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Quando os professores desistem: um estudo sobre a exoneração na rede pública estadual de ensino de São Paulo 1 1 Editor responsável: Cristiane Machado. https://orcid.org/0000-0002-3522-4018 2 2 Normalização, preparação e revisão textual: Ailton Carneiro da Silva Júnior (Tikinet) - revisão@tikinet.com.br

Cuando los profesores renuncian al trabajo: un estudio sobre el sistema escolar público en estado de São Paulo

Resumo

Este artigo analisa o fenômeno da exoneração de docentes e sua relação com as condições de trabalho na rede estadual paulista de ensino. A discussão parte de levantamento bibliográfico acerca da temática, de dados estatísticos sobre a exoneração no período de 2012 a 2018 e de informações coletadas por meio de entrevistas semiestruturadas realizadas com professores da rede. Os dados analisados mostraram elevados e constantes índices de exoneração no período e evidenciaram que este é o momento final de um processo de desistência influenciado fortemente pela insatisfação diante das condições de trabalho, sobretudo da carreira, dos salários, da jornada de trabalho, e da organização e estrutura da rede paulista.

Palavras-chave
exoneração docente; abandono do magistério; condições de trabalho docente; valorização do magistério; rede pública de ensino paulista

Resumen

Este artículo analiza el fenómeno de la renuncia de profesores y su relación con las condiciones laborales en el sistema escolar del estado de São Paulo. La discusión se basa en una revisión bibliográfica sobre el tema, en datos estadísticos sobre el período de abandono entre 2012 a 2018 y información obtenida a través de entrevistas semiestructuradas. Los datos analizados mostraron altas y constantes tasas de abandono en el período y mostraron que la renuncia es el momento final de un proceso fuertemente influenciado por la insatisfacción con las condiciones laborales, especialmente carrera, salarios, jornada laboral, organización y estructura de la red pública de São Paulo.

Palabras claves
renuncia docente; abandono del magisterio; condiciones del trabajo docente; valorización professional; enseñanza pública

Abstract

This article analyzes the teacher resignation process and its relationship with working conditions of the São Paulo state education network. The discussion is based on a bibliographic research about the topic and on a statistical analysis of data from 2012 to 2018, as well as on information from semi-structured interviews with teachers from the education network. The data show high and constant rates of resignation in that period and highline that the resignation can be considered the final moment of a resignation process strongly influenced by dissatisfaction with working conditions, especially with career, salary, working hours and the organization and structure of the São Paulo state education network.

Keywords
teaching exoneration; teaching abandonment; teaching working; conditions, teaching valorization; São Paulo state education network

Introdução

No início do século XXI, o Ministério da Educação (MEC) fez um alerta sobre a queda na procura pelos cursos de licenciatura e um possível risco de “apagão” de professores, especialmente no Ensino Médio (Ruiz et al., 2007Ruiz, I., Ramos, M., & Hingel, M. (2007). Escassez de professores no Ensino Médio: propostas estruturais e emergenciais. MEC.). Para enfrentar tal situação, foram propostas oficialmente algumas ações, a exemplo da Política Nacional de Formação de Professores, com o objetivo de expandir a oferta e melhorar a qualidade nos cursos de formação docente. Dentre os programas e projetos relacionados à Política Nacional estavam aqueles voltados à aproximação entre Educação Básica e Universidade, como foi o caso do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid). Embora ações relacionadas à formação de professores sejam importantes para combater o fenômeno da falta de docentes, com a qual o MEC manifestava preocupação, isoladamente não são suficientes para resolvê-lo, uma vez que tão importante quanto o investimento na formação, é garantir a permanência efetiva do professor nas escolas, sobretudo nas redes públicas. Neste sentido, há dois aspectos importantes a serem considerados: a necessidade de se fazer concursos públicos para entrada e efetivação na carreira docente e o oferecimento de condições adequadas de trabalho aos professores, de forma a ampliar a permanência na carreira e reduzir o abandono do trabalho. Neste artigo abordaremos esse segundo aspecto, tratando mais especificamente o fenômeno das exonerações3 3 A exoneração é o desligamento voluntário, por interesse pessoal, da administração pública à qual o servidor estava vinculado após aprovação em concurso de ingresso e efetivação. docentes e sua relação com as condições de trabalho na rede pública estadual paulista.

Os dados da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Seduc) acerca da exoneração docente são alarmantes. No ano de 2018, em média oito professores efetivos desistiram por dia de lecionar na rede, conforme dados recebidos via Sistema de Informações ao Cidadão (SIC)4 4 Protocolo SIC-SP nº 596201812638, Protocolo SIC-SP nº 62068194815. . Considerando ser um cargo estável, decorrente de aprovação em concurso público, que diante de um cenário de instabilidade política e econômica possibilitaria certa segurança profissional, chamou-nos atenção o fato de muitos docentes optarem por desistir do cargo, solicitando exoneração. Analisar tal fenômeno, considerando sua amplitude e suas causas, é importante para subsidiar o debate público sobre a escassez de professores que parece atingir também a rede de ensino paulista, a maior do país. Dados de pesquisa de Barbosa et al. (2020)Barbosa, A., Jacomini, M. A., Fernandes, M. J. S., Santos, J. B. S., & Nascimento, A. P. S. (2020). Relações e condições de trabalho dos professores paulistas (1995-2018). Cadernos de Pesquisa, 50(177). https://doi.org/10.1590/1980531471" . https://doi.org/10.1590/198053147105
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apontaram a redução de mais de 60 mil professores nessa rede a partir de 2014 e, embora essa redução seja causada por vários fatores, como a queda do número de matrículas e a diminuição do número de professores não efetivos, as exonerações são apontadas como uma causa importante da redução entre os professores efetivos.

Além disso, vale considerar que os frequentes pedidos de exoneração levam ao aumento da rotatividade de professores nas escolas, o que segundo Lourencetti (2008)Lourencetti, G. C. (2008). O trabalho docente dos professores secundários na atualidade: intersecções, particularidades e perspectivas. Junqueira & Marin. e Barbosa (2011)Barbosa, A. (2011). Os salários dos professores brasileiros: implicações para o trabalho docente. Liber Livro. têm implicações negativas para o trabalho docente. Cunha (2019)Cunha, M. B. (2019). Rotatividade docente na rede municipal de ensino do Rio de Janeiro. Educação e Pesquisa, 45. https://doi.org/10.1590/s1678-4634201945192989
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afirma que a rotatividade gera problemas para a organização pedagógica das escolas, dificultando o planejamento adequado das atividades e a consolidação do trabalho coletivo, com consequências para o processo de ensino e aprendizagem.

Apesar da importância do tema, não são quantitativamente expressivas as produções acadêmicas sobre o fenômeno da exoneração de docentes, especialmente na rede paulista. Em levantamento bibliográfico identificou-se que nos últimos 10 anos poucas pesquisas abordaram direta ou indiretamente a temática, destacando-se as contribuições dos estudos realizados por Caldas (2007)Caldas, A. R. (2007). Desistência e Resistêcia no Trabalho Docente: Um Estudo das Professoras e Professores do Ensino Fundamental da Rede Municipal de Educação de Curitiba [Tese de doutorado]. Universidade Federal do Paraná. https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/11017/tese%20final.pdf?sequence=1&isAllowed=y
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, Parparelli (2009)Parparelli, R. (2009). Desgaste mental do professor da rede publica de ensino. Trabalho sem sentido sob a política de regularização do fluxo escolar. Biblioteca Digital USP. https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47134/tde-07122009-145916/pt-br.php
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, Barbosa (2011)Barbosa, A. (2011). Os salários dos professores brasileiros: implicações para o trabalho docente. Liber Livro., Malta (2014)Malta, V. D. (2014). Absenteísmo docente no ensino público: um modelo de influências e correlações com o desempenho discente [Dissertação de mestrado]. Repositório FUMEC. https://repositorio.fumec.br/bitstream/handle/123456789/749/valeria_malta_mes_adm_2014.pdf?sequence=1&isAllowed=y
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e Botelho (2015)Botelho, C. L. B. (2015). Absenteísmo docente em duas escolas do distrito Jardim Ângela do Município de São Paulo. Pontifícia Universidade Católica.. A preocupação com a exoneração na América Latina, especificamente de professores em início de carreira, foi alvo de investigação realizada por pesquisadores chilenos, demonstrando que o fenômeno não é exclusivo de nosso país (Gonzalez-Escobar et al., 2020Gonzalez-Escobar, M., Silva-Peña, I., Gandarillas, A. P., & Kelchtermans, G. (2020). Abandono docente en América Latina: revisión de la literatura. Cadernos de Pesquisa, 50(176). https://doi.org/10.1590/198053146706
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). É notório que as produções acadêmicas sobre exoneração, mesmo internacionalmente, recorrem às pesquisas de Lapo (1999)Lapo, F. R. (1999). Professores retirantes: um estudo sobre a evasão de professores do magistério público do Estado de São Paulo (1990-1995) [Artigo apresentado]. 23ª Reunião Anual da Anped, Caxambu, Brasil. e Lapo e Bueno (2003)Lapo, F. R., & Bueno, B. O. (2003). Professores, desencanto com a profissão e abandono do magistério. Cadernos de Pesquisa, 118. https://doi.org/10.1590/S0100-15742003000100004
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, realizadas no Brasil em décadas anteriores, como referência de destaque. Desta forma, há uma lacuna na produção acadêmica recente no que se refere à análise da exoneração de professores, sobretudo se considerarmos sua relação com as condições de trabalho docente.

Tendo em tela tal lacuna, este artigo dedica-se a analisar o fenômeno da exoneração considerando sua amplitude e relação com as condições de trabalho, com vistas a compreender como está configurado o cenário na rede paulista, ampliando a compreensão acerca dos motivos que levam os professores a solicitar desligamento do cargo. Os dados analisados foram obtidos por meio de pesquisa que, além da revisão bibliográfica sobre a temática, recorreu ao levantamento de informações estatísticas obtidas via SIC, e às entrevistas semiestruturadas realizadas com Professores da Educação Básica II (PEB II)5 5 A pesquisa foi avaliada e aprovada por Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências e Letras – UNESP – Campus Araraquara (Parecer 2.504.336; CAAE 82095918.0.0000.5400). . Os dados de exoneração referem-se exclusivamente aos docentes efetivos, aqueles que após aprovação em concurso de provas e títulos assumem um cargo público, regulamentado por lei.

Este artigo está organizado em três partes, além desta introdução e das considerações finais. A primeira aborda o fenômeno da exoneração na rede estadual paulista; a segunda discute a relação entre exoneração e condições de trabalho, considerando principalmente carreira, salários, jornada, organização e estrutura da rede paulista; e, por fim, são abordadas as estratégias que normalmente antecedem a exoneração.

O fenômeno da exoneração no estado de São Paulo nos últimos anos

A exoneração é bastante conhecida na realidade das escolas públicas paulistas, uma vez que vários docentes voluntariamente pedem desligamento permanente do cargo a que se encontravam vinculado. Há outros termos análogos utilizados em distintas realidades que se aproximam da exoneração: abandono docente, deserção docente, abandono de professor e evasão de professor (Gonzalez-Escobar et al., 2020Gonzalez-Escobar, M., Silva-Peña, I., Gandarillas, A. P., & Kelchtermans, G. (2020). Abandono docente en América Latina: revisión de la literatura. Cadernos de Pesquisa, 50(176). https://doi.org/10.1590/198053146706
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), mobilizando pesquisadores para sua compreensão. No caso da pesquisa utilizamos exoneração docente por ser a denominação oficial dada à solicitação de desligamento e também pelo fato de que nem toda exoneração significa abandono docente, uma vez que muitos professores deixam o trabalho na rede estadual, mas seguem a docência em outras escolas públicas ou privadas. A exoneração é o clímax de um processo que envolve afastamentos com duração variável de poucos dias, como é o caso do absenteísmo caracterizado pelas faltas abonadas, justificadas e injustificadas, passando pelos afastamentos de maior duração que se dá com as licenças e afastamentos parciais e sem remuneração da rede de ensino, até a solicitação de remoção para outras escolas da mesma rede.

A existência de frequentes exonerações na rede estadual de ensino não é fato novo, mas é provável que a organização e as condições atuais das escolas tenham levado a seu agravamento. Em pesquisa realizada na década de 1990, Lapo e Bueno (2003)Lapo, F. R., & Bueno, B. O. (2003). Professores, desencanto com a profissão e abandono do magistério. Cadernos de Pesquisa, 118. https://doi.org/10.1590/S0100-15742003000100004
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identificaram um aumento da ordem de 300% nos pedidos de desistência do cargo de docente. Há que se registrar que o estudo foi realizado num cenário em que houve um plano de demissão voluntária6 6 O Programa de Demissão Voluntária (PDV) do governo do estado de São Paulo foi criado em 1996 como parte da Reforma do Estado e ofereceu a possibilidade de desligamento incentivado a cerca de 310 mil colaboradores, dentre todos os setores públicos, visando reduzir alguns pontos percentuais na folha mensal de pagamento. voltado ao funcionalismo público estadual, o que pode ter tido implicações no aumento dos casos de desligamento. Atualmente, portanto, outras razões levam à exoneração na rede.

Na tentativa de compreender o fenômeno da exoneração docente na rede pública estadual paulista em período mais recente, levantamos junto à Seduc, via SIC, os dados por ano, no período de 2012 a 2018. O recorte temporal considerou como início da série o ano de 2012, momento que antecedeu os últimos concursos para professor na rede estadual, sendo 2013 para PEB II e 2014 para PEB I, já o ano final correspondeu ao último período completo dos dados disponibilizados pela Seduc antes da finalização da pesquisa. Evidenciamos no período o total de 20.081 exonerações de docentes efetivos, o que contabilizou uma expressiva média de oito desligamentos por dia. Considerando que os dados fazem referência apenas aos professores efetivos, titulares de cargo, vale a pena observar os números em relação ao quantitativo do período analisado:

Tabela 1
Professores efetivos e exonerações por ano (2012 a 2018)

Observamos que o número de exonerações de docentes efetivos na rede manteve-se em torno de 3 mil pedidos/ano durante o período analisado, com maiores indicativos nos anos de 2014 e 2018. Esse dado torna-se ainda mais significativo se consideramos que durante o período em questão foram realizados apenas dois concursos públicos na rede: um em 2013 para o cargo de PEB II e um em 2014 para o cargo de PEB I. Isso explica o aumento de professores efetivos no ano de 2014 evidenciado na Tabela 1, assim como o aumento dos pedidos de exoneração. Apesar disso, chama atenção como o número de efetivos cai rapidamente nos anos seguintes. Embora a redução do número de docentes efetivos não tenha a exoneração como única causa (as aposentadorias, por exemplo, também ajudariam a compreender essa redução), a constância dos pedidos de exoneração representa uma redução considerável de 20.081 docentes no período de 2012 a 2018, tornando-se assim um elemento importante para compreender a diminuição do quadro de professores efetivos. Embora as contratações tenham sido relativamente numerosas após os mencionados concursos, elas não foram suficientes para repor o quantitativo de professores que todos os anos deixaram o magistério paulista, posto que o número de docentes efetivos no ano de 2018 permanecia muito próximo ao de 2012, o primeiro da série.

Considerando exclusivamente os dados referentes aos PEB II, observamos que a maioria dos pedidos de exoneração do cargo partiu de professores desta classe: em média, 80% dos pedidos.

Gráfico 1
Número total de professores exonerados (PEB I e PEB II) e número de professores PEB II exonerados por ano (2012 a 2018)

Em relação a esses dados de exoneração, ressaltamos que refletem a composição da categoria docente na rede, uma vez que no ano de 2012 os professores responsáveis pelos anos iniciais eram 63.039 e os PEB II 169.689, ao passo que em 2018, os PEB I eram 40.867 e os PEB II 149.529 (considerando efetivos e não efetivos).

Devido à gravidade evidenciada pelos dados estatísticos referentes à exoneração docente na rede pública estadual paulista, especialmente entre os PEB II, é necessário problematizar o fenômeno levando em consideração as suas causas, com vistas a ampliar a compreensão acerca da relação existente entre este e as condições de trabalho. Para analisar essa relação, recorremos a outros trabalhos que se aproximam da temática e, como não localizamos outras pesquisas que abordassem as exonerações na referida rede em período recente, sobretudo considerando o que os professores dizem sobre isso, realizamos entrevistas semiestruturadas com quatro professores dos anos finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio (PEB II) – que constituem o maior contingente de exoneração – que deixaram o cargo efetivo no período de dez anos antecedentes à realização da pesquisa. Dentre os entrevistados, buscamos contemplar professores das quatro grandes áreas dos componentes curriculares: Ciências Humanas, Linguagens e Códigos, Ciências da Natureza e Matemática; assim como professores que estiveram lotados em distintas Diretorias de Ensino do interior paulista no momento da exoneração. Os entrevistados serão identificados aqui como P1, P2, P3 e P4.

Para discutirmos os motivos pelos quais os professores deixaram a docência na rede paulista, buscamos compreender as razões que os levaram a ingressar no trabalho docente nessa rede. Ao serem indagados sobre a entrada na carreira pública, os professores apontaram a questão da estabilidade advinda do concurso como aspecto importante relacionado ao trabalho docente. Três dos quatro professores já vivenciavam a realidade da escola pública antes da efetivação sob a condição de eventual, substituindo as faltas diárias e/ou licenças e afastamentos, situações nas quais conviviam com grande instabilidade e precariedade profissional. A possibilidade de estabilidade do cargo, mesmo considerando os riscos de um período probatório, foi vista como atrativo inicial para a docência como efetivo:

De 2002 a 2004 eu só pegava aulas de, vamos dizer assim, de afastamentos, licenças ou aulas assim que eu dava muita sorte de aparecer e durante o ano eu conseguia tê-las ao longo do ano inteiro e no ano seguinte eu não tinha garantia nenhuma dessas aulas. Então o lance do concurso, eu pensei em fazer, eu me preparei pra fazer pensando em passar bem, passar em uma boa colocação, pra pegar as minhas próprias aulas, uma quantidade mínima, mas que era sempre garantida e poder escolher o lugar pelo menos razoável pra trabalhar

(P2).

Bom, a princípio por um novo campo de trabalho e também pela ilusão que normalmente a gente tem de uma estabilidade, de um emprego

(P4).

No momento por acreditar que era possível desenvolver um trabalho educacional ainda no modelo da educação pública e pela oportunidade, início de carreira né, a gente vislumbra inicialmente como um grande desejo de conciliar um cargo público, de efetivar num cargo público

(P3).

Os trechos citados evidenciam a entrada efetiva na carreira do magistério público como forma de conseguir um trabalho estável, mas também expressam o ideal de contribuir com a educação pública. No entanto, nos dois últimos excertos destacados, chamou-nos atenção o fato de que essas expectativas iniciais foram frustradas ao longo do processo de trabalho: “ilusão que normalmente a gente tem de uma estabilidade” (P4) e “início de carreira, né?” (P3).

Nesse sentido, buscamos compreender o que aconteceu para que as expectativas iniciais desses professores no ingresso na docência paulista fossem frustradas ao longo da trajetória. Alguns aspectos do trabalho docente mencionados pelos entrevistados e abordados por outros autores sinalizaram a relação entre condições de trabalho e o sentimento de insatisfação com a docência, contribuindo para um processo que desencadeou a exoneração.

Exonerações e condições de trabalho docente

As condições de trabalho docente correspondem ao conjunto de recursos que possibilitam as atividades laborais nas redes e sistemas de ensino. Segundo Oliveira e Assunção (2010)Oliveira, D. A., & Assunção, A. Á. (2010). Condições de Trabalho Docente. In Dicionário: Trabalho, profissão e condição docente. Gestrado. referem-se, em geral, ao conjunto de recursos que possibilitam o trabalho, a exemplo das instalações físicas, materiais disponíveis, equipamentos e meios de realização das atividades e das relações de emprego, formas de contratação, remuneração, carreira e estabilidade. A análise das condições de trabalho deve se situar no tempo e no espaço, ou seja, no contexto histórico-social e econômico que as engendram e que interferem na natureza do próprio trabalho, o que implica considerar que elas são resultados de uma dada organização social definida em suas bases econômicas pelo modo de produção capitalista e suas contradições (Oliveira, 2004Oliveira, D. A. (2004). A reestruturação do trabalho docente: precarização e flexibilização. Educação & Sociedade, 25(89). https://doi.org/10.1590/S0101-73302004000400003
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). Neste sentido, nos últimos anos na rede estadual paulista, sob o domínio da Nova Gestão Pública, Barbosa et al. (2020, p. 808)Barbosa, A., Jacomini, M. A., Fernandes, M. J. S., Santos, J. B. S., & Nascimento, A. P. S. (2020). Relações e condições de trabalho dos professores paulistas (1995-2018). Cadernos de Pesquisa, 50(177). https://doi.org/10.1590/1980531471" . https://doi.org/10.1590/198053147105
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afirmaram que “os docentes estão trabalhando mais, tanto em sala de aula como fora dela, com menores salários e em condições mais frágeis ante às complexas exigências de sua atuação profissional”.

Embora abarque uma série de aspectos constituintes das condições de trabalho docente, os dados da pesquisa revelaram relação bastante estreita entre o fenômeno da exoneração de professores e a carreira e salários, a jornada de trabalho e a organização e estrutura das escolas, o que exploraremos a seguir.

Quanto a carreira e salário docente, observamos considerável implicação no trabalho dos professores. Apesar dos dados empíricos sobre a motivação para entrada dos sujeitos no magistério paulista terem apontado como fator importante a estabilidade no serviço público, quando questionados a respeito da atratividade do plano de carreira, foi perceptível que este fator não garante a permanência dos professores na rede, dada as dificuldades para progressão na carreira. A citação a seguir ilustra bem tal situação:

O professor ingressante gasta muito tempo e se desgasta demais pra conseguir chegar num ponto onde o salário compense [essas condições]. O que ele vai passar durante a vida para conseguir chegar nesse ponto não vale a pena. Pelo menos a maioria dos professores que eu conheço e que começaram comigo ou um pouco antes ou um pouco depois, acabaram desistindo porque não viram uma vantagem de ficar esperando

(P4).

As falas dos entrevistados corroboram os resultados da pesquisa de Barbosa et al. (2020)Barbosa, A., Jacomini, M. A., Fernandes, M. J. S., Santos, J. B. S., & Nascimento, A. P. S. (2020). Relações e condições de trabalho dos professores paulistas (1995-2018). Cadernos de Pesquisa, 50(177). https://doi.org/10.1590/1980531471" . https://doi.org/10.1590/198053147105
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, na qual se destacou que apesar da carreira docente na rede pública paulista ser formada por uma estrutura de oito faixas e oito níveis, o estágio mais avançado que um docente havia chegado até o final de 2018 era a Faixa 4, nível VII, sendo que quase metade dos professores ativos (42%) estavam no primeiro estágio da carreira (Faixa 1, nível I) o que equivalia a um vencimento de R$ 2.233,02 para PEB I e R$ 2.585,01 para PEB II, considerando uma jornada de 40 horas semanais de trabalho. Logo, fica evidente que o P 4 tem razão ao dizer que o professor ingressante levaria bastante tempo até alcançar uma remuneração melhor, posto que a progressão na carreira é difícil e os vencimentos previstos para as faixas iniciais são muito baixos.

De forma semelhante, o P1 sinalizou que os professores que permanecem na docência são aqueles que já alcançaram estágios mais avançados na carreira e que, portanto, fazem jus a maiores vencimentos, mesmo que no geral eles sejam reconhecidamente inferiores aos pagos aos profissionais com igual formação:

A grande maioria dos professores que já estão há um tempo razoável, já tiveram os quinquênios, prova de mérito, eu percebo que vão ficando por causa de algum outro benefício assim por estabilidade e emprego, aí eles não tem vontade de exonerar e vão levando, mas eles falam exatamente isso “nós vamos levando”

(P1).

Novamente a fala do professor entrevistado reforça os achados de pesquisa de Barbosa et al. (2020)Barbosa, A., Jacomini, M. A., Fernandes, M. J. S., Santos, J. B. S., & Nascimento, A. P. S. (2020). Relações e condições de trabalho dos professores paulistas (1995-2018). Cadernos de Pesquisa, 50(177). https://doi.org/10.1590/1980531471" . https://doi.org/10.1590/198053147105
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, que, ao analisar o número de quinquênios no magistério paulista, constatou que 62% dos docentes têm até dois quinquênios, sendo que 32% ainda não completaram o primeiro quinquênio, ou seja, são professores que têm menos de cinco anos de docência na rede. Esses autores destacam que:

Os requisitos exigidos dificultam essa progressão, o que é evidenciado pelo fato de a maioria dos professores situarem-se nos níveis iniciais da carreira. Soma-se a isso o fato de os vencimentos iniciais serem muito baixos, sobretudo se comparados ao que determina a lei do PSPN e o salário mínimo calculado pelo Dieese e aos ganhos de outras profissões para as quais se exige formação em nível superior. Todas essas condições têm contribuído para a desvalorização dos professores e dificultado sua permanência na rede pública, expressa na ampliação do número de professores efetivos exonerados e, também, no significativo número de docentes com poucos quinquênios

(Barbosa et al., 2020Barbosa, A., Jacomini, M. A., Fernandes, M. J. S., Santos, J. B. S., & Nascimento, A. P. S. (2020). Relações e condições de trabalho dos professores paulistas (1995-2018). Cadernos de Pesquisa, 50(177). https://doi.org/10.1590/1980531471" . https://doi.org/10.1590/198053147105
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, p. 809).

Assim, os salários estão relacionados com a exoneração docente e as respostas dos entrevistados apontaram de forma unânime a baixa remuneração do professor estadual em frente a outras profissões que exigem o mesmo grau de qualificação e, ainda mais grave, indicaram que este foi um motivo decisivo para o desligamento da rede pública. O P2 demostrou frustração com o salário ao relatar que questões, como, ter a própria casa, são inviáveis com os salários recebidos por muitos dos professores:

Todo mundo que trabalha e, principalmente, quem estudou pra trabalhar, se formou, fez uma faculdade e continua se formando, se especializando, se aprimorando, quer ganhar bem, quer vencer financeiramente, quer poder ter uma casa, ter um carro, manter uma família, tudo coisa que depende de grana. Com o salário de professor do Estado não dá para fazer isso

(P2).

Já o P1 estabeleceu uma relação próxima entre a valorização e a remuneração na decisão pela exoneração do cargo:

A dificuldade do trabalho era a falta de valorização mesmo, eu não me sentia valorizada como profissional, então isso já era também uma falta de motivação. Vou falar de salário sim, porque também era uma coisa que desmotivava imensamente. Por que eu vou me esforçar pra ser a maior profissional do mundo se eu não recebo pra isso? Às vezes sabe, vou passar três ou quatro horas do meu dia que eu podia estar fazendo qualquer outra coisapra trabalhar pra um Estado que nem sequer me paga um salário digno?

(P1).

Neste sentido, a desvalorização salarial e a dificuldade para se movimentar na carreira podem ser concebidas como uma das principais causas de insatisfação e abandono do magistério, dificultando tanto a atração das novas gerações para a docência como a retenção de profissionais na rede pública.

No que diz respeito às jornadas de trabalho, Barbosa et. Al. (2021)Barbosa, A., Fernandes, M. J. S., Cunha, R. C. O. B., & Aguiar, T. B. (2021). Tempo de trabalho e de ensino: composição da jornada de trabalho dos professores paulistas. Educação e Pesquisa, 47. https://doi.org/10.1590/S1678-4634202147235807
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apontam que a extensão das horas de trabalho tem sido cada vez mais comum entre os professores da rede pública paulista, até como estratégia de ampliação da renda, dada a situação de desvalorização salarial. Há que se considerar ainda que, além das horas trabalhadas efetivamente em sala de aula, os professores cumprem horas de trabalho extraclasse que, apesar de pouco visíveis, não mensuradas e não remuneradas, são essenciais para o desenvolvimento satisfatório das atividades docentes.

Dentre os sujeitos entrevistados, dois deles tinham jornada de trabalho bem extensa, como pode ser observado no Quadro 1 e, mesmo os sujeitos com cargas horárias menores, estavam sujeitos a uma rotina intensa de deslocamento entre diferentes locais de trabalho, o que os colocava em uma exaustiva condição de itinerância entre escolas diferentes de municípios também distintos:

Quadro 1
Carga horária de trabalho dos sujeitos entrevistados

No Quadro 1, observamos que todos os docentes atuavam também em escolas da rede privada, seja na mesma em que residiam ou em outra, o que agravava ainda mais o quadro de itinerância ao longo dos dias da semana e ampliava o tempo de deslocamento entre as diferentes escolas. O período destinado ao deslocamento é fator que impacta o trabalho, sendo um tempo não remunerado, mas um tempo que ocupa parte do dia do professor, com tempo e energia. Além disso, três dos quatro professores entrevistados não conseguiram se efetivar no cargo nas cidades que residiam, portanto, lecionavam em localidades próximas, deslocando-se para trabalhar em diferentes municípios. Esses professores destacaram o desconforto causado por tal condição, já que as viagens constantes, mesmo que curtas, agravavam o desgaste físico e submetiam os professores a maiores riscos. Os excertos das falas de P3 e P4 são ilustrativos da intensa rotina de trabalho dos professores:

O ano mais intensofoi exatamente o ano da exoneração. Morando em 8 8 Referências a pessoas, escolas ou cidades que poderiam gerar identificação dos sujeitos foram omitidas. Para cidades diferentes foram utilizados os códigos x, y e z. x eu atendia uma escola de y, escola particular, então eu tinha que deslocar de x a y, mais ou menos cento e vinte, cento e trinta km, trabalhava lá dois dias, dava quinze horas aula, voltava pra x, atendia outra escola particular em x, cinco horas de aula, voltava então no período da manhã pra y, à tarde atendia x, no final da tarde eu saía de x e ia pra z atender z, saía de z onze horas da noite e chegava em casa meia noite, meia noite e meia, dormia e no outro dia seis horas da manhã estava voltando pra z pra cumprir seis horas de jornada retornando pra x e voltando às escolas particulares de x, isso decorria durante a semana toda, não trabalhava nem aos sábados e nem aos domingos, porém essa relação de deslocamento era muito grande e muito intensa ….

(P3).

Tinha dia que eu dava aulas duas vezes em x, dava aula de manhã e à noite, e à tarde eu dava aula em y. Então eu saía de y de manhã, ia pra x, voltava pra y, voltava pra x e depois voltava pra y de novo de noite. Eu perdia uma média de uma hora e meia, duas horas, nesses dias só com deslocamento

(P4).

Todos os professores entrevistados lecionavam em mais de uma cidade no momento da exoneração. Frequentemente o professor PEB II, que atua em disciplinas específicas do currículo, ministra aulas em mais de uma escola ou rede de ensino e, possivelmente, em mais de uma cidade, visto que a carga horária desse professor é fracionada e em muitos casos é difícil completar o horário de trabalho em apenas uma unidade escolar. Segundo Duarte (2010)Duarte, A. M. C. (2010). Intensificação do trabalho docente. In Dicionário: trabalho, profissão e condição docente. Gestrado., a ampliação da jornada individual de trabalho em razão do docente assumir mais de um emprego, em diferentes estabelecimentos, por necessidade de complementação salarial, leva à intensificação que tem consequências para o processo pedagógico, provocando desgaste físico e emocional do professor e que interfere, por exemplo, em suas possibilidades de formação.

A organização da escola e a infraestrutura disponível para o trabalho também apareceram como relacionadas à decisão de deixar a docência na rede paulista. Sabia e Sordi (2021)Sabia, C. P. P., & Sordi, M. R. L. (2021). Um olhar para a dimensão infraestrutura como uma das condições objetivas possibilitadoras da qualidade em escolas públicas. Revista Ibero-Americana de Estudos Em Educação, 16(1). https://doi.org/10.21723/riaee.v16i1.13473
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afirmam que as condições objetivas na dimensão da infraestrutura podem comprometer o desenvolvimento do trabalho na escola e a qualidade socialmente referenciada na formação humana. Para as autoras, o espaço escolar, como responsabilidade do poder público, deve compor um todo coerente, pois é nele que se desenvolve a prática pedagógica e tanto o ato de ensinar como o de aprender exigem condições propícias ao bem-estar docente e discente, sendo que tais condições podem ser favorecedoras ou limitantes para o processo de formação.

Segundo Ribeiro (2004)Ribeiro, S. L. (2004). Espaço escolar: um elemento (in)visível no currículo. Sitientibus, 31, 103-118., em muitos casos, as edificações escolares no Brasil são de má qualidade, não atendem aos mínimos requisitos de conforto ambiental e funcionam em condições extremamente precárias. A baixa qualidade do ambiente escolar é geralmente atribuída aos altos custos de manutenção desses espaços. Segundo a s autora, em muitos casos há um olhar pouco cuidadoso às escolas, especialmente, as destinadas às classes populares. Três dos entrevistados mencionaram a questão das instalações físicas das escolas, tanto das escolas centrais como periféricas, como destacamos nos trechos abaixo:

…tinha biblioteca e como era escola antiga, central, então em algum momento funcionava um laboratório de ciências que naquela época estavam desativados, tinha uma sala de informática funcionando mais ou menos, tinha pátio, tinha refeitório, tinham quadras esportivas, era uma escola grande, uma escola, digamos, bem estruturada, mas era uma escola antiga, sofria com o desgaste do tempo e da falta de investimento

(P2).

[Parte da escola era] fechada e ninguém tinha acesso, nem os alunos, nem a gente. Poderia ter sido transformada num ambiente agradável, [a escola era] toda murada com grade, talvez por conta desse bairro ser um bairro meio perigoso, digamos assim, tinha até uma parte com árvores no fundo, mas ela ficava totalmente fechada …. Agora o problema maior era que a maioria das minhas aulas eram no noturno e vira e mexe a gente ficava sem energia na escola ou tinha que parar a aula porque o pessoal estava andando em cima do telhado pra ir levar e trazer droga que eles escondiam em cima do telhado da escola

(P4).

Um espaço escolar adequado é importante para que a instituição exerça seu papel social. É um ambiente repleto de signos e significados com fundamental papel pedagógico, o que vai desde a disposição das carteiras, estrutura predial e até mesmo as condições da pintura. Os relatos dos sujeitos confirmam a ideia de Ribeiro (2004)Ribeiro, S. L. (2004). Espaço escolar: um elemento (in)visível no currículo. Sitientibus, 31, 103-118. sobre o espaço escolar como elemento significativo do currículo oculto que tem sido constantemente negligenciado. Assim como as adversidades enfrentadas pelos professores quanto à estrutura física do ambiente da escola, a falta de materiais adequados para se trabalhar em sala de aula foi outro tipo de dificuldade relatada:

A gente não tinha nem impressora pra imprimir prova, então, se a gente quisesse tinha que ou passar a prova na lousa ou recolher moeda dos alunos pra imprimir cada cópia, eu achava isso humilhante e absurdoeu acho que essa ideia do professor ser um trabalho social acaba obscurecendo o papel do Estado e eu sou contra isso

(P1).

Além das condições objetivas, de infraestrutura para a realização do trabalho do professor, outras formas mais subjetivas de organização escolar foram apontadas como elementos de insatisfação com a docência. Exemplo disso é a falta de autonomia docente indicada pelo P4:

Eu já vinha insatisfeito, digamos assim, há certo tempo, pelo menos uns seis meses, um ano já bem insatisfeito, por algumas coisas que aconteciam na escola. O aluno que não aparecia na escola o ano inteiro e na última semana de dezembro ele aparecia e a direção mandava, me obrigava a passar o aluno de ano, mesmo o aluno nunca tendo aparecido, nunca tendo aprendido nada, nem sabia a sua cara e nem eu sabia o nome dele e você tinha que passar ele de ano porque tinham as metas da escola …. Aí acho que por conta disso [que exonerei], era pra eu estar em um lugar melhor

(P4).

A partir dos dados empíricos, confrontados com pesquisas já produzidas na área, ficou evidente que as condições de trabalho como carreira, salários, jornada e até mesmo as condições de infraestrutura ou organização da escola estão inter-relacionadas e foram determinantes para a exoneração dos professores entrevistados e, talvez, ajude a problematizar o elevado número de exonerações ocorridas diariamente na rede estadual.

A análise do fenômeno da exoneração desvela que ele não é episódico ou isolado. Deixar a profissão é algo mais que um ato9 9 Trecho original: Dejar la profesión es algo más allá de um acto (Gonzalez-Escobar et al., 2020, p. 596). (Gonzalez-Escobar et al., 2020Gonzalez-Escobar, M., Silva-Peña, I., Gandarillas, A. P., & Kelchtermans, G. (2020). Abandono docente en América Latina: revisión de la literatura. Cadernos de Pesquisa, 50(176). https://doi.org/10.1590/198053146706
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, p. 596), exigindo um olhar atento ao enlace entre a macro e a micropolítica. Mesmo que os dados da rede estadual paulista, a maior do país, por si só sejam expressivos e preocupantes, não é possível desagregar o quantitativo de exonerações das questões vividas cotidianamente pelos professores.

Estratégias de resistência à exoneração docente

Como já sinalizado, a exoneração resulta de um processo que é muitas vezes marcado por estratégias precedentes de resistência, voltada a resolver a situação que causa a insatisfação com o trabalho. Esteve (1992)Esteve, J. M. (1992). O mal-estar docente. Escher; Fim de Século Edições. afirma ser frequente a manutenção do desejo de abandonar a profissão docente por parte dos professores, porém, sem condições para uma decisão final que leve ao abandono real, o professor recorre a diferentes mecanismos de evasão dos problemas cotidianos.

A pesquisa de Lapo e Bueno (2003)Lapo, F. R., & Bueno, B. O. (2003). Professores, desencanto com a profissão e abandono do magistério. Cadernos de Pesquisa, 118. https://doi.org/10.1590/S0100-15742003000100004
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destacou as fases que antecediam a exoneração docente, envolvendo desde o abandono parcial, compreendido por abonos e faltas que garantiam certo distanciamento de uma possível realidade conflituosa, até a solicitação de remoção para outra escola, ou mesmo a acomodação caracterizado como “o distanciamento da atividade docente através de condutas de indiferença a tudo que ocorre no ambiente escolar” (Lapo & Bueno, 2003Lapo, F. R., & Bueno, B. O. (2003). Professores, desencanto com a profissão e abandono do magistério. Cadernos de Pesquisa, 118. https://doi.org/10.1590/S0100-15742003000100004
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, p. 13). O abandono parcial, segundo as autoras, era levado pelo máximo de tempo possível, até que o professor tivesse condições de atingir o abandono definitivo, constituindo-se, muitas vezes, em um processo longo e doloroso que ocorria quando os professores já estavam enfraquecidos pelas dificuldades e insatisfações, caracterizando uma renúncia muitas vezes traumática, já que não se abandonava apenas um cargo, mas também pessoas e sonhos para os quais o docente havia se dedicado.

Nesse sentido, não apenas a exoneração como desfecho do processo de desistência docente do trabalho em uma rede ou sistema deve ser objeto de preocupação nas políticas públicas, mas também precisam ser consideradas as ações que a antecedem, justamente pelas implicações trazidas ao processo de organização escolar que, diante das estratégias de resistência, mostra sinais de esgarçamento do ponto de vista pedagógico e das relações interpessoais.

Uma das estratégias às quais os professores recorrem ao longo do processo de insatisfação é a mudança de escola. Assim também a remoção, pedido voluntário de transferência para outra unidade da rede, pode ser considerada uma tentativa de permanecer no magistério público paulista apesar das adversidades ou, pelo menos, uma forma de retardar a decisão. Dois dos sujeitos entrevistados acorreram a essa alternativa. No caso do P3, a remoção foi solicitada para que ele pudesse ter maior comodidade e segurança ao trabalhar em local próximo à residência. No entanto, devido a algumas condições vivenciadas na nova escola, pediu remoção novamente e retornou à anterior, localizada em outro município, até decidir-se finalmente pela exoneração:

Eu efetivei na cidade A e no ideal de conseguir trabalhar na cidade onde moro eu pedi remoção e vim pra cidade B numa escola muito maior né, com uma outra realidade de escola. Não tinha uma equipe gestora tão próxima acolhedora como a gente tinha lá [na outra escola]. Isso foi um choque de realidade num primeiro momento e eu não conseguia desenvolver meu trabalho e sofria muito com a questão de cobrança da equipe gestora, porém sem nenhum respaldo, fora a violência que tinha na escola …. Acabei voltando ainda pra cidade A, removi de novo pra lá

(P3).

A remoção, ou transferência, é, portanto, “um mecanismo que, ao mesmo tempo que oferece a possibilidade ao professor de afastar-se das situações que provocam insatisfação e desequilíbrio, oferece-lhe, também, a possibilidade de encontrar outros tipos de dificuldades, talvez até maiores do que as que vinha enfrentando” (Lapo & Bueno, 2003Lapo, F. R., & Bueno, B. O. (2003). Professores, desencanto com a profissão e abandono do magistério. Cadernos de Pesquisa, 118. https://doi.org/10.1590/S0100-15742003000100004
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, p. 82). A experiência do P3 endossa essa análise, visto que a remoção foi solicitada duas vezes, em um curto período de tempo, na tentativa de reduzir os fatores que causavam insatisfação no trabalho.

É também comum nesse processo de ruptura gradual com a rede que haja faltas e licenças. Lapo e Bueno (2003, p. 80)Lapo, F. R., & Bueno, B. O. (2003). Professores, desencanto com a profissão e abandono do magistério. Cadernos de Pesquisa, 118. https://doi.org/10.1590/S0100-15742003000100004
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afirmam que o afastamento temporário permite ao professor “equilibrar-se pelo distanciamento das dificuldades geradoras dos conflitos que está vivenciando”. A insatisfação quanto à realização profissional e o desenvolvimento do trabalho é um ponto chave para a ocorrência dessas saídas temporárias. Quando o magistério não oferecia as condições necessárias para a mínima realização profissional, os professores buscavam, de forma nem sempre consciente, alternativas para corresponder às necessidades e expectativas:

na rede estadual, eu não conseguia dar mais de 20 aulas por semana, me deixava extremamente esgotado. Mesmo tendo apenas 20 por semana eu faltava bastante porque eu não dava conta

(P2).

quando eu voltei pra Cidade A nessa segunda vez, de acordo com a estrutura que tinha e com a relação de horários e a falta de abertura da nova direção, eu acabei faltando excessivamente porque deu alguns choques de horários em relação ao outro trabalho que eu já tinha, então eu tive que evitar isso

(P3).

Lapo e Bueno (2003)Lapo, F. R., & Bueno, B. O. (2003). Professores, desencanto com a profissão e abandono do magistério. Cadernos de Pesquisa, 118. https://doi.org/10.1590/S0100-15742003000100004
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trabalharam com a hipótese de que faltas e licenças seriam tentativas do professor de manter-se alheio aos desafios do contexto de trabalho. O P3 usa o termo “esgotado” para demonstrar seu sentimento sobre o trabalho, evidenciando um processo de sofrimento físico e psíquico no qual as faltas eram um subterfúgio para manter o equilíbrio. Já o sujeito 4, que tinha mais de 50 aulas semanais, afirmou que as faltas eram decorrentes do choque de horários com outras escolas que atuava, situação comum quando há acúmulo de cargo ou itinerância. O professor citou ainda a falta de diálogo com a gestão escolar ao buscar um remanejamento dos horários das aulas, evidenciando a fuga de conflitos implícita na motivação para muitas das faltas e licenças que deflagrou o absenteísmo, aqui discutido de forma ampliada sob o nome de rupturas graduais.

O termo absenteísmo, originário dos estudos nos campos da Administração e da Sociologia, designa a falta de assiduidade, ausência do profissional no local de trabalho, seja por atraso, falta, licença e solicitação de demissão por parte do trabalhador (Bassi, 2010Bassi, I. B. (2010). Absenteísmo. In Dicionário: Trabalho, Profissão e Condição Docente. Gestrado.). Para Dejours (1992)Dejours, C. (1992). A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. Cortez; Oboré., o absenteísmo é uma forma de escape mobilizada pelo trabalhador ao buscar equilíbrio diante da insatisfação no trabalho, ou até mesmo uma alternativa quando se chega ao limite daquilo que está no âmbito da decisão pessoal do profissional. O absenteísmo docente, nesse sentido, pode ser visto como uma forma de resistência que antecede à desistência total do professor diante das demandas do trabalho e dos questionamentos surgidos na profissão. Como parte da ruptura gradual, o professor recorre às estratégias que estão a seu alcance, especialmente as previstas legalmente, como as faltas e licenças. A Tabela 2 ilustra a média de professores com faltas na rede paulista no período estudado, o que nos provoca a pensar nos motivos desencadeantes da ausência:

Tabela 2
Média de professores com faltas por ano (2012-2018)

Para Malta (2014)Malta, V. D. (2014). Absenteísmo docente no ensino público: um modelo de influências e correlações com o desempenho discente [Dissertação de mestrado]. Repositório FUMEC. https://repositorio.fumec.br/bitstream/handle/123456789/749/valeria_malta_mes_adm_2014.pdf?sequence=1&isAllowed=y
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, o absenteísmo tem consequências de diferentes ordens nas escolas, sendo possível destacar o custo financeiro com a substituição de professores e os riscos pedagógicos ligados às incertezas quanto à continuidade do conteúdo e da sequência didática, assim como a desorganização da estrutura e planejamento das aulas e do espaço, a eventual junção de turmas e a gradual perda de identificação do professor em relação à equipe de trabalho. Neste sentido, recorremos ao apontamento feito por Sabia e Sordi (2021)Sabia, C. P. P., & Sordi, M. R. L. (2021). Um olhar para a dimensão infraestrutura como uma das condições objetivas possibilitadoras da qualidade em escolas públicas. Revista Ibero-Americana de Estudos Em Educação, 16(1). https://doi.org/10.21723/riaee.v16i1.13473
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, ao defenderem que o poder público deve se reconhecer no processo de melhoria da qualidade da escola, assumindo a parte que lhe cabe no suporte ao trabalho docente, especialmente no que se refere às condições objetivas das escolas.

Quando o professor quer, mas não consegue ou não pode exonerar, seja por questão financeira ou legal, ou quando o professor não pode fazer uso dos abandonos temporários ou da remoção, ou, mesmo quando faz uso destes e os conflitos não são eliminados, ocorrem tensões, frustrações e outras insatisfações no trabalho que levam ao esgotamento psíquico e físico. Ao verem frustradas suas tentativas e consumidas suas energias a ponto de não conseguirem, de fato, continuar trabalhando adequadamente, “recorrerão a outro mecanismo de evasão, aqui denominado acomodação” (Lapo & Bueno, 2003Lapo, F. R., & Bueno, B. O. (2003). Professores, desencanto com a profissão e abandono do magistério. Cadernos de Pesquisa, 118. https://doi.org/10.1590/S0100-15742003000100004
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, p. 78), como demonstra a fala do P4:

Eu acabei me afastando bastante, não me envolvendo mais, não me propondo a mais nada porque tudo era barrado, então eu acabei meio que, tudo o que pediam eu fazia, na medida do possível também porque tinha coisa que eu não fazia

No último ano que eu só dava trabalho pros alunos, eu não dava prova, prova mesmo, avaliação escrita eu não dava porque era um trabalho só pro professor

(P4).

A acomodação pode ser compreendida como uma forma de desistência cotidiana das tarefas decorrentes do trabalho. O esgotamento emocional originado por um composto de fatores relacionados ao trabalho, conhecido como burnout, também pode ser motivo de exoneração. Todos os professores entrevistados relataram esgotamento físico e emocional, além de situações constantes de sofrimento no trabalho e questionamentos sobre seu sentido profissional antes de decidirem pela exoneração, como expressam os trechos a seguir:

Eu até cheguei a falar com colegas, a gente comentou, cara eu estou me sentindo dentro da obra do Kafka Metamorfose, quando o cara se torna um inseto ele acaba pouco a pouco englobando a imundice, ele vai se desumanizando, é isso que eu sentia do professor do Estado, um processo de desumanização, e eu tinha medo que essa processo acontecesse comigo em algum momento da minha vida ou carreira, e aí foi uma das coisas que eu queria me afastar sabe, [em outras redes] eu sempre tive um envolvimento muito afetivo com a equipe gestora, com meus colegas, com meus alunos principalmente, e lá parecia que eu não queria desenvolver esse afeto, eu não queria desenvolver essa troca, eu queria meio que ficar à margem daquilo, porque dava impressão de abismo sabe, que você estava ali entrando num abismo

(P1).

Eu gosto de ensinar e não gosto de simplesmente exercer o cargo, dizer que eu sou professor, mas não estou fazendo a função de professor, não estou mudando, transformando a vida de ninguém …. Eu era um funcionário, eu não era um professor!

(P4).

Quando o esgotamento físico e mental acomete os professores, o ambiente educacional e os objetivos pedagógicos são afetados. Esse processo leva os profissionais a um processo de alienação, desumanização e apatia, ocasionando problemas de saúde, absenteísmo e até mesmo intenção de abandonar a profissão (Codo & Vasques-Menezes, 2000Codo, W., & Vasques-Menezes, I. (2000). Burnout: sofrimento psíquico dos trabalhadores em educação. Cadernos de Saúde Do Trabalhador, 14, 1-54.; Ferreira, 2011Ferreira, L. C. M. (2011). Relação entre a crença de autoeficácia docente e a síndrome de Burnout em professores do ensino médio [Tese de doutorado]. Biblioteca Digital da Unicamp. https://www.bibliotecadigital.unicamp.br/bd/index.php/detalhes-material/?code=000807477
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; OCDE, 2007)Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. (2007). Professores são importantes: atraindo, desenvolvendo e retendo professores eficazes. OCDE. https://doi.org/10.1787/9789264065529-pt
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. Vale reforçar que se o professor não tem outra atividade rentável que garanta a sua sobrevivência e a de sua família, dificilmente deixará definitivamente o trabalho, por mais insatisfeito que possa estar.

É interessante observar que três dos quatro sujeitos usaram subterfúgios legais para tentar manejar as insatisfações profissionais: a remoção foi pedida duas vezes pelo P3 e almejada, ainda que sem sucesso, por P4. Os P2 e P3 fizeram uso constante das faltas e licenças. Já o P4, apesar de afirmar não ter se ausentado da escola até a exoneração, demostrou em suas falas atitudes de acomodação frente às adversidades vividas no cotidiano. O único que não apresentou características desse processo de ruptura gradual foi o P1, mas, considerando que a exoneração deste sujeito ocorreu dentro de um ano após a aprovação em concurso, é provável que o pouco tempo de vínculo construído com o trabalho justifique a rápida decisão pela desistência do cargo.

Um dado importante e fundamental obtido nas entrevistas foi o reconhecimento de que todos os professores renunciaram ao cargo no serviço público estadual, mas não abriram mão da profissão docente, visto que continuaram atuando em outras redes de ensino. Este dado reforçou a importância de se considerar as condições de trabalho – não apenas as destacadas neste artigo – para a permanência na rede pública de ensino, tomando-as como princípios articulados à formação, atração e manutenção dos profissionais da educação.

Considerações Finais

A desistência do cargo de professor é o desfecho de um processo decorrente do enfraquecimento dos vínculos de trabalho (causa do abandono gradual da atividade e do consequente cancelamento das obrigações assumidas com a instituição escolar), e esse enfraquecimento das relações é, por sua vez, fruto das condições de trabalho a que esse profissional está submetido. Portanto, a elevada exoneração ocorrida nos últimos anos na rede estadual paulista é um fator que evidencia a precarização das condições de trabalho nas escolas sob a responsabilidade da Seduc. Embora os dados analisados à luz da literatura e o reconhecimento de suas causas sejam preocupantes, há que se admitir que eles ainda não correspondem à totalidade dos professores que anualmente deixam a rede pública de ensino paulista, já que os registros oficiais consideram apenas a desvinculação do professor efetivo. É provável que muitos professores não efetivos, que em 2018 representavam 36% do quadro do magistério (Barbosa et. Al. 2020Barbosa, A., Jacomini, M. A., Fernandes, M. J. S., Santos, J. B. S., & Nascimento, A. P. S. (2020). Relações e condições de trabalho dos professores paulistas (1995-2018). Cadernos de Pesquisa, 50(177). https://doi.org/10.1590/1980531471" . https://doi.org/10.1590/198053147105
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), deixem a rede estadual anualmente, mas, sobre estes há uma invisibilidade estatística uma vez que a Seduc alega não dispor de dados sobre esses docentes.

A pesquisa realizada por Gonzalez-Escobar et al. (2020)Gonzalez-Escobar, M., Silva-Peña, I., Gandarillas, A. P., & Kelchtermans, G. (2020). Abandono docente en América Latina: revisión de la literatura. Cadernos de Pesquisa, 50(176). https://doi.org/10.1590/198053146706
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, sobre o abandono docente de professores em início de carreira na América Latina, identificou que a evasão pode se dar de distintas formas: abandono docente – referente a profissionais que deixam de atuar como professores, abandonando não apenas a sala de aula e a escola; deixar de dar aulas – refere-se àqueles que deixam a sala de aula para ocupar outros postos públicos relativos à educação. Os dados empíricos apresentados neste artigo destoaram destas categorias apresentadas sobre os professores iniciantes, pois os quatro sujeitos seguiram exercendo a docência em outras redes de ensino, em condições de trabalho melhores, o que sugere que a exoneração do cargo docente na rede pública paulista por parte desses sujeitos não se deu em função de uma escolha equivocada da profissão, mas sim como decorrência de um processo de desvalorização profissional que não garantiu condições de trabalho adequadas à permanência do professorado. Ainda sobre os dados empíricos decorrentes das entrevistas, importante afirmarmos que não foram mobilizados com o objetivo de generalizar as causas da exoneração dos docentes. Do ponto de vista metodológico, nem poderíamos ter tal pretensão. Entretanto, à medida que os dados encontraram respaldo na literatura de base na qual o artigo se apoiou, corroborando estudos importantes e anteriores realizados na área da educação, podem sim ser considerados representativos acerca do fenômeno da exoneração.

Ainda destoando das conclusões aportadas pelo estudo sobre abandono docente na América Latina que, sem abandonar a complexidade multidimensional, opta por destacar a micropolítica, com razões associadas às relações de poder no interior da escola que repercutem em tensões interpessoais que podem ser determinantes para o abandono docente10 10 Texto original: Razones associadas a la relación de poder al interior de la escuela, que repercutem em tensiones interpersonales que podrían derivar em las causas determinantes del abandono docente (Gonzalez-Escobar et al., 2020, 598). (Gonzalez-Escobar et al., 2020Gonzalez-Escobar, M., Silva-Peña, I., Gandarillas, A. P., & Kelchtermans, G. (2020). Abandono docente en América Latina: revisión de la literatura. Cadernos de Pesquisa, 50(176). https://doi.org/10.1590/198053146706
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, 598), confirmamos com os dados empíricos a essencialidade das condições de trabalho decorrentes da macropolítica justificada pela Nova Gestão Pública que tem se manifestado nas escolas por meio de planos de carreira e salários, e de programas e projetos que não valorizam decentemente o trabalho docente. Neste sentido, os dados aqui analisados evidenciaram que a exoneração não se reduz a poucos e isolados casos na rede, mas indicaram uma situação que se manteve constante, contínua e elevada no período analisado, reforçando a necessidade de um olhar atento às condições objetivas de trabalho que sirvam não apenas como atração inicial na carreira docente, mas que visem também a permanência no magistério. Este é um requisito importante para que conjuntamente ocorram políticas de formação e atração de professores, tornando possível reduzir a exoneração docente e minimizar aspectos anteriores a ele relacionados, como o absenteísmo, a rotatividade e a acomodação que trazem implicações para o processo de organização pedagógica das escolas.

  • 2
    Normalização, preparação e revisão textual: Ailton Carneiro da Silva Júnior (Tikinet) - revisão@tikinet.com.br
  • 3
    A exoneração é o desligamento voluntário, por interesse pessoal, da administração pública à qual o servidor estava vinculado após aprovação em concurso de ingresso e efetivação.
  • 4
    Protocolo SIC-SP nº 596201812638, Protocolo SIC-SP nº 62068194815.
  • 5
    A pesquisa foi avaliada e aprovada por Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências e Letras – UNESP – Campus Araraquara (Parecer 2.504.336; CAAE 82095918.0.0000.5400).
  • 6
    O Programa de Demissão Voluntária (PDV) do governo do estado de São Paulo foi criado em 1996 como parte da Reforma do Estado e ofereceu a possibilidade de desligamento incentivado a cerca de 310 mil colaboradores, dentre todos os setores públicos, visando reduzir alguns pontos percentuais na folha mensal de pagamento.
  • 7
    O P 3 pediu remoção do cargo para outra unidade durante o trajeto de sua carreira na rede estadual, por isso considera-se escola 1ª e 2ª escola.
  • 8
    Referências a pessoas, escolas ou cidades que poderiam gerar identificação dos sujeitos foram omitidas. Para cidades diferentes foram utilizados os códigos x, y e z.
  • 9
    Trecho original: Dejar la profesión es algo más allá de um acto (Gonzalez-Escobar et al., 2020Gonzalez-Escobar, M., Silva-Peña, I., Gandarillas, A. P., & Kelchtermans, G. (2020). Abandono docente en América Latina: revisión de la literatura. Cadernos de Pesquisa, 50(176). https://doi.org/10.1590/198053146706
    https://doi.org/10.1590/198053146706...
    , p. 596).
  • 10
    Texto original: Razones associadas a la relación de poder al interior de la escuela, que repercutem em tensiones interpersonales que podrían derivar em las causas determinantes del abandono docente (Gonzalez-Escobar et al., 2020Gonzalez-Escobar, M., Silva-Peña, I., Gandarillas, A. P., & Kelchtermans, G. (2020). Abandono docente en América Latina: revisión de la literatura. Cadernos de Pesquisa, 50(176). https://doi.org/10.1590/198053146706
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1
Editor responsável: Cristiane Machado. https://orcid.org/0000-0002-3522-4018

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    09 Maio 2021
  • Revisado
    23 Dez 2022
  • Aceito
    07 Mar 2022
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