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O desenvolvimento engajado e o teatro-brincar na constituição da coletividade 3 3 Editor responsável: César Donizetti Pereira Leite. https://orcid.org/0000-0001-8889-750X 4 4 Normalização, preparação e revisão textual: Mariana Munhoz (Tikinet) revisao@tikinet.com.br 5 5 Apoio: CNPq 301512/2019-1; Piprint/PUC-SP 26690.

Engaged development and play-theater in the constitution of the collectivity

Resumo

Os espaços de aprendizagem precisam estar engajados com a vida real, na tentativa de criar possibilidades de ser, agir, sentir, viver o mundo de modo a garantir a mobilidade social do sujeito para intervir na realidade. Nesse intento, este trabalho propõe o conceito de desenvolvimento engajado para discutir o papel do brincar na constituição da multitudo em um programa de extensão. Para tal, centralizamos dois episódios de uma proposta didática com o tema moradia e habitação, por meio do teatro-brincar, como base para processos de ensino-aprendizagem. O teatro-brincar, fundamentado pela perspectiva vygotskiana e inspirado nos jogos teatrais boalianos, é visto como uma realização artístico-performático colaborativa, cujo engajamento real com a vida e a expansão intencional, faz dele lócus para seus participantes experienciarem a criação de eventos dramáticos, que são refratados em forma de vivências afeto-cognitivas, essenciais ao desenvolvimento de posicionamento no mundo. A análise dos episódios, por meio da pesquisa crítico-colaborativa, revela que o teatro-brincar promove o desenvolvimento engajado possibilitando a abertura de caminhos para a transformação do sujeito e sua atuação no mundo.

Palavras-chave
desenvolvimento engajado; teatro-brincar; vivência afeto-cognitiva

Abstract

Learning spaces must engage with real life to create possibilities of being, acting, feeling, living in the world in order to guarantee the individual’s social mobility to intervene in the world. Hence, this work proposes the concept of “engaged development” to discuss the role of play in shaping the multitude in an outreach program. To do so we center two episodes of a didactic proposal on the theme of housing, through the play-theater, as a basis for teaching-learning processes. Play-theater, based on the vygotskian perspective and inspired by boalian theater games, consists of a collaborative artistic-performative activity, of which the real engagement with life and intentional expansion makes it a locus for experiencing the creation of dramatic events refracted as affective-cognitive experiences, essential for assuming a position in the world. The Critical-Collaborative analysis of the episodes reveals that play-theater promotes engaged development, opening paths for individual transformation and acting in the world.

Keywords
engaged development; play-theater; affective-cognitive perezhivanie

1. Introdução

Este estudo tem como objetivo propor o conceito de desenvolvimento engajado para discutir o papel do brincar na constituição da multitudo no Programa Digitmed por meio de dois episódios nesse contexto (2018)6 6 Programa Digitmed: A construção de espaços vividos para o desenvolvimento de mobilidade, liderado pela Profa. Fernanda Liberali, desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa Linguagem e Atividades no Contexto Escolar (PUC-SP), que objetiva o desenvolvimento da mobilidade dos participantes, por meio de projetos desencapsuladores. Os projetos são realizados em escolas públicas e privadas, considerados territórios para a vivência de experiências marcantes, nas quais os participantes têm a oportunidade de se apropriar de recursos diversos, que se tornam um repertório para a ação e a transformação de/em contextos múltiplos e superdiversos. Esta pesquisa foi financiada por: CNPq e Plano de Incentivo à Pesquisa (PIPeq). . Em específico, o texto discute o desenvolvimento engajado como forma de superar a educação pautada no acúmulo de saberes e apropriação de conhecimentos, ou seja, para além do aspecto bio-afeto-sócio-cognitivo na direção de uma sociedade liberta.

O Digitmed é um programa de extensão desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa Linguagem em Atividades no Contexto Escolar (LACE), no Programa de Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem, em Educação: Formação de Formadores (FORMEP) e em Educação: Currículo, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). É um programa de intervenção crítico-colaborativa que envolve pesquisadores, gestores, educadores, alunos (surdos e ouvintes) de diferentes idades, intérpretes de Libras, imigrantes, pais e funcionários escolares em atividades de formação mútua.

Os temas discutidos no Digitmed são abrangentes e têm como norte pensar o currículo desencapsulado7 7 O sintagma engestromiano “encapsulação curricular” remete ao conceito farmacológico de colocar uma substância química em cápsula, isolando o conteúdo do meio ao redor. A símile alude ao conteúdo programático escolar que se distancia da realidade vivida fora da escola, como se estivesse disponibilizado em cápsulas, deixando aquém a promoção do diálogo curricular. (Engeström, 1999Engeström, Y. (1999). Learning by expanding: an activity-theoretical approach to developmental research. Orienta-Konsultit.) e, por conseguinte, ampliar o patrimônio vivencial8 8 Patrimônio vivencial (Megale & Liberali, 2020) é o conjunto de recursos acumulados a partir de eventos dramáticos vividos com o outro, que se materializam (ou não) em suas formas de viver novas experiências. (Megale & Liberali, 2020Megale, A. H., & Liberali, F. C. (2020). As implicações do conceito de patrimônio vivencial como uma alternativa para a educação multilíngue. Revista X, 15(1), 55-74. http://dx.doi.org/10.5380/rvx.v15i1.69979
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) de seus participantes, considerando o processo de ensino-aprendizagem além do saber canônico escolar. Isso significa incluir saberes e viveres diversos em seu planejamento oriundos de contextos superdiversos (Vertovec, 2007Vertovec, S. (2007). Super-diversity and its implications. Ethnic and racial studies, 30(6), 1024-1054. http:// dx.doi.org/10.1080/0141987070159946
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), os quais podem ampliar a constituição agentivo-transformadora do sujeito no mundo.

Os espaços de aprendizagem, argumenta Liberali (Cultural Praxis, 2020Cultural Praxis (2020, 18 de outubro). Fernanda Liberali revisits Vygostsky from COVID-19 & decoloniality perspectives (Portuguese/English). [Vídeo] YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=a9HGAdXLIc4
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), precisam ser constituídos para criar possibilidades de ser, agir, sentir, viver o mundo, ou seja, espaços engajados com a vida real, expandidos intencionalmente de modo a garantir a mobilidade social do sujeito para intervir na realidade. Seriam, pois, espaços férteis para discutir, debater, criar, inventar, refletir – problematizar – com o outro, transcendendo as barreiras do “para si” e “em si”, em direção ao “eu social” ou o “eu coletivo” – libertador – (Freire, 2014Freire, P. (2014). Pedagogia do oprimido.(58ª ed.). Paz e Terra., p. 92). Esse compromisso com o “nós” que “se volta problematizado aos sujeitos pronunciantes, a exigir deles novo pronunciar” (Freire, 2014Freire, P. (2014). Pedagogia do oprimido.(58ª ed.). Paz e Terra., p. 78) requer pensamento crítico, curiosidade, rigor metódico, engajamento como pressuposto para um desenvolvimento que amplia as possibilidades de ser, agir, sentir, porque oferece, cada vez mais, possibilidades de escolhas conscientes.

Alinhada à concepção vygotskiana, Liberali (Cultural Praxis, 2020Cultural Praxis (2020, 18 de outubro). Fernanda Liberali revisits Vygostsky from COVID-19 & decoloniality perspectives (Portuguese/English). [Vídeo] YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=a9HGAdXLIc4
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) dialoga, por exemplo, com a perspectiva decolonial (Quijano, 2002Quijano, A. (2002). Colonialidade, poder, globalização e democracia. Novos rumos, (37)17. https://doi.org/10.36311/0102-5864.17.v0n37.2192
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; Santos, 2009Santos, B. S. (2009). Para além do pensamento abissal: Das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: B. S. Santos, & M. P. Meneses (Orgs.), Epistemologias do Sul (pp. 23-71). Almedina.; Mignolo, 2017Mignolo, W. (2017). Colonialidade: o lado mais escuro da modernidade. (Marco Oliveira, trad.) Rev. bras. ciências sociais, 32(94). https://doi.org/10.17666/329402/2017 (Obra original publicada em 2011)
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/2011, entre outros) que, no âmbito educacional, contesta a imposição dos padrões euro-EUA-centrados (Walsh, 2010Walsh, C. (2010). Estudios (inter)culturales en clave decolonial. Tabula Rasa, 12, 209-227. https://doi.org/10.25058/20112742.393
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), sobretudo, no campo epistemológico, silenciando culturas, experiências, saberes dos grupos invisibilizados considerados subalternos. Esses padrões coloniais9 9 Em síntese, o conceito colonialidade diz respeito ao predomínio eurocêntrico estruturado nas interfaces do poder, saber e ser (Quijano, 2002). Ainda, atravessa diferentes esferas sociais, territoriais, raciais, epistêmicas, culturais e de gênero e tem como principal elemento o controle do poder. podem ser observados, por exemplo, no currículo escolar, livros didáticos, avaliações de rendimento, apostilas, e outros cujas narrativas ecoam pedagogias de dominação (Arroyo, 2014Arroyo, M. (2014). Outros sujeitos, outras pedagogias. Vozes.) que vêm, sistematicamente, invisibilizando grupos sociais a serem representados, inferiorizando saberes oriundos de outros grupos invisibilizados diante do cânone colonial.

Essa invisibilidade pode ser, ainda, constatada na fabricação de corpos dóceis (Foucault, 2013Foucault, M. (2013). Vigiar e punir: o nascimento da prisão. Edições 70; Almedina.), que institui formas submissas em termos políticos e obediência de ser e agir. Na escola, a docilização dos corpos aparece camuflada por situações rotineiras como: na distribuição dos alunos no espaço, geralmente, dispostos em fileiras, no currículo encapsulado, nas avaliações com critérios padronizados, nas práticas docentes excludentes e dogmáticas, na gestão sem colaboração, em que a hierarquização ainda predomina e vela as vozes de seus participantes nas negociações, no fazer e publicar pesquisas, entre outros. Por esse ângulo, segundo Mignolo em Moreno (2011)Moreno, P. P. G. (2011, 25 de abril). Estéticas decoloniales Walter Mignolo 3.f4v. [Vídeo]. YouTube https://youtu.be/mqtqtRj5vDA
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, é possível associar a colonialidade com o panóptico foucaultiano: o poder disciplinar, muitas vezes invisível pelas epistemologias modernas, em detrimento da visibilidade de corpos considerados inferiores, impedindo que o sujeito veja, sinta e pense fora do modelo colonial.

Considerando essas questões, Liberali (Cultural Praxis, 2020Cultural Praxis (2020, 18 de outubro). Fernanda Liberali revisits Vygostsky from COVID-19 & decoloniality perspectives (Portuguese/English). [Vídeo] YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=a9HGAdXLIc4
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) é assertiva ao dizer que não é possível manter relações praxiológicas, que perpetuem a dicotomia entre “vozes do norte” e “vozes do sul”. A superação desse paradigma requer dos pesquisadores o pensamento novo (Mignolo, 2017Mignolo, W. (2017). Colonialidade: o lado mais escuro da modernidade. (Marco Oliveira, trad.) Rev. bras. ciências sociais, 32(94). https://doi.org/10.17666/329402/2017 (Obra original publicada em 2011)
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/2011) que, além de questionar a opressão epistemológica, é responsável pela elaboração de propostas comprometidas com um mundo mais justo, como se espera de sujeitos sentipensantes (Fals Borda, 2009Fals Borda, O. (2009). Una sociologia sentipensate para América Latina. Antologia de textos selecionados e apresentados por Víctor Manuel Moncayo. CLACSO; Siglo del Hombre.). Não se trata de deslegitimar o conhecimento produzido pelo sujeito colonizador, mas criar outro modo de pensar, fazer e agir que se distancie do pensamento abissal (Santos, 2009Santos, B. S. (2009). Para além do pensamento abissal: Das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: B. S. Santos, & M. P. Meneses (Orgs.), Epistemologias do Sul (pp. 23-71). Almedina.), ou seja, desse abismo fronteiriço – norte/sul – que inviabiliza a copresença entre os dois lados do hemisfério.

No contexto do Digitmed, esse pensamento novo se materializa por meio do teatro-brincar, como uma proposta de engajamento real com a vida, coconstruída na esfera escolar, a qual oferece um amplo espectro de situações que potencializam o processo de ensino-aprendizagem com vistas ao desenvolvimento. O programa se inspira nos jogos teatrais e experimentações do Teatro do Oprimido (TO) (Boal, 2009Boal, A. (2009). Estética do oprimido. Garamond.), concebendo o teatro-brincar como uma realização artístico-performático-colaborativa. O TO permite ao sujeito ultrapassar limites e criar outras possibilidades, outras alternativas de ser o que ele não é e vislumbrar quem deseja ser e tornar-se (Newman & Holzman, 2002Newman, F., & Holzman, L. (2002). Lev Vygotsky – cientista revolucionário. (Marcos Bagno, Trad.). Loyola. (Obra original publicada em 1993)./1993).

Ao proporcionar outras experiências, o teatro-brincar, por meio de situações imaginárias, abre caminhos para a transformação do sujeito e sua atuação no mundo. Segundo Vygotsky (2009/1930)Vygotsky, L. S. (2009). Imaginação e criação na infância. (Ana Luiza Smolka, comentários; Zóia Prestes, Trad.). Ática. (Obra original publicada em 1930)., a imaginação é a base de toda a atividade criadora que se estende a todas as esferas da vida social e cultural; está ligada teoricamente à presença de regras e se apoia na afetividade que impulsiona o sujeito ao desenvolvimento e à transformação do real. Ao brincar, o sujeito se liberta das coerções do mundo real, mas, de modo contraditório, subordina-se às regras criadas e impostas no brincar.

Nessa contradição de dar existência ao inexistente, há prazer em criar situações de superação da realidade. Aqui o sujeito faz coisas acontecerem e experiencia algo talvez nunca experienciado (Pino, 2016Pino, A. (2016). A produção imaginária e a formação do sentido estético. Reflexões úteis para uma educação humana. Pro-Posições, 17(2), 47-69. https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/proposic/article/view/8643628
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). Nessa mesma direção, Dafermos (2020)Dafermos, M. (2020). Reconstructing the fundamental Ideas of Vygotsky’s theory in the contemporary social and scientific context. In: A. Tanzi Neto, F. Liberali, & M. Dafermos (Eds.), Revisiting Vygotsky for social change: Bringing together theory and practice (pp. 13-30). Peter Lang. ressalta que a imaginação é um modo de vivência que permite ao sujeito se distanciar do aqui e do agora; sair da realidade e voltar a ela é uma maneira de expandir e experimentar o agir no mundo. Enfim, a imaginação, em sua dimensão libertadora, permite superar a realidade vivida para, dialeticamente, criar outras experiências.

Nesse quadro conceitual, entendemos que, quanto mais amplo o patrimônio vivencial do participante, maior será seu poder de criação e escolha no teatro-brincar e, por conseguinte, mais expandida sua possibilidade de acesso a situações não experimentadas, o que pode suscitar novas significações e compreensão sobre o mundo e sobre si. O participante, então, (re)cria algo e nessa contínua (re)criação, transforma o mundo que está em contínua transformação e recria a si mesmo (Stetsenko, 2017Stetsenko, A. (2017). The transformative mind: Expanding Vygotsky’s approach to development and education. Cambridge University Press. https://doi.org/10.1017/9780511843044
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). Portanto, criar uma situação imaginária no teatro-brincar promove uma atividade revolucionária (Newman & Holzman, 2002Newman, F., & Holzman, L. (2002). Lev Vygotsky – cientista revolucionário. (Marcos Bagno, Trad.). Loyola. (Obra original publicada em 1993)./1993).

O engajamento real com a vida e sua expansão intencional fazem do teatro-brincar um lócus para seus participantes experienciarem a criação de eventos dramáticos, que são refratados em forma de vivências afeto-cognitivas – perejivanie – (Vygotsky, 1994Vygotsky, L. S. (1994). The problem of the environment. In: R. Van der Veer, & J. Valsiner (Eds.), The Vygotsky reader (pp. 338-354). Blackwell. (Trabalho original publicado em 1934)./1934), essenciais ao desenvolvimento de posicionamentos situados no mundo. Sawaia & Silva (2015)Sawaia, B. B., & Silva, D. N. (2015). Pelo reencantamento da psicologia: Em busca da positividade epistemológica da imaginação e da emoção no desenvolvimento humano. Caderno Cedes, 35, 343-360. http://dx.doi.org/10.1590/CC0101-32622015V35ESPECIAL154115
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esclarecem que a imaginação permite aos sujeitos serem afetados de maneiras distintas, mesmo quando participam de um mesmo evento. Com base nas discussões vygotskianas, Dafermos (2020)Dafermos, M. (2020). Reconstructing the fundamental Ideas of Vygotsky’s theory in the contemporary social and scientific context. In: A. Tanzi Neto, F. Liberali, & M. Dafermos (Eds.), Revisiting Vygotsky for social change: Bringing together theory and practice (pp. 13-30). Peter Lang. explica que a imaginação coletiva e pessoal é uma condição necessária para a promoção da liberdade e da agência. Pino (2016)Pino, A. (2016). A produção imaginária e a formação do sentido estético. Reflexões úteis para uma educação humana. Pro-Posições, 17(2), 47-69. https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/proposic/article/view/8643628
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e Sawaia & Silva (2015)Sawaia, B. B., & Silva, D. N. (2015). Pelo reencantamento da psicologia: Em busca da positividade epistemológica da imaginação e da emoção no desenvolvimento humano. Caderno Cedes, 35, 343-360. http://dx.doi.org/10.1590/CC0101-32622015V35ESPECIAL154115
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enfatizam o ambiente, a criatividade, a determinação, a liberdade e, sobretudo, a imaginação para que se adquira o caráter revolucionário, pois reside aí a possibilidade de alterar a história.

Todas essas questões incidem no teatro-brincar, pois este se apresenta como uma proposta comprometida com um desenvolver revolucionário, que se faz no movimento do tornar-se, ou seja, o desenvolvimento comprometido com a totalidade histórica que está em constante movimento (Newman & Holzman, 2002Newman, F., & Holzman, L. (2002). Lev Vygotsky – cientista revolucionário. (Marcos Bagno, Trad.). Loyola. (Obra original publicada em 1993)./1993). Esse desenvolvimento, a nosso ver compreendido como engajado, é revolucionário quando se realiza na compreensão dos contextos da vida, por meio do patrimônio vivencial do próprio sujeito e demais recursos historicamente presentes na sociedade, que são mutuamente expandidos e construídos a partir de posicionamentos e escolhas embasadas. O desenvolvimento engajado pressupõe, sobretudo, que o sujeito tenha consciência do movimento e a possibilidade de escolher para qual direção se mover.

Além desta introdução, o artigo está organizado em duas seções. A primeira aborda o conceito de desenvolvimento com base na perspectiva do materialismo histórico-dialético, em diálogo com a filosofia espinosana com relação aos conceitos afeto, comum e multitudo, o que amplia em nossa concepção, o conceito de desenvolvimento engajado promovido pelo teatro-brincar. Em seguida, o artigo discorre sobre os procedimentos metodológicos a partir da pesquisa crítica de colaboração (PCCol) (Magalhães & Fidalgo, 2019Magalhães, M. C. C., & Fidalgo, S. (2019). Reviewing critical research methodologies for teacher education in applied linguistics. DELTA: Documentação de estudos em lingüística teórica e aplicada, 35(3), e2019350301. http://dx.doi.org/10.1590/1678-460X2019350301
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) para, então, centralizar a análise e a discussão de dois episódios que ilustram esse desenvolvimento. Por último, o artigo traz reflexões e considerações derradeiras sobre a temática.

2. Teatro-brincar: por um desenvolvimento engajado

A partir dos pressupostos do materialismo histórico-dialético, o desenvolvimento humano pode ser concebido como um processo dialético em que o sujeito está em constante transformação, considerando sua interação com o mundo que está sendo transformado e que, igualmente, transforma tudo e todos. Essa ideia prevê um movimento ininterrupto, sinalizando que nada está acabado; tudo e todos estão em processo contínuo em vias de se transformar. Nessa perspectiva teórica, compreendemos que todos os fenômenos devem ser estudados como processos em movimento em seu desenvolvimento histórico.

Essa dinâmica orienta as investigações vygotskianas, por exemplo, em nível conceitual, ao assumir a tese marxista de que a essência do sujeito humano são as relações sociais e que o desenvolvimento humano é acompanhado por processos e transformações psíquicas: no plano interpsicológico, o lugar do encontro, da negociação entre os mundos de significação e, posteriormente, no plano intrapsicológico, mundo das vivências singulares, em que diferentes emoções e ideias se produzem e atuam (Smolka, Goes & Pino, 1995Smolka, A. L. B., Góes, M. C. R., & Pino, A. (1995). The constitution of the subject: A persistent question. In: J. V. Wertsch, P. del Rio, & A. Alvarez (Eds.), Sociocultural studies of mind (pp. 165-184). Cambridge University Press.). Esse movimento também está no processo dialético e histórico condutor do desenvolvimento-aprendizagem, ligado à zona de desenvolvimento proximal (ZPD) que, em linhas gerais, enfatiza a importância do desenvolvimento e da relação colaborativa entre os envolvidos nesse processo que está sempre em devir.

Na verdade, o aporte vygotskiano reverbera o movimento dialético marxista do estar em processo, o que sublinha o princípio transformador e não adaptativo do desenvolvimento humano (Gee, 2004Gee, J. P. (2004). New people in new worlds: networks, the New Capitalism and schools. In: B. Cope, & M. Kalantzis (Eds.). Multiliteracies: Literacy learning and the design of social futures. (pp. 43-68). Routledge.), preocupação essa exposta, por exemplo, na 11ª Tese sobre Feuerbach (Marx & Engels, 2007Marx, K., & Engels, F. (2007). A ideologia alemã. (3ª ed.; Luis Cláudio de Castro e Costa, trad.). Martins Fontes. (Obra original publicada em 1989)./1989). Trata-se de uma crítica direcionada aos filósofos da época, que tinham uma visão mais contemplativa do mundo. Como real instrumento revolucionário, a filosofia poderia centralizar meios que pudessem encorajar ações as quais vislumbrassem a transformação social: “os filósofos só interpretaram o mundo de diferentes maneiras; do que se trata é transformá-lo” (Marx & Engels, 2007Marx, K., & Engels, F. (2007). A ideologia alemã. (3ª ed.; Luis Cláudio de Castro e Costa, trad.). Martins Fontes. (Obra original publicada em 1989)./1989, p. 103).

Nessa mesma direção, Stetsenko (2017)Stetsenko, A. (2017). The transformative mind: Expanding Vygotsky’s approach to development and education. Cambridge University Press. https://doi.org/10.1017/9780511843044
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caracteriza o desenvolvimento humano como um permanente vir a ser, tendo como norte uma perspectiva transformativa agentiva, comprometida com os princípios de solidariedade e equidade social. Essa transformação, por meio de práticas sociais colaborativas, possibilita atuar, cocriando a história e a sociedade que, dialeticamente, são cocriadas por sua agência transformadora e destinadas a mudar seu contexto de atuação e, por extensão, o mundo. Linguisticamente posicionando, a ênfase dada pela autora ao prefixo “co” define essa relação de contiguidade entre pessoas e mundo, entendidos como coextensivos, coevolutivos, justamente pelo nexo das transformações das práticas coletivas que são correalizadas, cocriadas dentro de um contexto situado.

Nesse movimento contínuo, ressalta Stetsenko (2017)Stetsenko, A. (2017). The transformative mind: Expanding Vygotsky’s approach to development and education. Cambridge University Press. https://doi.org/10.1017/9780511843044
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, as pessoas não transformam e criam apenas seu ambiente: adquirem conhecimento sobre si e sobre o mundo. Por meio desse processo, os sujeitos mudam as circunstâncias de suas vidas e de seu mundo, o que os torna responsáveis e responsivos pelos acontecimentos no aqui e agora e com aquilo que está por vir. Esse movimento é parte do existir do ser humano; portanto constitutivo. Entende-se, então, que a transformação das circunstâncias está organicamente relacionada à transformação dos sujeitos em transformação (Marx & Engels, 2007Marx, K., & Engels, F. (2007). A ideologia alemã. (3ª ed.; Luis Cláudio de Castro e Costa, trad.). Martins Fontes. (Obra original publicada em 1989)./1989)10 10 Marx & Engels (2007/1989, Terceira Tese sobre Feuebarch, p. 100): “A doutrina materialista que pretende que os homens sejam produtos das circunstâncias e da educação, e que, consequentemente, homens transformados sejam produtos de outras circunstâncias e de uma educação modificada, esquece que são precisamente os homens que transformam as circunstâncias e que o próprio educador precisa ser educado (...)”. , justamente porque o sujeito é um ser histórico, produtor de sua própria história. Ademais, cada geração atua em meio às circunstâncias herdadas da geração predecessora, alterando essas mesmas circunstâncias que, continuamente, serão herdadas por gerações futuras, pois estão em constante movimento.

Oportuno alinhavar as questões stetsenkianas às reflexões ontológicas de Freire (2014)Freire, P. (2014). Pedagogia do oprimido.(58ª ed.). Paz e Terra., que colocam o sujeito como ser histórico, situado no e com o mundo, em movimento permanente que, também, é histórico e tem seu ponto de partida nas próprias pessoas, ou seja, na relação entre ser humano e mundo11 11 Considerando o momento sócio-histórico de produção acadêmico-científica, em suas escolhas lexicais, Freire utiliza o termo “homem” sem a preocupação política de incluir as mulheres. Neste texto, por opção, usa-se o termo sujeito ou ser humano. . Como ser historicamente situado – estar sendo no mundo –, o sujeito tende a refletir sobre sua própria situacionalidade, o que significa pensar criticamente “sobre sua forma de estar”, atuando “sobre a situação em questão” (Freire, 2014Freire, P. (2014). Pedagogia do oprimido.(58ª ed.). Paz e Terra., p. 101). Daí compreende-se a vocação ontológica do ser mais, ou seja, a busca constante de autorrealização e crescimento incluindo as relações no e com o mundo que, nesse olhar, ocorre por meio da atividade revolucionária. Para Stetsenko (2017)Stetsenko, A. (2017). The transformative mind: Expanding Vygotsky’s approach to development and education. Cambridge University Press. https://doi.org/10.1017/9780511843044
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, o sujeito não está simplesmente no mundo, mas é o próprio mundo, pois está diretamente implicado em sua dinâmica como cocriador.

Em consonância com o pensamento freiriano, Stetsenko (2016)Stetsenko, A. (2016). Vygotsky’s theory of method and philosophy of practice: implications for trans/formative methodology. Educação, 39, s32-s41. http://dx.doi.org/10.15448/1981-2582.2016.s.24385
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acentua o contexto escolar como propício para estudar o desenvolvimento humano, porque as práticas educacionais geram o ininterrupto ciclo de prática-teoria-prática, que reverbera na produção de ações promotoras de práticas colaborativas e posturas transformadoras para mudar o mundo. Nesse ciclo, modos de saber e fazer, palavras e ações, ideologicamente definidos por diferentes visões de mundo, interpenetram-se e criam condições para gerar os objetos de investigação, estudá-los e transformá-los.

Nessa instância, o Digitmed configura-se como um caminho teórico-prático que envolve trabalho colaborativo, em cocriação, sem hierarquia de função, com primazia na divisão de tarefas, apoio mútuo para atingir um objetivo comum compartilhado pelo grupo (Magalhães & Fidalgo, 2019Magalhães, M. C. C., & Fidalgo, S. (2019). Reviewing critical research methodologies for teacher education in applied linguistics. DELTA: Documentação de estudos em lingüística teórica e aplicada, 35(3), e2019350301. http://dx.doi.org/10.1590/1678-460X2019350301
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). Esse ciclo da práxis implica refletir nas e sobre as ações para o desenvolvimento dos sujeitos, trazendo da prática elementos que possam ressignificar a teoria que, dialeticamente, promove um novo olhar para a prática.

Dessa forma, esse ciclo de desenvolvimento promove não apenas transformações sobre a realidade circundante, mas o próprio contexto Digitmed e seus participantes que, por meio das experiências coletivas transformadas em ferramentas passam adiante modos de agir, ser, sentir e pensar. Em outras palavras, existe no Digitmed uma vocação ontológica do ser mais freiriano, advindas das práticas colaborativas que são atuais, atrativas, criativas e promotoras da compreensão crítica de uma situação-problema e, principalmente, do ativismo.

Ao pensar no ciclo da práxis e suas implicações – desenvolvimento a partir das experiências vividas – é importante realçar o papel dos afetos nessa discussão que, igualmente, é imersa no caráter histórico-social das relações entre sujeitos no e com o mundo. Na concepção vygotskiana, os aspectos cognitivos, afetivos, sociais são interdependentes, compõem uma unidade, o que posiciona a afetividade presente em todos os processos inter e intrapsíquicos. Assim, constituidora e constituinte do sujeito, a afetividade é indissociável do agir, do pensar e do persistir na existência e, como tal, coloca os sujeitos em situação de atividade ou de passividade diante de uma situação dada (Spinoza, 2017Spinoza, B. (2017). Tratado político. (Diogo Pires Aurélio, Trad.). Martins Fontes. (Obra original publicada em 1677)./1677).

2.1 Desenvolvimento engajado na perspectiva spinoziana

Os afetos são potências em processo de variação, a partir dos encontros com outros corpos, que podem ampliar ou diminuir a potência de agir do sujeito em uma dada situação – seu conatus12 12 Na Ética (Spinoza, 2003/1677, III, demonstração VIII), conatus significa uma potência natural de autoconservação para permanecer na existência; impulso, esforço, apetite e vontade que evolui por meio dos encontros com outros modos ao longo de toda uma existência. Está implícito no conceito de conatus o desejo do devir no ser humano. (Spinoza, 2003Spinoza, B. (2003). Ética demonstrada à maneira dos geômetras. (Jean Melville, trad.). Martin Claret. (Obra original publicada em 1677)./1677, III, Def. 3). Dependendo das relações de composição entre os corpos, os afetos podem ser ativos – alegria – ou passivos – tristeza. Importante ressaltar que alegria, tristeza e, também, o desejo constituem os afetos primitivos na concepção espinosana, que estão relacionados ao aumento ou à diminuição do conatus. Enquanto os primeiros são potencializadores do agir do sujeito, conduzindo-o para se desvencilhar da opressão, os segundos tendem a enfraquecer sua capacidade de agir no mundo, subordinando-o a uma relação de servidão.

Na concepção spinoziana, o afeto é concebido a partir da relação indissociável entre corpo-mente. Isso significa dizer que há correspondência entre os acontecimentos físicos e psíquicos, não existindo superioridade de um sobre o outro. É nessa perspectiva monista que Sawaia (2018)Sawaia, B. B (2018). Afeto e comum: Categorias centrais em diferentes contextos. In: B. Bader, R. A. Sawaia, & F. R. Busarello. Afeto & Comum: Reflexões sobre a práxis psicossocial. (pp. 29-36). Editora da Universidade Federal do Amazonas. compreende a dimensão ético-política dos afetos, ao enfatizar que o afeto evidencia como os cidadãos são tratados na sociedade, traduz as forças sociais em ideias e ações singulares, medeia a experiência a partir dos encontros e possibilita atuar na ação política emancipadora.

Essa ação política emancipadora, sob o olhar spinoziano, advém da capacidade de compor relações com outros corpos – pessoas – de maneira a alcançar um estado de maior alegria e, por consequência, aumento da potência de agir em muitas instâncias. Subjacente está, nessa relação, a existência de algo comum entre esses corpos para que eles se componham (Spinoza, 2003Spinoza, B. (2003). Ética demonstrada à maneira dos geômetras. (Jean Melville, trad.). Martin Claret. (Obra original publicada em 1677)./1677, II, Lema II). Ao compreender esse processo de reciprocidade na composição dos corpos com vistas a um mesmo objetivo – o comum – surge a ideia de um sujeito coletivo, que potencializa o núcleo de forças vitais da coletividade, ou seja, a multitudo (multidão). Em outras palavras, a multitudo é um todo dinâmico constituído por um conjunto de pessoas diferentes entre si, mas que se percebem mais fortes quando aliam suas potências individuais, a partir da apropriação dos afetos ativos, identificando nessa união uma potência maior, comum em busca de ações transformadoras (Spinoza, 2017Spinoza, B. (2017). Tratado político. (Diogo Pires Aurélio, Trad.). Martins Fontes. (Obra original publicada em 1677)./1677, II, § 13).

Defendemos que expandir modos de agir, ser, sentir e pensar está na base do desenvolvimento engajado do ser humano no contínuo movimento do ciclo da práxis, que inclui tudo e todos e as respectivas circunstâncias. Ao compreender os afetos como potências em permanente processo de variação a partir das relações de composição no encontro, a capacidade de afetar e ser afetado possibilita que seus participantes ajam spinozamente na busca daquilo que julgam como úteis e que estão de acordo com sua natureza (Spinoza, 2003Spinoza, B. (2003). Ética demonstrada à maneira dos geômetras. (Jean Melville, trad.). Martin Claret. (Obra original publicada em 1677)./1677, IV, escólio).

Esse julgamento – bom ou mau (Spinoza, 2003Spinoza, B. (2003). Ética demonstrada à maneira dos geômetras. (Jean Melville, trad.). Martin Claret. (Obra original publicada em 1677)./1677, IV, prefácio, p. 286) – é compreendido “como modos de pensar ou noções” que os seres humanos formam para “comparar as coisas entre si”: aquilo que é bom para um determinado sujeito pode ser menos bom ou mau para o outro. A noção do que é bom ou mau não está, necessariamente, no encontro, mas naquilo que os sujeitos julgam como úteis para si. Todavia, considerando o sujeito coletivo – a multitudo –, essa valoração incide no todo, visando sempre o bem comum; não de grupos individuais, por exemplo, que comungam do mesmo pensamento. Mas, também, existe a possibilidade do diálogo entre grupos com diferentes perspectivas na sociedade e no mundo. Essa é uma constante preocupação do Digitmed que busca no comum a expansão de potências de agir para alcançar bons encontros.

Seguindo essa linha de raciocínio, é possível dizer que o bom encontro pode desencadear o desenvolvimento engajado e como tal, promove o pensamento novo (Mignolo, 2017Mignolo, W. (2017). Colonialidade: o lado mais escuro da modernidade. (Marco Oliveira, trad.) Rev. bras. ciências sociais, 32(94). https://doi.org/10.17666/329402/2017 (Obra original publicada em 2011)
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/2011), que não só questiona a opressão epistemológica da lógica euro-EUA-cêntrica dominante, mas também propõe caminhos e responsabilidades diante das novas demandas do mundo, além de apontar para processos de transformação e para outros possíveis bons encontros.

Nessa perspectiva, o Digitmed busca o desenvolvimento do um no todo – o sujeito coletivo – a partir de atividades que possam expandir patrimônios vivenciais não só em termos de conhecimento, inclusive em termos de agir, ser, sentir e pensar de modo a fortalecer a potência comum – a multitudo. Esse sujeito coletivo pode expandir seu território de ação no mundo para o exercício de ser mais. Além disso, esse exercício é realizado a partir do teatro-brincar, poderoso instrumento-e-resultado vygotskiano que jamais deveria ser abandonado pelo ser humano.

O brincar pode ser concebido como uma atividade revolucionária, que possibilita a criação de ZPD, ou seja, a “distância emergente e contínua entre o ser e o tornar-se” (Newman & Holzman, 2002Newman, F., & Holzman, L. (2002). Lev Vygotsky – cientista revolucionário. (Marcos Bagno, Trad.). Loyola. (Obra original publicada em 1993)./1993, p. 119). Nesse contexto, os participantes, em geral, brincam, atuam, exercitam o falar e o escutar; são conscientes de seu expandir a partir do compartilhamento de experiências vividas que se constituem na e pela multiplicidade dos encontros. Ao longo de sua existência, o Digitmed, a partir de suas atividades, mostra-se como um lócus promotor de posturas engajadas, sobretudo, pela colaboração proposital e voluntária de seus participantes compromissados com a transformação social.

Como já discutido ao longo do texto, o teatro-brincar traz uma proposta comprometida com um agir revolucionário (Newman & Holzman, 2002Newman, F., & Holzman, L. (2002). Lev Vygotsky – cientista revolucionário. (Marcos Bagno, Trad.). Loyola. (Obra original publicada em 1993)./1993) que incide no desenvolvimento do sujeito. Não se trata apenas de pensar o desenvolvimento em seus aspectos bio-afeto-sócio-cognitivos, mas, sobretudo, pensar o desenvolvimento engajado com a totalidade histórica em seu fluxo de contínuo movimento em prol de justiça social mais ampla. Subjacente a esse desenvolvimento, encontra-se o encorajamento para questionar subordinações e padrões colonizadores. Dessa forma, é possível criar entendimentos e condições que articulem e façam dialogar legitimidade, dignidade, equidade e respeito, promovendo modos outros de pensar, ser, aprender, ensinar, sonhar, agir e viver.

3. O Digitmed e o teatro-brincar: contexto e procedimentos metodológicos

No âmbito do Digitmed, o teatro-brincar liga-se à dialética das relações sociais e apropriação de cultura dos sujeitos, ao processo de criação, imaginação e regras (Vygotsky, 2009Vygotsky, L. S. (2009). Imaginação e criação na infância. (Ana Luiza Smolka, comentários; Zóia Prestes, Trad.). Ática. (Obra original publicada em 1930)./1930). Em seu sintagma, traz elementos que envolvem o mundo fictício entrelaçado ao mundo real. Na prática teatral, estabelece-se o jogo da representação da verdade no palco, ou seja, o ator finge que é outra pessoa. Quando em cena, evoca emoções análogas às que já foram vividas – memória afetiva – de modo a despertar em si vivências, emoções e circunstâncias semelhantes exigidas pela personagem, transportando-as para sua atuação no palco (Vigotski, 2023Vigotski, L. S. (2023). Sobre a questão da psicologia da criação pelo ator. (P.N. Marques, Trad.). Pro-Posições, 34, ed0020210085. http://dx.doi.org/10.1590/1980-6248-2021-0085 (Obra original publicada em 1936).
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; Vygotsky, 1999Vygotsky, L. S (1999). Psicologia da arte. (Paulo Bezerra, trad.). Martins Fontes. (Obra original publicada em 1934)./1934; Stanislavski, 2014Stanislavski, C. S. (2014). A preparação do ator (22ª ed.; Pontes de Paula Lima, trad.). Civilização Brasileira. (Obra original publicada em 1936)./1936; Marques, 2020Marques, P. N. (2020). O formalismo russo sob a lente de L. S. Vygótski: influência e crítica. Revista de literatura e cultura russa, 11(16), 125-145. https://doi.org/10.11606/issn.2317-4765.rus.2020.172165
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).

No brincar, não apenas na infância, mas em todo o percurso da vida, o sujeito cria um eu fictício que o motiva a interpretar papéis diversos, desenvolver a criatividade que viabiliza descobertas sobre si e sobre o mundo. Nesse brincar, ele se vale de regras criadas e subordinadas pelos próprios participantes, considerando as circunstâncias em que a brincadeira acontece (Vygotsky, 2000Vygotsky, L. S. (2000). Lev S. Vigotski: Manuscrito de 1929. Educação e Sociedade, XXI(71). http://www.scielo.br/pdf/es/v21n71/a02v2171 (Trabalho original publicado em 1929).
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/1929).

Newman & Holzman (2002/1993)Newman, F., & Holzman, L. (2002). Lev Vygotsky – cientista revolucionário. (Marcos Bagno, Trad.). Loyola. (Obra original publicada em 1993). apontam três diferentes formas de brincar, a saber: a fantasiosa, a regrada e a performática, esta considerada uma imitação revolucionária. Para esses teóricos, a atividade revolucionária é reprimida na vida diária depois da infância. A performance seria, então, o antídoto para a superalienação, pois atuaria favorecendo posturas revolucionárias quando implementadas, o que poderia promover “ensino-aprendizagem-conduzindo-desenvolvimento” (Newman & Holzman, 2002Newman, F., & Holzman, L. (2002). Lev Vygotsky – cientista revolucionário. (Marcos Bagno, Trad.). Loyola. (Obra original publicada em 1993)./1993, p. 112).

Neste estudo, o brincar centraliza a performance, aqui, intitulado teatro-brincar, que se alinha à perspectiva vygotskiana. Trata-se de uma cocriação de ferramenteiros – seus idealizadores –, atuando em âmbito escolar, o qual possibilita ao sujeito, por meio do encontro, afetar e ser afetado na busca pela compreensão de um dado problema para juntos trabalharem a possível transformação. O teatro-brincar possibilita reconhecer que, ao mesmo tempo, “somos” e “nos tornamos”; isso significa assumir que a transformação de si acontece por meio de um engajamento na transformação de tudo e do todo (Newman & Holzman, 2002Newman, F., & Holzman, L. (2002). Lev Vygotsky – cientista revolucionário. (Marcos Bagno, Trad.). Loyola. (Obra original publicada em 1993)./1993).

Metodologicamente, este trabalho encontra sustentação na PCCol (Magalhães & Fidalgo, 2019Magalhães, M. C. C., & Fidalgo, S. (2019). Reviewing critical research methodologies for teacher education in applied linguistics. DELTA: Documentação de estudos em lingüística teórica e aplicada, 35(3), e2019350301. http://dx.doi.org/10.1590/1678-460X2019350301
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), cujo caráter interventivo no contexto investigado busca alternativas crítico-colaborativas compartilhadas. Enfatiza, pois, a participação ativa dos envolvidos no contexto do trabalho, o fazer-com que, no movimento contínuo da práxis, reitera a ideia de coautoria e coconstrução. Nesse jogo dialético, os participantes constroem uma compreensão da realidade investigada, transformando-a e sendo por ela transformados.

Para a discussão de dados, a análise se pauta na descrição do conteúdo temático (Bronckart, 1999Bronckart, J. P. (1999). Atividades de linguagem, textos e discursos: Por um interacionismo sócio-discursivo. (Anna Rachel Machado, Péricles Cunha, trad.). EDUC. (Obra original publicada em 1996)./1996), entendido como o conjunto de informações apresentadas em um texto, que possibilita a visualização das ações da atividade que se constitui durante as oficinas. Ademais, centraliza em seus procedimentos questões ligadas ao multiletramento engajado (Liberali, 2022Liberali, F. (2022). Multiletramento engajado para a prática do bem viver. Linguagem em (dis)curso, 22(1), 125-145. https://doi.org/10.1590/1982-4017-220109-8421
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), que amplia as práticas de multiletramentos propostas pelo New London Group (2000)New London Group. (2000). The pedagogy of multiliteracies: Designing social futures. Harvard educational review, 66(1), 60-92.. Essas práticas são ressignificadas em uma nova perspectiva a partir do diálogo entre conceitos vygotskianos e freirianos ligado aos movimentos de imersão, emersão e inserção na realidade e à rigorosidade metódica em busca da construção do ser mais (Freire, 2006Freire, P. (2006). Pedagogia da autonomia. (34ª ed.). Paz e Terra.).

A análise em foco mostra dois episódios da terceira oficina do programa, realizada em 19 de maio de 2018, com aproximadamente 50 participantes, alunos surdos e ouvintes de 9 a 18 anos, pesquisadores, professores, diretores, coordenadores e intérpretes de Libras. Nos episódios, os participantes, em suas performances, agem como se fossem as personagens da situação dada; têm a oportunidade de experimentar as sensações do papel a ele designado e, posteriormente, abrem para a discussão sobre a performance realizada.

3.1 Descrição dos eventos

Em 2018, o Programa Digitmed13 13 Esta pesquisa obedece a determinações do Comitê de Ética da Digitmed e tem a autorização dos envolvidos para uso acadêmico. CAAE: 37778820.0.0000.5482, Parecer: 4.484.531. A produção de dados se materializa nas práticas discursivas perpetradas durante as várias atividades do projeto, que são recuperadas por meio de filmagens, com nove câmeras localizadas em pontos estratégicos do auditório e salas em que se reúnem pequenos grupos de trabalhos. Essa produção se vale, também, de descrições pautas, atas, fotografias e filmagens realizadas pelos próprios participantes com seus celulares. Todo material desenvolvido, inclusive trocas de e-mail e mensagens instantâneas (via WhatsApp), é organizado por data e ano, salvo no banco de dados e disponibilizado, digitalmente, na plataforma do Programa Digitmed para que seus pesquisadores, se assim desejarem, realizem trabalhos acadêmicos. focalizou a questão “Como resistir-expandir em paisagens compartilhadas?”14 14 “Resistir-expandir” direciona as ações do GP LACE sobre as escolhas e temas discutidos. Abarca a importância de fortalecimento do trabalho coletivo, que visa formas de continuar persistindo na existência e não sucumbir em tempos de repressão. . Nesse tópico, o programa apresentou como atividade social (AS)15 15 A AS está ligada à organização curricular com vistas a satisfazer as necessidades dos sujeitos na vida que se vive (Marx & Engels, 2007/1989). A AS lida com práticas sociais e considera os alunos sujeitos engajados na transformação do mundo e de seu conhecimento, muitas vezes, responsáveis pela criação de um papel social e uma consciência crítica. (Liberali, 2011Liberali, F. (2011) Atividade social como base para o ensino de língua estrangeira. In: M. R. O. Cano (Coord.), & F. C. Liberali (Org.). A reflexão e a prática no ensino: Inglês (v. 2, pp. 21-35). Blucher.) a discussão sobre como “arquitetar transformações em seus bairros”, em específico, os conceitos teóricos de posse e propriedade. Esse tema materializa a desencapsulação curricular, pois está em consonância com as discussões constantes na Base Nacional Comum Curricular (Brasil, 2017Brasil (2017). Base Nacional Comum Curricular. http://basenacionalcomum.mec.gov.br/‌images/BNCC_EI_EF_110518_‌versaofinal_site.pdf
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)16 16 “Distinguir e analisar conflitos e ações dos movimentos sociais brasileiros, no campo e na cidade, comparando com outros movimentos sociais existentes nos países latino-americanos” (BRASIL, 2017, p. 387). no tocante ao oitavo ano da disciplina de Geografia. Essa temática dialoga com os objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS), especificamente, em relação ao décimo primeiro indicador, a saber: “Cidades e comunidades sustentáveis”.17 17 Sustainable Development Goals. https://sustainabledevelopment.un.org/topics/sustainabledevelopmentgoals. Subtema: 11.1.1 - Proporção de população urbana vivendo em assentamentos precários, assentamentos informais ou domicílios inadequados. https://odsbrasil.gov.br/objetivo11/indicador1111

Tendo em vista o contexto político brasileiro, o grupo de pesquisa percebeu a relevância do tema, pois o país estava passando por uma grande mudança: posições de extrema direita incluíam visões profundamente conservadoras sobre educação, religião, família, questões culturais, ecológicas, políticas e econômicas. Isso influenciou as relações em todos os diferentes contextos e gerou uma grande onda de intolerância no país, acentuada pela eleição presidencial (Liberali, Fuga & Lopes, 2021Liberali, F., Fuga, V., & Lopes, J. C. B. (2021). The creation of the viable unheard of as a revolutionary activity. In: R. K. Beshara (ed.), Critical psychology praxis: Psychosocial non-alignment to modernity/coloniality. (pp. 85-99). Routledge.).

A escolha de ir além da resistência para expandir, mote do grupo de pesquisa18 18 “Resistir-expandir” direciona as ações do GP LACE sobre as escolhas e temas discutidos. Abarca a importância de fortalecimento do trabalho coletivo, que visa formas de continuar persistindo na existência e não sucumbir em tempos de repressão. , esteve embasada no desejo de pensar propostas de mudança de contextos e não apenas a luta contra o ataque às diferentes formas de liberdade pelas quais a sociedade vivia. Enfatizou o desenvolvimento de conviver e encontrar possibilidades de superação de conflitos de forma mais libertadora (Freire, 2014Freire, P. (2014). Pedagogia do oprimido.(58ª ed.). Paz e Terra.). Nessa direção, o grupo de pesquisadores destacou o conceito freiriano “inédito viável”, porque está relacionado à criação de formas de convivência com e pelas diferenças, além de projetar transformações no bairro ou na cidade como um meio de provar a todos que é viável e possível criar algo juntos a partir do inédito.

Desde seu início, o projeto combinou diferentes escolas. Em 2018, apenas duas instituições públicas e quatro particulares foram envolvidas, com as quais os pesquisadores já tinham uma longa tradição de projetos conjuntos pautados no teatro-brincar. O ano foi organizado com diferentes atividades para promover a discussão sobre as questões centrais, que deveriam ser melhoradas em seus bairros, relacionadas às seguintes categorias: mobilidade; interação social; formação e desenvolvimento social; participação; e usos de infraestrutura.

3.1.1 A queima dos sonhos: descrição e análise

Na primeira tarefa, os participantes elaboraram uma enquete com outros integrantes da escola que não estavam diretamente envolvidos nas reuniões mensais realizadas na Digitmed. Nessa tarefa, apresentaram seus diversos datawalls19 19 Datawalls funcionam como um recurso visual, sendo mais eficaz quando inclui a participação dos alunos e professores, enfatizando, no caso, os objetivos e o progresso da tarefa em curso no Digitmed. previamente construídos durante o mês. Cada escola contou aos demais participantes sobre o processo pelo qual passaram em suas instituições para coletar dados e criar o datawall. Com os resultados apresentados, reuniram-se para comparar e contrastar suas descobertas.

A investigação conduzida para o datawall esclareceu a conexão entre os tópicos discutidos no programa e os objetivos definidos, de antemão, para cada escola. Ainda, o programa ofereceu dados aos participantes para apoiar suas ideias e planos com a finalidade de comparar realidades escolares e experiências diferentes. Como o programa reúne escolas de bairros de classe média, bairros da periferia e comunidades carentes, muito próximas ou nas favelas, o contraste foi essencial para os debates. Dessa maneira, toda a atividade rompeu as fronteiras impostas pelos contextos escolares e os limites da realidade escolar e provocou os participantes a observar suas próprias realidades e, simultaneamente, a solicitar a mesma atitude dos demais participantes da escola. Ao fazê-lo, tiveram a oportunidade de lidar com problemas de sua realidade cotidiana e sentir que podiam tentar assumir responsabilidades para com eles.

Essa provocação intencional na atividade desperta e expande modos outros de ser, agir, sentir, viver o mundo (Cultural Praxis, 2020Cultural Praxis (2020, 18 de outubro). Fernanda Liberali revisits Vygostsky from COVID-19 & decoloniality perspectives (Portuguese/English). [Vídeo] YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=a9HGAdXLIc4
https://www.youtube.com/watch?v=a9HGAdXL...
; Mignolo, 2017Mignolo, W. (2017). Colonialidade: o lado mais escuro da modernidade. (Marco Oliveira, trad.) Rev. bras. ciências sociais, 32(94). https://doi.org/10.17666/329402/2017 (Obra original publicada em 2011)
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/2011), o que incide, igualmente, no rompimento das cápsulas que envolvem regras, papéis, procedimentos socio-historicamente cristalizados no processo de ensino-aprendizagem (Cultural Praxis, 2020Cultural Praxis (2020, 18 de outubro). Fernanda Liberali revisits Vygostsky from COVID-19 & decoloniality perspectives (Portuguese/English). [Vídeo] YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=a9HGAdXLIc4
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; Engeström, 1999). Essa provocação também rompe fronteiras na medida em que os participantes podem confrontar os saberes escolarizados, relacionando-os com a vida real e, estando nela e com ela, no fluxo contínuo da práxis (Stetsenko, 2017Stetsenko, A. (2017). The transformative mind: Expanding Vygotsky’s approach to development and education. Cambridge University Press. https://doi.org/10.1017/9780511843044
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). Assim, ampliam-se patrimônios vivenciais e, por extensão, a constituição agentivo-transformadora dos participantes. Para a segunda tarefa, os participantes foram convidados a desenhar e escrever os sonhos que os grupos de cada escola pudessem imaginar para sua realidade. Durante a atividade, várias brincadeiras entre os participantes e os pesquisadores indicavam que algo seria feito com aqueles desenhos e, por isso, os pesquisadores solicitavam que fossem cuidadosos com suas produções. Envoltas em um clima de descontração, amizade, troca de gracejos e muitas brincadeiras, as produções foram desenvolvidas e fotografadas como “obras-primas”, a pedido dos pesquisadores, para que pudessem ser compartilhadas. Quando as escolas terminaram os desenhos com os respectivos sonhos, uma das pesquisadoras recolheu, colocando-os em um balde, tecendo comentários engraçados, mantendo a atmosfera agradável e divertida. A seu pedido, todos se colocaram em volta do balde e a pesquisadora colocou fogo nos desenhos.

Importante ressaltar que a prática de fazer atividades surpreendentes sempre foi algo trabalhado no grupo. Nas mais diferentes atividades desenvolvidas nos projetos, o grupo se vale da criação de cenas dramáticas e brincadeiras que possam promover reflexão sobre o tema em debate. Há um contrato de conexão, relação de amizade longa entre as escolas, alunos e pesquisadores envolvidos no projeto e, sobretudo, o cuidado com o outro para que nada possa prejudicar a integridade de cada um. Esse cuidado com o outro abrange mais que um momento de atenção, de zelo e desvelo; representa uma atitude de responsividade e responsabilidade, constituída por envolvimento afetivo com o outro. Os projetos desenvolvidos pelo grupo são lócus de possibilidades para a formação acadêmica e para a vida.

Nessa atividade não foi diferente. Embora cientes de que algo aconteceria, vários participantes manifestaram expressões de indignação e choque ao ver sonhos, simbolicamente, transformando-se em cinzas. Mesmo assim, essas manifestações eram entremeadas em tom de gracejos, pilhérias com os pesquisadores, na busca de uma justificativa para tal feito. Essa compreensão sobre a “queima dos sonhos” e a reflexão sobre a temática desenvolvida no projeto – moradia/habitação –, ocorreu a partir da visualização de um vídeo sobre moradia e perdas. Essa reflexão, realizada em conjunto, pode desencadear ações direcionadas para o futuro; é no devir que reside a possibilidade de mudança.

O tópico “moradia” foi explorado porque, alguns dias antes daquela reunião, um prédio de 26 andares, no Largo do Paissandu, em São Paulo, ocupado irregularmente desde 2003, havia desabado após ser envolvido pelas chamas. A catástrofe aconteceu em 1º de maio de 2018 e sua repercussão gerou debates sobre a questão da moradia nos grandes centros urbanos. Essa temática foi abordada por algumas escolas, cujas posições eram muito discutíveis, pois condenavam, por exemplo, os ocupantes pelas circunstâncias resultantes em que tiveram que viver (em tendas na praça em frente às ruínas do prédio).

Devido à polêmica do tema, seria essencial, então, que os participantes se conectassem, de forma dramática, aos sentimentos de perda vivenciados pela performance de queimar os desenhos de seus sonhos. A performance tinha como foco criar uma ligação cognitivo-afetiva com a ideia de perda e com o tema a ser introduzido: a diferença entre invasão e ocupação e os conceitos de propriedade. O ato de desenhar e/ou escrever sonhos e, posteriormente, vê-los queimados remete a uma das técnicas idealizadas no TO – arco-íris do desejo (Boal, 2009Boal, A. (2009). Estética do oprimido. Garamond.) –, o qual trabalha com demandas subjetivas, geralmente situações de opressões introjetadas pelos sujeitos, que são teatralizadas e discutidas socialmente a fim de encontrar saídas para uma dada situação.

Nessa perspectiva, antes de iniciar o debate sobre o tópico moradia/habitação, os pesquisadores pediram aos grupos que assistissem a um filme criado a partir de outras mídias sobre vários processos de ocupação. O intento dessa atividade foi reunir posições diversas e de distintos interlocutores em relação à forma como os moradores de rua vêm utilizando os lugares desocupados da cidade de São Paulo. Essas posições diversas entre os participantes foram instigadas pela utilização de vários recursos multimodais previamente selecionados.

Nessa direção, Pereira & Sawaia (2020)Pereira, E. R., & Sawaia, B. B. (2020). Práticas grupais: espaço de diálogo e potência. Pedro & João. https://pedroejoaoeditores.com/2020/05/13/praticas-grupais-espaco-de-dialogo-e-potencia/
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atentam para a importância dos coordenadores pedagógicos em situação de formação, por exemplo, em workshops, compreenderem os possíveis afetos que possam surgir por meio da utilização desses diversos recursos multimodais. Considerar os afetos implica refletir sobre os efeitos gerados nas relações de composição entre corpos que podem aumentar ou diminuir a potência de agir dos participantes da interação. De modo geral, nas oficinas do Digitmed, os pesquisadores se empenham para a realização de bons encontros, no sentido spinoziano, a fim de que as experiências possam se tornar eventos dramáticos refratados em perejivanie potentes para criação de futuros recursos de viver (Veresov, 2016Veresov, N. (2016). Perezhivanie as a phenomenon and a concept: Questions on clarification and methodological meditations. Cultural-historical psychology, 12(3), 129-148. http://dx.doi.org/10.17759/chp.2016120308
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).

Entre os vários recursos multimodais utilizados na oficina, o filme criado pelos pesquisadores terminou com narrativas dos ocupantes do prédio desabado. Muitos participantes choraram durante e após a apresentação do filme e, posteriormente, apresentaram seus pontos de vista sobre a situação. Havia um grupo de estudantes adultos do Haiti e um deles fez a conexão do acontecimento com a passagem do furacão Matthew (Ayuso, 2016Ayuso, S. (2016, 8 de outubro). Furacão Matthew deixa quase 900 mortos no Haiti e mergulha país no caos. El País. https://brasil.elpais.com/brasil/2016/10/06/internacional/1475746470_475357.html
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), o qual acabou com vidas e deixou as pessoas na pobreza e no abandono em menos de um minuto:

O terremoto foi 53 segundos, mais ou menos 53 segundos, o rico já ficar pobre ... não tem nada, perdeu casa, carro, tudo perdeu. E isso me lembrou isso, quando você, as pessoas dá fogo no papel (Fala do aluno haitiano).

No trecho, observamos como o participante trouxe para a discussão sua experiência pessoal e criou uma estreita ligação com os temas em debate. As memórias e os sentimentos abriram-se para uma relação mais pessoal dos participantes com a situação analisada em diálogo com os tópicos teóricos abordados. A tensão emocional gerada aconteceu, justamente, na queima dos desejos, vontades e sonhos representados por cada um, destruídos em segundos.

Mesmo acostumados a vivenciar práticas teatrais como a exposta, os grupos experimentaram, por meio da símile, um evento dramático que, na concepção vygotskiana, é entendido como choque de sistemas, colisão emocional, social, experimentada a partir das interações humanas em situações concretas (plano social), que pode alterar os rumos da vida do sujeito, pois impõe escolhas, voluntárias ou não (Capucci & Silva, 2018Capucci, R. R., & Silva, D. N. H. (2018) “Ser ou não ser”: a perejivanie do ator nos estudos de L. S. Vigotski. Estudos de psicologia, 35(4), 351-362. https://doi.org/10.1590/1982-02752018000400003
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) e, consequentemente, desenvolvimento intrapessoal (Vygotsky, 2000Vygotsky, L. S. (2000). Lev S. Vigotski: Manuscrito de 1929. Educação e Sociedade, XXI(71). http://www.scielo.br/pdf/es/v21n71/a02v2171 (Trabalho original publicado em 1929).
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/1929). Diante da reação dos participantes, que estavam em uma situação protegida por relações de confiança construídas historicamente no projeto, é possível inferir que o grupo teve a oportunidade de refletir sobre o problema da perda, de experimentá-la quase como se fosse sua, conforme os enunciados: “Meu deus!” “Oh!” “Nossa, até chorei.” “Horrível.” “O rico já ficar pobre.”

Em termos spinozianos, as afecções sofridas pelo grupo na queima dos desejos têm a possibilidade de aumentar ou diminuir a potência de ação, condição sine qua non para sair da passividade diante de um problema vivido e pensar na possível superação que, no teatro-brincar, centralizou o tópico moradia/habitação. Aqui, se faz oportuno lembrar o movimento entre intelecto, afeto e relação dialética entre sujeito e meio como fulcral para a compreensão do conceito de perejivanie (vivência), que diz respeito ao modo como os sujeitos refratam as experiências sociais vividas: embora compartilhando a mesma situação social, cada sujeito é afetado de uma forma distinta e terá sua perejivanie (Vygotsky, 1994Vygotsky, L. S. (1994). The problem of the environment. In: R. Van der Veer, & J. Valsiner (Eds.), The Vygotsky reader (pp. 338-354). Blackwell. (Trabalho original publicado em 1934)./1934).

Considerando o contexto escolar, Liberali & Fuga (2018)Liberali, F., & Fuga, V. P. (2018) A importância do conceito de perezhivanie na constituição de agentes transformadores. Psicologia, 35(4), 333-343. http://dx.doi.org/10.1590/1982-02752018000400004.
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explicam que pensar intencionalmente o conceito de perejivanie implica compreender o processo de ensino-aprendizagem por meio de experimentações com eventos dramáticos, quando novas possibilidades se tornam viáveis aos aprendizes e educadores. Essa experiência dramática pode promover o agir engajado, quando existe a possibilidade de refletir sobre o vivido; se não há reflexão e se isso não é parte de um todo, não é possível haver transformação.

3.1.2 A discussão sobre a performance: descrição e análise

Na sequência, após a queima dos sonhos, os pesquisadores dividiram os participantes em cinco grupos com tarefas distintas, mas com o mesmo material a ser trabalhado (textos, vídeos, músicas, manifestos, reportagens, notícias, entre outros). Cada participante tinha acesso a pelo menos uma mídia e deveria reportar aos demais integrantes de seu grupo a compreensão sobre os conceitos de invasão, ocupação, posse e propriedade.

A equipe disponibilizou materiais com visões diferentes para todos os grupos sobre os assuntos abordados. As discussões serviram de insumos para que os grupos pudessem refletir sobre as situações concretas da vida em relação à habitação. A conversa partiu de posicionamentos particulares e pessoais, convergindo para um debate social e político na busca de argumentos para definir as ações a serem tomadas em relação às propostas de performances oferecidas. Cada grupo teve uma situação final para falar sobre as alternativas encontradas, entre elas, o retrofit, ou seja, revitalização de edifícios e outras construções, encaminhamentos para discussões parlamentares, entre outros.

Mais uma vez, ressaltamos a importância da escolha intencional dos recursos multimodais pelos coordenadores para que os participantes possam ampliar a produção de modos de ser, agir, sentir, viver na busca de um objetivo comum (Pereira & Sawaia, 2020Pereira, E. R., & Sawaia, B. B. (2020). Práticas grupais: espaço de diálogo e potência. Pedro & João. https://pedroejoaoeditores.com/2020/05/13/praticas-grupais-espaco-de-dialogo-e-potencia/
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). Além disso, sublinhamos, também, o rigor metódico (Freire, 2006Freire, P. (2006). Pedagogia da autonomia. (34ª ed.). Paz e Terra.) na condução desse debate, ao proporcionar uma multiplicidade de fontes e de modos de conceber uma dada realidade para que os grupos sejam produtores do próprio saber. As questões que abarcam o ensino-aprendizagem, na visão freiriana, não podem se esgotar no oferecimento superficial de conteúdo.

O rigor metódico é realizado quando se criam condições para o saber crítico; quando se ensina a pensar criticamente que, neste trabalho, significa construir ou possibilitar que o educando construa com seus pares o pensar fundamentado, embasado, dialogando teoria e prática. Exige, pois, “a presença de educadores e de educandos criadores, instigadores, curiosos e persistentes” (Freire, 2006Freire, P. (2006). Pedagogia da autonomia. (34ª ed.). Paz e Terra., p. 26), o que está em sintonia com os pressupostos do Programa Digitmed.

Como parte da tarefa na oficina, cada grupo debateu sobre diferentes situações de conflito de moradia e propriedade, com base nos textos recebidos. Posteriormente, os participantes tiveram que encontrar uma alternativa para o problema habitacional abordado. Essa tarefa foi concluída no auditório com a exibição da performance de todos os grupos. Em um dos grupos, a situação da tarefa solicitada envolveu uma performance em que os educandos representavam moradores de rua que entravam em um prédio não ocupado, enquanto o proprietário tentava impedir o acontecimento daquela ocupação. A performance envolveu um aluno surdo falante de Libras, que atuou como o dono do prédio.

Queremos um teto! Queremos um teto! / Queremos um telhado! Queremos um telhado! (Fala do grupo de ouvintes).

Sai daqui, sai daqui. É tudo meu este lugar. Vai, seus filhos da piiiiii 20 20 Interpretação de “puta” pela intérprete. !! (risos) Vai trabalhar ... Vai! / Sai daqui, sai daqui. Este lugar é todo meu. Vá, seu filho da piiii” (conforme assinalado pelo aluno) / piiiiiii (conforme interpretado para a língua portuguesa). Vá trabalhar ... Vá! (Fala do aluno surdo como proprietário do prédio em Libras, com interpretação em português).

Os momentos antes e depois da performance queima dos sonhos remetem à concepção do TO (Boal, 2009Boal, A. (2009). Estética do oprimido. Garamond.), ao enfatizar que todo mundo é teatro, mesmo que não faça teatro. Para esse teatrólogo, o TO se diferencia do teatro historicamente conhecido justamente porque desconstrói a divisão entre atores e espectadores. Para Boal, o ser humano é aquele que carrega em si o ator e o espectador de si mesmo. Sua proposta requer a saída do espectador da passividade e sua entrada em cena, atuando criticamente diante de uma situação de opressão, tentando superá-la. Nesse episódio, os participantes puderam experimentar, por exemplo, como atores, as sensações e a angústia do papel a eles distribuído e encontrar saídas coletivas para o problema em foco.

Nessa performance, os participantes trouxeram à luz as posições divergentes utilizadas pelos moradores de rua e pelo proprietário do prédio. Mais do que uma alternativa para o problema de moradia, os participantes discutiram a dificuldade em encontrar uma ação coletiva para o contexto apresentado. Nesse enquadre, interessa sublinhar que o fato de viver uma experiência não permite, necessariamente, ao sujeito encontrar alternativas para um dado problema que, por vezes, está muito além de suas possibilidades imediatas. O teatro-brincar cria base para reflexão que pode desencadear algum tipo de mudança; talvez não no momento, mas no devir. Igualmente, cria base para lidar com as emoções que, no episódio, mostra o participante surdo performando um problema real da vida, experimentando as próprias incertezas e insolubilidade daquela demanda.

Outro grupo performou uma situação que envolvia um empresário e moradores de rua. O empresário usou todas as suas economias para comprar um prédio que estava desocupado há algum tempo e planejava construir um centro cultural para a comunidade. Os moradores de rua analisaram a situação do prédio, planejaram e ocuparam-no logo após a compra do empresário. Esse grupo apresentou tentativas de encontrar uma alternativa que pudesse contemplar as expectativas de ambos, empresário e moradores de rua. Novos personagens foram criados, como agentes sociais e advogados que, na performance, mediaram as discussões para aquela demanda.

Diante de uma situação nova, os participantes se imaginaram como empresário, moradores de rua, agentes sociais e advogados. Aqui, ressaltamos o atributo essencial da performance, a regra, a qual se torna um desejo no grupo, que estava focado em encontrar alternativas para o problema da ocupação. Durante a performance, as ações do grupo requisitaram a criação de novos papéis para a situação. No teatro-brincar, ao mesmo tempo que seguiam as regras, a realidade de cada papel social impunha limites aos participantes que experimentaram uma situação fictícia.

No entanto, essa experiência, mesmo não sendo real, pode ter ampliado o patrimônio vivencial (Megale & Liberali, 2020Megale, A. H., & Liberali, F. C. (2020). As implicações do conceito de patrimônio vivencial como uma alternativa para a educação multilíngue. Revista X, 15(1), 55-74. http://dx.doi.org/10.5380/rvx.v15i1.69979
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) dos participantes a partir de leituras teóricas, posicionamento crítico que, em momentos futuros, pode constituir esse novo sujeito que surge na performance e/ou retomados em experiência outras (Vygotsky, 2009Vygotsky, L. S. (2009). Imaginação e criação na infância. (Ana Luiza Smolka, comentários; Zóia Prestes, Trad.). Ática. (Obra original publicada em 1930)./1930). A nosso ver, essa relação com o e no mundo, no sentido freiriano, ainda que seja performática, pode provocar o desenvolvimento engajado que implica, sobretudo, o comum, a multitudo. Subjacentes ao comum, estão momentos de intensos afetos alegres, os quais potencializam o agir, o sentir e o pensar coletivo (Sawaia, 2018Sawaia, B. B (2018). Afeto e comum: Categorias centrais em diferentes contextos. In: B. Bader, R. A. Sawaia, & F. R. Busarello. Afeto & Comum: Reflexões sobre a práxis psicossocial. (pp. 29-36). Editora da Universidade Federal do Amazonas.) que possibilitam aos participantes formas outras de superar o problema.

Após as discussões, uma das participantes, aluna do ensino médio, apresentou a conclusão de seu grupo, utilizando o material fornecido para construir sua posição:

Só comentando a discussão que nós temos, rapidinho aqui. Nos textos, nós encontramos os pensadores Locke e Rousseau. O Locke traz um pensamento que defende mais a propriedade privada e o Rousseau, o contrário, que defende a ocupação, o direito à ocupação e aí nós pensamos no meio termo que é o Bakhtin, porque ele defende o diálogo e porque ele diz que a relação do eu com o outro se constrói com alteridade e é através do diálogo que a gente consegue isso. E aí, para finalizar, vou deixar uma frase de Paulo Freire, para gente pensar, que ele diz que “nós precisamos ter esperança, só que do verbo esperançar, porque esperança do verbo esperar, e a espera a gente precisa se indignar, lutar e correr pelo outro e por nós” (Fala da estudante resumindo a discussão em seu grupo).

Essa apresentação é, na verdade, resultado do trabalho colaborativo iniciado na preparação do datawall, aprofundada no momento da leitura e discussão dos textos teóricos e materializada na performance realizada. Sua fala evidencia o diálogo teórico a partir dos recursos multimodais disponibilizados na oficina e o compromisso do grupo para encontrar alternativas adequadas para cada situação.

Nesse sentido, Stetsenko (2010, p. 13)Stetsenko, A. (2010). Teaching-learning and development as activist projects of historical becoming: expanding Vygotsky's approach to pedagogy. Pedagogies: An international journal, 5(1), 6-16. http://dx.doi.org/10.1080/15544800903406266
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enfatiza que as atividades colaborativas e intencionais, mediadas culturalmente e dirigidas a um objetivo, apontam para o processo recíproco de ensino-aprendizagem como porta de entrada para o desenvolvimento. Seguindo orientações vygotskianas, Stetsenko destaca que o ensino-aprendizagem deve ser organizado de forma que o conhecimento seja revelado: “por meio do ensino”, como suas ferramentas constituintes o que, na oficina, por exemplo, acontece “por meio da prática social”, quando as ferramentas são apreendidas e redescobertas pelos alunos, o que, na oficina, acontece pela exploração de outros recursos e pesquisas dos participantes; e “para a prática social”, quando o conhecimento é desencapsulado.

Esse é um dado que está em consonância com o agir criativo dos grupos, tendo na performance a aprendizagem-conduzindo-desenvolvimento (Newman & Holzman, 2002Newman, F., & Holzman, L. (2002). Lev Vygotsky – cientista revolucionário. (Marcos Bagno, Trad.). Loyola. (Obra original publicada em 1993)./1993) como facetas do processo de tornar-se que, ao pensar o desenvolvimento engajado, remete a uma postura ativista (Stetsenko, 2017Stetsenko, A. (2017). The transformative mind: Expanding Vygotsky’s approach to development and education. Cambridge University Press. https://doi.org/10.1017/9780511843044
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) ou do ser mais (Freire, 2014Freire, P. (2014). Pedagogia do oprimido.(58ª ed.). Paz e Terra.). Como mencionado, esses teóricos acentuam as práticas educacionais consideradas essenciais para suscitar posturas transformadoras e, aqui, se defende a necessidade de um trabalho que promova a multitudo, o comum (Spinoza, 2017Spinoza, B. (2017). Tratado político. (Diogo Pires Aurélio, Trad.). Martins Fontes. (Obra original publicada em 1677)./1677), com o intuito de expandir modos de agir, ser, sentir e pensar. Na visão spinoziana, se duas pessoas concordam entre si e unem suas forças, juntas, podem muito mais. Daí, compreendemos que o desenvolvimento engajado demanda, também, a união entre corpos por meio de bons encontros para que, assim, se fortaleça essa potência comum.

A fala da participante – a luta por uma moradia –, pode ser expandida para outras situações reais da vida, tornando possível a ela e seus pares um agir comprometido no e com o mundo. No teatro-brincar, a performance propicia experiências possivelmente nunca vivenciadas pelos participantes. Indubitavelmente, o trabalho colaborativo mediado pelos pares, pelos recursos multimodais, considerando a relação mútua entre patrimônios vivenciais, faz dessa performance o algo novo (Mignolo, 2017Mignolo, W. (2017). Colonialidade: o lado mais escuro da modernidade. (Marco Oliveira, trad.) Rev. bras. ciências sociais, 32(94). https://doi.org/10.17666/329402/2017 (Obra original publicada em 2011)
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/2011) que dialoga, em linhas gerais, com a desencapsulação e, porque não dizer, com posturas decoloniais curriculares, pois expressa a visibilidade do sujeito se distanciando de posturas submissas docilizadas (Foucault, 2013Foucault, M. (2013). Vigiar e punir: o nascimento da prisão. Edições 70; Almedina.).

Algumas considerações

Este trabalho teve como objetivo propor o conceito de desenvolvimento engajado a fim de discutir o papel do brincar na constituição da multitudo no âmbito do Programa Digitmed (2018). Ao longo do texto, explicamos o desenvolvimento engajado, para além do aspecto bio-afeto-sócio-cognitivo, como forma de superar a educação pautada apenas em conhecimentos canônicos.

O materialismo histórico-dialético sustenta essa discussão ao compreender que todos os fenômenos devem ser estudados como processos em movimento, em seu desenvolvimento histórico, o que sublinha o princípio transformador e não adaptativo do desenvolvimento humano. Nessa direção, transforma-se tudo e todos a partir de práticas sociais colaborativas, tornando os sujeitos responsáveis e responsivos no e com o mundo, aqui e agora e naquilo que está por vir. Essa responsividade implica relação de composição entre os corpos (pessoas), no sentido spinoziano, afetar e ser afetado para potencializar e expandir modos de agir, ser, sentir e pensar o mundo, base para o desenvolvimento engajado que, neste estudo, é promovido pelo teatro-brincar.

O desenvolvimento engajado traz em seu cerne o princípio ativista (Stetsenko, 2017Stetsenko, A. (2017). The transformative mind: Expanding Vygotsky’s approach to development and education. Cambridge University Press. https://doi.org/10.1017/9780511843044
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) e o ser mais freiriano, cujo pressuposto é atingir o comum, a multitudo por meio dos bons encontros (Spinoza, 2003Spinoza, B. (2003). Ética demonstrada à maneira dos geômetras. (Jean Melville, trad.). Martin Claret. (Obra original publicada em 1677)./1677). Para tal, requer rigorosidade metódica, porque cria condições para a produção do saber e agir críticos e profundidade na compreensão do objeto cognoscível, resultando no pensar crítico, o qual se traduz e se produz no “movimento dinâmico, dialético entre o fazer e o pensar sobre o que fazer” (Freire, 2006Freire, P. (2006). Pedagogia da autonomia. (34ª ed.). Paz e Terra., p. 38).

Essas são questões que colocam em relevo o desenvolvimento engajado para além dos aspectos bio-afeto-sócio-cognitivos, pois promove práticas sociais colaborativas intencionais comprometidas pelos princípios de solidariedade e equidade social, os quais são, dialeticamente, cocriados pela agência transformadora do sujeito que, também, está em contínua transformação. A pertinência desse conceito está no aspecto encorajador para que se questionem padrões euro-EUA-colonizadores, de modo a criar condições para expandir o diálogo com vistas a outros modos de pensar, ser, aprender, ensinar, sonhar e viver e, por fim, ter a consciência do movimento e a possibilidade de escolher para qual direção se mover.

Este estudo centralizou dois episódios que envolveram a compreensão dos conceitos de posse, propriedade, invasão e ocupação, primeiramente, atribuindo tarefas aos grupos participantes, seguidos das respectivas performances e discussões. Na análise, é possível observar que as várias situações vivenciadas, além do uso dos diversos recursos multimodais, serviram de insumo para que os participantes pudessem refletir sobre suas realidades, pudessem analisá-las criticamente e então agir para mudá-las.

Ademais, os episódios evidenciam que a condução do processo ensino-aprendizagem, por meio do teatro-brincar, é promotora de desencapsulação curricular, ao questionar saberes escolarizados que, nesse processo, são confrontados e ressignificados, reverberando, de igual forma, a ampliação do patrimônio vivencial dos participantes. Os episódios revelam que, ao experimentarem eventos dramáticos durante as oficinas, combinados com os eventos já vividos anteriormente e, refletidos em momentos de discussão, os participantes marcam seu ativismo, exemplificado em várias ações em seus contextos, tais como: mobilização da comunidade para a limpeza do bairro, campanha para acessibilidade de uma praça próxima à escola, entre outras ações cidadãs. A partir da diversidade oferecida pelo Digitmed é possível contribuir com o futuro desejado (Liberali, Fuga & Lopes, 2021Liberali, F., Fuga, V., & Lopes, J. C. B. (2021). The creation of the viable unheard of as a revolutionary activity. In: R. K. Beshara (ed.), Critical psychology praxis: Psychosocial non-alignment to modernity/coloniality. (pp. 85-99). Routledge.).

O Digitmed pode ser pensado como um espaço em que seus participantes são afetados de inúmeras maneiras, nos mais variados encontros, com os mais diversificados recursos multimodais, que os direcionam a experimentar formas outras de pensar científico, filosófico e artístico. A arte, via performance, aproxima os participantes do Digitmed a irem além de sua realidade para criar outras experiências, outras possibilidades de ser, de modo a agir como se fossem o outro. Nesse intento, compreendemos a diversidade, a diferença, a semelhança, o ser para se tornar. O teatro-brincar é, pois, um instrumento-e-resultado (Newman & Holzman, 2002Newman, F., & Holzman, L. (2002). Lev Vygotsky – cientista revolucionário. (Marcos Bagno, Trad.). Loyola. (Obra original publicada em 1993)./1993) poderoso, porque “tira as pessoas do lugar, junta os diferentes” (Brum, 2019Brum, E. (2019). Brasil, construtor de ruínas: Um olhar sobre o país, de Lula a Bolsonaro. Arquipélago., p. 300), os faz pensar e questionar como sujeitos coletivos, ou seja, como a multitudo (Spinoza, 2017Spinoza, B. (2017). Tratado político. (Diogo Pires Aurélio, Trad.). Martins Fontes. (Obra original publicada em 1677)./1677).

  • 1
    Para mais informações, ver: Vigotski (2023).
  • 2
    Dossiê Temático organizado por: Priscila Nascimento Marques https://orcid.org/0000-0002-7111-6372 e Ana Luiza Bustamante Smolka https://orcid.org/0000-0002-2064-3391.
  • 4
    Normalização, preparação e revisão textual: Mariana Munhoz (Tikinet) revisao@tikinet.com.br
  • 5
    Apoio: CNPq 301512/2019-1; Piprint/PUC-SP 26690.
  • 6
    Programa Digitmed: A construção de espaços vividos para o desenvolvimento de mobilidade, liderado pela Profa. Fernanda Liberali, desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa Linguagem e Atividades no Contexto Escolar (PUC-SP), que objetiva o desenvolvimento da mobilidade dos participantes, por meio de projetos desencapsuladores. Os projetos são realizados em escolas públicas e privadas, considerados territórios para a vivência de experiências marcantes, nas quais os participantes têm a oportunidade de se apropriar de recursos diversos, que se tornam um repertório para a ação e a transformação de/em contextos múltiplos e superdiversos. Esta pesquisa foi financiada por: CNPq e Plano de Incentivo à Pesquisa (PIPeq).
  • 7
    O sintagma engestromiano “encapsulação curricular” remete ao conceito farmacológico de colocar uma substância química em cápsula, isolando o conteúdo do meio ao redor. A símile alude ao conteúdo programático escolar que se distancia da realidade vivida fora da escola, como se estivesse disponibilizado em cápsulas, deixando aquém a promoção do diálogo curricular.
  • 8
    Patrimônio vivencial (Megale & Liberali, 2020Megale, A. H., & Liberali, F. C. (2020). As implicações do conceito de patrimônio vivencial como uma alternativa para a educação multilíngue. Revista X, 15(1), 55-74. http://dx.doi.org/10.5380/rvx.v15i1.69979
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    ) é o conjunto de recursos acumulados a partir de eventos dramáticos vividos com o outro, que se materializam (ou não) em suas formas de viver novas experiências.
  • 9
    Em síntese, o conceito colonialidade diz respeito ao predomínio eurocêntrico estruturado nas interfaces do poder, saber e ser (Quijano, 2002Quijano, A. (2002). Colonialidade, poder, globalização e democracia. Novos rumos, (37)17. https://doi.org/10.36311/0102-5864.17.v0n37.2192
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    ). Ainda, atravessa diferentes esferas sociais, territoriais, raciais, epistêmicas, culturais e de gênero e tem como principal elemento o controle do poder.
  • 10
    Marx & Engels (2007/1989Marx, K., & Engels, F. (2007). A ideologia alemã. (3ª ed.; Luis Cláudio de Castro e Costa, trad.). Martins Fontes. (Obra original publicada em 1989)., Terceira Tese sobre Feuebarch, p. 100): “A doutrina materialista que pretende que os homens sejam produtos das circunstâncias e da educação, e que, consequentemente, homens transformados sejam produtos de outras circunstâncias e de uma educação modificada, esquece que são precisamente os homens que transformam as circunstâncias e que o próprio educador precisa ser educado (...)”.
  • 11
    Considerando o momento sócio-histórico de produção acadêmico-científica, em suas escolhas lexicais, Freire utiliza o termo “homem” sem a preocupação política de incluir as mulheres. Neste texto, por opção, usa-se o termo sujeito ou ser humano.
  • 12
    Na Ética (Spinoza, 2003Spinoza, B. (2003). Ética demonstrada à maneira dos geômetras. (Jean Melville, trad.). Martin Claret. (Obra original publicada em 1677)./1677, III, demonstração VIII), conatus significa uma potência natural de autoconservação para permanecer na existência; impulso, esforço, apetite e vontade que evolui por meio dos encontros com outros modos ao longo de toda uma existência. Está implícito no conceito de conatus o desejo do devir no ser humano.
  • 13
    Esta pesquisa obedece a determinações do Comitê de Ética da Digitmed e tem a autorização dos envolvidos para uso acadêmico. CAAE: 37778820.0.0000.5482, Parecer: 4.484.531. A produção de dados se materializa nas práticas discursivas perpetradas durante as várias atividades do projeto, que são recuperadas por meio de filmagens, com nove câmeras localizadas em pontos estratégicos do auditório e salas em que se reúnem pequenos grupos de trabalhos. Essa produção se vale, também, de descrições pautas, atas, fotografias e filmagens realizadas pelos próprios participantes com seus celulares. Todo material desenvolvido, inclusive trocas de e-mail e mensagens instantâneas (via WhatsApp), é organizado por data e ano, salvo no banco de dados e disponibilizado, digitalmente, na plataforma do Programa Digitmed para que seus pesquisadores, se assim desejarem, realizem trabalhos acadêmicos.
  • 14
    “Resistir-expandir” direciona as ações do GP LACE sobre as escolhas e temas discutidos. Abarca a importância de fortalecimento do trabalho coletivo, que visa formas de continuar persistindo na existência e não sucumbir em tempos de repressão.
  • 15
    A AS está ligada à organização curricular com vistas a satisfazer as necessidades dos sujeitos na vida que se vive (Marx & Engels, 2007Marx, K., & Engels, F. (2007). A ideologia alemã. (3ª ed.; Luis Cláudio de Castro e Costa, trad.). Martins Fontes. (Obra original publicada em 1989)./1989). A AS lida com práticas sociais e considera os alunos sujeitos engajados na transformação do mundo e de seu conhecimento, muitas vezes, responsáveis pela criação de um papel social e uma consciência crítica.
  • 16
    “Distinguir e analisar conflitos e ações dos movimentos sociais brasileiros, no campo e na cidade, comparando com outros movimentos sociais existentes nos países latino-americanos” (BRASIL, 2017Brasil (2017). Base Nacional Comum Curricular. http://basenacionalcomum.mec.gov.br/‌images/BNCC_EI_EF_110518_‌versaofinal_site.pdf
    http://basenacionalcomum.mec.gov.br/‌ima...
    , p. 387).
  • 17
    Sustainable Development Goals. https://sustainabledevelopment.un.org/topics/sustainabledevelopmentgoals. Subtema: 11.1.1 - Proporção de população urbana vivendo em assentamentos precários, assentamentos informais ou domicílios inadequados. https://odsbrasil.gov.br/objetivo11/indicador1111
  • 18
    “Resistir-expandir” direciona as ações do GP LACE sobre as escolhas e temas discutidos. Abarca a importância de fortalecimento do trabalho coletivo, que visa formas de continuar persistindo na existência e não sucumbir em tempos de repressão.
  • 19
    Datawalls funcionam como um recurso visual, sendo mais eficaz quando inclui a participação dos alunos e professores, enfatizando, no caso, os objetivos e o progresso da tarefa em curso no Digitmed.
  • 20
    Interpretação de “puta” pela intérprete.

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3
Editor responsável: César Donizetti Pereira Leite. https://orcid.org/0000-0001-8889-750X

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    22 Jul 2021
  • Revisado
    21 Abr 2022
  • Aceito
    19 Ago 2022
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