Acessibilidade / Reportar erro

A problemática da representação social e sua utilidade no campo da doença

The concept of social representation and its utility in the health-care field

La problemátique de la représentation sociale et son utilité dans le domaine de la maladie

Resumos

Partindo do conceito de representação social, tal como proposto por Durkheim, a autora, focalizando a produção francesa a partir dos anos 60, se dispõe a rever os modos pelos quais a noção foi atualizada no campo da saúde. Ainda que salientando algumas limitações teóricas subjacentes ao uso do conceito, Herzlich argumenta em favor de sua persistente fecundidade enquanto marco analítico para se pensar os fenômenos da saúde e da doença. Sugere, nesse sentido, alguns possíveis desdobramentos teóricos ensejados pela utilização do conceito nesse campo específico.


Focusing on work produced in France from the sixties on, the author reviews the ways in which Durkheim's concept of social representation has been updated within the health-care field. While some theoretical limitations underlying the use of this concept are admitted, the author argues in favor of its continued fecundity as an analytical tool in studying phenomena of healthcare and illness. She also points to some theoretical developments that may possibly be achieved through use of the concept within this particular field.


L'auteur part du concept de représentation sociale établi par Durkheim et met en évidence la production française des années 60 dans le domaine de la santé pour tenter de revoir comment cette notion y a été actualisée. Même si, comme elle le souligne, il existe quelques limites théoriques sous-jacentes à 1' usage de ce concept, Herzlich soutient qu'il présente une fécondité persistente en tant que repre analytique destiné à favoriser la réflexion sur les phénoménes de la santé et de la maladie. C'est pourquoi elle propose quelques corollaires théoriques en vue de son utilisation dans ce domaine spécifíque


A problemática da representação social e sua utilidade no campo da doença

The concept of social representation and its utility in the health-care field

La problemátique de la représentation sociale et son utilité dans le domaine de la maladie

Claudine Herzlich

Socióloga, CERMES -Centre de Recherche Médecine Maladie et Sciences Sociales.

RESUMO

Partindo do conceito de representação social, tal como proposto por Durkheim, a autora, focalizando a produção francesa a partir dos anos 60, se dispõe a rever os modos pelos quais a noção foi atualizada no campo da saúde. Ainda que salientando algumas limitações teóricas subjacentes ao uso do conceito, Herzlich argumenta em favor de sua persistente fecundidade enquanto marco analítico para se pensar os fenômenos da saúde e da doença. Sugere, nesse sentido, alguns possíveis desdobramentos teóricos ensejados pela utilização do conceito nesse campo específico.

ABSTRACT

Focusing on work produced in France from the sixties on, the author reviews the ways in which Durkheim's concept of social representation has been updated within the health-care field. While some theoretical limitations underlying the use of this concept are admitted, the author argues in favor of its continued fecundity as an analytical tool in studying phenomena of healthcare and illness. She also points to some theoretical developments that may possibly be achieved through use of the concept within this particular field.

RESUME

L'auteur part du concept de représentation sociale établi par Durkheim et met en évidence la production française des années 60 dans le domaine de la santé pour tenter de revoir comment cette notion y a été actualisée. Même si, comme elle le souligne, il existe quelques limites théoriques sous-jacentes à 1' usage de ce concept, Herzlich soutient qu'il présente une fécondité persistente en tant que repre analytique destiné à favoriser la réflexion sur les phénoménes de la santé et de la maladie. C'est pourquoi elle propose quelques corollaires théoriques en vue de son utilisation dans ce domaine spécifíque.

Texto completo disponível apenas em PDF.

Full text available only in PDF format.

1 Esta apresentação fundamenta-se nos estudos de MOSCOVICI S., La Psychanalyse, son image et son public. Paris, PUF, 1961 (segunda edição 1976); e de HERZLICH C., Santé et maladie, analyse d'une représentation sociale. Paris, La Haye, Mouton, 1969. Para a discussão da representação social, ver também prefácio de MOSCOVICI S. a esta última obra, bem como HERZLICH C., "La représentation sociale", in MOSCOVICI S. (org.), Introduction à lapsychologie sociale. Paris, Larousse, 1972, pp. 303-325; e "Perceptions et représentations des usagers: santé, corps, handicaps", in Conceptions, mesures et actions en Santé Publique. Inserm 1981, Vol. 104, pp. 331-352.

3 DURKHEIM E., Les règles de la méthode sociologique. Paris, PUF, terceira edição, 1956, p. XXII (ediç ão brasileira, Aí regras do método sociológico, São Paulo, Abril Cultural, 1978). Ver também, por exemplo, "Représentations individuelles, represéntations collec-tives",/?ev«e de. Métaphysique et de Morale, 1898. Publicado emSociologieetphilosophie. Paris, PUF, 1967, pp. 1-38.

4 HERZLICH C., Santé et maladie, analyse d'une représentation sociale, op.cit.

5 Ver sobre este ponto HERZLICH C., "Médecine moderne et quête de sens: la maladie signifiant social", in AUGE M. e HERZLICH C. (orgs.), Le sens du mal, anthropologie, histoire, sociologie de la maladie. Paris, Archives Contemporaines, 1984.

6 DOUGLAS M,,Purity anddanger, ananalysisofconcepts of pollution andtaboo. Rontledge and Kegan Paul, 1966 (edição brasileira, Pureza e perigo. São Paulo, Editora Perspectiva, 1976).

7 Ver HERZLICH C., "Perceptions et représentations des usagers: santé, corps, handicaps", op. cit., p.177.

8 SONTAG S., Illness as metaphor. Nova Iorque, Farrar, Strauss and Giroux, 1977 (edição brasileira, A doença como metáfora. Rio de Janeiro, Graal).

9 Reconheço no entanto que, em meu próprio estudo, o estatuto teórico dos modelos de conduta propostos foi insuficientemente discutido.

10 Ver sobre esse assunto HERZLICH C., "La représentation sociale", in MOSCOVICI S. (org.), Introduction à la psychologie sociale, Paris, Larousse, 1972, pp. 317 e seguintes.

11 Ver AIACH P., "Contenu de l'objet santé et variabilité des attitudes", in Conceptions, mesures et actions en santé publique. Inserm, Vol. 104, 1981.

12 No prefácio edição à inglesa de meu livro Santé et maladie, analyse d'une représentation sociale, op.cit., e em meu artigo "Perceptions et reprsentations des usagers: santé, corps, handicaps", op. cit.

13 BOURDIEU P., PASSERON J.C. e CHAMBOREDON J.C., Le métierde sociologue. Paris, Mouton-Bordas, 1968, p.41.

14 Ver CRAWFORD R., "Healthism and the medicalization of every day life", International Journal of Health Services, 1980, X, pp. 365-388, citado em BOURDIEU P.; PASSERON J.C. e CHAMBOREDON J.C., Le métier de sociologue, op. cit. O grifo é meu. Para uma exposição das atuais posições de P. Bourdieu, ver, por exemplo, BOURDIEU P., Le sens pratique. Paris, Editions de Minuit, 1980. p. 41.

15 BOLTANSKI L., La découverte de la maladie: la diffusion du savoirmédical. Paris, Centre de Sociologie Européenne, 1968.

16 Idem, p. 81.

17 Idem.

18 Idem, p. 85.

19 Ver, sobre este ponto, BOURDIEU P., Le sens pratique, op. cit., assim como BURY M.R. e WOOD P.H., "Problems of communication in chronic illness", InternationalRehabilitation Medicine, I, 1979, pp. 130-134.

20 No quadro desse estudo, efetuei aliás algumas entrevistas com clínicos gerais, aplicando o mesmo roteiro de entrevista usado com os informantes leigos. Eles responderam sem nenhuma surpresa ou dificuldade e desenvolveram concepções muito próximas das dos indivíduos "recém-chegados", i.e., dos outros entrevistados.

21 Ver, na França, os trabalhos de A. d'Houtaud e P. Aiach. Ver também BLAXTER M. e PATERSON E,,Mothers anddaughters: a three generational study ofhealth attitudes and behavior. Londres, Heineman, 1982.

22 Poderia ser feita uma outra interpretação dos discursos produzidos pelos entrevistados. É sabido que, com um talento às vezes notável, os entrevistados se colocam como teóricos da própria experiência. Aliás, movidos por mim nesta direção, forneciam um relato e elaboravam a análise desse relato. Desde este estudo, a etnometodologia teorizou esse tipo de comunicação, bem como as regras de descrição e de interpretação cotidiana de eventos e de situações. Meu interesse pelas categorias, os agenciamentos cognitivos de interpretação da doença pelos sujeitos que entrevistei, coincide em grande parte com o dos etnometodólogos, mas não pude aproveitar os avanços produzidos por seus trabalhos, que não estavam divulgados então na França (Studies in ethnometodology, de Harold Garfinkel e The social organization ofjuvenile justice, de Aaron Cicourel, datam ambos de 1967). Eu estava, aliás, muito próxima da idéia de construção social da realidade, ainda que ainda não houvesse lido nessa época, o livro de Berger e Luckman (A construção social da realidade. Petrópolis, Vozes, 1983) que data de 1966 e também era praticamente desconhecido na França. Hoje, consciente dos pontos cegos de minha perspectiva, eu diria que se a idéia de construção social me parece sempre fundamental (como mostra este texto), por outro lado as posições da etnometodologia, para a qual as interpretações da vida cotidiana são a base mesma da ordem social (esta não tendo, no fundo, existência independente das práticas descritivas e interpretativas imediatas), me parecem divergentes da minha perspectiva. Mas isto mereceria, seguramente, longos debates.

23 AUGE M., Théorie des pouvoirs et idéologies, Paris, Hermann, 1975, p. XX.

24 HERZLICHC. ePIERRETí.,Maladesd'hier, maladesd'aujourd'hui. Delamortcollective au devoir de guérison. Paris, Payot, 1984.

25 Ver introdução a AUGE M. e HERZLICH C. (orgs.), Le sens du mal, anthropologie, histoire, sociologie de la maladie, op. cit.

26 CRAWFORD R., "Healthism and the medicalization of every day life", International Journal of Health Services, op. cit.

  • 1 Esta apresentação fundamenta-se nos estudos de MOSCOVICI S., La Psychanalyse, son image et son public. Paris, PUF, 1961 (segunda edição 1976);
  • e de HERZLICH C., Santé et maladie, analyse d'une représentation sociale. Paris, La Haye, Mouton, 1969.
  • Para a discussão da representação social, ver também prefácio de MOSCOVICI S. a esta Ăşltima obra, bem como HERZLICH C., "La représentation sociale", in MOSCOVICI S. (org.), Introduction à lapsychologie sociale. Paris, Larousse, 1972, pp. 303-325;
  • e "Perceptions et représentations des usagers: santé, corps, handicaps", in Conceptions, mesures et actions en Santé Publique. Inserm 1981, Vol. 104, pp. 331-352.
  • 3 DURKHEIM E., Les règles de la méthode sociologique. Paris, PUF, terceira edição, 1956, p. XXII (ediç
  • ão brasileira, Aí regras do método sociológico, São Paulo, Abril Cultural, 1978).
  • Ver também, por exemplo, "Représentations individuelles, represéntations collec-tives",/?ev«e de. Métaphysique et de Morale, 1898. Publicado emSociologieetphilosophie. Paris, PUF, 1967, pp. 1-38.
  • 4 HERZLICH C., Santé et maladie, analyse d'une représentation sociale, op.cit. 5 Ver sobre este ponto HERZLICH C., "Médecine moderne et quête de sens: la maladie signifiant social", in AUGE M. e HERZLICH C. (orgs.), Le sens du mal, anthropologie, histoire, sociologie de la maladie. Paris, Archives Contemporaines, 1984.
  • 6 DOUGLAS M,,Purity anddanger, ananalysisofconcepts of pollution andtaboo. Rontledge and Kegan Paul, 1966 (edição brasileira, Pureza e perigo. São Paulo, Editora Perspectiva, 1976).
  • 7 Ver HERZLICH C., "Perceptions et représentations des usagers: santé, corps, handicaps", op. cit., p.177. 8 SONTAG S., Illness as metaphor. Nova Iorque, Farrar, Strauss and Giroux, 1977 (edição brasileira, A doença como metáfora. Rio de Janeiro, Graal).
  • 9 Reconheço no entanto que, em meu próprio estudo, o estatuto teórico dos modelos de conduta propostos foi insuficientemente discutido. 10 Ver sobre esse assunto HERZLICH C., "La représentation sociale", in MOSCOVICI S. (org.), Introduction à la psychologie sociale, Paris, Larousse, 1972, pp. 317 e seguintes.
  • 11 Ver AIACH P., "Contenu de l'objet santé et variabilité des attitudes", in Conceptions, mesures et actions en santé publique. Inserm, Vol. 104, 1981.
  • 12 No prefácio edição à inglesa de meu livro Santé et maladie, analyse d'une représentation sociale, op.cit., e em meu artigo "Perceptions et reprsentations des usagers: santé, corps, handicaps", op. cit. 13 BOURDIEU P., PASSERON J.C. e CHAMBOREDON J.C., Le métierde sociologue. Paris, Mouton-Bordas, 1968, p.41.
  • 14 Ver CRAWFORD R., "Healthism and the medicalization of every day life", International Journal of Health Services, 1980, X, pp. 365-388,
  • citado em BOURDIEU P.; PASSERON J.C. e CHAMBOREDON J.C., Le métier de sociologue, op. cit. O grifo é meu. Para uma exposição das atuais posições de P. Bourdieu, ver, por exemplo, BOURDIEU P., Le sens pratique. Paris, Editions de Minuit, 1980. p. 41.
  • 15 BOLTANSKI L., La découverte de la maladie: la diffusion du savoirmédical. Paris, Centre de Sociologie Européenne, 1968.
  • 16 Idem, p. 81. 17 Idem. 18 Idem, p. 85. 19 Ver, sobre este ponto, BOURDIEU P., Le sens pratique, op. cit., assim como BURY M.R. e WOOD P.H., "Problems of communication in chronic illness", InternationalRehabilitation Medicine, I, 1979, pp. 130-134.
  • 20 No quadro desse estudo, efetuei aliás algumas entrevistas com clínicos gerais, aplicando o mesmo roteiro de entrevista usado com os informantes leigos. Eles responderam sem nenhuma surpresa ou dificuldade e desenvolveram concepções muito próximas das dos indivíduos "recém-chegados", i.e., dos outros entrevistados. 21 Ver, na França, os trabalhos de A. d'Houtaud e P. Aiach. Ver também BLAXTER M. e PATERSON E,,Mothers anddaughters: a three generational study ofhealth attitudes and behavior. Londres, Heineman, 1982.
  • 22 Poderia ser feita uma outra interpretação dos discursos produzidos pelos entrevistados. É sabido que, com um talento às vezes notável, os entrevistados se colocam como teóricos da própria experiência. Aliás, movidos por mim nesta direção, forneciam um relato e elaboravam a análise desse relato. Desde este estudo, a etnometodologia teorizou esse tipo de comunicação, bem como as regras de descrição e de interpretação cotidiana de eventos e de situações. Meu interesse pelas categorias, os agenciamentos cognitivos de interpretação da doença pelos sujeitos que entrevistei, coincide em grande parte com o dos etnometodólogos, mas não pude aproveitar os avanços produzidos por seus trabalhos, que não estavam divulgados então na França (Studies in ethnometodology, de Harold Garfinkel e The social organization ofjuvenile justice, de Aaron Cicourel, datam ambos de 1967). Eu estava, aliás, muito próxima da idéia de construção social da realidade, ainda que ainda não houvesse lido nessa época, o livro de Berger e Luckman (A construção social da realidade. Petrópolis, Vozes, 1983) que data de 1966 e também era praticamente desconhecido na França. Hoje, consciente dos pontos cegos de minha perspectiva, eu diria que se a idéia de construção social me parece sempre fundamental (como mostra este texto), por outro lado as posições da etnometodologia, para a qual as interpretações da vida cotidiana são a base mesma da ordem social (esta não tendo, no fundo, existência independente das práticas descritivas e interpretativas imediatas), me parecem divergentes da minha perspectiva. Mas isto mereceria, seguramente, longos debates. 23 AUGE M., Théorie des pouvoirs et idéologies, Paris, Hermann, 1975, p. XX.
  • 24 HERZLICHC. ePIERRETí.,Maladesd'hier, maladesd'aujourd'hui. Delamortcollective au devoir de guérison. Paris, Payot, 1984.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Out 2011
  • Data do Fascículo
    1991
PHYSIS - Revista de Saúde Coletiva Instituto de Medicina Social Hesio Cordeiro - UERJ, Rua São Francisco Xavier, 524 - sala 6013-E- Maracanã. 20550-013 - Rio de Janeiro - RJ - Brasil, Tel.: (21) 2334-0504 - ramal 268, Web: https://www.ims.uerj.br/publicacoes/physis/ - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: publicacoes@ims.uerj.br