade de ampliar seus horizontes e seus relacionamentos interpessoais com pessoas pertencentes a distintos países, crenças e culturas (“isso foi muito bom pra mim”). Embora mencionado apenas de forma abreviada, a abertura para o outro fez com que o jovem também conhecesse sua esposa, de origem norte-americana, durante o intercâmbio.

Para Tino, o crescimento pessoal proporcionado pelo intercâmbio é associado, sobretudo, aos momentos de isolamento que o levaram a se conhecer melhor, a “pensar” e a “repensar” sua própria vida. Enquanto Guadaci destaca a convivência com outros estrangeiros, as reflexões de Tino se dirigem mais à população autóctone, definida por ele como “malucos” e “fechados” que conversam pouco com estrangeiros, mas que, ainda assim, não se eximem de prestar serviços a uma pessoa que não faz parte do convívio próximo (“precisando de ajuda eles vão te ajudar”).

Perspectivas profissionais e projetos de futuro

Os dados oriundos do survey aplicado para bolsistas oriundos do ensino médio público, apontaram, entre outros, o desejo de dar continuidade aos estudos por meio do ingresso na pós-graduação (51%), tanto no exterior (30%) como no Brasil (21%). Nesse sentido, retomamos o tema nos grupos de discussão, com o objetivo de conhecer em profundidade o processo de construção desses projetos e de analisar em que medida o intercâmbio no exterior contribuiu para a ampliação ou não de suas perspectivas profissionais e seus projetos de futuro.

Para o grupo feminino, a experiência no exterior foi decisiva tanto para o desenvolvimento de novos horizontes em relação ao futuro como para a redefinição de projetos previamente determinados, conforme narrado a seguir (passagem: projetos de futuro):

49 Y1 E o que vocês pensam em fazer após a graduação seus projetos futuros 50 Lf Ah; eu vou bem sincera eu tenho vontade de passar em um concurso bom assim né […] eu 51   quero ser feliz ter qualidade de vida ficar perto de quem eu amo acho que isso é sei lá é 52   minha meta sabe 53 Sf Bom eu ainda não tenho certeza mas eu acho que se eu tivesse uma outra oportunidade de 54   voltar, eu acho que eu voltaria principalmente se fosse pra fazer um mestrado né fazer uma 55   pós uma bolsa de estudo nesse sentido até mesmo um emprego mas eu acho que é um 56   pouco mais difícil uma oportunidade de emprego assim direto 57 Lf Uma coisa que você falou em mestrado quando eu fui ◦pro intercâmbio né◦ eu era doida em 58   continuar minha vida acadêmica eu era tipo sei lá fazia Pet, Pibic, eu já pensava em tudo 59   tinha tudo assim 60 Sf Planejado 61 Lf Planejado vou fazer mestrado (1) só que quando eu fui pra lá eu vi que tipo assim mestrado 62   é um título muito latino […] e aí quando eu voltei (1) @eu percebi@ que também na minha 63   área não tem muito peso aqui pra emprego assim a não ser que você continue até o 64   doutorado; (1) assim a sua vida acadêmica mas o mestrado; eu acho que me desiludi 65 Sf O meu foi um pouco ao contrário […] assim não sei eu acho que é porque: eu já tinha meio 66   que assim eu pensava eu acho que talvez eu pensava assim nossa é o máximo que eu vou 67   chegar é na universidade; assim 68 Lf Ah ah ta aí você viu um 69 Sf Aí eu vi um 70 Lf Um outro mundo 71 Sf Um outro mundo aí tipo assim eu pensei assim nossa caramba eu -tô em uma universidade 72   pública eu sou a primeira da minha família; a entrar em uma universidade pública 73 Lf É 74 Sf Então assim pra mim já era tipo assim nossa sabe eu consegui muita coisa pra minha família 75   assim pra minha avó […] 76 Lf └Orgulho 77 Sf Então assim eu sou a única que faço universidade pública […] aí então assim isso pra mim 78   já era muito então assim nunca pensei assim ah vou fazer um mestrado; eu achava assim que 79   eu tinha que dar que eu tinha que conseguir a meta vou tentar me formar e conseguir um 80   bom emprego e assim isso já vai ser muito na minha família 81 Lf └Formar 82 Sf assim agora eu já não acho assim eu acho que se eu tiver a oportunidade de continuar; de ter 83   um mestrado de dar uma continuação aos estudos eu acho que abraçaria essa oportunidade 84   tanto aqui quanto fora (1) e emprego também claro mas assim eu não sou muito focada em 85   concurso eu não sei eu acho que concurso vai acabar me prendendo aqui; eu acho que 86   queria me sentir livre

O tema é novamente elaborado por Laura e Sofia por meio da troca constante de turnos, em um exercício de sintonização e complementação, incluindo até mesmo a construção coletiva de enunciados: “aí você viu (Lf) – aí eu vi um (Sf) – um outro mundo (Lf) – um outro mundo (Sf)”. Essa construção coletiva de uma experiência partilhada em comum aponta para uma concordância habitual entre as duas jovens no que diz respeito à orientação central ou ao significado do intercâmbio. Ver “um outro mundo” possibilitou reorientação e recolocação de suas prioridades em relação aos projetos após a conclusão da graduação, que ocorreu de forma distinta para as estudantes. Laura sempre buscou participar de projetos, tais como o Programa de Educação Tutorial (PET) e o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic), com o intuito de ingressar na pós-graduação. No entanto, após sua experiência de intercâmbio, não vislumbra mais a continuidade dos estudos por meio do mestrado que, em sua opinião, é um “título muito latino” e sem “muito peso” para o mercado de trabalho. Para a jovem, “passar em um concurso”, independentemente de estar ou não associado à sua formação inicial, tornou-se mais relevante para suas “metas” futuras que consistem em “ser feliz, ter qualidade de vida [e] ficar perto” das pessoas com as quais possui relações afetivas.

Apesar de Laura ter sido a estudante que mais recebeu incentivo da família e até mesmo orientação de professores da universidade no processo de escolha do país e da universidade para a realização do intercâmbio, a experiência de ficar longe dos familiares provocou uma redefinição de suas prioridades: encontrar um trabalho que possibilite o convívio próximo com sua família tornou-se mais relevante do que a busca por profissionalização no campo das ciências naturais. No caso de Sofia, que sem um planejamento prévio decidiu se inscrever no CsF e optou por realizar o intercâmbio na Itália, a experiência no exterior produziu um efeito “contrário”, ou seja, abriu seu horizonte para possibilidades que ainda não faziam parte de seu universo em função de sua origem familiar. Para a jovem, “chegar” na universidade pública e frequentar um curso de engenharia, por si só, já representava motivo de orgulho para a estudante e sua família. No entanto, a oportunidade de estudar no exterior e o convívio com outras realidades e com outras culturas fizeram com que Sofia conhecesse “um outro mundo”, que não era imaginado por ela nem por sua família. Nesse sentido, a jovem está aberta para novas experiências, tanto para cursar pós-graduação no Brasil ou no exterior como em relação à oferta de trabalho (“e emprego também claro”). Não almeja realizar concurso público porque isso a prenderia ao contexto em que vive, o que não é desejado por ela, tendo em vista que pretende se “sentir livre”.

No grupo masculino, a discussão sobre projetos de futuro apresenta planos mais concretos quando comparados aos do grupo feminino, tendo em vista que um dos jovens já havia concluído a graduação e o outro estava em fase de conclusão (passagem: projetos de futuro):

62 Y1 Vocês poderiam agora falar sobre projetos futuros o que pretendem fazer após a graduação 63 Gm […] faz dois anos e meio que estou lá nessa empresa (1) gosto muito dela me dou muito 64   bem com o pessoal de lá mas tenho sim meus projetos pessoais então (1) pretendo entre 65   alguns anos tá lançando meu aplicativo que eu venho trabalhando aí e é isso aí (1) projeto 66   acadêmico assim eu acho que eu não tenho intenção pra agora de fazer o mestrado formei 67   semestre passado […] seguir a vida acadêmica eu acho que por enquanto não é o que eu -tô 68   querendo gosto de lecionar acho muito bacana mas na minha área se você for seguir pós- 69   graduação é mais se você quiser ser professor […] pro mercado de trabalho não tão olhando 70   muito pra se você tem mestrado nisso ou doutorado nisso eles querem o cara que sabe fazer 71   […] 72 Tm Eh eu -tô formando agora então a cabeça tá um turbilhão de coisa saber o que vai fazer se 73   eu vou ficar aqui se eu vou voltar pra pra minha cidade ou eu queria ter coragem de ir, mas 74   eu não tenho coragem de ir embora […] porque o CsF a gente tinha a gente tinha todo 75   apoio por trás querendo ou não a gente tinha a data pra voltar a gente tinha o Governo que 76   podia ajudar a gente a gente tinha outros brasileiros a gente tinha a universidade e agora se 77   eu for embora eu vou tá sozinho […] então (1) atualmente é o que eu vejo me especializar 78   em endodontia na odontologia e com fé em Deus passar num bombeiro que aqui no Brasil 79   (1) eu acho que não tem outro jeito no país que a gente vive ainda mais em Cidade XX o 80   concurso público é uma saída

Diferente do grupo feminino, os discursos produzidos pelos jovens deste grupo ocorrem de modo paralelo, ou seja, a narração se dá de forma sequenciada e o turno, após a pergunta da entrevistadora, é quase sempre tomado por Guadaci. Tino raramente interrompe a narrativa de Guadaci e vice-versa. No entanto, o modo de organização distinto do discurso produzido pelos jovens do gênero masculino não significa que não existam homologias entre as experiências vividas e uma sintonização ou uma concordância habitual quanto ao significado delas. No que diz respeito às perspectivas profissionais e aos projetos de futuro, Guadaci já apresenta resultados decorrentes do intercâmbio realizado na área de informática nos Estados Unidos. O jovem foi contratado por uma empresa em função dos conhecimentos adquiridos durante o intercâmbio: “lá eu aprendi uma linguagem de programação […] quando eu voltei em janeiro aí apliquei para estágio em fevereiro eu já tava estagiando […] e me falaram que oh o motivo que você entrou aqui foi que você fez a prova e você fez a prova na linguagem que a gente usa aqui entendeu e foi justamente o que eu aprendi lá” (passagem: contribuições do intercâmbio).

Guadaci também esboça seus planos para o futuro, entre outros, lançar o “aplicativo” no qual está “trabalhando”. A experiência no exterior proporcionou ao jovem o alcance de sucesso tanto no mercado matrimonial como profissional, com frutos a serem ainda colhidos após o lançamento do produto que está sendo desenvolvido por ele. Tino revela ainda não saber o que fazer após a conclusão do curso de graduação (“a cabeça tá um turbilhão de coisa”). Não sabe se permanecerá na cidade em que reside atualmente ou se voltará para a cidade em que vivem seus pais. Indica que lhe falta “coragem” para ir “embora”, ou seja, para sair novamente do país sem o apoio do “Governo”, da “universidade” ou de “outros brasileiros” (“se eu for embora eu vou tá sozinho”). Entre as perspectivas elaboradas em um horizonte mais próximo e seguro, o caminho da especialização e a aprovação em um concurso para o corpo de bombeiros com a possibilidade de exercer a profissão de dentista aparecem como possibilidades passíveis de serem concretizadas.

Nesse sentido, as perspectivas de futuro de Tino guardam alguma semelhança com as traçadas por Laura no que diz respeito à busca por segurança financeira que é oferecida no serviço público (“eu acho que não tem outro jeito no país que a gente vive”). No entanto, Tino não associa essa escolha à possibilidade de “ser feliz [e] ter qualidade de vida” tal como Laura o faz.

Mobilidade estudantil no âmbito do programa CsF: algumas considerações sobre a origem escolar

De acordo com Zago (2006, pp. 236)Zago, N. (2006). Do acesso à permanência no ensino superior: percursos de estudantes universitários de camadas populares. Revista brasileira de educação, 11(32), 226-237. http://doi.org/10.1590/S1413-24782006000200003
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, ainda necessitamos “entender as transformações nas demandas e nas práticas escolares, assim como o perfil dos estudantes na sociedade contemporânea”. Nesse sentido, torna-se relevante pesquisar as trajetórias desses estudantes que não só alcançaram longevidade escolar por meio do acesso à educação superior pública em cursos de maior seletividade, mas também participaram de uma experiência de internacionalização que é mais recorrente entre estudantes das camadas médias e altas (Nogueira, 1998Nogueira, M. A. (1998). Uma dose de Europa ou Estados Unidos para cada filho. Pro-posições, 9(1), 113-131.; Nogueira et al., 2008Nogueira, M. A., Aguiar, A. M. D. S., & Ramos, V. C. C. (2008). Fronteiras desafiadas: a internacionalização das experiências escolares. Educação & Sociedade, 29(103), 355-376. http://doi.org/10.1590/S0101-73302008000200004
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).

Estudos sobre o CsF que se detiveram à análise da origem social, familiar e educacional dos bolsistas destacam que estudantes oriundos do ensino médio privado, provenientes de famílias com poucos filhos e com pais mais escolarizados exercendo profissões de maior prestígio social e retorno financeiro tiveram maiores chances de serem contemplados com bolsa (Feltrin et al., 2021Feltrin, R. B., Santos, D. F. D., & Velho, L. M. L. S. (2021). O papel do Ciência sem Fronteiras na inclusão social: análise interseccional do perfil dos beneficiários do programa na Unicamp. Avaliação: Revista da Avaliação da Educação Superior, 26(1), 288-314. https://doi.org/10.1590/S1414-40772021000100016
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; Gomes, 2020Gomes, C. B. T. (2020). O efeito do capital escolar no acesso ao programa Ciência sem Fronteiras. ETD: Educação Temática Digital, 22(2), 336-353. http://doi.org/10.20396/etd.v22i2.8654654
https://doi.org/10.20396/etd.v22i2.86546...
; Lopes, 2020Lopes, A. (2020). International mobility and education inequality among Brazilian undergraduate students. Higher Education, 80, 779-796. https://doi.org/10.1007/s10734-020-00514-5
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). Ainda sobre a correlação entre capital escolar e o acesso ao programa por mulheres, Feltrin et al. (2016)Feltrin, R. B., Costa, J. O. P., & Velho, L. (2016). Mulheres sem fronteiras? Uma análise da participação das mulheres no Programa Ciência sem Fronteiras da Unicamp: motivações, desafios e impactos na trajetória profissional. Cadernos Pagu, 48, 1-36. https://doi.org/10.1590/18094449201600480004
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, com base em pesquisas realizadas na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), salientam que as estudantes que lograram ultrapassar a barreira de gênero, tornando-se mulheres sem fronteiras, também haviam cursado a maior parte do ensino básico em escolas privadas. Os estudos citados reforçam o que já vem sendo discutido por outros pesquisadores no campo da Sociologia da Educação, ou seja, que a busca por distinção na trajetória escolar e acadêmica oferecida, entre outros, pelas experiências de estágio e intercâmbio internacional ocorre principalmente entre as famílias com maior capital econômico (Aguiar, 2009Aguiar, A. (2009). Estratégias educativas de internacionalização: uma revisão da literatura sociológica. Educação e Pesquisa, 35(1), 67-79. https://doi.org/10.1590/S1517-97022009000100005
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; Nogueira, 1998Nogueira, M. A. (1998). Uma dose de Europa ou Estados Unidos para cada filho. Pro-posições, 9(1), 113-131.; Nogueira et al., 2008Nogueira, M. A., Aguiar, A. M. D. S., & Ramos, V. C. C. (2008). Fronteiras desafiadas: a internacionalização das experiências escolares. Educação & Sociedade, 29(103), 355-376. http://doi.org/10.1590/S0101-73302008000200004
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).

Na universidade em que aplicamos o survey, também identificamos um percentual maior de bolsistas oriundos de escolas privadas. No entanto, identificamos ainda outros fatores referentes ao contexto social que podem dificultar ou impedir a participação de estudantes de classes menos favorecidas em programas de mobilidade acadêmica. Nos grupos de discussão realizados, verificou-se que a decisão de pleitear uma bolsa do CsF não ocorreu no âmbito familiar, mas foi motivada por outros colegas. Observaram-se posições contrárias ao intercâmbio por parte de pais com menor escolaridade. Nesse sentido, enquanto o intercâmbio é percebido pelas famílias de renda média e alta como um diferencial na formação acadêmica e profissional de seus filhos, nas camadas populares, em alguns casos, é visto como uma viagem turística e como um fator de atraso na conclusão do curso de graduação e na entrada no mercado de trabalho.

A fragilidade do capital escolar, atestada pela ausência de proficiência em idioma estrangeiro, também constituiu um tema de pesquisa no âmbito do CsF. Borges (2015)Borges, R. A. (2015). A interseccionalidade de gênero, raça e classe no Programa Ciência sem Fronteiras: um estudo sobre estudantes brasileiros com destino aos EUA [Dissertação de Mestrado Profissional em Educação, Universidade de Brasília]. Repositório Institucional UnB (RIUnB). https://repositorio.unb.br/handle/10482/204430
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e Borges e Garcia-Filice (2016)Borges, R. A., & Garcia-Filice, R. C. (2016). A língua inglesa no Ciência sem Fronteiras: paradoxos na política de internacionalização. Interfaces Brasil/Canadá, 16(1), 72-101. evidenciam que estudantes do ensino privado com sólida formação na língua inglesa durante a educação básica tiveram menos dificuldades durante o intercâmbio pelo CsF. Os grupos de discussão realizados por nós também demonstram que a falta de domínio do inglês constituiu uma barreira na realização da mobilidade acadêmica e limitou as opções de escolha do país de intercâmbio. Não obstante, a lacuna na formação em língua estrangeira pode motivar o desenvolvimento de estratégias para a superação dos desafios linguísticos que afetam as relações interpessoais. As jovens do grupo feminino relatam não só dificuldades com o idioma do país de intercâmbio, mas também com os mecanismos adotados para o aprendizado da língua com a ajuda de nativos.

Para os jovens dessa pesquisa, a mobilidade acadêmica não partiu de um projeto pessoal ou familiar, mas de uma oportunidade inesperada, proporcionada por uma chamada em larga escala. Durante esse processo, foi necessário superar algumas barreiras de ordem pessoal ou organizacional, como a descrença no processo seletivo, o desconhecimento de programas de intercâmbio para estudantes de graduação, o baixo suporte familiar e as dificuldades com a língua estrangeira. No entanto, superadas essas barreiras, as contribuições da experiência internacional ultrapassaram o âmbito acadêmico e mudaram suas formas de ser e estar no mundo. A vivência no exterior contribuiu para a mudança de atitudes e valores, bem como para a ampliação ou mudança dos projetos de futuro. Enquanto “ganho pessoal”, os jovens destacam que a experiência repercutiu na vida como um todo, tanto no âmbito acadêmico como profissional.

Considerações finais

O estudo permitiu compreender a mobilidade acadêmica como importante estratégia de internacionalização, prevista na meta 12.12 do Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024 com o objetivo de “consolidar e ampliar programas e ações de incentivo à mobilidade estudantil e docente em cursos de graduação e pós-graduação, em âmbito nacional e internacional, tendo em vista o enriquecimento da formação de nível superior” (Lei nº 13.005, 2014Lei n.º13.005 (2014, 15 de junho). Aprova o Plano Nacional de Educação–PNE e dá outras providências. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm
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). No contexto desta pesquisa, verificou-se que a experiência internacional representou um diferencial na trajetória de estudantes de graduação, o que nos remete à necessidade de novos estudos sobre o efeito da mobilidade acadêmica a médio e longo prazo. Significa afirmar que políticas públicas voltadas para a mobilidade acadêmica, como o programa CsF, devem contemplar o acompanhamento e a avaliação sistemática como uma importante ferramenta a ser inserida nos recursos destinados.

Embora o PNE não estipule percentuais de estudantes e professores a serem alcançados nos programas de mobilidade acadêmica, destaca-se a necessidade de ações e programas que possam considerar aspectos que antecedem a saída para o exterior e que foram, em grande parte, negligenciados pelo CsF bem como pelas universidades brasileiras. Dentre outros, ressaltamos a preparação em relação à língua e à cultura do país de intercâmbio, o estabelecimento de redes e parcerias entre a universidade de origem e a universidade de intercâmbio, assim como o fortalecimento de associações de ex-bolsistas que possam partilhar suas experiências e colaborar na preparação de futuros bolsistas, especialmente daqueles que, pela primeira vez em suas vidas, passarão pela experiência de morar no exterior e não terão o apoio de suas famílias.

  • 2
    Normalização, preparação e revisão textual: Andreza Silva (Tikinet) – revisao@tikinet.com.br
  • 3
    Apoio: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq e Universidade de Brasília – UnB (auxílio financeiro).
  • 4
    No original: “the process of integrating an international, intercultural or global dimension into the purpose, functions or delivery of post-secondary education”.
  • 5
    Segundo Iesalc (2019), no contexto global (2012 a 2017), o quantitativo de estudantes que participaram de programas de mobilidade acadêmica passou de 4 a 5 milhões. No mesmo período, o número de estudantes em circulação na América Latina passou de 258 mil a 312 mil.
  • 6
    Observação: Dados atualizados até dezembro de 2015.
  • 7
    Registramos aqui nossos agradecimentos à equipe que participou da pesquisa, sobretudo aos bolsistas de iniciação científica Bruno Fernandes de Matos, Geiziane Silva de Oliveira, Luiza Tuler Veloso e Lucas Rodrigues Rocha.
  • 8
    Para a realização dessa etapa da pesquisa, foi construído um novo questionário alocado na Plataforma LimeSurvey e enviado a 2.117 bolsistas de uma universidade da Região Centro-Oeste. Obteve-se um retorno de 87 estudantes que responderam ao questionário e que atenderam ao requisito de ser estudante oriundo de escola pública durante o ensino médio, dos quais 38 estudantes eram do gênero feminino e 49 do gênero masculino.
  • 9
    A Etnometodologia, a Sociologia da Cultura de Pierre Bourdieu e a Iconologia de Erving Panofsky também foram importantes no desenvolvimento desse procedimento, sendo que a contribuição desse último autor foi especialmente importante na adaptação do Método Documentário para a análise de imagens.
  • 10
    No escopo deste artigo, não foi possível apresentar em detalhes as distintas etapas de análise do Método Documentário. Para maior aprofundamento, sugerimos consultar as referências sobre o Método Documentário em português e inglês indicados no final do livro “Pesquisa Social Reconstrutiva” (Bohnsack, 2020Bohnsack, R. (2020). Pesquisa Social Reconstrutiva: Introdução aos métodos qualitativos. Vozes., pp. 403-412).
  • 11
    As respectivas nomeações de cada grupo, É cultural e Sair da caixinha, representam as metáforas de foco, isto é, os pontos comuns que tiveram uma densidade interativa entre os participantes do grupo de discussão (Bonhsack, 2020Bohnsack, R. (2020). Pesquisa Social Reconstrutiva: Introdução aos métodos qualitativos. Vozes.).
  • 12
    Os e as participantes dos grupos de discussão receberam nomes fictícios.
  • 13
    Principais códigos utilizados: (.) pausa curta; (2) pausa e tempo de duração; falas iniciadas antes da conclusão da fala de outro jovem; ; (ponto e vírgula = leve diminuição do tom da voz); . (ponto = forte diminuição do tom da voz); , (vírgula = leve aumento do tom da voz); ? (interrogação = forte aumento do tom da voz); exem- (submissão de parte da palavra); assim=assim (pronúncia de forma emendada); exemplo ou exemplo (pronúncia de forma enfática); exemplo ou EXEMPLO (pronúncia em tom de voz elevado); °exemplo° (pronúncia em voz baixa); (exemplo) = palavra ou frase entre parêntesis que não foram totalmente compreendidas); @exemplo@ (pronúncia entre risos). Para maiores detalhes, ver também Weller (2006)Weller, W. (2006). Grupos de discussão na pesquisa com adolescentes e jovens: aportes teórico-metodológicos e análise de uma experiência com o método. Educação e pesquisa, 32, 241-260. e Bohnsack (2020)Bohnsack, R. (2020). Pesquisa Social Reconstrutiva: Introdução aos métodos qualitativos. Vozes..
  • 14
    Neste estudo, considerando o fato de havermos realizado apenas quatro grupos de discussão, não foi possível desenvolver a construção de tipos, última etapa do Método Documentário.
  • 15
    De acordo com Alfred Schütz (apud Wagner, 1979Wagner, H. R. (Org.) (1979). Fenomenologia e relações sociais: textos escolhidos de Alfred Schutz. Zahar.), o “projeto é a fantasia motivada pela intenção posterior, antecipada, de desenvolver o projeto” (pp. 138) para o qual “tenho que ter alguma ideia da estrutura a ser montada antes de esquematizar um plano” (pp. 139).

Referências

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Editor responsável: Helena Maria Sant’Ana Sampaio Andery. https://orcid.org/0000-0002-1759-4875

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    13 Maio 2020
  • Revisado
    18 Nov 2021
  • Aceito
    04 Fev 2022
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