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Trajetórias de trabalho: empregos precários e inserções provisórias 2 2 Editor responsável: André Luiz Paulilo https://orcid.org/0000-0001-8112-8070 3 3 Normalização, preparação e revisão textual: Ana Carolina López (Tikinet) – revisao@tikinet.com.br 4 4 Apoio: CAPES/CNPq

Resumo

Os trânsitos juvenis são significativos para pesquisar as reconfigurações que tomam corpo no mundo contemporâneo, em suas diversas esferas sociais. A juventude é o contingente social mais diretamente exposto aos dilemas de nossa sociedade, e hoje são expressivas as taxas de desemprego entre os jovens no país. Além das barreiras para ingressar e se manter em um primeiro emprego, são ainda maiores as dificuldades encontradas para permanecer em um emprego digno e protegido. Os dados também evidenciam que a informalidade se apresenta mais elevada nesse grupo quando comparado ao grupo dos adultos. Já em condição de emprego formal, é notória a presença dos jovens em ocupações de maior rotatividade e inserções provisórias. Nesse sentido, com o objetivo de desvelar os percursos laborais construídos por parte da juventude trabalhadora brasileira, este trabalho pretende, por meio de singulares trajetórias e triangulando conjuntamente com bases de dados nacionais, analisar duas formas de inserção no trabalho: o primeiro emprego por meio da lei da aprendizagem e o emprego no setor de telemarketing. Os percursos juvenis analisados contribuíram para que as formas flexíveis de emprego constituam uma porta de acesso ao exercício de uma atividade remunerada. Todavia, a grande transformação que se verifica nos últimos anos reside no fato de que tanto os empregos precários como as novas formas de subemprego – aprendizes e os operadores de telemarketing – assumem cada vez menos uma ponte para a estabilidade empregatícia. Para muitos jovens, esse tipo de trabalho deixou de ser um acontecimento biográfico pontual, passando a um modo de vida.

Palavras chave
trajetórias; juventude; trabalho; jovem aprendiz; telemarketing

Abstract

Youth pathways are significant for studying the reconfigurations that happen in the contemporary world, in its various social spheres. Youth is the social contingent most directly exposed to the dilemmas of our society, and nowadays unemployment rates among young people in the country are expressive. In addition to the barriers to entering and keeping a first job, the difficulties they face to remain in a decent and protected job are even greater. The data also show that informality is higher in this group when compared to the group of the adults. Regarding the condition of formal employment, the presence of young people in occupations with greater turnover and temporary entries is notorious. In this sense, aiming at unveiling the pathways of work built up by part of the Brazilian working youth, this study intends, by using singular paths and jointly triangulating with national databases, to analyze two forms of entry in the job market: the first job through the youth apprenticeship law and employment in the telemarketing sector. The young people pathways analyzed contributed to the flexible forms of employment being a gateway to the exercise of a paid activity. However, the great transformation that has occurred in recent years lies in the fact that both precarious jobs and new forms of underemployment – apprentices and telemarketing operators – assume less and less the form of a bridge leading to job stability. For many young people, this type of job stopped being a particular biographical event to become a way of life.

Keywords
pathways; youth; work; youth apprentice; telemarketing

Considerações iniciais

Tratando-se da condição juvenil em particular, as primeiras duas décadas século XXI são marcadas por alguns avanços e contradições. Se analisarmos a conformação do mercado de trabalho no final da primeira década, pode-se perceber uma expressiva queda na taxa de desemprego; aumento do emprego formal e protegido pela legislação; redução do peso do trabalho doméstico na absorção dos jovens e também diminuição do trabalho não remunerado5 5 Para um maior aprofundamento, ver Baltar et al., 2010. . Por outro lado, os dados também demonstram que ainda era alta a taxa de informalidade comparada aos adultos, e que a elevação do emprego observada no período entre 2004 e 20086 6 Ainda assim, para o segmento dos jovens, as principais melhorias do mercado de trabalho brasileiro nesse período foram a queda do desemprego e o aumento do emprego formalizado. Além disso, foi reduzido o peso do trabalho doméstico na absorção dos jovens e o trabalho não remunerado (Baltar et al., 2010). não alterou significativamente a situação de desemprego entre os jovens, segmento mais desempregado entre os grupos etários.

Por sua vez, as alterações recentes do mercado de trabalho brasileiro não atingem de forma homogênea toda a juventude, tampouco a juventude trabalhadora brasileira (Silva, 2012Silva, J. H. (2012). Juventude trabalhadora brasileira: percursos laborais, trabalhos precários e futuros (in)certos [Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas]. Repositório Unicamp. https://repositorio.unicamp.br/acervo/detalhe/876607
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). O território geográfico, a classe social, o sexo e a cor/raça, entre outros fatores, tornam o desemprego juvenil plural, como afirmou Corrochano (2011)Corrochano, M. C. (2011). Trabalho e educação no tempo da juventude: entre dados e ações públicas no Brasil. In F. C. Papa, & M. V. Freitas (Orgs.), Juventude em pauta: políticas públicas no Brasil (pp. 45-72). Peirópolis.: “assim, como são as juventudes, também são vários os desempregos de jovens, o que fica perceptível tanto nos dados estatísticos quanto nas representações dos sujeitos que vivenciam essa situação” (p. 52).

Considerando o local de moradia, a Região Metropolitana de Salvador (RMS) se apresenta frequentemente como uma das regiões brasileiras com maior taxa de desemprego entre jovens, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2020)Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2020). PNAD Contínua: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua. Gov.br. https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/17270-pnad-continua.html?=&t=o-que-e
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/soc...
, por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua)7 7 Segundo a PNAD Contínua Trimestral, no 1° trimestre de 2020 a RMS apresentou taxa de desocupação de 38,5% para os jovens de 18 a 24 anos, a quarta maior taxa entre as RMs pesquisadas (IBGE, 2020). . O jovem da RMS, embora esteja inscrito num espaço com esmagadora maioria negra, além de precisar lidar com sua própria condição juvenil, vivencia as barreiras raciais de acesso ao mercado de trabalho. Assim, o trabalho como importante espaço da vida em sociedade, como um território importante de trajetórias, se configura, em grande medida, no lugar em que as pessoas vão ocupar na hierarquia social. Conforme evidenciam os dados, a taxa de desemprego entre os jovens negros é (e sempre foi) maior que a dos não-negros. Além de os negros constituírem, em todas as faixas etárias, o grupo com maior taxa de desemprego comparado com a dos não-negros, também ocupam os lugares com maior índice de precariedade.

É importante frisar que o mercado de trabalho na Região Metropolitana de Salvador é caracterizado por uma alta taxa de desemprego em todos os grupamentos de idade. Segundo dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a taxa de desemprego da população de 14 anos de idade e mais, em 2017, na RMS, era de 24,1%, a maior dentre as regiões pesquisadas, e 12,9 pontos percentuais superior à região metropolitana de Porto Alegre (que possui a menor taxa). Mesmo assim, realizando uma análise pela ótica etária, o comportamento nos diferentes grupos de idade apresenta uma queda na taxa de desemprego com o passar dos anos, de forma que, dentre as pessoas de 16 a 24 anos, a taxa de desemprego era de 49,7%, enquanto nas pessoas de 40 a 49 anos esse valor caía para 16,3%. Esse desempenho é persistente ao longo dos anos: em 2007 a taxa de desocupação total da RMS foi de 21,7%, enquanto nos jovens de 16 a 24 anos atingia a casa de 39,1%; já para os adultos de 40 a 49 anos, esse total era de 13,4% (Dieese, 2017bDepartamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. (2017b). Boletim síntese metropolitana: mercado de trabalho nas regiões metropolitanas em 2017. Dieese. https://www.dieese.org.br/analiseped/2017/2017pedsintmet.html
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, 2018Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. (2018). O mercado de trabalho na região metropolitana de salvador em 2018. Dieese. https://www.dieese.org.br/analiseped/2018/2018pedssa.html
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).

Desse modo, além das barreiras históricas enfrentadas pelos jovens, de um modo geral, no acesso ao mercado de trabalho – mesmo em conjunturas economicamente favoráveis ao emprego –, as relações que os diferenciam e os singularizam, tais como sexo e cor/raça, intensificam as desigualdades no interior do próprio segmento, sobretudo quando os recortes se sobrepõem8 8 As taxas mais elevadas de desemprego se encontram entre as mulheres negras jovens. Em 2017, a taxa de desemprego entre mulheres negras era de 26,5%, enquanto a taxa dos homens não negros foi de 21,1%. As mulheres negras também auferem os menores rendimentos médios entre os grupos de raça/cor e sexo. Em 2017 elas detinham R$ 1.373 de rendimento, no mesmo período os homens não negros possuíam R$ 1.675 (Dieese, 2018). ; aprofundando desse modo as barreiras ao ingresso e à permanência no emprego, e gerando obstáculos ainda mais sérios para a construção de trajetórias de trabalho.

Vale uma ressalva sobre a dificuldade de conciliação entre as atividades de trabalho e estudo: em 2016, de acordo com pesquisa do Dieese, 60,2% dos jovens com idade entre 15 e 29 anos não estudavam na RMS, entretanto, a maior parte dos que não estudavam (48,1%) trabalhava ou procurava trabalho. É de grande importância uma atenção a esse dado, visto que a interrupção do ciclo educacional causa impacto nas oportunidades de emprego futuras, dado a relação positiva entre escolaridade e nível salarial (Dieese, 2017aDepartamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. (2017a). Juventude: estudo e trabalho – a experiência da juventude na RMF 2016. Dieese. https://www.dieese.org.br/boletimjuventude/2017/pedBoletimJuventudeFOR.html
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).

Assim, os trânsitos juvenis são significativos para pesquisar as reconfigurações que tomam corpo no mundo contemporâneo, nas diversas esferas sociais. A juventude é o contingente social mais diretamente exposto aos dilemas de nossa sociedade: “o grupo que os torna visíveis para a sociedade como um todo” (Melucci, 1992Melucci, A. (1992). Il gioco dell’lo. Saggi; Feltrinelli., p. 8). Dito de outra forma, por Hirata, Magalhães e Telles (2006)Hirata, D. V., Magalhães, J. C., Jr., & Telles, V. S. (2006). Ao lado, o outro lado: veredas incertas. In V. S. Telles, & R. Cabanes (Orgs.), Nas tramas da cidade: trajetórias urbanas e seus territórios (pp. 189-231). Humanitas.: “os jovens podem nos informar alguma coisa sobre os vetores e linhas de força que desestabilizam campos sociais prévios, ou os redefinem, deslocam suas fronteiras, abrem-se para outros e também traçam as linhas que desenham as novas figuras da tragédia social” (p. 217).

Dos vários territórios perpassados pela juventude, o trabalho é, para uma grande maioria de jovens brasileiros, um locus construtor de trajetórias. Para a juventude do nosso país, a condição juvenil e, muitas vezes, a própria infância, é fortemente marcada pelo trabalho ou por sua busca. O trabalho sempre faz parte de seus percursos biográficos, por isso, como afirma Sposito (2005)Sposito, M. P. (2005). Algumas reflexões e muitas indagações sobre as relações entre juventude escola no Brasil. In H. W. Abramo, & P. P. M. Branco (Orgs.), Retratos da juventude brasileira: análises de uma pesquisa nacional (pp. 87-128). Instituto Cidadania; Fundação Perseu Abramo., “o trabalho também constrói a juventude” (p. 124), especialmente a juventude trabalhadora brasileira.

Nesse sentido, com o objetivo de desvelar os percursos laborais construídos por parte da juventude trabalhadora brasileira, este trabalho pretende, por meio de singulares trajetórias e triangulando conjuntamente com bases de dados nacionais, analisar duas formas de inserção no trabalho evidenciadas nesta pesquisa: o primeiro emprego por meio da lei da aprendizagem e o emprego em telemarketing. Essas questões se inscrevem em uma pesquisa maior, desenvolvida ao longo de seis anos, que tinha como objetivo geral analisar as trajetórias de formação (2004-2007) e inserção laboral (2008-2011) de jovens que participaram de programas sociais voltados para qualificação profissional, desenvolvidos por Organizações Sociais em Salvador (BA), em parceria com o Governo Federal.

Para analisar essas duas formas de inserção laboral, a opção metodológica construída se pautou no que Norbert Elias (1980)Elias, N. (1980). Introdução à sociologia. Edições 70. define como estudos microssociológicos, entendendo que estes podem desvelar aspectos encontrados numa escala maior, na sociedade como um todo: “os problemas em pequena escala do desenvolvimento de uma comunidade e os problemas em larga escala de um país são inseparáveis. Não faz muito sentido estudar fenômenos comunitários como se eles ocorressem num vazio sociológico” (p. 16).

Para tanto, iniciamos o caminho da pesquisa elaborando uma revisão do referencial teórico, considerando os conceitos e as categorias que circunscrevem as questões desta pesquisa. Nesse momento, tornou-se de fundamental importância a recuperação das fontes e produções acadêmicas já existentes que analisam as categorias centrais deste trabalho.

A pesquisa de campo, de cunho mais qualitativo, foi realizada na cidade de Salvador e Região Metropolitana (BA)9 9 A escolha pela cidade de Salvador e Região Metropolitana se deu pela disponibilidade de alguns dados já coletados dos Consórcios Sociais da Juventude, encontrados ao longo da pesquisa desenvolvida no Mestrado de Educação e Contemporaneidade, defendida em 2007. Ao longo da referida pesquisa, foi elaborado um banco de dados que possibilitou o acompanhamento de jovens que foram atendidos em 2004, 2005 e, mais precisamente, dos que participaram em 2006 do Consórcio Social da Juventude de Salvador e Região Metropolitana. , em 2009, 2010 e 2011, com oito jovens, selecionados entre os dez já acompanhados em 2004 e 2007 durante o desenvolvimento da primeira etapa. Foram utilizadas as seguintes estratégias: entrevistas exploratórias; entrevistas biográficas; e cadernos de campo – com observações etnográficas –, elaborados com o objetivo de registrar o não dito e o não gravado nos momentos das entrevistas.

A entrevista exploratória, realizada em 2009, possibilitou a elaboração do discurso, compreendido como expressão de um momento histórico, por meio do qual se produzem sentidos, contradições e se constroem versões da realidade. Para tanto, foram utilizados encontros exploratórios com o objetivo de definir os temas e reelaborar o caminho do estudo, pois outras técnicas e instrumentos de pesquisa foram pensados a priori, mas o reencontro com os jovens evidenciou que se estava diante de um terreno particularmente delicado. Para que os jovens investigados pudessem narrar seus percursos laborais, os instrumentos de pesquisa inicialmente pensados precisaram ser substituídos por entrevistas em profundidade (biográficas) – não sobre a totalidade de suas vidas, mas sobre algumas de suas trajetórias, especialmente as de trabalho.

Nesse sentido, SegniniSegnini, L. (2009). Relatório final Programa Rumos Itaú Cultural Artes Visuais – Trilhas do Desejo: formação profissional e trabalho nas narrativas de artistas visuais selecionados 2008/2009. Observatório Itaú Cultural.10 10 Para aprofundamento, ver Segnini (2009). (2009) evidencia que as entrevistas em profundidade, nas suas diferentes formas – biografias, histórias de vida, trajetórias sociais –, expressam legitimidade científica na compreensão da sociedade e possibilitam a apreensão não só de questões previstas pelo pesquisador, em decorrência do conhecimento acumulado sobre objeto, mas, sobretudo, “informam aspectos inesperados, constituindo caleidoscópios sociais que informam dimensões da realidade social brasileira” (p. 10). As entrevistas foram realizadas ao longo de 2010.

As observações etnográficas, realizadas durante todo percurso da pesquisa, constituíram materiais de fundamental importância para compreender as configurações presentes nas vidas dos jovens da pesquisa. Elas nortearam a construção das análises dos percursos laborais dos jovens, num jogo de vigilância constante por informações exteriores, captadas e registradas, e permitiram o registro de questões que emergiram à medida que o trabalho ia avançando11 11 Para melhor compreensão do que é o diário de campo, consultar o Guia para pesquisa de campo: produzir e analisar dados etnográficos (Beaud & Weber, 2007). .

As trajetórias analisadas pertencem a um conjunto de jovens pobres que mantêm e/ou contribuem com as despesas familiares, com idades entre 23 e 26 anos e Ensino Médio completo ou não, residentes de bairros denominados periféricos da cidade de Salvador (BA), quase todos solteiros e residentes de uma configuração familiar, de pais (homem e mulher), irmãos e/ou avós. No conjunto das trajetórias analisadas, sete jovens se declararam negros e apenas um se declarou mestiço. No universo analisado predomina o sexo feminino (cinco mulheres). A predominância de mulheres no contingente se deu porque foram, desde o primeiro momento da pesquisa, aquelas que se predispuseram a narrar suas trajetórias de vida, de formação e, destacadamente, de trabalho.

Para estabelecer o diálogo das trajetórias com dados estatísticos mais gerais do Brasil e de Salvador, foram adicionados a esta análise os levantamentos estatísticos de emprego e desemprego juvenil, obtidos por meio de dados secundários e disponibilizados pelas seguintes organizações: Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade)/Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese); Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)/Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD); Relação Anual de Informações Sociais(Rais/MTE); Cadastro Geral de Empregados e desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE)/Ministério da Economia. Foram utilizadas informações do período entre 2000 e 2018, contemplando, assim, dados de antes, durante e depois da pesquisa, de forma a subsidiar apontamentos de correlações e tendências existentes.

Assim, a partir da triangulação das diferentes fontes, foi possível construir e analisar singulares trajetórias, em uma sequência de fatos, quase sempre não lineares, desenvolvendo uma lógica narrativa que procurasse dotar de sentido o que se contava. Cada trajetória analisada foi considerada uma singularidade, um caso de vida, de modo que o objetivo com este conjunto de percursos laborais não foi o de representar o Brasil, mas uma sociedade em que muitos casos semelhantes acabam por se refletir.

As categorias teóricas construídas estão presentes em todo o trabalho, dialogando ora com os dados quantitativos, ora com as narrativas das trajetórias de trabalho. Por isso, a trajetória da exposição que se segue está organizada em duas seções e considerações finais – apresentadas a partir de uma lógica construída que melhor orientou a construção deste artigo.

As trajetórias dos jovens aprendizes: passos e descompassos

Dos oito jovens acompanhados ao longo desta pesquisa, seis deles tiveram seu primeiro emprego na condição de jovem aprendiz. Em 2006, ano que iniciei o acompanhamento dessas trajetórias de trabalho, Ana Paula, Leidze, Iranildes Paula, Luciana, Alisson e Naiara compuseram o universo de 660.689 jovens, em todo Brasil, inseridos no mercado de trabalho por meio de contratos de aprendizagem, conforme os dados apresentados no Cadastro Geral de Empregados e desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).

A lei pela qual os jovens tiveram sua primeira oportunidade de emprego, a Lei Nacional de Aprendizagem, foi criada em 2000, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, e modificada12 12 Até o Decreto nº 5.598, 2005. em 2005 e 2008, no Governo Luiz Inácio Lula da Silva e, mais recentemente, em 2018 no Governo Bolsonaro. A referida Lei garante a contratação de jovens, de 14 a 24 anos, na forma de aprendizes, obrigando grandes empresas a contratarem de 5 a 15% de seu efetivo de jovens incluídos nessa modalidade. Conforme consta no decreto (2018)Decreto nº 9.579, de 22 de novembro de 2018. (2018, 23 de novembro). Consolida atos normativos editados pelo Poder Executivo federal que dispõem sobre a temática do lactente, da criança e do adolescente e do aprendiz, e sobre o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, o Fundo Nacional para a Criança e o Adolescente e os programas federais da criança e do adolescente, e dá outras providências. Diário Oficial da União, seção 1., aprendiz é o adolescente ou jovem entre 14 e 24 anos que esteja matriculado e frequentando a escola, caso não haja concluído o Ensino Médio, e inscrito em programa de aprendizagem13 13 “A matrícula em programas de aprendizagem deve observar a prioridade legal atribuída aos Serviços Nacionais de Aprendizagem e, subsidiariamente, às Escolas Técnicas de Educação e às Entidades sem Fins Lucrativos (ESFL) que tenham por objetivo a assistência ao adolescente e a educação profissional, registradas no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), em se tratando de aprendizes na faixa dos 14 aos 18 anos” (Brasil, 2010, p. 11). , realizados por instituições de acordo com a legislação vigente.

Apesar de a Lei ser relativamente nova, não é possível afirmar que a questão da aprendizagem seja uma discussão nova no Brasil, nem tampouco resultante do final do século XX ou início do século XXI. Desde o Estado Novo a questão da aprendizagem vem ganhando centralidade, sobretudo com a Constituição de 1937, que marca a distinção entre trabalho intelectual, para as classes dominantes, e o trabalho manual, enfatizando o ensino profissional para as classes mais desfavorecidas, conforme os estudos de Romanelli (1983)Romanelli, O. O. (1983). História da educação no Brasil (1930/1973). Vozes.. Como consequência desse contexto, em 1942 foi criado – por meio do decreto nº 4.048 de 22 de janeiro – o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai); no mesmo ano outro decreto, o Decreto nº 4.984 de 21 de novembro, obrigava que empresas com mais de cem empregados mantivessem por conta própria uma escola de aprendizagem destinada à formação profissional de seus aprendizes. Nesse momento não havia um recorte etário específico para a categorização de “aprendiz”, ou seja, era todo trabalhador. Assim, a lei atual (Lei nº 10.097, 2000Lei n° 10.097, de 19 de dezembro de 2000. (2000, 20 de dezembro). Altera dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Diário Oficial da União, seção 1.)14 14 Ampliada pelo Decreto nº 9.579, 2018. de Aprendizagem se torna singular na focalização do seu público atendido: os jovens.

Contudo, a criação da atual lei de Aprendizagem nasce de uma conjuntura nada favorável, especialmente ao segmento juvenil; pelo contrário, surge dentro de uma marcha crescente de desemprego, de eliminação de postos de trabalho, e da precarização das leis e das condições trabalhistas, atingindo especialmente os segmentos mais vulneráveis historicamente – a juventude trabalhadora. Dessa forma, era imperativo adequar o grande número de desempregados à nova dinâmica do mercado de trabalho, fortemente marcada por uma lógica própria e excludente do capital e, sobretudo, na crença da qualificação/formação como sendo o antídoto ao desemprego, especialmente o desemprego juvenil.

Junto com Ana Paula e seus cinco colegas, foram inseridos como aprendizes no mercado de trabalho mais 76 jovens também oriundos do Consórcio Social da Juventude de Salvador e RMS em 2006, perfazendo nada menos que 22% do contingente juvenil empregado via Consórcio, ficando atrás apenas das formas alternativas geradoras de renda – leia-se associativismo e cooperativismo –, com mais 50% dos jovens inseridos.

Para esse percentual de 22% de jovens, o Manual de aprendizagem do Ministério do Trabalho e Emprego (2010)Ministério do Trabalho e Emprego. (2010). Microdados da Relação Anual das Informações Sociais (RAIS) de 2003 a 2010. Gov.br. http://www.mte.gov.br/pdet/index.asp
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reitera que a formação técnico-profissional deveria ser constituída por atividades teóricas e práticas, organizadas em tarefas de complexidade progressiva, em programa correlato às atividades desenvolvidas nas empresas contratantes, proporcionando ao aprendiz uma formação profissional básica. Porém, segundo relatos dos jovens, muitas vezes o discurso do trabalho como princípio educativo, presente na fala do empregador ou naqueles que tinham o estatuto de empregado, não se materializava na prática. A trajetória de trabalho como aprendiz de Naiara é bastante elucidativa:

Em 2006, indecisa sobre prestar vestibular para a faculdade de Eletrônica ou Jornalismo, Naiara se inscreve no curso de Práticas Administrativas, oferecido pelo Consórcio Social da Juventude de Salvador, em uma das ONG participantes localizada em Mata Escura, bairro em que residia. Seis meses depois, conseguiu sua primeira experiência profissional, como jovem aprendiz, no setor administrativo de uma empresa do Polo Petroquímico de Salvador, mas não permaneceu até o fim de seu contrato. A experiência de trabalhar como jovem aprendiz é definida por Naiara como “muito difícil”. Descreve que se sentia muito discriminada, pois muitas pessoas não tinham paciência com ela. “Viam os jovens aprendizes como pobres, como coitadinhos” (Naiara, 2011). Contudo, o que mais lhe deixara decepcionada no seu trabalho era realizar atividades rotineiras que pouco acrescentavam na sua formação.

Pediam o tempo todo para a gente fazer coisas pequenas, essas que ninguém mais quer fazer, como tirar xerox, passar um fax, essas coisas, entendeu? A gente poderia estar fazendo qualquer coisa, mas sempre eles gritavam: ─ tire uma xerox pra mim. A gente sempre tirava, porque a gente tava ali, tinha que servir a eles, mesmo que não fosse o nosso trabalho, mesmo que num tivesse nada a ver com o meu trabalho ou com tudo que eu aprendi no consórcio, todo mundo queria que no final do primeiro ano o contrato fosse renovado, inclusive eu.

(Naiara, 2011)

Trajetória similar viveu o jovem Alisson, que teve seu primeiro emprego, no Sindicato das Empresas de Transporte de Salvador (SETPS), também na condição de aprendiz. Como tal, realizava a função de auxiliar administrativo e recebia uma remuneração de R$ 175,00 ao mês. Suas atribuições nos postos de atendimento da empresa eram fornecer informações aos estudantes e organizar as filas.

Então eu ficava quatro horas em pé. Era super desgastante, eu não gostava de ficar em pé, mas foi até eu que preferi ajeitar a fila e eu até preferi porque eu sempre lidei com gente. ….Você que é menor aprendiz fica querendo ou não, vamos dizer assim, no pior lugar possível, deixa você enrolando fazendo, você vira o verdadeiro Severino, você quebra galho pra todo mundo. Eu sempre fiquei distribuindo senhas quilométricas e fazendo tudo isso e muito mais. O sol era muito quente na hora de distribuir as senhas e às vezes eu sentia muita dor de cabeça.

(Alisson, 2010)

O relato do jovem coloca luz sobre uma contradição presente entre o que prescreve a Lei da Aprendizagem e a situação concreta de trabalho dos aprendizes. Conforme destaca o documento legal:

O empregador se compromete, nesse contrato, a assegurar ao adolescente/jovem com idade entre 14 e 24 anos (não se aplica o limite de 24 anos para o jovem com deficiência), inscrito em programa de aprendizagem, uma formação técnico-profissional metódica, compatível com seu desenvolvimento físico, moral e psicológico. O aprendiz, por sua vez, se compromete a executar, com zelo e diligência, as tarefas necessárias a essa formação (art. 428 da CLT). O programa de aprendizagem será desenvolvido por entidade qualificada para esse fim [grifo nosso].

(MTE, 2010Ministério do Trabalho e Emprego. (2010). Microdados da Relação Anual das Informações Sociais (RAIS) de 2003 a 2010. Gov.br. http://www.mte.gov.br/pdet/index.asp
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, p. 13)

O mesmo documento que prevê o desenvolvimento físico, moral e psicológico dos jovens também assinala, nas suas páginas seguintes, que o processo de inserção busca garantir sempre “uma formação que possa de fato contribuir para o seu desenvolvimento integral e a consonância com os conteúdos estabelecidos no curso em que foi matriculado, de acordo com o programa de aprendizagem” (Decreto nº 5.598, 2005, art. 23, § 1º).

O mais contraditório, como já evidenciamos anteriormente, é que para todos os jovens inseridos via Lei de Aprendizagem, a formação teórica já tinha sido realizada anteriormente via Consórcio e, mais ainda, pouca ou quase nenhuma relação existia entre a formação obtida e os espaços ocupacionais em que os jovens foram inseridos. Se por um lado, a análise documental nos permite concluir que há uma omissão a esse ponto, pelo menos no seu caráter prescritivo das penalidades, por outro, os documentos são enfáticos na exigência do cumprimento do número de cotas de aprendiz em cada empresa – “cabe às Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego, por meio da fiscalização, fiscalizar o cumprimento das cotas de aprendizes às quais cada empresa está obrigada” (MTE, 2010Ministério do Trabalho e Emprego. (2010). Microdados da Relação Anual das Informações Sociais (RAIS) de 2003 a 2010. Gov.br. http://www.mte.gov.br/pdet/index.asp
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, p. 17).

Outro aspecto interessante a ser observado a partir da fala de Alisson é a preocupação do empregador em cumprir com o que rege o contrato com relação à carga horária do aprendiz na empresa, não à natureza laboral do emprego em si: “eu trabalhava quatro horas, mas teve dias que a fila era tão grande que eu passava da minha hora. Teve um dia que minha supervisora ficou retada porque eu fiquei até seis horas, o maior medo dela era ser multada com a fiscalização” (Alisson, 2010). A preocupação da supervisora do jovem no que tange ao cumprimento da sua jornada talvez estivesse sendo motivada pela imputação ao empregador, ao contratar aprendizes, de que “a compensação e a prorrogação da jornada são proibidas” (Decreto-lei nº 5.452, 1943, art. 432, caput). Porém, em nenhum momento a Lei de aprendizagem ou o Manual de Aprendizagem do MTE faz referência às penalidades do empregador quando o trabalho realizado pelo jovem aprendiz não estabelece relação com sua formação profissional, tampouco se ele expõe condições de trabalho precárias.

O percurso laboral de Luciana pode iluminar outro aspecto importante da materialidade da Lei da aprendizagem, no interior das relações de trabalho, não apresentado nos documentos ministeriais: a instabilidade na legalidade como condição do aprendiz.

Luciana realizou sua qualificação profissional em vendas e atendimento ao público, com foco na organização de cooperativas. Após a conclusão do curso, logo foi inserida em uma das cooperativas já existentes na ONG que lhe ofereceu a formação. Porém, seu maior sonho era o emprego assalariado e, por isso, logo que surgiu a primeira oportunidade de emprego formal, fez a seleção para Jovem aprendiz na empresa Salvador Card. Nessa empresa, sua principal função era organizar filas de pessoas que iriam comprar passagens para serem usadas nos coletivos da cidade, que Luciana achou exaustiva, como destacou: “A rotina era cansativa e tinha horas que tinha vontade de não continuar, mas eu precisava e tinha que ser forte” (Luciana, 2010). Contudo, mesmo sendo, em suas palavras, “uma funcionária exemplar”, teve seu contrato de aprendiz suspenso e viveu por uma semana a incerteza do (des)emprego: “eu ficava grudada no telefone esperando uma ligação da empresa, mas graças a Deus eles me chamaram de volta”.

Sua trajetória profissional, após sua recontratação mais uma vez na condição de aprendiz, é marcada por inserções provisórias em vários cargos/funções e, especialmente, nas diferentes sedes da empresa espalhadas por toda a cidade de Salvador. “Já fui tudo e já passei por vários lugares, acabo vivendo uma angústia e uma instabilidade grande” (Luciana, 2010). À luz da análise de Castel (1998)Castel, R. (1998). As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Vozes. – feita sobre a situação intermitente dos jovens franceses –, podemos afirmar que Luciana, assim como os demais jovens pesquisados, integra uma categoria que o autor denomina de “interinos permanentes”, ou seja, vive uma modalidade constituída de alternâncias de atividade e inatividade, de variações provisórias marcadas pela incerteza do amanhã. Ou, como bem definiu Pais (2005)Pais, J. M. (2005). Ganchos, tachos e biscates: jovens, trabalho e futuro. Ambar. ao analisar o desemprego no contexto português, compõe o universo de jovens que “rodopiam por uma multiplicidade de trabalhos, intervalando inserções provisórias no mundo do trabalho com desinserções periódicas” (p. 17).

O percurso de instabilidade na legalidade de Luciana pode sinalizar uma tendência nas relações de trabalho de muitos outros aprendizes – jovens que, embora estejam inscritos no mundo dos empregos amparados pela Lei da aprendizagem, vivenciam no seu cotidiano um trânsito laboral marcado pela incerteza do (des)emprego e, por isso, suas trajetórias de trabalho se pautam pela instabilidade da condição de empregado, num contexto de precariedade contratual recorrente. O medo do desemprego constitui um elemento estruturante desses percursos.

Em uma das primeiras entrevistas com a jovem Leidze, ela nos relatou, logo de início, que “nunca as coisas chegaram de graça na sua vida” (Leidze, 2010). Durante o período em que já havia concluído o Ensino Médio e estava estudando para tentar o vestibular, Leidze procurava emprego, porém não conseguia por não ter nenhuma experiência anterior. Por seis meses realizou o curso de produção cultural em uma ONG participante do Consórcio Social da Juventude de Salvador. Seu primeiro emprego foi como jovem aprendiz, na área administrativa do setor de Recursos Humanos de numa empresa de ônibus de Salvador. Leidze conta que trabalhava muito e assumia muitas responsabilidades iguais ou maiores do que a dos outros funcionários da empresa, porém não era reconhecida por ser aprendiz:

A responsabilidade é muito grande, né? Eles não viam a gente como jovem aprendiz, jovem aprendiz é pra colocar alguma coisa na carteira pra justificar que a empresa não queria contratar no momento funcionários, mas, assim, as funções eram as mesmas, as responsabilidades eram as mesmas, ou melhor, até um pouco maior, maior porque a gente tem que mostrar que a gente tava ali pra o que desse e viesse.

(Leidze, 2010)

O relato da jovem chama atenção para o fato de sua contratação como aprendiz se caracterizar por uma estratégia do empregador, podendo ser orientada na perspectiva da redução dos custos da empresa; no cumprimento da lei que obriga as empresas a contratarem de 5 a 15% de seu efetivo de aprendizes; e/ou até mesmo de precarizar as relações e as condições de trabalho, utilizando-se de um dos segmentos historicamente mais vulnerável – a juventude –, nesse caso, os jovens aprendizes que, diante do desejo de serem efetivados e da necessidade real do valor recebido por suas horas de trabalho, se sujeitam a todo e qualquer tipo de trabalho para manterem-se no emprego e no futuro conseguirem sair da condição de aprendiz para o estatuto de empregado.

As conclusões de Leidze corroboram, em parte, os achados da pesquisa de Bastos (2011)Bastos, P. (2011). Lei nacional de aprendizagem: uma abordagem crítica dos projetos de formação de aprendizes [Dissertação de mestrado não publicada]. Universidade Federal do Rio de janeiro.. Para o pesquisador, há indícios de que a Lei Nacional de Aprendizagem pode ser um instrumento de precariedade na inserção de trabalhadores no mercado de trabalho, pois muitas vezes os aprendizes são contratados para servirem de mão de obra mais barata, e desta forma acabam ocupando cargos, e funções que deveriam ser ocupados por profissionais devidamente remunerados, e preparadas para tal.

Se as narrativas até aqui apresentadas, tanto das trajetórias dos jovens pesquisados, quanto das conclusões das pesquisas de Bastos (2011)Bastos, P. (2011). Lei nacional de aprendizagem: uma abordagem crítica dos projetos de formação de aprendizes [Dissertação de mestrado não publicada]. Universidade Federal do Rio de janeiro., tendem a direcionar nosso olhar para um movimento que tem se constituído de contratação jovens, na condição de aprendiz, para assumir determinados funções e cargos ao invés de contratar funcionários qualificados, as trajetórias de todos jovens aprendizes, acompanhados ao longo da pesquisa, também reiteram que os postos de trabalho ocupados por eles não demandavam nenhuma capacidade mental ou técnica de alta complexidade além de suas capacidades, a exemplo de fornecer informações sobre um produto e/ou organizar uma fila de pessoas. A ideia de que o aprendiz assume “o lugar” de um profissional qualificado precisa ser melhor problematizada, uma vez que a questão central não é a substituição de um trabalhador por outro (leia-se aprendiz), e sim como o modo de produção capitalista se organiza, em particular, na imposição das condições de trabalho precárias frente à permanente ameaça de desemprego estrutural, criada por ele mesmo. Afinal, como bem explicitou Iranildes Paula: “ter um emprego de aprendiz é melhor que não ter nenhum”. Aplica-se aqui, de forma generalizada, o que Marx e Engels elaboraram há mais de um século acerca da função política principal do “exército industrial de reserva”, e reiterado pela socióloga Druck (2011)Druck, G. (2011). Trabalho, precarização e resistências: novos e velhos desafios? Caderno CRH, 24(1), 37-57. https://doi.org/10.1590/S0103-49792011000400004
https://doi.org/10.1590/S0103-4979201100...
, qual seja:

.… a de criar uma profunda concorrência e divisão entre os próprios trabalhadores e, com isso, garantir uma quase absoluta submissão e subordinação do trabalho ao capital, como única via de sobrevivência para os trabalhadores. O consenso se produz a partir do momento em que os próprios trabalhadores, influenciados por seus dirigentes políticos e sindicais, passam a acreditar que as transformações no trabalho são inexoráveis e, como tal, passam a ser justificadas como resultados de uma nova época ou de um “novo espírito do capitalismo”.

(p. 43)

Trajetórias de trabalho em telemarketing

O trabalho com telemarketing, nas suas múltiplas configurações, tem se caracterizado progressivamente como um locus predominantemente concentrado da força de trabalho juvenil no mercado formal, sobretudo daqueles do meio urbano que completaram pelo menos o ensino médio. São jovens que, na sua grande maioria, têm nos call centers sua primeira experiência profissional de trabalho, como já demonstrava Selma Venco, no final da década de 1990, com suas pesquisas pioneiras sobre o assunto.

As trajetórias singulares de trabalho apresentadas neste trabalho podem contribuir para a análise de tantos outros percursos laborais de trabalhadores inscritos no setor de telemarketing15 15 Neste trabalho foram considerados como setor de telemarketing os seguintes grupos de ocupação de acordo com a CBO (2002): 4223-05: operador de telemarketing ativo; 4223-10: operador de telemarketing ativo e receptivo; 4223-15: operador de telemarketing receptivo; 4223-20: operador de telemarketing técnico. . Em quinze anos, entre 2003 e 2018, eles cresceram, somente na Região Metropolitana de Salvador, de 1.795 empregos em 2003 para 22.690 em 2018, ou seja, nada menos que 1.179%, conforme dados da Rais (2003-2018).

Os dados do Relatório Anual de Informações Sociais (Rais) para a RMS referente à evolução da participação dos empregados como operadores de telemarketing, entre 2003 e 2018, a seguir, revelam a maior participação de empregados jovens no setor, especialmente entre 18 a 24 e 25 a 29 anos. Em consequência, há uma menor participação das faixas com maior de idade. Os dados apresentados na Tabela 1 indicam que haveria uma constante inserção de trabalhadores mais jovens nas atividades de telemarketing, que reflete a permanente rotatividade dos jovens no setor.

Tabela 1
Evolução da participação dos empregados como operadores de telemarketing, segundo faixa de idade. RMS, 2003, 2008, 2013 e 2018

No estudo realizado sobre os trabalhadores no setor do telemarketing, elaborado por Corrochano e Nascimento (2007)Corrochano, M. C., & Nascimento, E. P. (2007). Jovens, sindicato e trabalho no setor do telemarketing. [Relatório de situação-tipo para a pesquisa juventude e integração sul-americana]. Instituto Pólis., constatou-se que uma primeira explicação para a grande presença juvenil no setor residiria na baixa exigência de qualificação formal, qual seja: ensino médio completo e conhecimento básico de informática. Entretanto, a análise revelou que a alta contratação de jovens também está relacionada a fatores sociais, tais como: facilidade de adequação dos trabalhadores mais jovens às condições específicas do setor, maior capacidade de assimilar o treinamento básico necessário e maior capacidade de suportar as exigências para o cumprimento de metas de atendimento, especialmente em se tratando de jovens oriundos de famílias de baixa renda.

Tais explicações também já tinham sido evidenciadas na pesquisa de doutorado de Selma Venco, em 2006. Assim, para a autora, umas das explicações dadas para a grande presença de jovens no setor, sobretudo adotada pelo discurso empresarial, é que os jovens possuem mais facilidade para lidar com as frequentes transformações na base operacional e tecnológica, principalmente as relacionadas à informática e à Internet, além de serem mais flexíveis às mudanças. Contudo, essas explicações dadas pelos empresários – inscritas no discurso das “competências” e “da empregabilidade”, obscurecem a realidade que se sujeita o grupo etário mais desempregado historicamente – os jovens. “Na falta de emprego, tudo que viesse era lucro, até mesmo o telemarketing”. Essa foi a primeira justificativa de Ana Paula para sua entrada e permanência em uma das principais empresa de call center, com sede em Salvador.

A jovem Ana Paula relata que ficou dias sem dormir à espera de uma ligação da psicóloga da empresa em que trabalhara anteriormente como aprendiz, chamando-a de volta ao emprego. Ao ser informada que seu contrato não seria renovado por mais um ano, foi orientada pelo setor de Recursos Humanos (RH) que ficasse em casa esperando uma ligação da empresa. Para ela, “foram dias angustiantes, sem comer direito e sem dormir, qualquer ligação corria pra atender, mas eles não me chamaram de volta” (Ana Paula, 2010). Ao dar-se conta de que eles não mais ligariam e que, novamente, a condição de “interino permanente” fazia parte de seu percurso, saía todos os dias distribuindo currículos e preenchendo cadastros virtuais de seleção de emprego. Depois de muito “perambular16 16 Expressão usada pela própria jovem. , foi chamada para uma entrevista na empresa Contax17 17 No ranking das maiores empresas da indústria de telemarketing no Brasil com maior número de empregados (2005-2010), ela ocupa a segunda posição, ficando atrás somente da Atento, conforme a Associação Brasileira de Telesserviços (ABT). . “Fiz um treinamento de um mês e estou lá até hoje. Estou na função de agente de marketing …. Eu entrei em 2008, quando foi em dezembro ganhamos uma promoção básica, assinaram minha carteira, mas o que eu ganho não chega a salário mínimo, trabalhando de segunda a sábado. (Ana Paula, 2010).

O percurso de Leidze não foi muito diferente. A intenção da jovem, ao ingressar como jovem aprendiz no setor de RH de uma empresa de transporte coletivo de ônibus da cidade era estudar psicologia e, paralelamente ao curso, manter-se primeiramente como aprendiz, depois como estagiária e, em seguida, conquistar uma vaga de psicóloga no setor de recrutamento e seleção da empresa. Embora recebesse inúmeros elogios de seus superiores, seu contrato também não foi renovado por mais um ano. A condição de desempregada era desesperadora, especialmente porque o que recebia era direcionado para ajuda nas despesas de casa, além de custear as demandas do seu curso superior à distância, que não era de Psicologia como desejara, mas em Letras com ênfase em inglês. “No início foi muito difícil ficar desempregada. Eu fiquei assim desesperada, como era que eu ia me manter até consegui outro emprego? Eu fiquei seis meses saindo seis da manhã e voltando cinco da tarde colocando currículo, todos os dias” (Leidze, 2010). Depois de todo seu percurso à procura de emprego, conseguiu uma vaga de operadora de telemarketing na empresa Atento Brasil. Apesar de ter a carteira assinada, ela não recebe um salário fixo: sua remuneração varia de acordo com a quantidade de horas trabalhadas e das metas atingidas. Ao final do mês, Leidze recebe um valor que varia entre R$ 400,00 e R$ 500,00, para trabalhar de sete da manhã às duas da tarde.

Em 2009, um ano após a rescisão de seu contrato de aprendiz, Naiara conseguiu inserir-se novamente no mercado de trabalho, dessa vez em um call center. No ano em que esteve desempregada, tentou manter-se com as poucas economias que fez quando ainda trabalhava. As condições financeiras de seu pai eletricista, “embora não fossem as das melhores”, permitiram que mesmo desempregada continuasse seus estudos e entregasse currículos. Porém, para ela, a dependência financeira somada ao estatuto de desempregada gerava uma situação bastante constrangedora. “Foi uma barra pra mim.tentei arranjar um estágio logo na minha área. Depois de muitas tentativas eu conseguir um emprego no call center.… Lá trabalhava como uma louca, de segunda a segunda, com uma folga no mês Mas pasme: o que eu recebia não chegava a R$ 250,00” (Leidze, 2010).

O que essas três trajetórias nos informam? Trata-se de jovens que se reinscrevem no mercado de trabalho, após suas primeiras experiências laborais como aprendiz, marcadas por sonhos, decepções e instabilidade, agora na condição de trabalhadores registrados pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), mas com salários baixos e intensificação do trabalho levada ao extremo. No entanto, é caracterizado como um trabalho formal, pois garante o mínimo de direitos ao trabalhador, sobretudo trabalhadoras, visto que o universo é predominantemente feminino.

O telemarketing e as relações de gênero

Em relação à participação dos empregados como operadores de telemarketing segundo o sexo, na RMS, é possível observar que Ana Paula, Naiara e Leidze compõem um percentual dominante da força de trabalho em call centers. Conforme indica o Gráfico 1, mais de 70% dos empregados nessa atividade são do sexo feminino, tendência que não sofre modificação no período analisado.

Gráfico 1
Evolução da participação do emprego formal de operadores de telemarketing por gênero. RMS, 2003, 2008, 2013 e 2018.

As pesquisas de Segnini (2001)Segnini, L. (2001). Relações de gênero e racionalização do trabalho em serviços de atendimento à distância. In M. S. Salerno (Org.), Relação de serviço: produção e avaliação (pp. 151-181). Senac. sobre as relações de gênero e racionalização do trabalho em serviços de atendimento à distância ajudam a compreender como se configuram as relações sociais de sexo em nichos de trabalho predominantemente femininos. Para a autora, “a feminização no trabalho em questão é uma das expressões de sua racionalização, no sentido de que aumenta sua eficiência e diminui custos” (Segnini, 2001Segnini, L. (2001). Relações de gênero e racionalização do trabalho em serviços de atendimento à distância. In M. S. Salerno (Org.), Relação de serviço: produção e avaliação (pp. 151-181). Senac., p. 181).

Assim como Segnini, Danièle Kergoat (2001)Kergoat, D. (2001). Le rapport social de sexe: de la reproduction des rapports sociaux à leur subversion. Actuel Marx: Les rapports sociaux de sexe, (30), 135-148. também destaca que as relações sociais de sexo estabelecem nexos com as relações sociais à medida que ambas são permeadas por contradições e desafios. Nesse sentido, estabelece segregações e valorações que acabam por determinar um valor para o trabalho masculino diferente do das mulheres, não só no que concerne à remuneração, mas também quanto ao reconhecimento social da tarefa e da profissão.

Entretanto, por que a ocupação de telemarketing privilegia a contratação massiva do sexo feminino? As respostas encontradas por Venco (2006)Venco, S. B. (2006). Tempos moderníssimos nas engrenagens do telemarketing [Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas]. http://repositorio.unicamp.br/acervo/detalhe/367410
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para essa pergunta estavam frequentemente relacionadas às qualidades da mulher, conforme são socialmente construídas, como a paciência, a capacidade de ouvir, a delicadeza no trato com os clientes e, por fim, a conclusão de que todos, homens e mulheres, preferem falar ao telefone com uma mulher. Ou seja, todas atribuem a qualificação profissional das mulheres a atributos tácitos, o que configura uma nítida forma de desvalorização do trabalho concretizado.

Por que não homens? Análises tecidas no âmbito das relações sociais de sexo, a exemplo das de Danièle Kergoat, Helena Hirata e Liliana Segnini, entre outras, traçam um aspecto comum, ao indagar sobre as diferenças comportamentais entre mulheres e homens refletidas nas relações de produção: eles não são educados na família e na sociedade para se submeterem ou para obedecerem, e esses aspectos não atendem aos princípios de uma organização do trabalho taylorista para o setor de serviços, conforme analisa Hirata (2002)Hirata, H. (2002). Nova divisão sexual do trabalho? Um olhar voltado para a empresa e a sociedade. Boitempo.:

…. a racionalização é contraditória com a própria essência do trabalho demandado, para o qual não há one best way… e nem as técnicas tayloristas nem a automação, enquanto tentativas de controlar a totalidade dos parâmetros que intervêm na produção e no processo de trabalho, podem ter êxito nesse caso; embora a organização taylorista seja um obstáculo à automação, esses postos refratários ao taylorismo podem sê-lo também à automação.

(p. 31)

Assim, à luz dessa concepção, o trabalho em telemarketing assinala que é fundamental incorporar a mulher, sobretudo jovem, para galgar maiores índices de produtividade, tendo em vista a mobilização das suas “competências tácitas”, como evidenciado anteriormente, sem as quais a simples padronização e controle dos comportamentos não bastam para a consecução do novo regime de acumulação – “a acumulação flexível” (Harvey, 1992Harvey, D. (1992). Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. Loyola.).

Se por um lado, podemos afirmar que os call centers incorporam predominantemente a força de trabalho de mulheres jovens, por outro, as pesquisas de Venco (2006)Venco, S. B. (2006). Tempos moderníssimos nas engrenagens do telemarketing [Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas]. http://repositorio.unicamp.br/acervo/detalhe/367410
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pontuam que outros segmentos são adicionados no setor. É o caso de homens e mulheres que não atendem ao ideário estético predominante na sociedade de consumo, a exemplo dos homossexuais e transexuais, negros, obesos e as pessoas deficientes – segmentos da população que comumente sofrem discriminações em outros setores da economia, principalmente na prestação de serviços direta com o cliente.

Porém, esse fenômeno que ocorre nas centrais de atendimento, aparentemente inclusivo, pode significar, ainda segundo a autora, “a emergência de um segmento do mercado de trabalho que traz a possibilidade de inclusão, via emprego formal, mas cuja atividade é, no entanto, realizada a distância e, portanto, reitera as barreiras baseadas no preconceito racial, estético ou sexual criadas na civilização” (Venco, 2006Venco, S. B. (2006). Tempos moderníssimos nas engrenagens do telemarketing [Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas]. http://repositorio.unicamp.br/acervo/detalhe/367410
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, p. 74).

Para além dessas especificidades apresentadas aqui quanto ao setor de telemarketing, outro ponto revelado por meio das três trajetórias analisadas foram as condições e pressões de trabalho em que se inscrevem Ana Paula, Leidze e Naiara, pois, a despeito dos esforços lançados para manter os empregos e atingir as metas, voltavam constantemente às pressões por produção, repetindo continuadamente a expressão das suas supervisoras: “eu preciso bater a meta este mês”.

A intensificação do trabalho em telemarketing

Ana Paula informa que logo ao entrar na empresa o salário “era muito bom”, chegando a ganhar em um mês R$ 800,00 de comissão. Entretanto, esse valor nunca mais foi alcançado, sendo o valor de R$ 190,00 mais comumente recebido, uma vez que as metas a serem atingidas são “absurdas” e “a pressão não tem tamanho”, como revelou a jovem com uma expressão de tensão no rosto. O poder disciplinador, nesses casos adotados pelas supervisoras, é usado a todo instante no interior das relações de trabalho. Gritos são dados com o argumento de “motivá-las” ao trabalho. Já para a jovem, se configuram como “constrangimentos”. Além da pressão psicológica relatada por Ana Paula, outros mecanismos de controle e de penalidades são adotados, que para a jovem funcionam para dificultá-la a “bater a meta”.

Por exemplo, também tem a questão do atraso, se você atrasa perde RV, atestado de qualquer coisa, perde RV, nota zero de qualidade numa ligação, que é monitorado, por alguma falha qualquer perde a comissão, então são muitas coisas que levam você a perder, e não você a ganhar. Eu recebo salário, mas tem que bater a meta, se não bater a meta do mês de venda pra eles você não ganha. Digamos assim: a meta é cento e trinta vendas, mas você vendeu cento e vinte e nove, não adianta. Você não vai ganhar um real que seja. E detalhe, se você tiver atestado médico desconta o que você ganhou de comissão. Eu já perdi na empresa porque fiquei doente e tive que ficar cinco dias em casa, dei atestado. Eu tinha cumprido a meta, mesmo assim eu perdi sessenta por cento de RV18 18 A RV expressada pela jovem é uma variável que incrementa ao salário dos operadores de telemarketing. .

(Ana Paula, 2009)

Em um estudo realizado por Pena, Cardim e Araújo (2011)Pena, P. G. L., Cardim, A., & Araújo, M. P. N. (2011). Taylorismo cibernético e lesões por esforços repetitivos em operadores de telemarketing em Salvador-Bahia. Caderno CRH, 24(1), 133-153. https://doi.org/10.1590/S0103-49792011000400010
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, com objetivo de compreender o processo de adoecimento pelas Lesões por Esforços Repetitivos (LER), e suas relações com as estratégias gerenciais associadas às novas tecnologias, os autores destacam que as dez empresas estudadas na capital baiana realizam acompanhamento gerencial direto, análogo ao “panóptico”, descrito por Foucault como um mecanismo de vigilância e controle disciplinador. Nos ambientes de trabalho analisados pelas pesquisadoras havia uma estrutura arquitetônica que permitia uma vigilância direta em cada ilha de trabalho pelo supervisor de equipe, assim como pelo gerente ao dispor de visão geral de todo salão de ilhas. Além dessas estratégias de controle, outras indiretas foram percebidas, como gravação de digital de diálogos, e obstáculos à formação de grupos de amigos entre os operadores, tanto dentro como fora da empresa – por exemplo, evitar festas conjuntas para dificultar a formação de vínculos de solidariedade entre os próprios operadores. “Os tempos são rigidamente controlados, adotando-se o próprio aparato técnico como meio para obter os valores necessários ao controle dos critérios estabelecidos” (Pena, Cardim & Araújo, 2011Pena, P. G. L., Cardim, A., & Araújo, M. P. N. (2011). Taylorismo cibernético e lesões por esforços repetitivos em operadores de telemarketing em Salvador-Bahia. Caderno CRH, 24(1), 133-153. https://doi.org/10.1590/S0103-49792011000400010
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, p. 138).

A falta do direito de poder adoecer, apresentado pela jovem Ana Paula, é motivo de angústia para todas as jovens pesquisadas, uma vez que tem uma estreita relação com o quanto irá receber ao final de cada mês. “É tipo caminhar no escuro”, destacou Ana Paula. “Digamos que você se acabou o mês todo trabalhando para bater a meta, de repente no dia vinte e nove do mês você adoece e tem que ir na emergência de um hospital público qualquer, ai você perde uma parcela daquilo que você vendeu”. O que se percebe é um conjunto de mecanismos de controle para que os(as) trabalhadores(as) estejam sempre nos seus postos trabalhando para gerar capital a qualquer preço.

Nesse processo de controle do tempo e do processo de produção, a tecnologia entra como uma aliada imprescindível. O sistema informatizado do supervisor indica a situação de cada integrante da sua equipe, dando informações sobre que horas o trabalhador chegou na empresa, suas pausas e ligações em curso, quantas ligações fez ao dia e, por conseguinte, qual foi sua produção diária. Esse acompanhamento é facilitado pela introjeção individual do controle, decorrente das diversas formas de controle praticadas: a emissão permanente de relatórios de produtividade, as metas como determinantes do salário ou da promoção na carreira e, sobretudo, o medo de perder o emprego formal, frequentemente explorado pela supervisão, tendo em vista os altos índices de desemprego, em particular entre jovens, faixa etária predominante no setor, como destacado por Venco (2006)Venco, S. B. (2006). Tempos moderníssimos nas engrenagens do telemarketing [Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas]. http://repositorio.unicamp.br/acervo/detalhe/367410
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.

A capacidade constante de “saber trabalhar sob pressão”, própria de Ana Paula, Naiara e Leidze, reitera a própria descrição da ocupação na Classificação Brasileira de Ocupação (CBO) feita pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE, 2002Ministério do Trabalho e Emprego. (2002). Classificação Brasileira de Ocupações – CBO. Gov.br. http://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/pesquisas/BuscaPorTituloResultado.jsf
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), que demarca traços visíveis da severidade laboral que passam os trabalhadores dos call centers. Segundo o MTE (2002)Ministério do Trabalho e Emprego. (2002). Classificação Brasileira de Ocupações – CBO. Gov.br. http://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/pesquisas/BuscaPorTituloResultado.jsf
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, em sua CBO, a função dos operadores de telemarketing é estabelecer contatos, exclusivamente via telefone, com usuários e clientes, visando a concretização de vendas, a solução de problemas, a prestação de apoio técnico, a realização de pesquisas em tempo real ou seu cadastramento. Na consecução dessas atividades, devem sempre seguir “roteiros e scripts planejados e controlados para captar, reter ou recuperar clientes” (MTE, 2002Ministério do Trabalho e Emprego. (2002). Classificação Brasileira de Ocupações – CBO. Gov.br. http://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/pesquisas/BuscaPorTituloResultado.jsf
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, Operadores de telemarketing e afins).

Como competências pessoais, a CBO (MTE, 2002Ministério do Trabalho e Emprego. (2002). Classificação Brasileira de Ocupações – CBO. Gov.br. http://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/pesquisas/BuscaPorTituloResultado.jsf
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) destaca: qualidade vocal, clareza de dicção, capacidade de expressão oral, compreensão oral (saber ouvir), capacidade de compreensão e expressão escrita, de registro de informações com precisão, paciência, autocontrole, poder de persuasão, empatia, agilidade no atendimento e agilidade de digitação. Além disso, é preciso ter capacidade de administrar conflitos e de ser objetivo para tomar decisões, visto que, em muitos casos, trabalha-se sob pressão.

Contudo, embora esteja descrita na CBO (MTE, 2002Ministério do Trabalho e Emprego. (2002). Classificação Brasileira de Ocupações – CBO. Gov.br. http://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/pesquisas/BuscaPorTituloResultado.jsf
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) como uma das competências necessárias ao operador de telemarketing a capacidade de administrar conflitos, para as jovens pesquisadas, a pressão para o cumprimento das metas e a atuação direta da supervisão no controle da produção são elementos negativos no ramo que as impelem cotidianamente ao desejo de conseguir outro emprego, não um emprego qualquer, mas um “melhor emprego”, como destacou Leidze ao externar seu interesse por outra atividade profissional.

Os percursos laborais e seu caráter transitório

Observando os dados da Rais da Região Metropolitana de Salvador, no Gráfico 2, percebe-se que a predominância da permanência do(a) trabalhador(a) em telemarketing é de aproximadamente seis meses no emprego, para a faixa etária compreendida entre 18 e 29 anos. Resultado que corrobora a hipótese de que não há um processo de profissionalização na ocupação.

Gráfico 2
Evolução da participação do emprego formal de operadores de telemarketing por tempo de emprego (em meses). RMS, 2003, 2008, 2013 e 2018

Ao cruzar os dados de rotatividade apresentados no gráfico com tipo vínculo empregatício presente nas relações de trabalho dos call centers, constata-se o caráter transitório não decorrente da predominância de contratos por tempo determinado, pelo menos não na RMS, uma vez que imperam os contratos celetistas por tempo indeterminado, chegando a 14.431 em 2018, ou seja, 98% do total dos vínculos trabalhistas estabelecidos. Desse modo, podemos afirmar que o caráter de emprego temporário assumido para a ocupação de operador de telemarketing não provém da condição contratual, mas do índice elevado de desligamento por iniciativa dos empregados ou de demissões.

Para as jovens entrevistadas, ser operadora de telemarketing é uma circunstância, e não uma opção de carreira. É visto por elas como o transitório, o interino, pois constitui uma das poucas possibilidades viáveis para a continuidade e/ou retomada dos estudos para, em seguida, trabalharem em outra área, preferencialmente relacionada à formação acadêmica, como reitera Leidze: “Sincera e honestamente, eu estou na área de telemarketing, apesar de tudo, porque não tem jeito, eu não encontrei outra coisa melhor. Eu tenho que concluir meu curso na faculdade, mas é só o período de concluir o meu curso….” (Leidze, 2010).

A narrativa da jovem informa que “mesmo diante de tudo” e “das pressões psicológicas” vividas no interior das relações de trabalho, permanece trabalhando no call center porque precisa sobreviver. Assim, o trabalho assume um sentido unicamente instrumental – um meio de sobrevivência e de continuidade dos estudos. No caso de Naiara, além de ser a única forma para garantir a continuidade de seus estudos, também se configura um meio de investir no seu projeto futuro profissional: “Na verdade eu quero estagiar na minha área, sei que estágio remunerado é complicado. Então mesmo recebendo menos de trezentos reais eu to juntando todo mês um pouco, porque quando surgir alguma coisa na minha área, que não seja remunerado, eu possa pegar e sobreviver durante esse tempo” (Naiara, 2011).

Os depoimentos das jovens Naiara e Leidze também direcionam a análise para o contingente de jovens inseridos em call centers que terminaram o ensino médio e estão cursando a universidade. Analisando os dados do percentual dos empregados como operadores de telemarketing segundo o nível de escolaridade da RMS, apresentados no Gráfico 3, chama atenção o crescimento da participação de empregados com o ensino médio completo e incompleto e a significativa redução dos empregados com ensino superior incompleto. Estes valores reiteram também a tendência nacional na ocupação de telemarketing – com aumento da participação dos empregados com ensino médio e redução da participação dos trabalhadores com ensino superior completo e incompleto19 19 Em 2003, 69,9% dos trabalhadores brasileiros em telemarketing tinham o ensino médio completo e/ou incompleto, e em 2018, 79%. Já com ensino superior completo, havia em 2003 um percentual de 18,4%, reduzindo para 8,6% em 2018. .

Gráfico 3
Evolução da participação do emprego formal de operadores de telemarketing de 18 a 29 anos por escolaridade. RMS, 2003, 2008, 2013 e 2018

Embora não seja possível cruzar os dados de empregados em telemarketing com ensino superior incompleto com seus respectivos cursos e modalidades de ensino superior, é possível inferir que esses trabalhadores, predominantemente jovens e do sexo feminino, em sua grande maioria estão custeando seus cursos superiores em universidade privadas, em modalidades de menor valor social, a exemplos das licenciaturas20 20 Cabe demarcar que a instituição que realiza a licenciatura também é uma credencial de valor social. , e com uma forte possibilidade, na atual conjuntura, de serem à distância, como é o caso de Leidze. Tal situação que pode gerar dois movimentos distintos e simultâneos: se por um lado submetem-se às pressões psicológicas e ao ritmo intenso de trabalho porque precisam do emprego para garantir condições de sobrevivência e custear as despesas com o ensino superior, por outro, a saída desse emprego, seja ao longo ou após a conclusão do curso superior, não representa garantia de melhor inserção laboral.

Considerações finais

Os percursos analisados, sejam à luz dos dados ampliados estatísticos analisados, sejam por meio das singulares trajetórias pesquisadas, indicam que o ingresso dos jovens no mercado de trabalho se dá por meio de inserções provisórias, de forma precária e difícil. Dito de outro modo, por itinerários laborais marcados por longas jornadas de trabalho e baixos salários. A condição de “interino permanente” (Castel, 1998Castel, R. (1998). As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Vozes.) é predominantemente vivenciada ao longo dessas trajetórias, jovens que andam de emprego a emprego na esperança de uma estabilidade e melhores condições de trabalho. Além de constituírem o grupo etário mais desfavorecido pelas condições restritivas de emprego, também reproduzem em si as desigualdades de gênero e de raça/cor presentes no interior da própria juventude trabalhadora brasileira.

Dentre as várias formas de ingresso desses jovens no mercado de trabalho, duas estiveram fortemente presentes no conjunto das trajetórias analisadas, refletindo as similitudes, singularidades e contradições desse percurso. Assim, para a análise deste trabalho privilegiou-se duas formas de inserção laboral constitutivas das trajetórias de trabalho do contingente juvenil estudado: o primeiro emprego por meio da lei da aprendizagem e o emprego em telemarketing.

Para alguns jovens pesquisados, a condição de aprendiz significou a possível forma de acesso ao primeiro emprego. Para a maioria, era mais que uma possibilidade de obtenção do emprego, significava a perspectiva de construção de uma trajetória de trabalho na empresa que trabalhavam. Contudo, os percursos dos aprendizes foram marcados destacadamente pela subutilização da força de trabalho juvenil, pela desvalorização das suas capacidades produtivas, pelo preconceito de raça/etnia e de gênero no interior das relações de trabalho.

A Rais registrava ao fim do ano 2000 um contingente de 7.423 aprendizes. No último mês de 2018, eles representavam 431.806 contratos de aprendizagem ativos. Assim, embora os números indiquem um crescimento progressivo do número de jovens na condição de aprendizes no Brasil, as singulares trajetórias analisadas informam tendências nesse tipo de inserção, com o medo constituindo um elemento estruturante desses percursos. Os jovens vivem cotidianamente um trânsito laboral marcado pela incerteza do emprego e, por isso, suas trajetórias se pautam pela incerteza do amanhã; os jovens não só não conseguiram fazer carreira profissional no interior da empresa em que foram inseridos, como também não permaneceram os dois anos na condição de aprendiz, conforme orienta a lei.

Quando analisamos as trajetórias de trabalho no telemarketing, os dados quantitativos apresentados aqui indicam que o setor tem se caracterizado como uma porta de entrada de parcela importante dos jovens trabalhadores brasileiros. É uma ocupação predominantemente feminina, com ensino médio completo/incompleto e de alta rotatividade.

Os percursos laborais das jovens inscritas no telemarketing, além de reiterarem o que elucidam os dados da Rais, também informam que, diante da escassez do emprego e das barreiras historicamente impostas ao jovem no acesso ao trabalho desejado, a questão central não é encontrar o melhor emprego possível, mas sim a de encontrar um emprego, seja ele qual for, assumindo assim o trabalho em telemarketing um caráter instrumental para os jovens pesquisados, aquele que possibilita condições materiais de sobrevivência, quer seja do próprio jovem, quer seja do seu grupo familiar.

Para as operadoras de telemarketing, o trabalho no call center se configura – mesmo marcado por altos índices de pressão psicológica e ritmo intenso de trabalho – um locus possível de ocupação, protegido e com registro em carteira, muito embora nesse caso em particular, não signifique necessariamente melhores condições de trabalho e salário.

O mais contraditório desses dois processos de inserção é que, mesmo diante das crescentes dificuldades em encontrar um trabalho, de inserções provisórias, trabalhos precários, salários baixos e intensificação do trabalho levada ao extremo, os jovens dessa pesquisa acreditam na mudança de posição social por meio do trabalho e, sobretudo, (re)afirmam constantemente a centralidade do trabalho em suas vidas.

Por fim, as trajetórias analisadas, ora de formação, ora de trabalho, informam o quanto elas são interdependentes, tratando em particular de jovens de baixa renda. Emir Sader, em 2005, no prefácio à obra de Isteván Mészáros, Educação para além do capital, provoca a análise dessa relação, indagando:

digam-me onde está o trabalho em um tipo de sociedade e eu direi onde está a educação. Em uma sociedade do capital, a educação e o trabalho se subordinam a essa dinâmica, da mesma forma que em uma sociedade em que se universalize o trabalho – uma sociedade em que todos se tornem trabalhadores –, somente aí se universalizará a educação.

(Sader, 2005Sader, E. (2005). Prefácio. In I. Mészáros, A educação para além do capital (pp. 15-18). Boitempo., p. 17)

Portanto, as trajetórias de formação construídas pelos jovens pesquisados, quase concomitantemente às suas trajetórias de trabalho, contribuíram para que as formas flexíveis de emprego constituam uma porta de acesso ao exercício de uma atividade remunerada para um número crescente de jovens. Todavia, a grande transformação que se verifica nos últimos anos reside no fato de que tanto os empregos precários como as novas formas de subemprego, como aprendizes e os operadores de telemarketing, assumem cada vez menos uma ponte que conduz à estabilidade de emprego. Para muitos jovens, eles deixaram de ser um acontecimento biográfico pontual e passaram a um modo de vida.

  • 1
    Dossiê temático organizado por: Aparecida Neri de Souza (https://orcid.org/0000-0002-1730-4495), Dirce Djanira Pacheco e Zan (https://orcid.org/0000-0002-3663-2232) e José Humberto da Silva (https://orcid.org/0000-0002-7437-7017)
  • 3
    Normalização, preparação e revisão textual: Ana Carolina López (Tikinet) – revisao@tikinet.com.br
  • 4
    Apoio: CAPES/CNPq
  • 5
    Para um maior aprofundamento, ver Baltar et al., 2010.
  • 6
    Ainda assim, para o segmento dos jovens, as principais melhorias do mercado de trabalho brasileiro nesse período foram a queda do desemprego e o aumento do emprego formalizado. Além disso, foi reduzido o peso do trabalho doméstico na absorção dos jovens e o trabalho não remunerado (Baltar et al., 2010Baltar, P. E. A., Santos, A. L., Krein, J. D., Leone, E., Proni, M. W., Moretto, A., Maia, A. G., & Salas, C. (2010). Trabalho no Governo Lula: uma reflexão sobre a recente experiência brasileira. Carta social e do Trabalho, (12), 2-36.).
  • 7
    Segundo a PNAD Contínua Trimestral, no 1° trimestre de 2020 a RMS apresentou taxa de desocupação de 38,5% para os jovens de 18 a 24 anos, a quarta maior taxa entre as RMs pesquisadas (IBGE, 2020Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2020). PNAD Contínua: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua. Gov.br. https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/17270-pnad-continua.html?=&t=o-que-e
    https://www.ibge.gov.br/estatisticas/soc...
    ).
  • 8
    As taxas mais elevadas de desemprego se encontram entre as mulheres negras jovens. Em 2017, a taxa de desemprego entre mulheres negras era de 26,5%, enquanto a taxa dos homens não negros foi de 21,1%. As mulheres negras também auferem os menores rendimentos médios entre os grupos de raça/cor e sexo. Em 2017 elas detinham R$ 1.373 de rendimento, no mesmo período os homens não negros possuíam R$ 1.675 (Dieese, 2018Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. (2018). O mercado de trabalho na região metropolitana de salvador em 2018. Dieese. https://www.dieese.org.br/analiseped/2018/2018pedssa.html
    https://www.dieese.org.br/analiseped/201...
    ).
  • 9
    A escolha pela cidade de Salvador e Região Metropolitana se deu pela disponibilidade de alguns dados já coletados dos Consórcios Sociais da Juventude, encontrados ao longo da pesquisa desenvolvida no Mestrado de Educação e Contemporaneidade, defendida em 2007. Ao longo da referida pesquisa, foi elaborado um banco de dados que possibilitou o acompanhamento de jovens que foram atendidos em 2004, 2005 e, mais precisamente, dos que participaram em 2006 do Consórcio Social da Juventude de Salvador e Região Metropolitana.
  • 10
    Para aprofundamento, ver Segnini (2009)Segnini, L. (2009). Relatório final Programa Rumos Itaú Cultural Artes Visuais – Trilhas do Desejo: formação profissional e trabalho nas narrativas de artistas visuais selecionados 2008/2009. Observatório Itaú Cultural..
  • 11
    Para melhor compreensão do que é o diário de campo, consultar o Guia para pesquisa de campo: produzir e analisar dados etnográficos (Beaud & Weber, 2007Beaud, S., & Weber, F. (2007). Guia para pesquisa de campo: produzir e analisar dados etnográficos. Vozes.).
  • 12
    Até o Decreto nº 5.598, 2005.
  • 13
    “A matrícula em programas de aprendizagem deve observar a prioridade legal atribuída aos Serviços Nacionais de Aprendizagem e, subsidiariamente, às Escolas Técnicas de Educação e às Entidades sem Fins Lucrativos (ESFL) que tenham por objetivo a assistência ao adolescente e a educação profissional, registradas no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), em se tratando de aprendizes na faixa dos 14 aos 18 anos” (Brasil, 2010Brasil. (2010). Manual da aprendizagem: o que é preciso saber para contratar o jovem aprendiz (3a ed.). Ministério do Trabalho e Emprego. https://www.justica.pr.gov.br/sites/default/arquivos_restritos/files/migrados/File/socioeducacao/aprendizagem_pub_manual_aprendiz_2009.pdf
    https://www.justica.pr.gov.br/sites/defa...
    , p. 11).
  • 14
    Ampliada pelo Decreto nº 9.579, 2018.
  • 15
    Neste trabalho foram considerados como setor de telemarketing os seguintes grupos de ocupação de acordo com a CBO (2002): 4223-05: operador de telemarketing ativo; 4223-10: operador de telemarketing ativo e receptivo; 4223-15: operador de telemarketing receptivo; 4223-20: operador de telemarketing técnico.
  • 16
    Expressão usada pela própria jovem.
  • 17
    No ranking das maiores empresas da indústria de telemarketing no Brasil com maior número de empregados (2005-2010), ela ocupa a segunda posição, ficando atrás somente da Atento, conforme a Associação Brasileira de Telesserviços (ABT).
  • 18
    A RV expressada pela jovem é uma variável que incrementa ao salário dos operadores de telemarketing.
  • 19
    Em 2003, 69,9% dos trabalhadores brasileiros em telemarketing tinham o ensino médio completo e/ou incompleto, e em 2018, 79%. Já com ensino superior completo, havia em 2003 um percentual de 18,4%, reduzindo para 8,6% em 2018.
  • 20
    Cabe demarcar que a instituição que realiza a licenciatura também é uma credencial de valor social.

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Editado por

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Editor responsável: André Luiz Paulilo https://orcid.org/0000-0001-8112-8070

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    25 Ago 2020
  • Revisado
    09 Set 2021
  • Aceito
    03 Nov 2021
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