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A Profilaxia Pré-Exposição (PrEP): tensões e disputas quanto ao sexo em pelo no currículo bareback 1 1 Editor responsável: Alexandre Filordi de Carvalho. https://orcid.org/0000-0003-4510-9440 2 2 Normalização, preparação e revisão textual: Maria Thereza Sampaio Lucinio – thesampaio@uol.com.br 3 3 Apoio: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior 1

Resumo

Este artigo traz parte dos resultados de uma pesquisa de doutorado. A análise foi elaborada sob a perspectiva curricular pós-crítica. Compreendemos, no presente texto, que o currículo não se restringe às disciplinas escolares, mas se constitui em diferentes espaços e artefatos culturais. A metodologia utilizada articulou elementos da netnografia e análise do discurso de inspiração foucaultiana de um blog e três perfis do twitter. Nomeamos o conjunto heterogêneo de ditos localizados nesses sites de currículo bareback. O argumento desenvolvido é o de que, nesse currículo, produz-se a posição de sujeito preper, constituída com marcas específicas a partir da demanda do uso da Profilaxia Pré-Exposição (PrEP). Essas marcas, no âmbito da prática sexual bareback, evidenciam tensões no modo de funcionamento da pedagogia anti-aids centrada no preservativo como método de prevenção.

Palavras-chave
currículo; bareback; PrEP; preservativo

Abstract

This article brings part of the results of doctoral research. The analysis was conducted from a post-critical curricular perspective. We understand in this text that the curriculum is not restricted to school subjects, but constituted in different spaces and cultural artifacts. The methodology used articulated elements of netnography and analysis of the Foucauldian-inspired discourse from a blog and three Twitter profiles. We name the heterogeneous set of statements located on these bareback curriculum websites. The argument developed is that in this curriculum, the position of preper subject is produced, constituted with specific marks based on the demand for the use of PrEP. These marks, in the context of bareback sexual practice, show tensions in how anti-aids pedagogy centered on condoms works as a prevention method.

Keywords
curriculum; bareback; PrEP; condom

Introdução

Muitos são os riscos de se contrair certas doenças ao viver o denominado “sexo desprotegido”. Para evitá-las, existem diversificadas possibilidades. As formas de prevenção ao vírus da imunodeficiência humana (hiv)4 4 Adotamos o uso do termo hiv em minúsculo nesse texto inspiradas/os na luta do autor e ativista Herbert Daniel, morto em 1992. O uso do termo em minúsculo objetiva diminuir o peso de ser portador do vírus. Na perspectiva de Herbert Daniel, o indivíduo não pode ser reduzido ao vírus, nem isso deve ser considerado centralidade em sua vida. Para mais detalhes sobre essas questões, sua vida e luta pela diversidade ver: Green, 2018. e às infecções sexualmente transmissíveis (ist), na contemporaneidade, não se restringem mais ao uso do preservativo. No site do Ministério da Saúde, há uma “mandala” apresentando todos os métodos disponíveis que “podem ser utilizados pela pessoa isoladamente ou combinados” (Brasil, não paginada). Entre esses métodos, encontra-se a profilaxia pré-exposição (PrEP).

A PrEP combina dois medicamentos (tenofovir + entricitabina), também conhecidos pelo nome de Truvada, atribuído pela empresa que os fabrica, a Gilead Sciences5 5 De acordo com Dean (2015, p. 228), “a Gilead Sciences está sediada em Foster City, ao sul de São Francisco, um dos epicentros originais da Aids, e é o maior produtor de medicamentos contra o HIV do mundo, com as vendas globais de Truvada gerando à empresa mais de US $ 3 bilhões por ano” . Essa combinação é utilizada para bloquear alguns caminhos que o hiv usa para infectar o organismo. Para isso, esses medicamentos devem ser tomados diariamente. Desse modo, eles terão uma concentração suficiente na corrente sanguínea capaz de bloquear o vírus. A PrEP começou a ser distribuída gratuitamente no Brasil em janeiro de 2018, sendo destinada às populações consideradas mais vulneráveis à infecção pelo hiv – gays e outros homens que fazem sexo com homens (HSH), pessoas trans, trabalhadoras/es do sexo e casais sorodiferentes6 6 Um casal sorodiferente, ou sorodiscordante, é aquele formado entre uma pessoa que vive com hiv e outra pessoa que não vive com hiv. Ou seja, um/a deles/as já foi infectado/a pelo vírus hiv e o/a outro/a não. . Como a PrEP não protege de outras infecções sexualmente transmissíveis, deve ser combinada com outras formas de prevenção, como a camisinha. No entanto, a disponibilização desse método de prevenção tem acirrado disputas discursivas sobre o que é o sexo seguro e saudável e sobre conduções da conduta de riscos nas relações sexuais, tensionando, assim, o lugar privilegiado da camisinha entre os métodos de prevenção.

Para problematizar esses tensionamentos, buscamos, neste artigo, trazer parte dos resultados de uma pesquisa de doutorado, a qual tem por objetivo analisar o funcionamento do currículo bareback7 7 Explicamos e definimos no próximo tópico o uso do termo currículo bareback neste artigo. na produção de verdades, saberes e posições de sujeito. Bareback é uma prática sexual própria de homens que têm relações sexuais com outros homens (HSH), parceiros ocasionais e/ou anônimos, sem fazer uso de preservativo. Constitui-se uma prática de premeditação e erotização do sexo anal sem camisinha (Dean, 2009Dean, T. (2009). Unlimited intimacy: Reflection on the subculture of barebacking. The University of Chicago Press.8 8 Ao longo do artigo, todas as traduções de Dean, 2009, 2015, 2018; Gonzalez, 2019 e Chambers, 1994 são nossas. ; Haig, 2006Haig, T. (2006). Bareback Sex: Masculinity, Silence, and the Dilemmas of Gay Health. Canadian journal of Communication, 3 (1), 859-877.), conhecida também como “sexo em pelo”. Essa expressão faz referência à origem da palavra bareback, que vem do hipismo e significa “montar a pelo”, ou seja, montar no cavalo sem sela. Em pelo refere-se à pele com pele, ao sexo sem preservativo. Mesmo tendo essa característica central, a prática constitui-se de modo conflituoso, pois não há uma única maneira de envolvimento nela, ou seja, há diferentes modos de conduções da conduta demandados na prática bareback. Demanda-se, por exemplo, apenas que os praticantes não usem preservativos nas relações sexuais, mas sem o desejo de infectarem-se com o hiv, mesmo sabendo dos riscos aí implicados9 9 Aprofundamos, especificamente, este aspecto em Contestações às normas do uso do preservativo no currículo bareback: produção da posição de sujeito unrubberman (Oliveira & Sales, 2022). . Conjuntamente, incita-se exatamente o oposto a isso: a busca pela infecção com o vírus do hiv10 10 Referimo-nos aqui às posições de sujeito bugchaser e giftgivers. Conferir na versão da tese (Oliveira, 2021). . Há ainda prescrições de que nas relações sexuais bareback se busque algum tipo de segurança por meio da PrEP, já que o tratamento com os medicamentos protege do hiv. Essas demandas são localizadas e analisadas a partir de uma perspectiva cultural de currículo, conforme descrevemos no tópico seguinte.

1. Currículo bareback: práticas discursivas na cibercultura e a posição de sujeito preper

Proeminentemente, podemos dizer que as disputas discursivas sobre o que é o sexo seguro e saudável e sobre a condução das condutas de risco nas relações sexuais são efeito do modo de funcionamento da “pedagogia anti-AIDS11 11 Aids será grafado neste artigo em minúscula por considerá-la o nome de uma doença, um substantivo feminino. Nas citações literais, manteremos, em respeito aos/as autores/as, as grafias originais utilizadas em seus textos. ” (Góis, 2003Góis, J. B. H. (2003). A mudança no discurso educacional das ONGS/AIDS no Brasil: Concepções e desdobramentos práticos (1985-1998). Interface - Comunicação, Saúde, Educação, 7(13), 27-44., p. 31), que adotou práticas educativas centradas no uso do preservativo para alteração/eliminação do risco de contágio. Essa pedagogia emerge no contexto de enfrentamento da epidemia da aids, em 1983, e vai ganhando força com o passar dos anos, de maneira que “entre os homens que fazem sexo com homens (HSH), fazer sexo anal sem preservativo tornou-se uma relíquia da era pré-Aids, substituída pelo código do preservativo” (Gonzalez, 2019Gonzalez, O. R. (2019). HIV Pre-Exposure Prophylaxis (PrEP), “The Truvada Whore”, and the New Gay Sexual Revolution. In R. Varghese (Org.), RAW: PrEP, Pedagogy, and Politics of Barebacking (pp. 60-66). University of Regine Press., p. 60).

Contudo, algumas inflexões passaram a acontecer no final dos anos 1990, com o advento de terapias medicamentosas que reduziram amplamente a mortalidade relativa à aids nas populações que tinham acesso aos medicamentos (Dean, 2009Dean, T. (2009). Unlimited intimacy: Reflection on the subculture of barebacking. The University of Chicago Press.; Gonzalez, 2019Gonzalez, O. R. (2019). HIV Pre-Exposure Prophylaxis (PrEP), “The Truvada Whore”, and the New Gay Sexual Revolution. In R. Varghese (Org.), RAW: PrEP, Pedagogy, and Politics of Barebacking (pp. 60-66). University of Regine Press.). A partir desses fármacos, torna-se possível viver com o hiv. Entre as inflexões que surgiram, estão as mudanças nas práticas eróticas vinculadas às transgressões às prescrições normativas do uso compulsório do preservativo. É nesse contexto que emerge a prática sexual bareback, a qual acabou ganhando novos adeptos, tornando-se uma comunidade e uma cultura (Dean, 2009Dean, T. (2009). Unlimited intimacy: Reflection on the subculture of barebacking. The University of Chicago Press.). Imbricada no ciberespaço, passou a contar “com seus próprios sites, pornografia e códigos” provocando “profundas transformações culturais” (Dean, 2009Dean, T. (2009). Unlimited intimacy: Reflection on the subculture of barebacking. The University of Chicago Press., p. 2).

Considerando, pois, essas características, e tomando-as como provocações, entendemos que a prática bareback se inscreve no presente como pedagogia cultural que se constitui na perspectiva da pesquisa, à qual este artigo se vincula, como um currículo que ensina e produz uma variedade de saberes sobre nós mesmos, sobre os outros. Nesse sentido, para pesquisar a prática sexual bareback, mobilizamos uma concepção ampliada de currículo, conforme descrevemos a seguir.

O currículo “já há algum tempo vem sendo conceitualizado como uma ‘prática cultural’” (Paraíso, 2010Paraíso, M. A. (2010). Currículo e formação profissional em lazer. In H. F. Isayama (Org.), Lazer em estudo: Currículo e Formação Profissional (pp. 27-58). Papirus. , p. 29). Esse modo de conceituar currículo trouxe implicações não só para as maneiras como entendemos currículo, mas também para a forma como pesquisamos sobre eles. Passamos, então, a compreender que currículo não se restringe apenas a disciplinas ou a um conjunto sistematizado de conhecimentos escolares, isso porque outras instâncias culturais mais amplas ensinam saberes, prescrevem condutas, divulgam valores e, portanto, têm um currículo (Paraíso, 2010Paraíso, M. A. (2010). Currículo e formação profissional em lazer. In H. F. Isayama (Org.), Lazer em estudo: Currículo e Formação Profissional (pp. 27-58). Papirus. ; Silva, 2020Silva, T. T. da. (2020). Documentos de Identidade: Uma introdução às teorias de currículo. (3ª ed.). Autêntica.). Dito de outro modo, Marlucy Paraíso (2010)Paraíso, M. A. (2010). Currículo e formação profissional em lazer. In H. F. Isayama (Org.), Lazer em estudo: Currículo e Formação Profissional (pp. 27-58). Papirus. afirma que “um currículo tem sua existência não somente nas políticas curriculares, nas escolas, nas faculdades de educação ou nas universidades” (p. 37). Materializando-se, pois, segunda a autora, em diferentes espaços e artefatos como, por exemplo, bibliotecas, museus, mídia, brincadeiras, literatura, cinema, música, internet etc. Currículo é, portanto, “um artefato envolvido em relações de poder de diferentes tipos que apresenta um conjunto de saberes para serem ensinados a alguém que se deseja transformar, modificar, subjetivar, governar” (Paraíso, 2010Paraíso, M. A. (2010). Currículo e formação profissional em lazer. In H. F. Isayama (Org.), Lazer em estudo: Currículo e Formação Profissional (pp. 27-58). Papirus. , p. 50). Assim, passou-se a pesquisar a existência e funcionamento dos currículos culturais não escolares em diferentes espaços, atentando-se para o caráter construído, para a dimensão de artefato cultural, para as relações de poder-saber e para o investimento em determinados tipos de sujeitos neles presentes, buscando “colocar em questão o que está sendo ensinado pelos diferentes currículos existentes” (Paraíso, 2010Paraíso, M. A. (2010). Currículo e formação profissional em lazer. In H. F. Isayama (Org.), Lazer em estudo: Currículo e Formação Profissional (pp. 27-58). Papirus. , p. 30).

Ao materializar-se no ciberespaço, a cultura bareback acaba por divulgar e produzir significados sobre o abandono do preservativo em termos específicos, mobilizando uma outra narrativa que luta para se constituir como verdade e que entra em disputa com aquilo que é prevalentemente ensinado em outros espaços sobre saúde, prevenção e prazer sexual. Considerando, portanto, esse aspecto e as compreensões supracitadas de currículo, compreendemos que a cultura bareback se constitui um currículo. Dada a profusão de material encontrado no ciberespaço, fizemos para a presente pesquisa um recorte. Nomeamos, assim, um conjunto de ditos heterogêneos localizados no ciberespaço, especificamente em um blog e três perfis do Twitter12 12 Apesar dos blogs e perfis utilizados para essa pesquisa estarem públicos, por questões éticas, optamos por não divulgar especificamente quais são, pois podem identificar os indivíduos responsáveis pelas publicações, considerando que são informações que, de algum modo, “podem trazer efeitos para estes se utilizadas em pesquisas” (Recuero, 2014, p. 69). , como currículo bareback. O blog e os perfis foram selecionados a partir de uma pesquisa exploratória que identificou o blog como o único em português com massiva divulgação da prática. Já os perfis foram selecionados por serem, à época da pesquisa, aqueles com mais seguidores e, portanto, com ampla capacidade de alcance. É, pois, fazendo referência a esse conjunto e às compreensões de currículo aqui explicitadas que mobilizaremos, ao longo do artigo, a expressão currículo bareback. Apesar de, neste texto, focarmos na questão da PrEP, o currículo investigado aqui não é chamado de currículo PrEP, pois os ditos sobre a PrEP analisados não representam a totalidade daquilo que ensina e demanda o currículo bareback, mas apenas uma parte da profusão de sentidos que esse currículo produz, compondo o repertório de significados associados a relações de poder desse currículo. Argumentando de outro modo, os ditos sobre a PrEP compõem o currículo bareback, mas não são exatamente o currículo. Diante dessas compreensões, ao longo do texto utilizaremos as expressões “nesse currículo” e “no currículo investigado”, referindo-nos ao currículo bareback, que constitui o foco de nossa análise, de cujo funcionamento tratamos aqui e do qual a PrEP faz parte.

O currículo bareback é, pois, um daqueles currículos que “acontece na cultura, no cotidiano e também na mídia” (Paraíso, 2010aParaíso, M. A. (2010a). Apresentação. In M. A. Paraíso (Org.), Pesquisas sobre currículos e culturas (pp. 11-14). Editora CRV., p. 11). Assim como outros currículos culturais, têm “uma grande capacidade de sedução, de fazer desejar coisas, de mudar percepções e modelar condutas” (Paraíso, 2010Paraíso, M. A. (2010). Currículo e formação profissional em lazer. In H. F. Isayama (Org.), Lazer em estudo: Currículo e Formação Profissional (pp. 27-58). Papirus. , p. 39). Consideramos, portanto, esse currículo uma daquelas pedagogias culturais do presente que “não podem ser desconhecidos pela educação” (Paraíso, 2004Paraíso, M. A. (2004). Contribuições dos estudos culturais para a educação. Presença Pedagógica, 10(55), 53-61., p. 60). Tendo em vista que cultura é aqui compreendida como “uma prática discursiva, um repertório de significados, sempre associado a relações de poder de diferentes tipos” (Paraíso, 2010aParaíso, M. A. (2010a). Apresentação. In M. A. Paraíso (Org.), Pesquisas sobre currículos e culturas (pp. 11-14). Editora CRV., p. 35), currículo é, pois, entendido como discurso, isto é, como práticas produtivas de poder que se dão sob condições de emergência específicas. Poder, por sua vez, é “um modo de ação de alguns sobre alguns outros” (Foucault, 2014Foucault, M. (2014). História da sexualidade I. A vontade de saber. Paz e Terra.a, p. 132). Ele é muito mais que uma instância negativa, trata-se de uma rede produtiva que “produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso” (Foucault, 2017Foucault, M. (2017). Verdade e Poder. In R. Machado (Org.), Microfísica do poder. Paz e Terra., p. 45).

Dadas as condições específicas da contemporaneidade e do lugar de funcionamento deste currículo, foi necessário observar aspectos da cibercultura, em especial aqueles que muitas pesquisas já têm ressaltado: como os processos de subjetivação na contemporaneidade se dão de modo articulado e/ou amalgamado com a cibercultura (Miskolci, 2017Miskolci, R. (2017). Desejos digitais: Uma análise sociológica da busca por parceiros on-line. Autêntica Editora.; Sales, 2010Sales, S. R. (2010). Orkut.com.escol@: Currículos e ciborguização juvenil [Tese de Doutorado em Educação]. Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.; Silva, 2018Silva, L. C. (2018). Currículo da nudez: Relações de poder-saber na produção de sexualidade e gênero nas práticas ciberculturais de nude selfie [Dissertação de Mestrado em Educação]. Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais.; Zago, 2015Zago, L. F. (2015). Convites e tocaias – Considerações ético-metodológicas sobre pesquisas em sites de relacionamento. In L. Pelúcio, H. Pait, & T. Sabatine No emaranhado da rede. Gênero, sexualidade e mídia, desafios teóricos metodológicos do presente (pp. 149-174). Annablume.). A cibercultura está centralmente envolvida “na produção de modos de vida” (Silva, 2018Silva, L. C. (2018). Currículo da nudez: Relações de poder-saber na produção de sexualidade e gênero nas práticas ciberculturais de nude selfie [Dissertação de Mestrado em Educação]. Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais., p. 16), isso porque nela são divulgados discursos que atuam fabricando sentidos e significados variados sobre o mundo e as coisas deste mundo. Esse processo se dá de modo conflituoso e em disputa, instituindo, assim, um campo de correlações de força. O currículo bareback atua, pois, no ciberespaço onde concorre com outros discursos para produção de tipos específicos de sujeitos. Considerando essas especificidades, tornou-se necessário mobilizar recursos metodológicos de um certo modo, conforme descrevemos a seguir.

2. Metodologia: definições iniciais, procedimentos para produção do corpo discursivo e análise do currículo bareback.

Para esta pesquisa, metodologicamente, articulamos elementos e procedimentos da netnografia – metodologia derivada da etnografia para investigar o ciberespaço - (Sales, 2010Sales, S. R. (2010). Orkut.com.escol@: Currículos e ciborguização juvenil [Tese de Doutorado em Educação]. Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.) e análise do discurso de inspiração foucaultiana – metodologia para análise das práticas discursivas. Articulando netnografia à análise do discurso de inspiração foucaultiana, foi possível selecionar o blog e os perfis que fizeram parte da pesquisa, para, em seguida, produzir as informações e análises na perspectiva curricular.

Segundo Noveli (2010)Noveli, M. (2010). Do Off-line para o Online: A netnografia como um método de pesquisa ou o que tentamos levar a etnografia para internet? Revista Organizações em Contexto (ROC) 6 (12), 107-133. https://doi.org/10.15603/1982-8756/roc.v6n12p107-133
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“o termo netnografia, como a própria denominação demonstra, obviamente mantém relação com o método etnográfico, intuitivamente, por tentar estudar grupos ou culturas, no caso da netnografia, grupos ou culturas online” (p. 115). Ela é, portanto, “apropriada para o estudo tanto de comunidades virtuais quanto de comunidades e culturas que manifestam interações sociais importantes virtualmente” (Kozinets, 2014Kozinets, R. (2014). Netnografia: Realizando pesquisa etnográfica online. [Tradução: Daniel Bueno]. Penso., p. 72). Ao estudar esses grupos ou culturas online, observa-se tanto a cultura que lhes é própria como os códigos e usos no ciberespaço que também são culturais, sendo, portanto, compreendidos como uma composição da cibercultura. Segundo Lévy (1999)Lévy, P. (1999). Cibercultura. Ed. 34., cibercultura especifica “o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço” (p. 17). Nesse sentido, houve um duplo interesse ao mobilizar a netnografia nesta pesquisa: (1) consideraram-se os aspectos culturais da prática bareback expostos na cibercultura (Dean, 2009Dean, T. (2009). Unlimited intimacy: Reflection on the subculture of barebacking. The University of Chicago Press.), como (2) os próprios aspectos da cibercultura. A netnografia foi utilizada para análise da cibercultura, para pesquisar como se dá o imbricamento da cultura bareback com a cultura do ciberespaço. As análises aqui empreendidas estão, portanto, centradas na investigação no ciberespaço; no entanto, a netnografia parte da compreensão de que “as interações nesse espaço [ciberespaço] afetam os comportamentos fora dele” (Noveli, 2010Noveli, M. (2010). Do Off-line para o Online: A netnografia como um método de pesquisa ou o que tentamos levar a etnografia para internet? Revista Organizações em Contexto (ROC) 6 (12), 107-133. https://doi.org/10.15603/1982-8756/roc.v6n12p107-133
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, p. 114). Dito isso, foi realizada a investigação netnográfica de práticas ciberculturais nos blogs e perfis escolhidos.

Alguns preceitos da netnografia mobilizados na pesquisa foram o envolvimento e a imersão no campo selecionado para investigação, atentando aos modos de condução da conduta dos indivíduos que ali postavam algo, à linguagem utilizada no ciberespaço, às práticas demandadas, aos significados compartilhados e aos códigos sociais acionados na cibercultura (Kozinets, 2014Kozinets, R. (2014). Netnografia: Realizando pesquisa etnográfica online. [Tradução: Daniel Bueno]. Penso.). Observou-se, por exemplo, que há no currículo investigado modos específicos de operacionalização característicos da cibercultura, como comunicação em forma de post, que consta em alguns espaços com número reduzido de caracteres, formas de interação por mensagens também curtas e uso de hashtag. Por se tratar de uma metodologia netnográfica, o ciberespaço constituiu espaço de investigação, sendo, pois, mobilizadas ferramentas próprias da cibercultura, tais como capturas de telas, imagens, frases, memes, vídeos e observação das hashtags utilizadas. Algumas dessas capturas são analisadas neste artigo. Elas acontecem não somente para fins analíticos, mas porque as informações disponibilizas e produzidas na cibercultura possuem um “caráter fluido, [já que] tudo está em processo e em transformação” (Silva, 2018Silva, L. C. (2018). Currículo da nudez: Relações de poder-saber na produção de sexualidade e gênero nas práticas ciberculturais de nude selfie [Dissertação de Mestrado em Educação]. Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais., p. 40). Assim, capturar é uma forma de salvar e arquivar essas informações.

Por entender que esse conjunto de materiais disponibilizados no âmbito da cibercultura “produz narrativas, estabelece relações, vincula enunciações” (Silva, 2018Silva, L. C. (2018). Currículo da nudez: Relações de poder-saber na produção de sexualidade e gênero nas práticas ciberculturais de nude selfie [Dissertação de Mestrado em Educação]. Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais., p. 40), constituindo-se, pois, um discurso, mobilizamos também elementos da análise do discurso de inspiração foucaultiana, em articulação com a netnografia. Essa articulação se fez também necessária devido ao problema de investigação, que focava na produção de verdades e demandas por tipos específicos de sujeitos. A análise do discurso de inspiração foucaultiana surge neste artigo como um modo de analisar “como se instaura certo discurso, quais suas condições de emergência ou suas condições de produção” (Fischer, 2001Fischer, R. M. B. (2001). Foucault e a análise do discurso em educação. Cadernos de Pesquisa, (114), 197-223., p. 216).

O discurso foi tomado como “práticas que formam sistematicamente os objetos de que falam” (Foucault, 2008Foucault, M. (2008). A arqueologia do saber. (7a ed.). Forense Universitária., p. 55). O discurso é mais do que signos usados para designar coisas. Nas análises aqui empreendidas investigou-se esse “mais”, fazendo-o aparecer, descrevendo-o, observando seu funcionamento e suas condições de emergência, táticas e técnicas para formar, constituir aquilo que se fala. Isso exigiu ainda uma descrição minuciosa e detalhada das práticas constituintes, pois o discurso é uma “prática produtiva que fabrica verdades, saberes, sentidos, subjetividades” (Sales, 2010Sales, S. R. (2010). Orkut.com.escol@: Currículos e ciborguização juvenil [Tese de Doutorado em Educação]. Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte., p. 123). Ao empreender a análise do discurso tomando como referência Foucault, buscamos entender também como “se produzem efeitos de verdade no interior de discursos que não são, por eles mesmos, nem verdadeiros nem falsos” (Foucault, 2014Foucault, M. (2014). História da sexualidade I. A vontade de saber. Paz e Terra.b, p. 21). Os efeitos de verdade aqui analisados são, pois, aqueles que, no currículo investigado, produzem a PrEP de certo modo, incidindo na demanda por um tipo específico de sujeito.

A análise do discurso, inspirada em Foucault, remete à “relação, coexistência, dispersão, recorte, acumulação, seleção de elementos materiais” (Foucault, 1996Foucault, M. (1996). A ordem do discurso. (13a ed.). Loyola., p. 57). Para isso, em articulação com os elementos da netnografia, anteriormente destacados, analisamos os materiais disponibilizados em três perfis do Twitter e um blog. Procuramos aqui reunir conjuntos de ditos heterogêneos sobre a prática bareback, sem, contudo, pretender sermos exaustivos/as.

Nesse processo, procuramos focar as análises nas “coisas ditas” (Foucault, 1996Foucault, M. (1996). A ordem do discurso. (13a ed.). Loyola., p. 22), naquilo que os próprios perfis do Twitter e blog ofereciam como material de e para análise. Exploramos, assim, “as lutas em torno das imposições de sentido” (Fischer, 2007Fischer, R. M. B. (2007). A paixão de trabalhar com Foucault. In COSTA, M. V. Costa (Org.), Caminhos Investigativos I: Novos olhares na pesquisa em educação (3a ed., pp.39-60). Lamparina., p. 56). Isso foi feito procurando “admitir um jogo complexo e instável em que o discurso pode ser, ao mesmo tempo, instrumento e efeito de poder, e também obstáculo, escora, ponto de resistência e ponto de partida de uma estratégia oposta” (Foucault, 2014Foucault, M. (2014). História da sexualidade I. A vontade de saber. Paz e Terra., p. 110).

Trabalhar arduamente com o discurso remete, entre outras tarefas, a analisar como determinadas verdades circulam no ciberespaço, por que outras não são possíveis e quais os efeitos que elas produzem ao circularem. Desse modo, exploramos ao máximo o que estava sendo disponibilizado pelo campo de pesquisa, partindo do entendimento de que isso se dá como construção histórica, cultural, pois analisar discursos, nessa perspectiva, significa “dar conta de relações históricas, de práticas muito concretas, que estão ‘vivas’ nos discursos” (Fischer, 2013Fischer, R. M. B. (2013). Foucault. In L. A. Oliveira (Org.), Estudos do discurso: Perspectivas teóricas (pp. 123-151). Parábola Editorial., p. 151). Nesse sentido, foi possível traçar uma pergunta sobre o currículo bareback: “por que isso é dito aqui, desse modo, nesta situação, e não em outro tempo e lugar, de forma diferente?” (Fischer, 2001Fischer, R. M. B. (2001). Foucault e a análise do discurso em educação. Cadernos de Pesquisa, (114), 197-223., p. 205). No trabalho analítico, buscou-se ainda interrogar o currículo bareback como discurso em sua “produtividade tática (que efeitos recíprocos de poder e saber proporcionam)” e em sua “integração estratégica (que conjuntura e que correlação de forças tornam necessária sua utilização em tal ou qual episódio dos diversos contornos produzidos)” (Foucault, 2014Foucault, M. (2014). História da sexualidade I. A vontade de saber. Paz e Terra., p. 111). Desse modo, buscamos com a análise do discurso elementos que não eram oferecidos pela netnografia quando mobilizada como única ferramenta de pesquisa.

Para essas análises, utilizamos também o conceito de sexualidade definido por Foucault como um “conjunto dos efeitos produzidos nos corpos, nos comportamentos, nas relações sociais, por um certo dispositivo pertencente a uma tecnologia política complexa” (Foucault, 2014Foucault, M. (2014). História da sexualidade I. A vontade de saber. Paz e Terra., p. 139). Dito de outro modo, podemos compreendê-la como “um aparato social de produção de conhecimento e, de fato, de geração de certo tipo de verdade sobre os sujeitos humanos” (Dean, 2018Dean, T. (2018). Foucault and Sex. In L. Downing (Ed.), After Foucault: Culture, Theory, and Criticism in the 21st Century (pp. 141-154). Cambridge University Press., p. 142). A partir desses recursos metodológicos e conceitos principais, seguimos com os procedimentos de pesquisa que descrevemos a seguir.

O primeiro procedimento metodológico adotado advém da netnografia. Buscamos, inicialmente, fazer a imersão no ciberespaço. Aqui foi possível obter informações sobre aspectos relativos à compreensão da cibercultura imbricados ao discurso bareback em circulação no ciberespaço. A primeira busca aconteceu de forma ampla, à procura de blogs que tratassem da temática, e foram muitos os resultados obtidos. Assim, consideramos como critérios para escolha entre esses resultados encontrados: ser em português e tratar exclusivamente da prática sexual bareback. Selecionamos inicialmente dois blogs. Porém, como eles não forneciam materiais suficientes para análise, pois não atualizavam suas postagens, resolvemos fazer uma outra procura pelo termo bareback no Facebook, sem utilizar nenhum filtro. Consideramos, portanto, publicações de todos os tipos, de qualquer pessoa, de qualquer grupo, em qualquer lugar e em qualquer data. No Facebook, encontramos a divulgação de um blog com muitas postagens e conteúdos para análise, o qual foi selecionado para a pesquisa.

A partir da definição desse blog como objeto e local de análise, passamos a acessá-lo constantemente entre os meses de agosto de 2019 e março de 2020. Em algumas visitas, priorizamos a observação como forma de conhecer a cultura de funcionamento do blog bem como a prática bareback ali divulgada. Esse aspecto da imersão no ciberespaço aconteceu na fase inicial da pesquisa. Buscamos também alguns perfis do Twitter para compor o corpo discursivo da pesquisa, considerando os mesmos critérios utilizados para a seleção do blog. Escolhemos os três perfis com mais seguidores, considerando como critério a ampla divulgação que eles têm em relação aos demais. Após leituras do material teórico e seguindo preceitos metodológicos da netnografia combinados à análise do discurso foucaultiana, começamos a fazer capturas de fragmentos de textos, imagens e ditos variados que pudessem ser posteriormente utilizados. Essa coleta se deu, sobretudo, a partir de um modo específico de perguntar – o que está sendo ensinado aqui? -, em que se articulam elementos da netnografia e análise do discurso, pois não estávamos interessados/as somente em compreender a cultura bareback, mas também em analisar os efeitos de verdade e demandas por tipos específicos de sujeito que essa cultura tinha ao se constituir como currículo.

À medida que fomos acessando diariamente o campo de pesquisa, com aprofundamento no estudo dos conceitos teóricos demandados para explicar as informações que encontrávamos e considerando os aspectos metodológicos que aqui se aplicam, nosso olhar para a compreensão do currículo bareback foi se tornando mais apurado. Dessa maneira, pudemos articular os ditos do blog e dos perfis do Twitter de maneira a reorganizar as informações até então obtidas e refazer buscas mais direcionadas aos objetivos da pesquisa. Começamos, então, a mapear, organizar e selecionar esses ditos, separando-os por categorias mais gerais, mas mantendo como estratégia basilar de descrição e análise o que estava sendo ali ensinado, quais conhecimentos estavam sendo divulgados e como isso era feito. Através desses métodos, pudemos fazer registros do que estava efetivamente sendo dito, escrito e tivemos contato direto com os elementos culturais próprios ao contexto analisado como, por exemplo, apreensão das linguagens, dos sentidos construídos, das relações de poder existentes, dos saberes divulgados, enfim, de como funciona o currículo bareback. Aqui articulam-se, mais uma vez, netnografia e análise do discurso, pois mobilizamos modos de organizar esse material próprio da netnografia (como prints, observação da linguagem) e mapeamos, organizamos e selecionamos esses ditos, compreendendo que eles compõem um certo discurso.

Considerando, pois, que o currículo é um discurso – conforme discutimos no primeiro tópico - e a partir dos procedimentos metodológicos apresentados, buscamos neste artigo mostrar que o “discurso é uma prática: é o espaço que torna possível a produção de verdades e de sujeitos” (Paraíso, 2007Paraíso, M. A. (2007). Currículo e mídia educativa brasileira: Poder, saber e subjetivação. Argos., p. 54). A verdade pode ser entendida como um efeito da articulação poder-saber no discurso, como uma construção discursiva. É a partir desse entendimento que Cunha (2011)Cunha, M. M. da S. (2011). Currículo, gênero e nordestinidade: o que ensina o forró eletrônico? [Tese de Doutorado em Educação]. Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais. afirma que “como efeito desse tipo de articulação discursiva, verdades instituem posições de sujeito” (p. 56). No que se refere especificamente ao currículo aqui investigado, as verdades que informam sobre como deve ser um sujeito barebacker, os ditos divulgados e as divisões suscitadas, em articulação, demandam tipos específicos de sujeitos. Nesse artigo, focamos na produção da posição de sujeito preper.

O termo preper vem de PrEP. Esse termo é a nomeação para usuários/as dos medicamentos para profilaxia da aids. Adotamos o termo para nomear uma das posições de sujeito disponibilizadas no currículo bareback. Essa posição tem uma marca que a diferencia das demais posições de sujeitos barebackers, pois é demandado especificamente na constituição dessa posição que o indivíduo busque o sexo sem preservativo, mas contando com a proteção que a PrEP oferece: impedir a infecção do hiv.

Consideramos que os novos tratamentos médicos, entre eles a PrEP, “mudaram profundamente a maneira como os indivíduos calculam o risco sexual” (Gonzalez, 2019Gonzalez, O. R. (2019). HIV Pre-Exposure Prophylaxis (PrEP), “The Truvada Whore”, and the New Gay Sexual Revolution. In R. Varghese (Org.), RAW: PrEP, Pedagogy, and Politics of Barebacking (pp. 60-66). University of Regine Press., p. 61). Tais mudanças incidem em disputas sobre a produção de verdades, sujeitos e modos de condução da conduta considerados corretos. Gonzalez (2019)Gonzalez, O. R. (2019). HIV Pre-Exposure Prophylaxis (PrEP), “The Truvada Whore”, and the New Gay Sexual Revolution. In R. Varghese (Org.), RAW: PrEP, Pedagogy, and Politics of Barebacking (pp. 60-66). University of Regine Press. aponta que a emergência do bareback e mais recentemente as novas formas de prevenção seguem acompanhadas de um certo pânico, pois “baseiam-se num repensar do que conta como ‘proteção’ ou como ‘sexo seguro’” (p. 61). Sexo seguro costumava se referir unicamente ao uso de camisinha, mas agora essa referência é, de certo modo, desafiada. Essas mudanças incidem no interior da própria prática bareback, pois elas parecem “remover a noção e a função da transgressão do bareback” (Gonzalez, 2019Gonzalez, O. R. (2019). HIV Pre-Exposure Prophylaxis (PrEP), “The Truvada Whore”, and the New Gay Sexual Revolution. In R. Varghese (Org.), RAW: PrEP, Pedagogy, and Politics of Barebacking (pp. 60-66). University of Regine Press., p. 62). Estaria aqui uma alternativa à camisinha? Emerge aqui um outro modo de condução da conduta a partir dos recursos que essa profilaxia pré-exposição ao hiv disponibiliza? São questões gerais que mobilizam as problematizações neste artigo e que são exploradas no argumento nele desenvolvido de que, no currículo bareback, prescrevem-se certas condutas, autorizam-se saberes, divulgam-se verdades. No conjunto e em meio a relações de poder, esses processos caracterizam a posição de sujeito preper, constituindo as marcas dessa posição: buscar informação e conhecimento sobre a profilaxia pré-exposição; recorrer ao tratamento de ists sem paranoia, desespero e preconceito; saber os ônus e bônus da PrEP. Essas marcas, no âmbito da prática sexual bareback, evidenciam tensões no modo de funcionamento da pedagogia anti-aids centrada no uso obrigatório do preservativo como método de prevenção.

Nas análises aqui empreendidas, consideramos que “todas as práticas pelas quais o sujeito é definido e transformado são acompanhadas pela formação de certos tipos de conhecimento” (Foucault, 1993Foucault, M. (1993). Verdade e subjetividade. Revista de Comunicação e Linguagem, (19), 203-223., p. 205). Assim, mostramos quais conhecimentos adquirem caráter de verdade no currículo bareback, conferindo marcas específicas à posição de sujeito preper. Em outras palavras, podemos entender que determinadas verdades que esse currículo divulga podem informar posições de sujeito específicas.

As posições de sujeito constituem “posições discursivas” que produzem o sujeito “na mesma operação que lhes atribuem um lugar discursivo” (Larrosa, 1994Larrosa, J. (1994). Tecnologias do Eu e Educação. In T. T. da Silva (Org.), O sujeito da educação: Estudos foucaultianos (2a ed). Vozes., p. 66). Para Foucault (2008)Foucault, M. (2008). A arqueologia do saber. (7a ed.). Forense Universitária., elas são um “lugar determinado e vazio que pode ser efetivamente ocupado por indivíduos diferentes” (p. 107). No entanto, ocupar determinada posição de sujeito não é algo que se dá de uma vez por todas, pelo contrário, confere-se um caráter contingente, instável e provisório à posição que um determinado sujeito pode ocupar. Desse modo, mais uma vez, conforme nos ensina Foucault, retiramos a análise centrada no indivíduo ou no sujeito, para pensar o aspecto de produção das subjetividades, voltando-nos, assim, para a atuação do discurso, ou, no caso deste artigo, para o funcionamento do currículo como discurso. Operando com a análise curricular, buscamos mostrar como, no funcionamento desse currículo, é disponibilizada a posição de sujeito preper, a qual tem marcas específicas. Essas marcas, dadas pelas condições de produção do discurso, “narram históricos de vontades, dizem das cobiças, aspiram verdades e incitam sujeitos a serem de determinadas formas” (Cardoso, 2012Cardoso, L. R. (2012). Homo experimentalis: dispositivo da experimentação e tecnologias de subjetivação no currículo de aulas experimentais de ciências [Tese de Doutorado em Educação]. Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte., p. 154). São essas marcas que passamos a explorar.

3. Posição de sujeito preper: buscar informação e conhecimento, recorrer ao tratamento de ists sem paranoia, desespero e preconceito, saber os ônus e bônus da PrEP

A partir da disponibilização do uso da PrEP, regras de conduta são prescritas no currículo bareback, possibilitando que outras negociações de sentidos sejam feitas. As distinções convencionais entre norma e transgressão, segurança e risco, saúde e doença, vida e morte podem ter tensionamentos e outras elaborações. A partir do uso da PrEP, existem intervenções calculadas a serviço dos desejos sexuais que estão articuladas com os valores para a condução das condutas impostos na contemporaneidade: o cuidado com a saúde para uma otimização do corpo (Rose, 2013Rose, N. (2013). A política da própria vida: Biomedicina, poder e subjetividade no século XXI. Paulus.). Isso evidencia que o limite entre permitido e proibido, aceitável e repugnável é objeto de disputa e, portanto, constituído por relações de poder. Assim como outras práticas sexuais – homoeróticas, de adultério, de masturbação, de prostituição, de sadomasoquismo – percebidas de modos distintos ao longo da história, a negociação para produção dos regimes de verdade acerca do bareback resulta na “expansão, restrição ou deslocamento das práticas sexuais concebidas como aceitáveis, além daquelas que são tomadas como objeto de perseguição, discriminação, cuidados médicos ou punição criminal” (Gregori, 2016Gregori, M. F. (2016). Prazeres perigogos: Erotismo, gênero e limites da sexualidade. Companhia das Letras., p. 23). A posição de sujeito preper emerge nessa zona fronteiriça, que tensiona os limites discursivos do que é permitido ao sexo e à sexualidade, mas que atenda, de algum modo, aos cuidados com a vida inscritos nos imperativos de saúde. Ao mesmo tempo, abre-se todo um campo de disputa para uma maior liberação de expressões e escolhas sexuais que possibilitem a esses indivíduos conduzirem seus desejos com mais ousadia.

Nesse sentido, prescreve-se, no currículo investigado, que o barebacker preper informe-se e busque conhecimento sobre a profilaxia pré-exposição. Para isso, são indicados, nesse currículo, vídeos com explicações médicas. O barebacker preper é aquele que deve usar seu tempo não somente para obter o prazer sexual, mas para aprender sobre os modos de se proteger. Em um dos posts encontrados no currículo bareback, há uma exigência nesse sentido:

Figura 1
Captura de tela 4

Os ensinamentos e prescrições nos ditos destacados podem evidenciar os conflitos e tensões do currículo investigado. Foucault (2014a)Foucault, M. (2014a). O sujeito e o poder. In M. B. Motta (Org.), Ditos e Escritos, IX. Genealogia da Ética, Subjetividade e Sexualidade. Forense Universitária. afirmou que o discurso deve ser entendido “como uma série de segmentos descontínuos, cuja função tática não é uniforme nem estável” (p.107). Nesse sentido, ao entender currículo como discurso, interessa mostrar “uma multiplicidade de elementos discursivos que podem entrar em estratégias diferentes” (Foucault, 2014Foucault, M. (2014). História da sexualidade I. A vontade de saber. Paz e Terra., p. 110), detalhando as relações de poder que constituem o currículo bareback.

O sujeito barebacker preper deve ter um cuidado com a saúde que lhe é peculiar e demanda algumas atenções, como, por exemplo, ser inaceitável que o barebacker não esteja ciente sobre a PrEP. Assim, é preciso que o barebacker corrija sua conduta caso ainda persista o desconhecimento sobre os medicamentos. O barebacker desinformado pode ter uma relação com o risco de contrair o hiv, o que é interditado ao barebacker preper. Quando desinformado, o barebacker pode ter uma relação mais aberta com o risco, pois não aparece nenhuma preocupação e/ou hesitação com os possíveis efeitos que a decisão em transar sem preservativo pode trazer, como, por exemplo, mais chance de adquirir hiv e outras infecções sexualmente transmissíveis.

Desse modo, a conduta prescrita, autorizada e aceita para o barebacker preper é aquela da busca pelo aprofundamento dos saberes médicos sobre como se prevenir do hiv com a PrEP. Assim, no currículo bareback são ensinadas maneiras de transar com máximo prazer sem negligenciar a saúde e protegendo-se contra o hiv. Para isso, é delineada e regulada a conduta do jovem barebacker preper: usar a PrEP e seguir os procedimentos que são demandados nesse uso. Trata-se aqui de uma articulação curricular para a produção de um sujeito de certo tipo. De acordo com Paraíso (2010a)Paraíso, M. A. (2010a). Apresentação. In M. A. Paraíso (Org.), Pesquisas sobre currículos e culturas (pp. 11-14). Editora CRV., um currículo “é uma seleção cultural”, e “se constitui em uma seleção interessada de saberes” (p. 41). O currículo bareback também seleciona um saber: o saber médico. Junto a isso, entende-se que “todo currículo quer mudar condutas” (Paraíso, 2010, p. 47). É essa articulação da seleção de um saber que incide na pretensão de mudar a conduta do barebacker que o conjunto de ditos parece evidenciar.

O saber médico parece oferecer a garantia de que o barebacker preper tome para si os cuidados na prática sexual da maneira considerada correta. Para isso, esse saber é autorizado no currículo e divulgado como verdadeiro para conduzir a conduta do barebacker preper. Atitudes diferentes dessa podem ser consideradas equivocadas e ser reprovadas, pois não buscar a compreensão a partir do saber médico pode suscitar condutas que esse saber não define como corretas. Esse saber parece ser tão importante que é uma informação retwitada. Desse modo, reitera-se o direcionamento a um vídeo de um médico com a legenda: “Ótimo vídeo sobre a Profilaxia Pré-Exposição, com explicações de um excelente médico” (Fig. 1).

O saber médico que aparece no currículo bareback compõe a biopolítica contemporânea. De acordo com Nikolas Rose (2013)Rose, N. (2013). A política da própria vida: Biomedicina, poder e subjetividade no século XXI. Paulus., a política da vida de nosso século parece bem diferente, pois os polos de doença e saúde não mais a delimitam, tampouco está direcionada à eliminação das patologias para proteger o destino da nação. Para esse autor, a “jurisdição médica estendeu-se para além de acidentes, enfermidades e doenças para uma administração de doenças crônicas e morte, a administração da reprodução, a detecção e administração do ‘risco’ e a manutenção e otimização do corpo” (Rose, 2013Rose, N. (2013). A política da própria vida: Biomedicina, poder e subjetividade no século XXI. Paulus., p. 24). A política da vida de nosso século está preocupada com a progressão de nossas capacidades de controle, administração, projeção, (re)modelação das nossas próprias capacidades de viver. Essas modificações não foram possíveis sem uma intensa capitalização da medicina, que abriu todo um campo de exploração econômica altamente competitivo, que lida com a saúde e a doença como campo destinado à economia. Somos, pois, nessa biopolítica contemporânea, objeto de exploração financeira. Essa biopolítica, de certo modo, captura nossos corpos, nossa saúde, nossa vitalidade e enseja alterações no entendimento do que somos, ao mesmo tempo em que possibilita que façamos intervenções sobre nós mesmos/as de maneiras outras, ampliando nossa capacidade de experimentação e contestação de normas e verdades então vigentes.

Os indivíduos são motivados a serem responsáveis por si, por seus negócios e por sua segurança. Como pacientes, são incitados a serem consumidores frequentes e responsáveis de serviços médicos e produtos diversos – drogas medicinais, numerosas tecnologias e testes. Os indivíduos fazem uso desses serviços e produtos disponibilizados a partir dos julgamentos que “fazem de suas reais e potenciais escolhas, decisões e ações, à medida que vão abrindo caminho através das práticas da biomedicina contemporânea” (Rose, 2013Rose, N. (2013). A política da própria vida: Biomedicina, poder e subjetividade no século XXI. Paulus., p. 22), as quais possibilitam que se faça “intervenções calculadas” (Rose, 2013Rose, N. (2013). A política da própria vida: Biomedicina, poder e subjetividade no século XXI. Paulus., p.17) a serviço dos seus desejos e dos tipos de pessoas que querem ser. Somos, desse modo, otimizados/as ao considerarmos as tecnologias médicas contemporâneas. Isso significa reconhecer que melhoramos em alguns aspectos ao fazer uso dessas tecnologias, ou ter a percepção de “um crescimento qualitativo em nossas capacidades de manipular nossa vitalidade, nosso desenvolvimento, nosso metabolismo, nossos órgãos e nossos cérebros” (Rose, 2013Rose, N. (2013). A política da própria vida: Biomedicina, poder e subjetividade no século XXI. Paulus., p. 17). Nesse sentido, o autor afirma que essas tecnologias “não buscam simplesmente curar doenças uma vez tendo elas se manifestado, mas controlar os processos vitais do corpo e da mente” (Rose, 2013Rose, N. (2013). A política da própria vida: Biomedicina, poder e subjetividade no século XXI. Paulus., p.32). Por isso, para ele, elas são “tecnologias de otimização” (Rose, 2013Rose, N. (2013). A política da própria vida: Biomedicina, poder e subjetividade no século XXI. Paulus., p.32).

Compondo essas tecnologias, emerge a PrEP na forma de um medicamento que torna os indivíduos capazes de manipular sua vida, sua intimidade, os modos como fazem sexo, considerando seus desejos e motivações. A questão da biopolítica contemporânea nos convida a analisar todas as maneiras pelas quais o poder se infiltra e molda a própria vida ou, como já havia afirmado Foucault, “de que maneira o poder penetra e controla o prazer cotidiano” (Foucault, 2014Foucault, M. (2014b). Sexualidade e Verdade. In M. B. Motta (Org.), Ditos e Escritos, IX. Genealogia da Ética, Subjetividade e Sexualidade. Forense Universitária., p. 17). O barebacker que aciona as “informações e conhecimentos” do saber médico, conforme prescreve o currículo aqui investigado na produção da posição de sujeito preper, tem uma relação de mais cuidados e atenções específicas com as exigências da prática sexual bareback. A condução da conduta mediada pela biopolítica contemporânea já tem sido objeto de investigação de outros estudos. Gonzalez (2019)Gonzalez, O. R. (2019). HIV Pre-Exposure Prophylaxis (PrEP), “The Truvada Whore”, and the New Gay Sexual Revolution. In R. Varghese (Org.), RAW: PrEP, Pedagogy, and Politics of Barebacking (pp. 60-66). University of Regine Press., por exemplo, mostra que “esses novos tratamentos biomédicos mudaram profundamente a maneira como os indivíduos calculam o risco sexual” (p. 61).

O autor não destaca somente a PrEP como responsável pela mudança na condução da conduta de si nas relações sexuais mas também os medicamentos disponibilizados para aqueles/as que contraem o hiv, possibilitando que estes se tornem, por meio do tratamento, indetectáveis, o que significa que a pessoa portadora do vírus, mesmo transando sem preservativo, não transmitirá o vírus. Desse modo, algumas práticas já podem ser visíveis em sites de namoro e aplicativos gays onde é possível localizar status de hiv como “indetectável” ou “usando PrEP”. A biopolítica contemporânea atua em nosso cotidiano, infiltrando-se em nossas vidas, nossos corpos, transformando nossas condutas. Ela incide sobre nossos desejos.

Quando a PrEP é acionada no currículo investigado, há uma importante inflexão na condução da conduta do barebacker, conferindo-lhe marcas distintas, pois o que está em jogo é exatamente o modo como é demandado que busque “informação e conhecimento” no saber médico, faça uso da PrEP nas relações sexuais barebackers e não somente busque o prazer que essa prática pode proporcionar. Parece ser, assim, um prazer com um tipo de regulação específica, como efeito da biopolítica contemporânea. O que regula o prazer é a mitigação do risco de adoecimento. Provavelmente, é através dos conhecimentos sobre outras formas de prevenção ao hiv e por meio da PrEP que os indivíduos podem calcular, de um novo modo, os riscos sexuais de contrair ists e doenças que a prática bareback envolve, o que está relacionado a tensões sobre os sentidos fixados em torno do uso compulsório do preservativo nas relações sexuais. Conforme discute Gonzalez (2019a)Gonzalez, O. R. (2019). HIV Pre-Exposure Prophylaxis (PrEP), “The Truvada Whore”, and the New Gay Sexual Revolution. In R. Varghese (Org.), RAW: PrEP, Pedagogy, and Politics of Barebacking (pp. 60-66). University of Regine Press., inserção da PrEP como nova tecnologia de prevenção farmacológica mobiliza um “repensar do que conta como ‘proteção’ ou como ‘sexo seguro’” (p. 61).

Segundo Gonzalez, “’Sexo seguro’ costumava se referir ao uso de camisinha para sexo anal. Mas esse novo normal de indivíduos em PrEP - ou aqueles em TcP13 13 TcP é a sigla Tratamento como Prevenção. Mais uma estratégia para a prevenção de transmissão do hiv, direcionada a pessoas soropositivas. De acordo com a Unaids o uso de medicamentos antirretrovirais faz com que as pessoas vivendo com hiv/aids alcancem a chamada “carga viral indetectável”. As evidências científicas também mostram que pessoas vivendo com hiv/aids que possuem carga viral indetectável, além de ganharem uma melhora significativa na qualidade de vida têm uma chance muito menor de transmitir o vírus a outra pessoa (UNAIDS, [20-?], [não paginado]). , que são indetectáveis - agora desafia essa noção de legado” (Gonzalez, 2019Gonzalez, O. R. (2019). HIV Pre-Exposure Prophylaxis (PrEP), “The Truvada Whore”, and the New Gay Sexual Revolution. In R. Varghese (Org.), RAW: PrEP, Pedagogy, and Politics of Barebacking (pp. 60-66). University of Regine Press., p. 61). A partir da PrEP, as relações de poder em torno do que significam proteção e sexo seguro tornam-se mais acirradas, e se, de algum modo, o preservativo estava mais comumente relacionado a esse significado, é em torno dele que as disputas parecem ser mais proeminentes, os conflitos mais fortes, os questionamentos mais incidentes. Destacam-se dois ditos do currículo bareback que evidenciam esses tensionamentos:

Figura 2
Captura de tela 6
Figura 3
Captura de tela 7

No primeiro dito, surge uma pergunta no currículo bareback que diz diretamente como o preservativo é ainda concebido, no âmbito das relações sexuais, a partir do uso da PrEP: “depois que vc começou com a prep, você só transa sem camisinha?”. O questionamento mobiliza um pensamento que é historicamente situado, construído e fabricado pelo discurso do sexo seguro. Este, ao longo dos últimos anos, a partir de uma série de estratégias e técnicas, investe na construção de um regime de verdade que afirma e reitera a importância e obrigação do uso do preservativo nas relações sexuais. Buscou-se, no discurso do sexo seguro, fixar e instituir essa verdade como um pressuposto que os indivíduos devem adotar na condução de todas as condutas sexuais. Como efeito desse discurso, a pergunta traz um certo estranhamento diante da opção de alguém abandonar o uso do preservativo, preferindo usar apenas a PrEP. O questionamento parece mostrar uma adesão a essa verdade estabelecida. No entanto, diz também sobre a fronteira que a pergunta ainda ocupa. Quando o indivíduo se depara com outra opção de prevenção que não o preservativo, ele talvez não esteja somente questionando o outro que não mais lança mão dos cuidados que o preservativo oferece, mas questionando a si próprio e seus cuidados de prevenção. Essa pergunta parece, portanto, representar um interstício, um intervalo entre aquilo que parecia dado – o preservativo como única forma de proteção – e um outro pensamento que a PrEP parece mobilizar como tecnologia de prevenção. Essa pergunta compõe as condições de emergência que vão construindo a PrEP como uma forma de prevenção que disputa um lugar antes legitimado apenas à camisinha. Queremos dizer com isso que a pergunta abre possibilidades para se pensar, questionar e problematizar o sexo seguro vinculado estritamente ao uso obrigatório do preservativo.

No segundo dito, é o preservativo que aparece mais uma vez como foco. Primeiramente, a PrEP, em um vídeo divulgado no currículo, é comparada a um anticoncepcional, em seguida esclarece-se: “O tweet é informativo sobre a PrEP, não é pra ninguém ficar dando lição de moral dizendo que camisinha é mais seguro” (Fig. 3). A comparação em questão (do Prep ao anticoncepcional) deve-se à necessidade de tomar o medicamento diariamente. Caso o uso seja interrompido, o risco de infecção pelo hiv volta a subir. Se o anticoncepcional está relacionado de algum modo à prevenção da gravidez, a uma certa proteção de algo que em determinado momento pode ser indesejado, são esses sentidos que a PrEP parece produzir para ser utilizada como possível substituta ao preservativo, instaurando, assim, no currículo investigado, uma disputa pela condução das condutas sexuais. A fabricação da PrEP como vinculada à “prevenção”, à “proteção” não é feita sem tensionamentos, sem disputas. O dito seguido à postagem mostra um enfrentamento das verdades já convencionadas, estabelecidas e divulgadas, que insistem em afirmar o preservativo como indispensável nas relações sexuais e que reiteram o seu uso como “mais seguro”. Assim, recorre-se, nesse currículo, à divulgação de um vídeo sobre a PrEP como educativo. No entanto, as informações do modo como são divulgadas parecem divergir de alguma verdade já estabelecida sobre o uso compulsório do preservativo. Essa verdade prescreve que a camisinha é um método de prevenção mais seguro, algo que, a partir das relações de poder que produzem esse currículo, é visto como uma “lição de moral”.

A expressão “lição de moral” é comumente utilizada para dizer a alguém o que é certo e o que é errado. Alguém que supostamente pratica o que diz e pretende impor aos/as outros/as aquilo em que acredita e o que faz poderá prescrever aos outros alguma “lição de moral”. No entanto, essa imposição pode ser tomada por aquele/a que recebe essa lição como algo negativo, pejorativo, arbitrário, porque esse outro entende que essa imposição, o imperativo da “lição de moral”, objetiva cercear outros modos de pensamento e regular as condutas diferentes para impor algo como absoluto e verdadeiro. É essa compreensão que aparece no dito (FIG. 3) como enfrentamento de uma possível reiteração de que camisinha seja um preventivo mais seguro. Portanto, essa reiteração é vista como “lição de moral”, constituindo-se, assim, uma tentativa de desqualificar os argumentos contrários à PrEP na disputa discursiva sobre os significados que ela instaura sobre segurança nas relações sexuais.

Nesse sentido, a estratégia de caracterizar a verdade de que a camisinha seja mais segura como “lição de moral” envolve também resistir às interdições ou prescrições, negligenciar um conjunto de valores inscritos nessa verdade. Dessa forma, é contestado, nesse currículo, o valor da camisinha como mais segura, como pode ser percebido a partir da afirmativa do sujeito de que, após um período de uso da PrEP, não teve nenhuma IST, divulgando, assim, a segurança que o medicamento oferece (Fig. 3). Ao mesmo tempo, há uma provocação para aqueles que continuam a usar o preservativo: “Quem não vê problema em usar capa: ótimo, continue a usá-la” (Fig. 3). O problema expresso nesse dito pode estar relacionado às disputas que já organizavam o imperativo do uso do preservativo nas relações sexuais, mas pode estar associado também a um incômodo seja físico, ou mesmo político, de resistência a uma prescrição como norma que organiza a vida de muitos HSH. Desse modo, se “usar capa” é considerado um problema nesse currículo, de maneira que essa ação é refutada, a PrEP é apresentada como uma solução, parecendo adquirir, nesse currículo, qualidades para substituir o preservativo.

A questão da segurança aparece mais uma vez aqui associada à PrEP. A segurança ou o “mais seguro” deixa de ser algo exclusivo do preservativo, algo que de algum modo parece abrir mais possibilidades para que os indivíduos se engajem em situações sexuais consideradas de risco dentro da discursividade que prescreve a obrigatoriedade da camisinha. Mas a segurança não é total. Apesar da PrEP proteger contra o hiv, há outros riscos envolvidos, como os efeitos colaterais da medicação14 14 Os efeitos colaterais da PrEP podem ser de curto e longo prazo: “Na lista de sintomas passageiros estão dor de estômago, náuseas, alteração do ritmo intestinal e gases. Em longo prazo, o risco é a alteração da função renal e perda óssea. Esses problemas, no entanto, são reversíveis. Ou seja, ao parar de tomar o medicamento a função renal e a massa óssea voltam ao normal” (Andrade, 2018, [não paginado]). e a possibilidade de adquirir outras infecções sexualmente transmissíveis.

No currículo bareback, divulgam-se modos de conduzir a própria conduta dos usuários da PrEP, que parecem marcados por atitudes mais destemidas e arriscadas. O risco de contrair outras infecções sexualmente transmissíveis parece ser assim minimizado em favor do engajamento em relações sexuais sem preservativo. Essa também parece ser a estratégia acionada a seguir:

Figura 4
Captura de tela 9

A partir do dito destacado na Figura 4, é possível perceber que não é descartada a chance de contrair alguma outra infecção sexualmente transmissível no “sexo sem capa15 15 Capa aqui refere-se ao preservativo. Logo, sem capa significa sem preservativo. ”, mas esse risco parece ser calculado: “se aparecer alguma IST em mim, receberei o tratamento” (Fig. 4). De alguma maneira, conter-se diante dessa possibilidade seria, de acordo com o currículo aqui analisado, “paranoia”, “desespero”, “surto”, “preconceito”. Dessa forma, o que é prescrito aqui é que o indivíduo faça “sexo sem capa” e, caso apareça alguma ist, que ele recorra ao “tratamento” de uma forma muito específica.

A produção da posição de sujeito preper no currículo bareback ocorre por meio de complexas relações de poder. O que aparece em disputa nessa produção é o significado atribuído às infecções sexualmente transmissíveis. Nesse dito do currículo, são engendradas descontinuidades a respeito dos modos como somos ensinados a conduzir sexualmente nossas condutas em relação às infecções sexualmente transmissíveis no discurso do sexo seguro que estabelece o que é saudável, responsável, correto.

A verdade que parece mais cristalizada, prevalente e reiterada é que devemos evitar os riscos dessas infecções obedecendo à prescrição do uso obrigatório do preservativo em todas as relações sexuais16 16 Uma das últimas campanhas do governo federal investe exatamente em provocar o medo de adquirir uma ist e assim conduzir a conduta juvenil: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/10/governo-aposta-em-medo-e-repulsa-de-efeitos-de-dst-em-campanha-para-estimular-camisinha.shtml Acesso em 1 fev. 2020 . Há aqui um acirramento nas relações de poder em torno desses sentidos. Ensinar ao indivíduo que faça “sexo sem capa” e se aparecer alguma ist ele recorra ao “tratamento”, “sem paranoia, sem desespero, sem surto, sem preconceito” (Fig. 4) é algo valorizado na condução da conduta da posição de sujeito preper, pois são disponibilizadas outras verdades, a partir das quais é possível repensar os modos como praticar sexo.

Dessa forma, é possível perceber que, no currículo bareback, são incorporados e produzidos significados, saberes, verdades e valores que concorrem para processos de subjetivação. Ensina-se os indivíduos a se tornarem sujeitos dotados de qualidades específicas, o que, neste caso, corresponde àquele que “sem paranoia, sem desespero, sem surto, sem preconceito” (Fig. 4) de ist nas relações sexuais sem preservativo, faz uso da PrEP. Desse modo, as relações de poder penetram e controlam o prazer cotidiano, instauram disputas que estão em funcionamento no dia a dia, demandando tipos específicos de sujeitos, regulando seus prazeres mais íntimos.

Parece haver, no currículo bareback, um reconhecimento dos conflitos que podem ocorrer na negociação dos sentidos divulgados sobre a PrEP quando a profilaxia é usada no sexo barebacker. Desse modo, nesse currículo, não se opera somente produzindo sentidos sobre as ists, minimizando seus efeitos como acabamos de mostrar. É divulgado também que existem “os ônus e bônus” (Fig. 5) na decisão de usar a PrEP e fazer sexo bareback.

Figura 5
Captura de tela 10

Confere-se, nesse currículo, uma marca específica à posição de sujeito preper, dizendo que ele “sabe exatamente” quais são “os ônus e bônus” de optar “pela PrEP p/ curtir #bareback” (Fig. 5). A posse desse saber parece atribuir à posição de sujeito preper um conhecimento do que está implicado na condução de sua conduta, que pode ser não apenas o prazer (o bônus), mas também, talvez pudéssemos dizer, os possíveis efeitos colaterais e a probabilidade de contrair infecções sexualmente transmissíveis (o ônus). Há um duplo movimento aqui que situa a posição de sujeito preper em um lugar no qual ele tem que lidar simultaneamente com os ônus e bônus dessa opção.

No currículo bareback, opera-se, portanto, com um certo jogo de ônus e bônus, localizando a posição de sujeito preper em um lugar específico de grande disputa entre aderir ou contestar a conduta que essa posição de sujeito demanda. No entanto, há também um investimento em minimizar os ônus, se pensarmos neles como a possibilidade de contrair ist. Assim, a estratégia discursiva de ensinar o indivíduo a reagir de um modo particular às ists parece valorizar mais o bônus, que pode ser optar “pela #PrEP p/ curtir #bareback” (Fig. 5).

Entre os “ônus”, não está somente a possibilidade de contrair ist. Tanto nesse último dito destacado como no anterior, aparece a palavra “preconceito”, que parece indicar um outro “ônus” à decisão de optar “pela #PrEP p/ curtir #bareback” (Fig. 5). Esse preconceito pode estar relacionado ao modo como a PrEP, enquanto substituta do preservativo, ainda é entendida por muitas pessoas. Ele envolve, portanto, como já mostrado, as disputas em torno do que é compreendido como proteção e do entendimento sobre sexo seguro, mas também diz respeito aos modos de se relacionar sexualmente prescritos a partir do uso da PreEP e a como esses modos podem ser compreendidos. O não uso do preservativo “viola as obrigações com outros homens gays e, na opinião de alguns, as obrigações com uma comunidade maior”17 17 Original em inglês. (Chambers, 1994Chambers, D. L. (1994). Gay men, aids, and the code of the condom. Harvard Civil Rights Civil Liberties Law Rev, 29(2), 353-385., p. 353). Há, portanto, um temor de que essa verdade sobre a recusa do uso do preservativo e seu significado, como citado por Chambers (1994)Chambers, D. L. (1994). Gay men, aids, and the code of the condom. Harvard Civil Rights Civil Liberties Law Rev, 29(2), 353-385., seja desestabilizada. A expressão desse temor pode exigir a interdição de práticas que abandonem ou substituam o uso do preservativo e pode ser interpretada como um “preconceito” no currículo investigado.

Há ainda um outro sentido que podemos atribuir à palavra “preconceito” acionada nesse currículo. Conforme destaca Gonzalez (2019)Gonzalez, O. R. (2019). HIV Pre-Exposure Prophylaxis (PrEP), “The Truvada Whore”, and the New Gay Sexual Revolution. In R. Varghese (Org.), RAW: PrEP, Pedagogy, and Politics of Barebacking (pp. 60-66). University of Regine Press., “a profunda mudança no risco sexual e na saúde pública que a PrEP representa não ocorre sem uma reação moral” (p. 62). A reação moral a que o autor se refere é a construção e mobilização de uma estratégia discursiva que associa os/as usuários/as da PrEP à promiscuidade. Entre as técnicas acionadas nessa estratégia, está a divulgação da expressão “Truvada Whore” para designar aquelas pessoas que estão utilizando o medicamento. “Em uma tradução livre podemos dizer que a expressão enquadra os usuários do medicamento como tendo comportamentos sexuais ’promíscuos’. A palavra ‘whore’ (‘puta’ ou ‘prostituta’) foi utilizada propositalmente para denotar uma negatividade na expressão” (Bastos & Ventura, 2017Bastos, L. L., & Ventura, M. (2017). “Yep, I’m a Truvada Whore”: Ativismo e cidadania biológica na era das novas estratégias de prevenção do HIV/AIDS. Revista Brasileira de Cultura e Política em Direitos Humanos, [on-line], 1(2), 1-22., p. 1). Os usos desse vocábulo instauram relações de poder que produzem os indivíduos usuários do medicamento como “pessoas irresponsáveis que utilizariam o medicamento para se exporem à prática de barebacking” (Bastos & Ventura, 2017Bastos, L. L., & Ventura, M. (2017). “Yep, I’m a Truvada Whore”: Ativismo e cidadania biológica na era das novas estratégias de prevenção do HIV/AIDS. Revista Brasileira de Cultura e Política em Direitos Humanos, [on-line], 1(2), 1-22., p. 1, grifo das autoras).

Desse modo, o sexo sem preservativo parece ser autorizado apenas para relações monogâmicas, ativando uma narrativa antiga, de “que o sexo anal entre homens ainda é, antes de tudo, uma questão de HIV, infecções sexualmente transmissíveis e risco sexual” (Gonzalez, 2019Gonzalez, O. R. (2019). HIV Pre-Exposure Prophylaxis (PrEP), “The Truvada Whore”, and the New Gay Sexual Revolution. In R. Varghese (Org.), RAW: PrEP, Pedagogy, and Politics of Barebacking (pp. 60-66). University of Regine Press., p. 63). A expressão compõe, assim, as descontinuidades que concorrem para a produção de verdades sobre o que significa a PrEP, o que significa ser um preper “p/ curtir #bareback” (Fig. 5). A expressão implicada em mecanismos de poder constitui uma estratégia de controle e regulação da condução da conduta do outro. A “negatividade” atribuída à posição de sujeito preper pode, dessa maneira, compor o “ônus” dessa posição, pois a condução da conduta prescrita para essa posição de sujeito é alvo de interdições, o que, de algum modo, parece ser algo a ser enfrentado com possíveis tensões.

No entanto, esse ônus parece já ter sido desestabilizado, pois a expressão vem sendo ressignificada e apropriada de modo diferente (Bastos & Ventura, 2017Bastos, L. L., & Ventura, M. (2017). “Yep, I’m a Truvada Whore”: Ativismo e cidadania biológica na era das novas estratégias de prevenção do HIV/AIDS. Revista Brasileira de Cultura e Política em Direitos Humanos, [on-line], 1(2), 1-22.; Gonzalez, 2019Gonzalez, O. R. (2019). HIV Pre-Exposure Prophylaxis (PrEP), “The Truvada Whore”, and the New Gay Sexual Revolution. In R. Varghese (Org.), RAW: PrEP, Pedagogy, and Politics of Barebacking (pp. 60-66). University of Regine Press.), evidenciando como as relações de poder são instáveis. Truvada Whore tornou-se “um movimento em prol do Truvada” (Bastos & Ventura, 2017Bastos, L. L., & Ventura, M. (2017). “Yep, I’m a Truvada Whore”: Ativismo e cidadania biológica na era das novas estratégias de prevenção do HIV/AIDS. Revista Brasileira de Cultura e Política em Direitos Humanos, [on-line], 1(2), 1-22., p. 3), em substituição aos sentidos negativos e pejorativos inicialmente atribuídos. O próprio jornalista que cunhou a expressão mudou sua opinião e lamentou abertamente o fato de sua invenção ter se tornado um rótulo estigmatizante.

De todo modo, os significados sobre o Truvada estão em construção, em disputa, não estão fixados. Os conflitos persistem ainda, já que ora eles podem adquirir um sentido positivo, ora um sentido negativo, parecendo, assim, demandar para a posição de sujeito preper uma certa relação com essa instabilidade e, principalmente, com os sentidos negativos e pejorativos atribuídos ao uso da PrEP. Isso porque, conforme discutimos, a reação moral ao uso do medicamento é direcionada quando ele é associado às práticas barebackers. O ônus explícito no currículo bareback, portanto, pode ser a demanda para lidar com esses conflitos, que acontecem em um jogo com o bônus, associado aos prazeres que o uso da PrEP pode oferecer, mediante o abandono do preservativo. Temos, assim, mais uma marca atribuída no currículo bareback à posição de sujeito preper: aquele que “sabe exatamente” quais são “os ônus e bônus” de optar “pela PrEP p/ curtir #bareback” (Fig. 5).

Nesse sentido, a fabricação da posição de sujeito preper no currículo investigado emerge como efeito de regimes de verdade. Consideramos, de acordo com Marisa Vorraber Costa, também embasada em Foucault, que: “aquilo que chamamos de ‘verdade’ é produzido na forma de discursos sobre as coisas do mundo, segundo regimes regidos pelo poder” (Costa, 2000Costa, Marisa Vorraber. (2000). Mídia, magistério e política cultural. In M. V. Costa (Org.), Estudos culturais em educação: mídia, arquitetura, brinquedo, biologia, literatura, cinema... (pp. 73-92). Ed. Universidade/UFRGS., p. 76). Até o advento da PrEP, parecia haver um regime de verdade mais proeminente acerca da noção do que contaria como “proteção” e “sexo seguro”. Essa noção esteve vinculada de maneira mais proeminente ao uso obrigatório do preservativo, o que incidiu na condução da conduta de muitos indivíduos e na produção de subjetividades específicas. No entanto, conforme indica Sales (2010)Sales, S. R. (2010). Orkut.com.escol@: Currículos e ciborguização juvenil [Tese de Doutorado em Educação]. Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte., “as subjetividades não estão nunca acabadas, definidas e fixadas. Ao contrário, são engendradas de maneira contingente e provisória, sempre alvo de intenso confronto político, social e cultural” (p. 57). Dessa forma, se as subjetividades demandadas por certa narrativa que vinculava “proteção” e “sexo seguro” ao uso compulsório do preservativo já estavam submetidas a determinadas tensões, essas tensões parecem mais acirradas com a emergência da PrEP, que traz um outro regime de verdade que irá disputar com aquele comumente já aceito político, social e culturalmente.

Segundo Costa (2000)Costa, Marisa Vorraber. (2000). Mídia, magistério e política cultural. In M. V. Costa (Org.), Estudos culturais em educação: mídia, arquitetura, brinquedo, biologia, literatura, cinema... (pp. 73-92). Ed. Universidade/UFRGS., a expressão regimes de verdade “sugere uma concepção de ‘verdade’ entendida como maneira de regular e controlar, e que não diz respeito apenas àqueles discursos que reputamos ‘dominantes’ ou ‘dominadores’” (p. 76). Desse modo, mesmo que tenhamos um certo discurso considerado dominante que prescreve o que é “sexo seguro” e o que conta como “proteção”, há também outros que estão em disputa buscando regular e controlar a conduta dos indivíduos. Nesse sentido, podemos compreender que “se a verdade existe numa relação de poder e o poder opera em conexão com a verdade, então todos os discursos podem ser vistos funcionando como regimes de verdade” (Gore, 1994Gore, J. (1994). Michel Foucault e educação: Fascinantes desafios. In T. T. da Silva (Org.), O sujeito da educação: Estudos foucaultianos (2a ed., pp. 9-20) Vozes., p. 10). Desta forma, entendemos que há um regime de verdade divulgado no currículo bareback que produz uma outra narrativa sobre “sexo seguro” e “proteção”. Narrativa que pode ser percebida, por exemplo, quando é divulgado que, após começar usar PrEP, deixa-se de usar o preservativo, quando se afirma que é “lição de moral” (Fig. 3) dizer que “camisinha é mais seguro” (Fig. 4) e também quando se mostra que “até o momento” (Fig. 3) de um certo período de uso do medicamento não teve nenhuma ist, ainda que se reconheçam alguns “ônus e bônus” (Fig. 5) dessa decisão. Entendemos esses ditos do currículo como instâncias “de significados que vigoram e têm efeitos de verdade” (Costa, 2000Costa, Marisa Vorraber. (2000). Mídia, magistério e política cultural. In M. V. Costa (Org.), Estudos culturais em educação: mídia, arquitetura, brinquedo, biologia, literatura, cinema... (pp. 73-92). Ed. Universidade/UFRGS., p. 77).

A compreensão de que as verdades “são constituídas no seio de correlações de força e de jogos de poder” (Costa, 2000Costa, Marisa Vorraber. (2000). Mídia, magistério e política cultural. In M. V. Costa (Org.), Estudos culturais em educação: mídia, arquitetura, brinquedo, biologia, literatura, cinema... (pp. 73-92). Ed. Universidade/UFRGS., p. 76), incide no entendimento de que os efeitos de verdade que o conjunto desses ditos adquire estão em disputa com outros já em circulação, de certo modo sancionados socialmente. Por isso, a emergência desse conjunto de ditos gera tantos tensionamentos ao currículo investigado, trazendo os “ônus e bônus” (Fig. 5) para a posição de sujeito produzida por ele. Isso se deve às condições de emergência desse conjunto de ditos, com a narrativa construída sobre o preservativo que está em disputa com algo que “reputamos dominante”. Conforme analisa Gonzalez (2019)Gonzalez, O. R. (2019). HIV Pre-Exposure Prophylaxis (PrEP), “The Truvada Whore”, and the New Gay Sexual Revolution. In R. Varghese (Org.), RAW: PrEP, Pedagogy, and Politics of Barebacking (pp. 60-66). University of Regine Press., “o código de preservativo instituído no início da crise da AIDS ainda é a forma sociosexual dominante para a maioria de nós preocupados com a transmissão do HIV - ou seja, quase todo mundo” (p. 65). Na produção da posição de sujeito preper, demanda-se que o indivíduo transe sem preservativo, mas com um cuidado especial no tocante à proteção contra o hiv, algo que é possível a partir do uso da PrEP. Há aqui uma importante inflexão na qual bareback e hiv não estão mais inevitavelmente unidos. No entanto, dado esse caráter de verdade, uma narrativa que tem vinculado o preservativo à “proteção” e “sexo mais seguro”, junto à construção que liga homossexualidade e hiv, os efeitos de verdade de alguns ditos do currículo aqui investigado são produzidos com instabilidades. Dessa forma, “o risco epidemiológico em torno do HIV é quase neutralizado pela PrEP, mas o risco moral permanece uma questão em aberto, desconsiderando, por um momento, a histeria cultural previsível ocasionada pelo advento da PrEP e a personificação previsível desse pânico na gênese da prostituta de Truvada” (Gonzalez, 2019Gonzalez, O. R. (2019). HIV Pre-Exposure Prophylaxis (PrEP), “The Truvada Whore”, and the New Gay Sexual Revolution. In R. Varghese (Org.), RAW: PrEP, Pedagogy, and Politics of Barebacking (pp. 60-66). University of Regine Press., p. 65).

As disputas discursivas em torno do que é “mais seguro” e do que conta como proteção instauradas a partir da fabricação da posição de sujeito preper no currículo bareback mostram que a camisinha não se constitui mais a única opção para o sexo seguro entre HSH no presente, ou que talvez nunca tenha sido.

Esse foi um pressuposto que causou polêmica quando a Administração de Alimentos e Medicamos dos EUA aprovou o tratamento com PrEP em 16 de julho de 2012. Essa decisão parece “admitir que advogar o uso de preservativo não estava mais funcionando como política de prevenção”18 18 Original em inglês. (Dean, 2015Dean, T. (2015). Mediated intimacies: Raw sex, Truvada, and the biopolitics of chemoprophylaxis. Sexualities, 18(1/2), 224–246., p. 228). Mesmo que os preservativos sejam altamente eficazes na proteção contra o hiv, bem como contra outras infecções sexualmente transmissíveis, há falhas na utilização e as adesões ao preservativo podem ser intermitentes. Nesse sentido, as campanhas de prevenção apenas com preservativos não têm como assegurar uma taxa zero de novas infecções por hiv.

No entanto, a PrEP ainda não parece ter uma forte adesão. No Brasil, conforme afirma o médico infectologista Rico Vasconcelos (2019, [não paginado])Vasconcelos, R. (2019, 25 de outubro). Quantas pessoas precisam estar usando PrEP para acabarmos com o HIV? Uol. Viva bem. Recuperado em 16 de abril, 2020, de https://agenciaaids.com.br/noticia/rico-vasconcelos-quantas-pessoas-precisam-estar-usando-prep-para-acabarmos-com-o-hiv/
https://agenciaaids.com.br/noticia/rico-...
, de acordo com “último levantamento do Ministério da Saúde, temos pouco mais de 13.000 [homens] usando PrEP gratuitamente no país inteiro, sendo que 77% deles são homens gays e bissexuais”. O médico afirma ainda que “Esse é sem dúvida um número muito menor do que o ideal, evidenciando que existe ainda uma parcela grande dessa população desassistida, mas já é um começo”. Isso pode acontecer porque poucas pessoas sabem o que é, o que pode evidenciar, entre outros motivos, que a divulgação tem sido afetada pela divisão das opiniões entre aqueles/as que acreditam que o amplo uso da PrEP levará a uma explosão de sexo sem proteção entre gays e HSH. Mas, existem aqueles/as que encontram no medicamento uma forma adicional de proteção. Em outras palavras, conforme ressaltado por Dean (2015)Dean, T. (2015). Mediated intimacies: Raw sex, Truvada, and the biopolitics of chemoprophylaxis. Sexualities, 18(1/2), 224–246., enquanto uns temem que a PrEP acabe com o compromisso com os preservativos, que já tem sido cada vez mais abaixo do esperado, “outros comemoram as possibilidades paradoxais de bareback com risco reduzido” (p. 229). São questões importantes que tornam o fio que liga sexo, risco e saúde ainda mais tênue no currículo bareback.

Considerações Finais

Discutimos como a emergência da PrEP está associada à criação de novas regras, negociações e sentidos na condução da conduta nas relações sexuais de risco, no âmbito do currículo bareback. Mostramos, também, como ela está imbricada na produção de sujeitos. Ao focar na posição de sujeito preper, trouxemos ditos do currículo investigado para discutir demandas específicas direcionadas a esse sujeito: buscar informação e conhecimento sobre a profilaxia pré-exposição, recorrer ao tratamento de ists sem paranoia, desespero e preconceito, saber os ônus e bônus da PrEP. Isso implica dizer que o barebacker preper é aquele que transa sem camisinha, mas está empenhado em realizar uma série de práticas para manutenção e promoção da saúde pessoal. Consideramos, portanto, que, amalgamada às práticas discursivas da cibercultura constitutivas do currículo bareback, a PrEP não é apenas um medicamento. Apesar de nos referirmos assim a ela ao longo do texto, pois ela é também um medicamento, as nossas análises problematizam também aquilo que o uso desse medicamento produz em condições específicas. Ela provoca problematizações no âmbito da sexualidade e da produção dos sujeitos antes não pensadas.

Sobre o bareback, Dean (2015)Dean, T. (2015). Mediated intimacies: Raw sex, Truvada, and the biopolitics of chemoprophylaxis. Sexualities, 18(1/2), 224–246. nos ajuda a problematizar algumas questões: “Dado que o hiv agora se refere a modos de vida e não à morte certa, como uma perspectiva biopolítica pode iluminar a situação atual de homens que fazem sexo com homens?” (p. 227). Ainda que o hiv, na contemporaneidade, não signifique risco de morte, portar o vírus altera o controle que o indivíduo tem de sua saúde, pois o hiv exige um cuidado intensificado com a imunidade. Quando ela está abaixo dos níveis considerados normais, amplia-se a possibilidade de se adquirir doenças que podem rapidamente complicar-se. Além disso, existem inúmeros desdobramentos sociais e psicológicos que afetam os/as portadores/as do vírus.

Ao prevenir a aids, a PrEP expande a capacidade vital do barebacker. Mas não somente isso, ela reconfigura o modo como o bareback é visto e faz a longa história da medicalização da homossexualidade embarcar em uma significativa nova fase, conforme defendido por Tim Dean (2015)Dean, T. (2015). Mediated intimacies: Raw sex, Truvada, and the biopolitics of chemoprophylaxis. Sexualities, 18(1/2), 224–246.. O autor afirma que o medicamento parece licenciar o prazer sem limites, cristalizando-se como uma ideia mediadora sobre o que poderia ser o sexo sem preocupações entre homens no século XXI. Trata-se aqui de uma mediação da intimidade que para seu funcionamento aciona uma tecnologia que não é somente farmacológica, mas também uma tecnologia de poder, que incide na produção de posições de sujeito específicas, como a posição de sujeito preper, constituindo práticas prescritivas, moldadoras e organizadoras singulares de condutas.

Mesmo trazendo discussões sobre as negociações da proteção no âmbito específico do currículo bareback, as questões aqui levantadas merecem ser ampliadas. Isso porque, conforme mostra pesquisa do Ministério da Saúde19 19 Para mais detalhes ver: https://cutt.ly/lx2WOTL Acesso em 29 mar. 2021 divulgada em 2015, apesar da maioria das/os brasileiras/os “saber que o preservativo é a melhor forma de prevenção” às ists e à aids, 45% da população sexualmente ativa continua não usando preservativo nas “relações sexuais casuais”. A prevenção combinada entre PrEP e camisinha se apresenta como uma opção no enfrentamento do crescimento de novos casos de hiv no país. Essa alternativa, no entanto, envolve disputas de significados e sentidos sobre o que os indivíduos fazem com as prescrições que lhes são demandadas e sobre aquelas verdades cristalizadas sobre o que é proteção. Considerando ainda que, no Brasil, a PrEP é uma política pública e gratuita, tais disputas e significados parecem ser mais adensados, principalmente no que se refere à expansão do acesso à PrEP, em relação à qual o país ainda enfrenta alguns desafios. Nem todos/as têm acesso ao medicamento, o que significa dizer que as características conferidas à posição de sujeito preper talvez sejam disponíveis a um restrito grupo privilegiado, o qual pode calcular e negociar de forma mais ampliada as formas de realizar seus desejos e viver suas sexualidades.

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    Normalização, preparação e revisão textual: Maria Thereza Sampaio Lucinio – thesampaio@uol.com.br
  • 3
    Apoio: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior 1
  • 4
    Adotamos o uso do termo hiv em minúsculo nesse texto inspiradas/os na luta do autor e ativista Herbert Daniel, morto em 1992. O uso do termo em minúsculo objetiva diminuir o peso de ser portador do vírus. Na perspectiva de Herbert Daniel, o indivíduo não pode ser reduzido ao vírus, nem isso deve ser considerado centralidade em sua vida. Para mais detalhes sobre essas questões, sua vida e luta pela diversidade ver: Green, 2018Green, J. N. (2018). Revolucionário e gay: A vida extraordinária de Herbert Daniel, pioneiro na luta pela democracia, diversidade e inclusão. Civilização Brasileira..
  • 5
    De acordo com Dean (2015, p. 228)Dean, T. (2015). Mediated intimacies: Raw sex, Truvada, and the biopolitics of chemoprophylaxis. Sexualities, 18(1/2), 224–246., “a Gilead Sciences está sediada em Foster City, ao sul de São Francisco, um dos epicentros originais da Aids, e é o maior produtor de medicamentos contra o HIV do mundo, com as vendas globais de Truvada gerando à empresa mais de US $ 3 bilhões por ano”
  • 6
    Um casal sorodiferente, ou sorodiscordante, é aquele formado entre uma pessoa que vive com hiv e outra pessoa que não vive com hiv. Ou seja, um/a deles/as já foi infectado/a pelo vírus hiv e o/a outro/a não.
  • 7
    Explicamos e definimos no próximo tópico o uso do termo currículo bareback neste artigo.
  • 8
    Ao longo do artigo, todas as traduções de Dean, 2009Dean, T. (2009). Unlimited intimacy: Reflection on the subculture of barebacking. The University of Chicago Press., 2015, 2018; Gonzalez, 2019Gonzalez, O. R. (2019). HIV Pre-Exposure Prophylaxis (PrEP), “The Truvada Whore”, and the New Gay Sexual Revolution. In R. Varghese (Org.), RAW: PrEP, Pedagogy, and Politics of Barebacking (pp. 60-66). University of Regine Press. e Chambers, 1994Chambers, D. L. (1994). Gay men, aids, and the code of the condom. Harvard Civil Rights Civil Liberties Law Rev, 29(2), 353-385. são nossas.
  • 9
    Aprofundamos, especificamente, este aspecto em Contestações às normas do uso do preservativo no currículo bareback: produção da posição de sujeito unrubberman (Oliveira & Sales, 2022Oliveira, D. A. de, & Rezende, S. (2022). Contestações às normas do uso do preservativo no currículo bareback: produção da posição de sujeito unrubberman. Perspectiva, 40(1). https://doi.org/10.5007/2175-795X.2022.e85646.
    https://doi.org/10.5007/2175-795X.2022.e...
    ).
  • 10
    Referimo-nos aqui às posições de sujeito bugchaser e giftgivers. Conferir na versão da tese (Oliveira, 2021Oliveira, D. A. de (2021). “Cavalgar sem sela”: ensinamentos, demandas e incitações do currículo bareback em oposição às normas do uso do preservativo [Tese de Doutorado em Educação]. UFMG.).
  • 11
    Aids será grafado neste artigo em minúscula por considerá-la o nome de uma doença, um substantivo feminino. Nas citações literais, manteremos, em respeito aos/as autores/as, as grafias originais utilizadas em seus textos.
  • 12
    Apesar dos blogs e perfis utilizados para essa pesquisa estarem públicos, por questões éticas, optamos por não divulgar especificamente quais são, pois podem identificar os indivíduos responsáveis pelas publicações, considerando que são informações que, de algum modo, “podem trazer efeitos para estes se utilizadas em pesquisas” (Recuero, 2014Recuero, R. (2014). Contribuições da Análise de Redes Sociais para o estudo das redes sociais na Internet: o caso da hashtag #Tamojuntodilma e #CalaabocaDilma. Revista Fronteiras – estudos midiáticos, 16(2), 60-77., p. 69).
  • 13
    TcP é a sigla Tratamento como Prevenção. Mais uma estratégia para a prevenção de transmissão do hiv, direcionada a pessoas soropositivas. De acordo com a Unaids o uso de medicamentos antirretrovirais faz com que as pessoas vivendo com hiv/aids alcancem a chamada “carga viral indetectável”. As evidências científicas também mostram que pessoas vivendo com hiv/aids que possuem carga viral indetectável, além de ganharem uma melhora significativa na qualidade de vida têm uma chance muito menor de transmitir o vírus a outra pessoa (UNAIDS, [20-?], [não paginado]UNAIDS. (20-?). Prevenção combinada. Recuperado em 8 de julho, 2020, de https://unaids.org.br/prevencao-combinada/
    https://unaids.org.br/prevencao-combinad...
    ).
  • 14
    Os efeitos colaterais da PrEP podem ser de curto e longo prazo: “Na lista de sintomas passageiros estão dor de estômago, náuseas, alteração do ritmo intestinal e gases. Em longo prazo, o risco é a alteração da função renal e perda óssea. Esses problemas, no entanto, são reversíveis. Ou seja, ao parar de tomar o medicamento a função renal e a massa óssea voltam ao normal” (Andrade, 2018Andrade, Thamires. (2018, 10 de janeiro). O que é a PrEP? Tire 12 dúvidas sobre o tratamento que previne o HIV. Uol Viva Bem. Recuperado em 8 de julho, 2020, de https://www.uol.com.br/vivabem/listas/12-perguntas-e-respostas-sobre-a-prep.htm.
    https://www.uol.com.br/vivabem/listas/12...
    , [não paginado]).
  • 15
    Capa aqui refere-se ao preservativo. Logo, sem capa significa sem preservativo.
  • 16
    Uma das últimas campanhas do governo federal investe exatamente em provocar o medo de adquirir uma ist e assim conduzir a conduta juvenil: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/10/governo-aposta-em-medo-e-repulsa-de-efeitos-de-dst-em-campanha-para-estimular-camisinha.shtml Acesso em 1 fev. 2020
  • 17
    Original em inglês.
  • 18
    Original em inglês.
  • 19
    Para mais detalhes ver: https://cutt.ly/lx2WOTL Acesso em 29 mar. 2021

Referências

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Editor responsável: Alexandre Filordi de Carvalho. https://orcid.org/0000-0003-4510-9440

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    13 Nov 2021
  • Revisado
    13 Nov 2021
  • Aceito
    25 Fev 2022
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