Acessibilidade / Reportar erro

Os nervos e a antropologia médica norte-americana: uma revisão crítica

The nerves in north-american medicai anthropology: a critical review

Les nerfs et l'anthropologie médicale nord-américaine: une révision critique

Resumos

Trata-se de um levantamento, revisão e análise da ampla literatura norte-americana articulada em torno do campo da Antropologia Médica que se tem dedicado à questão dos nervos, do nervoso ou do ataque de nervos nas últimas décadas. Procura-se apresentar o quadro dos pressupostos analíticos que ordenam as classificações prevalecentes nesse campo, esclarecendo assim não apenas a etnografia comparada do fenômeno dos nervos, mas também a própria estruturação conceituai da Antropologia Médica. Enfatiza-se os riscos dos reducionismos pela dominação/poder e pela dominação/gênero na necessária argumentação crítica contra os paradigmas biomé-dicos e sua leitura da "doença dos nervos". Argumenta-se por um conhecimento mais acurado da história desse fenômeno e pela sua contextualização no quadro dos demais modelos de pessoa e perturbação físico-moral correntes na cultura ocidental moderna. Procede-se à recuperação dos pontos centrais de contribuição da etnografia produzidos nesse campo para o conhecimento comparado dos nervos, aproximando-o das literaturas brasileira e européia a esse respeito.


This is a review of the vast and recent North-American bibliography concerning nerves and attacks of nerves from the point of view of Medicai Anthropology. The author describes the analytical instruments underlying both the specific ethnographic contribution and the general conceptual frame of Medicai Anthropology. He argues against the reductionist use of "power" and "gender" in the otherwise necessary critique of biomedical models of "nervous disease" or "illness". He emphasizes the need of a greater atten-tion to the historical dimension of these phenomena and to their embedded-ness in the context of modern Western culture models of the Person and physical-moral perturbations. He accounts for the main ethnographic contri-butions of that literature for the knowledge of nerves. in a comparison with Brazilian and European sources.


II s'agit d'une révision et analyse de la littérature nord-américaine récente sur les nerfs, la nervosité ou les crises nerveuses, axée autour de 1'Anthropologie Médicale. L'auteur presente les préssuposés analyiiques sousjacents aux classifications courantes dans ce champ, pour mieux saisir à la fois les qualités de 1'ethnographie du phénomène des nerfs et la structure conceptuelle de rAnthropologie Médicale. II souligne les risques de la subs-titution de la réduction opérée par le schéma bíomédica] (justement critiquée en ce qui concerne sa conception de "maladies nerveuses") par ceux du "pouvoir" et des différences de "genre". II propose une plus forte attention à 1'histoire de ce phénomène ainsi qu'à sa position dans le cadre plus vaste des modèles de la personne et des troubles physico-moraux dans la culture occidentale moderne. II fait le bilan des contributions ethnographiques de cette littérature pour la connaissance comparée des nerfs, en paralèle avec les thèmes présents dans les travaux brésiliens et européens.


Os nervos e a antropologia médica norte-americana: uma revisão crítica

The nerves in north-american medicai anthropology: a critical review

Les nerfs et l'anthropologie médicale nord-américaine: une révision critique

Luiz Fernando Dias Duarte

Professor do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional/UFRJ.

RESUMO

Trata-se de um levantamento, revisão e análise da ampla literatura norte-americana articulada em torno do campo da Antropologia Médica que se tem dedicado à questão dos nervos, do nervoso ou do ataque de nervos nas últimas décadas. Procura-se apresentar o quadro dos pressupostos analíticos que ordenam as classificações prevalecentes nesse campo, esclarecendo assim não apenas a etnografia comparada do fenômeno dos nervos, mas também a própria estruturação conceituai da Antropologia Médica. Enfatiza-se os riscos dos reducionismos pela dominação/poder e pela dominação/gênero na necessária argumentação crítica contra os paradigmas biomé-dicos e sua leitura da "doença dos nervos". Argumenta-se por um conhecimento mais acurado da história desse fenômeno e pela sua contextualização no quadro dos demais modelos de pessoa e perturbação físico-moral correntes na cultura ocidental moderna. Procede-se à recuperação dos pontos centrais de contribuição da etnografia produzidos nesse campo para o conhecimento comparado dos nervos, aproximando-o das literaturas brasileira e européia a esse respeito.

ABSTRACT

This is a review of the vast and recent North-American bibliography concerning nerves and attacks of nerves from the point of view of Medicai Anthropology. The author describes the analytical instruments underlying both the specific ethnographic contribution and the general conceptual frame of Medicai Anthropology. He argues against the reductionist use of "power" and "gender" in the otherwise necessary critique of biomedical models of "nervous disease" or "illness". He emphasizes the need of a greater atten-tion to the historical dimension of these phenomena and to their embedded-ness in the context of modern Western culture models of the Person and physical-moral perturbations. He accounts for the main ethnographic contri-butions of that literature for the knowledge of nerves. in a comparison with Brazilian and European sources.

RÉSUMÉ

II s'agit d'une révision et analyse de la littérature nord-américaine récente sur les nerfs, la nervosité ou les crises nerveuses, axée autour de 1'Anthropologie Médicale. L'auteur presente les préssuposés analyiiques sousjacents aux classifications courantes dans ce champ, pour mieux saisir à la fois les qualités de 1'ethnographie du phénomène des nerfs et la structure conceptuelle de rAnthropologie Médicale. II souligne les risques de la subs-titution de la réduction opérée par le schéma bíomédica] (justement critiquée en ce qui concerne sa conception de "maladies nerveuses") par ceux du "pouvoir" et des différences de "genre". II propose une plus forte attention à 1'histoire de ce phénomène ainsi qu'à sa position dans le cadre plus vaste des modèles de la personne et des troubles physico-moraux dans la culture occidentale moderne. II fait le bilan des contributions ethnographiques de cette littérature pour la connaissance comparée des nerfs, en paralèle avec les thèmes présents dans les travaux brésiliens et européens.

Texto completo disponível apenas em PDF.

Full text available only in PDF format.

1 D. L. Davis e S. M. Lmv. eds.. Gender. Health and Iltness. The Case of Nerves. Nova Iorque, Hemísphere Publistiing Corporation, 1989. p, IX,

2 L. F. Duarte, "Doença dos Nervos; Um Estudo de Representações e Visão de Mundo de um Grupo de Trabalhadores", in L.M. Rodrigues et alli, eds.. Trabalho e Cultura no Brasil, Brasília, Anpocs/CNPq, 1982. pp. 368-76: L. F. Duarte, Da Vida Nervosa. Pessoa e Modernidade entre as Classes Trabalhadoras Urbanas, Tese de Doutorado, PPGAS/Museu Nacio-nal/UFRJ, 1985; L, F. Duarte, Da Vida Nervosa (Nas Classes Trabalhadoras Urbanas), Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor/CNPq, 1986; L, F. Duarte, Whai it Means to Be Nervous, Corn-peting Concepts of the Person in Brazilian Urban Soeiety, trabalho apresentado no XIII International Congress of the Latin American Studies Association — LASA, Boston, 1986.

3 S. M. Low, "The Meaning of Nervios: A Socio-Cuítural Analysis of Symptom Presentation in San Jose, Costa Rica", Culture. Medicine and Psychiatry, vol, 5, n° !, 1981, pp, 25-47.

4 Estarei tratando aqui de uma produção muito diversificada na qualidade e distendida no tempo como se fosse uma única "escola" ou "movimento" dentro da Antropologia Médica norte-americana, A isso me autoriza — possivelmente contra as representações dos "informantes" — o parentesco das questões que movem os autores resenhados no trato com o referente nervos (ainda que entre eles possa haver dissenso) e as marcas de um campo de trabalho comum: referências bibliográficas cruzadas, recorrência nas revisões temáticas, co-autorias, publicação no mesmo universo de revistas etc.

5 S. M. Low, "The Meaning of...", op.cit.

6 Cf., por exemplo, R. D. Mehlman, "The Puerto Rican Syndrome", American Journal of Psychiatry, n° 118, 1961, pp. 328-32; com uma boa resenha, P. J. Guarnaccia, V. De la Cancella e E. Carrillo, "The Multiple Meanings of Ataques de Nervios in the Latino Commu-nity", Medicai Anthropology, vol. 11, n° 1, 1989, pp. 47-62.

7 Cf. V. Garrison, "The Puerto Rican Syndrome in Psychiatry and Espiritismo", in V. Crapan-zano e V. Garrison, eds., Case Studies in Spirit Possession, Nova Iorque, John Wiley and Sons, 1977.

8 Cf., por exemplo, a crítica a M. Rubio, M. Urdanetae J. L. Doyle, "Psychopathologic Reaction Patterns in the Antilles Command", U.S. Armed Forces Medicai Journal, n° 6, 1955, pp. 1767-72, em P. J. Guarnaccia, V. De la Cancella e E. Carrillo, "The Multiple Meanings...", op. cit., p. 48.

9 "Os enfoques biomédicos nos Apalaches dedicam-se aos sintomas e traduzem esse termo para a nosologia psiquiátrica convencional (C. Wiesel e M. Arny, "Psychiatric Study of Coal Miners in Eastern Kentucky", American Journal of Psychiatry, n° 108, 1952, pp. 617-24; M. Arny, "My Nerves Are Busted", Mountain Life and Work, n° 3, 1955, pp. 24-9; A. M. Ludwig e R. Forrester, "The Condition of 'Nerves'", Journal of the Kentucky Medicai Association. n° 79, 1981, pp. 333-6; A. M. LudwigeR. Forrester, "Nerves, but not Mental ly ", Journal of Clinicai Psychiatry, vol. 43, n° 5, 1982, pp. 187-90; A. M. Ludwig, "Nerves: A Sociomedical Diag-nosis of Sorts", American Journal of Psychotherapy, n° 36, 1982, pp. 350-7). Há uma preocupação em obter uma definição clínica dos nervos, quase sem atenção à experiência quotidiana dos nervos ou aos significados compartilhados pelos usuários do termo." (E. Van Schaik, "Paradigms Underlying the Study of Nerves as a Popular Illness Term in Eastern Kentucky", Medicai Anthropology, vol. 11, n° 1, 1989, p. 17).

10 Cf. a crítica a A. M. Ludwig, "Nerves; A Sociomedical...", op. cit., em E. Van Schaik, "Paradigms Underlying...", op.cit., p. 23.

11 S. M. Low, "Ttle Vleaninj; t>f...". op.cil.

12 S. M. Low. "Clilturally Imerpreted Symploms nf Culture-Bound Syndrumes: A Cross-Cultural Review of Nerves". Social Science & Medicine, vol. 21. 187, 1985

Links ] Arial, Helvetica, sans-serif">13 C. S, Wolt-Dresp, 'Nervios as a Cullure-Bound Syndrome among Puerto Rican Womeu". Sinith ColLege Studies in Social Work, n" 55. março de 1985. pp. 115-36.

14 E. Van Schaik, "Paradigms Underlying...op. cit.

15 L. Krieger, "Nerves and Psychosomatic Illness: The Case of Um Ramadan". m DL Davis e S M. Low, eds., Gender, Health and. .. op. cit.

16 L. A. Camino. "Nerves, Worriation. and Black Women: A Community Study in the American South", in D. L. Davis e S. M. Low, eds .. Gender, Health and .. , op. cit.

17 P. Dunk, "Greek Women and Broken Nerves in Montreal", Medicai Anthropology. vol 11. nºI, 1989. pp. 29-45.

18 N. Scheper-Hughes. Death without Weeping, The Violente of Every Day Life in Brazil. Berke-Icy. University of Califórnia Press, 1992. A elaboração da distinção metódica etitre as três palavras da língua inglesa que designam "doença" (disease, sickness e illness) é uma questão característica da Antropologia Médica noite-americana. Embora não pareça haver consenso sobre todas as acepções, disease é restringido à expressão de unia realidade patológica hiomédiea empírica, enquanto se reserva às duas outras expressões a dimensão social, cultural ou "vivência!" desse tipo de fenômeno. Em uma revisão geral da matéria, Young considera que tanto do seu ponto dc vista pessoal quanto do de Kleinman, illness estaria reservada a uma espécie de percepção ou vivência individual (individual consciousness) da disease ou da sickness (A Young, "The AtUhropologies of Illness and Sickness", Annual Review oj Anthropology. n" ) 1. 1982, pp. 257-85). Ainda segundo Young, seu próprio modelo diferiria do de Kleinman no tocante a sua concepção de sickness: enquanto ele reservaria para esse termo a dimensão sócio-cultural (Sôrially recognizahle meanings) desses fenômenos, Kleinman o consideraria como uni conceito abrangente de todos os níveis de suas manifestações nessa área. Revelam-se nessa polêmica algumas das maiores marcas do campo: a oposição entre "biomèdico/orgãnico" e "não-bí o médico/orgânico", entre "individual" e "não-individual". e entre "social" e "cultural".

19 Ver. por exemplo.psychosoçial distress (S. M. Low. "The Meatiing of...". op. cit.): folk idiom of stress and distress (N Scheper-Hughes. "The Madness of Hunger: Sickness, Delirium, and Human Needs". Culture, Medicine and Psychiatry. vol. 12. n" 4. 1988 e N. Schepcr-Hughes. Deatli without Weeping.... op. cit.), metaphor for social distress (M. H. Clark. "Ngvra in a Greek Village: Idiom. Methaplior. Symptom. or Disordei?". in D. L. Davis e S. M. Low. eds.. Gender. Health and... op. cit.): idiom of distress (P. L Guarnaccia e P. Farias. "The Social Meaning of Nervios: A Case Study ofa Central American Woman". Social Science Medicine. vol. 26. n" 12. 1988: L. A. Camino, "Nerves, Worriaiion...", op. cit.): distress syndrome (S. M. Low. "Health. Cullurc and the Nature of Nerves: A Critique". Medicai Anthropology, vol.II, ll" 1, 1989. pp. 91-5): emotional and social distress (D. L. Davis e P.L Guarnaccia, "Health, Culture and lhe Nature of Nerves: Introduction". Medicai Anthropology. vol. 11. n" L 1989. pp. 1-13): normal expression of social distress (P. Dunk, "Greek Women and.. ". op. cit.): embodied distress (K. Finkler. "The Li m versa! ky of Nerves". in D L Davis eS M Low.eds., Gender, Health and____op. cit ): expression of distressful phvsical and emotional states(D. L. Davis e R. Whitten. "Medicai and Popular Traditions of Nerves". Social Science & Medicine, vol. 26. n° 12. 1988. pp, 1209-22).

20 D. L. Davis eP.J. Guarnaccia, "Health, Culture and...", op. cit., p, 7.

21 O que permite que um dos autores diga, muito lucidamente, que: "Se ela tem fronteiras culturais delimitadas, essas fronteiras não podem ser outras senão as do mundo ocidental ou da tradição médica galênica" (S, M. Low, "Culturally (nterpreted Symptoms...", op. cit ).

22 D. L. Davis e S. M. Low, eds.. Gender, Health and ... op. cit. Em um dos trabalhos, realizado em uma aldeia do Peru, as Latiu American cultures são opostas à Western society, o que permite que a autora diga que "diferentemente dos EUA e do Canadá, onde os distúrbios emocionais são vistos como separados e distintos dos distúrbios físicos, no Peru toda doença [i/ínejj] é vista como orgânica" (E. A. Barnett. "Notes on Nervios: A Disorder of Menopause". in D, L. Davis e S. M. Low, eds., Gender, Health and..., op. cit., p. 164).

23 Cf. D. L. Davis e R. Whitten, "Medicai and Popular...", op, cit.

24 Cf., por exemplo. D, L, Davis, "George Beard and Lydia Pinkham: Gender, Class, and Nerves in, Late 19th. Century America". in D. L. Davis e S. M. Low, eds .. Gender, Health and ... : op. cit .. p. 94.

25 Cf. N. Scheper-Hughes, "The Madness of Hunger....., op. cit.. p. 432; M. Lock, "Words of Fear, Words of Power: Nerves and the Awakening of Politicai Consciousness", Medical Anthropology, vol. II, nO 1. 1989, p. 84. Repete-se aqui a distorção das histórias profissionais em geral (como é notoriamente o caso das histórias da medicina ou da psiquiatria), que repetem a falácia da evolução linear da razão, fazendo com que todos os episódios sejam lidos como espécies de pretigurações imperfeitas do saber contemporâneo. As poucas análises européias do fenõmeno dos nervos padecem da mesma limitação: o importante trabalho de Jodelet faz uma menção apenas sumária e superficial à sua "longa história"(D. Jodelet, Folies et Représentations Sociales , Paris, PUF, 1989, p. 379).

26 Cf. S. M. Low. "Culturally Interpreted Symptoms ... ", op. cit .. p. 189; S. Cayleff, "Prisoners of their Own Feebleness: Women, Nerves and Western Medicine -A Historical Overview", Social Science & Medicine, vol. 26, nO 12, 1988, p. 1201; D. L. Davis e R. Whitten, "Medical and Popular ... ", op. cit., p. 1209.

27 S. M. Low, "Culturally Interpreted Symptoms ... ", op. cit., p. 189; D. L. Davis e P. J. Guarnacciao "Healtho Culture and ... ", op. cit., p. 9; D. L. Davis e R. Whitten, "Medical and Popular... ", op.cit.

28 D. L. Davis, "George Beard and ... "o op. cit.

29 Ver. por exemplo, os trabalhos de Kleinman sobre a utilização da classificação de neurastenia na China contemporânea (A. Kleinman, Social Origins of DistreSs and Disease: Depression. Neurasthenia and Pain in Modera China. New Haven. Yale University Press, 1986 e A. Kleinman, "Neurasthenia and Depression: A Study of Somatization and Culture in China". Culture. Medicine and Psychiatry. n° 6. I9S2. pp. 117-90).

30 Cf. L. F. Duarte, Da Vida Nervosa (Nas Classes..., op. cit.. cap. Illb.

31 Apesar de observações isoladas como a de Dona Davis de que: "apresentar o nervoso como uma doença (illness or siclcness] não faz justiça à maneira como esse termo é empregado em Grey Rock Harbour" (D. L. Davis, "The Variable Character of Nerves in a Newfoundland Fishing Village". Medicai Anthrapology, vol. 11, nü !. 1989, p. 76), ou a de Van Schaik de que As relações de desigualdade e dominação embutidas na queixa do nervoso, tal como se expressa no contexto dos Apalaches, apontam para uma interpretação do nervoso como expressão de relações sociais, mais do que como doença [íVfaèfíJ" (E. Van Schaik, "Paradigms Underlying...", op. cit., p. 26). É possível que essa contradição seja representativa de um problema maior da Antropologia Médica: o de constituir um "enfoque centrado na significação dos fenômenos médicos" (A. Kleinman, *'The Meaning Context of Illness and Care: Reflcctions on a Central Theme in the Anthropology of Medicine", Sciences and Cultures. Sociology of the Sciences. V, 1981, p. 161); ou seja, que se dispõe a operar com a construção simbólica dos fatos humanos mas, ao mesmo tempo, aceita que alguns deles sejam p rede tinidos como "médicos" (que é, fora de dúvida, uma '"construção" cultural específica).

32 É sintomático dessa visão o peso da argumentação meio lévy-bruhliana de que esses saberes não fazem distinção entre os dois planos (e não, como proponho, que eles são uma teoria das relações entre os dois planos). A evocação da "histeria" como forma bárbara dessa indistinção transparece na citação de um dos autores de que a categoria psiquiátrica de IHSS (Idiopathic Hypertrophic Subaortic Stenosis) -cunhada no contexto da tal " síndrome porto-riquenha" -era jocosamente lida como Idiopathic Hysteries of the Spanish Sort -literalmente Histerias Idiopáticas do Tipo Espanhol (apud P. J. Guarnaccia, V. De la Cancella e E. Carrillo, "The Multiple Meanings... ", op. cit., p. 49).

33 Cf. C. S. Wolf-Dresp, "Nervios as a Culture-Bound ....., op. cit., p. 120; M. Nations, L. A. Camino e F. Walker. "Nerves: Folk Idiom for Anxiety and Depression", Social Science & Medicine, vol. 26, nO 12, 1988, p. 1254; S. M. Low, "Health, Culture and ... ", op. cit., p. 94; S. M. Low, "Gender, Emotion, and Nervios in Urban Guatemala", in D. L. Davis e S. M. Low, eds., Gender, Health and ... , op. cit., p. 137 ; P. Dunk, "Greek Women and ... ", op. cit., pp. 41-2.

34 Cf S. M. Low, "The Meaning of... ", op. cit., p. 36; P. 1. Guarnaccia, V. De la Cancella e E. Carrillo, "The Multiple Meanings ... ", op. cit., p. 48.

35 S. M. Low, "The Meaning of. .. ", op. cit., p. 36; M. Nations, L. A. Camino e F. Walker, "Nerves: Folk ldiom ... ", op. cit., p. 1253; P. Dunk, "Greek Women and ... ", op. cit., p. 37; 1. A. Sluka, "Living on their Nerves: Nervous Debility in Northern lreland", in D. L. Davis e S. M. Low, eds., Gender, Health and ... , op. cit., p. 220; R. Finerman, "The Burden of Responsibility: Duty, Depression, and Nervios in Andean Ecuador", in D. L.Davis e S. M. Low, eds., Gender, Health and ... , op. cit., p. 145; M. Kay e C. Portillo, "Nervios and Dysphoria in Mexican American Widows", in D. L. Davis e S. M. Low, eds., Gender, Health and ... , op. cit., p. 280.

36 S. M. Low, "The Meaning of...", op. cit., p. 36; M. Nations, L. A. Camino e F. Walker, "Nerves: Folk ldiom ... ", op. cit., p. 1256; P. Dunk, "Greek Women and ... ", op. cit., p. 37; K. Finkler, "The Universality of...", op. cit., p. 178; D. L. Davis e P. 1. Guarnaccia, "Health, Culture and ... ", op. cit., p. 8; J. D. Koss-Chioino, "Experience of Nervousness and Anxiety Disorders in Puerto Rican Women: Psychiatric and Ethnopsychological Perspectives", in D. L. Davis e S. M. Low, eds., Gender, Health and ... , op. cit., pp. 245 e 253; M. H. Clark, "Nevra in a Greek... ", op. cit., p. 215; E. A. Barnett, "Notes on Nervios ... ", op. cit., pp. 168-9.

37 R. Finerman, "The Burden of...", op. cit., p. 154; K. Finkler, "The Universality of..", op. cit., p. 173; 1. D. Koss-Chioino, "Experience of Nervousness... ", op. cit., p. 253.

38 Cf. M. Nations, L. A. Camino e F. Walker, "Nerves: Folk Idiom ... ", op. cit., p. 1254; J. D. Koss-Chioino, "Experience of Nervousness... ", op. cit., p. 252; D. L. Davis e P. 1. Guarnaccia, "Health, Culture and ... ", op. cit., p. 8.

39 J. Jenkins, "Conceptions of Schizophrenia as a Problem of Nerves: A Cross-Cultural Comparison of Mexican-Americans and Anglo-Americans", Social Science & Medicine, vol. 26, nO 12, 1988, em geral.

40 Cf. S. Reynolds e L. Swartz, "Professional Constructions ofa 'Lay' IIIness: 'Nerves' in a Rural 'Coloured' Community in South Africa", Social Science & Medicine, vol. 36, nO 5, 1993, p. 658.

41 M. Nations, L. A. Camino e F. Walker, "Nerves: Folk Idiem ... ", op. cit.

42 Cf., por exemplo, M. Oquendo, E. Horwath e A, Martinez, "Ataques de Nervios: Proposed Diagnostic Criteria for a Culture Specific Syndrome". Culture. Medicine and Psychiatiy, n° 16. 1992, pp. 367-76

43 Um significativo sintoma desse estado atual do senso comum erudito a respeito das perturbações físico-morais é o de que a própria ficha catalográfíca da importante coletânea publicada sob o título de Gender, Health, and Illness. The Case of Nerves não inclui a referência nerves. mas sim anxiety e depression.

44 N, Scheper-Hughes. Deaih withoat Weeping..., op. cit., p. 175.

45 S. Reynolds e L. Swartz, "Professional Constructions of...". op. cit.. p. 658.

46 N Scheper-Hughes. Death without Weeping..., op. cit.. p. 185.

47 M. Lock, "Words of Fear...". op. cit.. p. 85.

48 D. L. Davis e PJ. Guarnaccia, "Health, Culture and ... " , op. cit., p. 8.

49 D. L. Davis, "The Variable Character of... ", op. cit., p. 72.

50 Se, como proponho, os nervos constituem um sistema integrado de representação da pessoa e de suas perturbações, que se opõe ao modelo psicologizado moderno, esses relatos de confronto ou hesitação entre códigos são altamente reveladores e deveriam merecer uma maior atenção. Há uma história exemplar em G. Lagadec, "Discours des Malades. Esquisse d'une Théorie des Conceptions Populaires de la Physiopathologie", Bulletin d'Ethnomédecine, n. 33, 1 ° trim. de 1985, que nos mostra um médico, acostumado a lidar com as "queixas nervosas" de sua clientela popular, ver rechaçada e ridicularizada uma interpretação vazada nesse código apresentada a uma .cliente professora e "psicanalizada" (como póde, a posteriori, verificar) (idem, p. 17).

51 J. Jenkins, "Conceptions of Schizophrenia...", op. cit.. p. 1237.

52 Idem, p. 1240.

53 Idem , p. 1242.

54 O mesmo fenômeno de afastamento da linguagem dos nervos da parte dos segmentos mais estabelecidos da sociedade norte-americana ou mais próximos de sua cultura dominante altamente individualizada é demonstrado em M. Kay e C. Portillo, "Nervios and Dysphoria,.". op. cit., ao dizer, a propósito das viúvas Mexican-American que estuda, que "quanto mais acultu-radas. menos são afligidas por uma sintomatologia ligada aos nervos" (idem, p. 287); ou ainda em P. J. Guarnaccia et alli, "Si Dios Quiere: Hispanic Families Experiences of Caring for a Seriously Mentally 111 Family Member", Culture, Medicine and Psychiatry. n° 16, 1992. pp.

55 S. M. Low, "The Meaning of..", op. cit.

56 M. H. Clark, "Nevra in a Greek...", op. cit.

57 É pena que não se disponha de uma análise semântica da categoria nerfiza, no contexto da língua árahe (cf. L. Krieger, "Nerves and Psychosomatic...", op. cit.). Ela nos permitiria dispor de um quadro comparativo com os deslizamentos desse vocábulo no interior das línguas européias. Uma análise também muito superficial e formal do uso do termo em língua francesa pode ser encontrada em O. Lagadec. "Discours des Malades...". op. cit., p. II.

58 Ver, como exemplo dessa universalização pela reificação: "A condição referida como nervoso consiste em uma experiência corporal totalizante que se caracteriza por uma generalizada preocupação, ansiedade e tremores experimentados em todo o corpo, porque encarna generalizados acontecimentos negativos. Ela é assim uma condiçãO humana universal que se pode encontrar em todas as culturas e que pode ser chamada de nervoso ou de outra expressão análoga" (K. Finkler, "The Universality of...", op. cit., p. 178, grifo meu). Pode-se -em contraposição e como exemplo da dimensão simbólica, de linguagem, do nervoso -evocar o fascinante caso descrito em Lagadec, de uma paciente que relatava entre os sintomas ligados ao seu nervoso a existência de uma hérnia, cujo nome ela pronunciava em francês de tal modo que soava mais ou menos como "um nervo-nem" (un hernie: an-nér-ni) (ct'. G. Lagadec, "Discours des Malades ... ", op. cit., p. 20).

59 Há referências a relações do nervoso com feitiçaria entre Mexican -Americans em 1. Jenkins, "Conceptions of Schizophrenia ... ", op. cit. : com o "espiritismo" no contexto porto-riquenho em P. 1. Guarnaccia, M. Rubio-Stipec e G . Camino, "Ataques de Nervios in the Puerto Rico Diagnostic Interview Schedule: The Impact of Cultural Categories on Psychiatric Epidemiology". Culture, Medicine e Psychiatry, nO 13, 1989. pp. 275-95: com curandeiros "espiritualistas" no México em K. Finkler, "The Universality of. .. ", op. cil.: com a oposição entre possessão islâmica tradicional e fundamentalismo contemporâneo no Egito em L. Krieger. " Nerves and Psychosomatic ... ". op. cit. ; com cultos locais de possessão na Grécia em M. H. Clark, "Nevra in a Greek ... ", op. cit. : com sistemas populares de cura porto-riquenhos em J. D. Koss-Chioino, "Experience of Nervousness... ", op. cit.: com "fatores espirituais e religiosos" em P. J. Guarnaccia et aUi. "Si Dios Quiere ....., op. cit.; com a religiosidade de porto-riquenhos em Nova Iorque em M. Swerdlow, "'Chronicity', 'Nervios', and Community Care: A Case Study of Puerto Rican Psychiatric Patients in New York City" , Culture, Medicine and Psychiatry, nO 16, 1992, pp. 217-35: com "crenças espirituais" no Caribe hispânico em M. Oquendo, E. Horwath e A. Martinez. "Ataques de Nervios... " , op. cit.: e com o culto do xangô do Nordeste brasileiro em N. Scheper-Hughes. Death without Weeping ... , op. cit.

60 N. Scheper-Hughes, "The Madness of Hunger... ", op. cit .. pp. 429 e 433.

61 N Scheper-Hughes, Death without Weeping.... op. cit.

62 É o caso de P. J. Guarnaccia. V. De la Cancella e E. Carrillo, 'The Multiple Meanings ....., op. cit .. que vai opor o "modelo médico-psiquiátrico" e o "modelo popular" (idem . p. 59); de D. L. Davis e P.J. Guarnaccia. "Health, Culture and ...... op. cit., que adverte contra o perigo de "medicalizar o que é essencialmente um problema SOCtal" (idem, p. 7, grifo meu); e de S. M. Low. "Gender, Elllotion. and ...... op. cit.. que vai se referir criticamente a uma "medicalização do disrreJs" (idem. p. 132).

63 Ver. por exemplo. a proposta de uma "teoria coerente dos nervos haseada na questão estrutural da desigualdade pessoal. social e cultural" (S. M. Low. "Health, Culture and ...... op. cit.. p. 92); ou a referência geral de Sluka a "relações de desigualdade e dominação" (1. A. Sluka. "Living on their. .. ". op. cit .. p. 240).

64 E. Van Schaik. "Paradigms Underlying...". op. cit.. p, 25.

65 N. Scheper-Hughes, Death without Weeping.... op. cit.. p. 214.

66 A. Young, "The Anthropologies or .. ", op. cit.

67 A autora contrasta o "paradigma crítico", sucessivamente, com o "biomédico" e o "hermenêutico", fazendo apenas uma rápida menção à interpretação da "cultura da pobreza" (que não se enquadra naquelas rubricas). As questões do sentido, da significação, da linguagem ficam limitadas à perspectiva hermenêutica (que as reduz aos níveis da textualidade e da comunicação). As perspectivas plenamente "simbólicas" ou "culturais" (nas profícuas linhagens de Boas e Mauss) ficam ausentes do seu quadro, possivelmente por não ter uma repercussão significativa no subcampo da Antropologia Médica -a "Antropologia da doença" francesa, por exemplo, fica significativamente fora do seu desenho. Seria interessante contrapor essa posição à crítica de L. Dumont (justamente um "maussiano") às "Antropologias particulares" ou "anti-Antropologias" (L. Dumont, "La Communauté Anthropologique et l'Idéologie", L'Homme, vol. XVIII, nO 3-4, 1978, pp. 83-110).

68 M. Lock, "Words of Fear. .. ", op. cit., p. 80.

69 Idem, pp. 85-6.

70 Idem, p. 86.

71 Lock equaciona o nervoso com o "mágico" ou "primitivo" para conceder-lhe, em seguida, seus privilégios "antimodernos": "Prender-se a termos como nevra pode ser equacionado a acreditar no mau-olhado, bruxaria e feitiçaria, sistemas de pensamento de que provavelmente faríamos bem em nos livrar no mundo moderno. No entanto, os ataques de nervos e coisas que tais têm uma função simbólica muito fundamental que eu acredito que deveria ser retida. Além do mais, a cultura pós-industrializada convencional faria bem em cultivar mais expressões como essas" (idem. pp. 86-7).

72 S. Cayleff, "Prisoners of their..," op. cit..p. 1199.

73 ibidem.

74 D. L. Davis, "George Beard and.," op. cit., p. 111, grifos meus.

75 A representação de que as perturbações sofridas têm a ver com dirupções externas violentas é generalizada e importante entre os que utilizam o código do nervoso (cf. M H. Clark, "Nevra in a Greek...", op. cit.. p, 215 ou L. F. Duarte, Da Vida Nervosa (Nas Classes..., op. cit.. p 168). E provavelmente também necessário que se reconheça que a relação entre dirupção externa e perturbação interna seja, em si, universal. Não poderia ser no entanto atribuída especificamente ao nervoso, já que a maior parte das culturas humanas se utilizou de outros recursos simbólicos para falar de suas perturbações.

76 S. M. Low, "Culturally Interpreted Symptoms ..., op. cit., p. 189.

77 P. J. Guarnaccia e P. Farias, "The Social Meaning ... ". op. cit., p. 1229.

78 Ver. por exemplo, S. M. Low, "Gender, Emotion , and ... ", op. cit., p. 137 ou. na produção européia. G. Lagadec, "Discours des Malades ... ", op. cit. , p. 16.

79 L. F. Duarte, Da Vida Nervosa (Nas. Classes .... op. cit., cap. Vd.

80 J. Pigeaud, La Ma/adie de Ame: sur Relation 'Ame da Corps dans la Tradition Médico-Philosophique Antique, S. F. Belles Lellres, 198 125.

81 Cf. L. F. Duarte. "A Psychopathia Sexualis de Krafft-Ebing, ou o Progresso Moral pela Ciência das Perversões". Cadernos do IMS. voi. 2. nO 3. agosto/setemhro de 1988.

82 M. Kav C. POrlíllo, "NeniOs and .Dysphoria. . op. . pp. 2111 287: Jcnkins. "Conceptions of Schízophrenia ... ". op. cit. pp. 1237 e 1240: P. J. Guarnaccla et alli, "SI Dios Quiere... ", op. cit., p. 194.

83 dificuldade de rehnivlzar a rcpresentaç;lO psicologmHla modem" pode expressar idéia que o nervoso é exclusivamente "físico", Já que não é "psicológíw". como t:m E. A. Barnett. "Notes on Nervios ... ", op. cit., p. 164. Pode também se manifestar na crítica a esta posição e na defesa de que a representação nervosa já é "psicológica", por não ser exclusivamente "física", tal como propôs na produção brasileira J. F. Costa, "A Consciência da Doença enquanto Consciência do Sintoma: A 'Doença dos Nervos' e a Identidade Psicológica", Cadernos do IMS, vol. 1, nO 1, 1987, pp. 9-10.

84 L. F. Duarte, Da Vida Nervosa (Nas Classes ... , op. cit., pp. 259 e ss.

85 Embora a percepção dessa continuidade seja explícita em diversos autores analisados, é notável a dificuldade de produzir a referência analítica sem o recurso às representações psicologizadas (quando não diretamente psiquiátricas). Ver o exemplo seguinte, em que o uso da categoria "doença mental" para designar o continuum das perturbações viola justamente essa relacional idade que os autores estão querendo expressar: "As concepções de doença mental de muitas famílias hispânicas enraizam-se em modelos culturais que encaram a doença mental como um continuum. Essas idéias sobre a doença [illness] permitem às famílias acolher os seus próprios membros e manter esperanças quanto ao futuro" (P. 1. Guarnaccia et alli, "Si Dios Quiere ... ", op. cit., p. 211). Ver, também, S. M. Low, "The Meaning of... ", op. cit., p. 38; Dinham apud S. M. Low, "Culturally Interpreted Symptoms ... ", op. cit., p. 194: 1. Jenkins, "Conceptions ofSchizophrenia... "., op. cit., p. 1239.

86 L. F. Duarte, Da Vida Nervosa (Nas Classes ... , op. cit., p. 195.

87 D. L. Davis, "The Variable Character of... ", op. cit., pp. 73-4.

88 C. S. Wolf-Dresp, "Nervios as a Culture-Bound ... ", op. cit., p. 134.

89 N. Scheper-Hughes, "The Madness ofHunger... ", op. cit., p. 442 ou 445, para um exemplo etnográfico.

90 R. Finerman, "The Burden of. .. ", op. cit., p. 152.

91 Ver, por exemplo: "A classificação do sofrimento de meus informantes como nervios tem uma importante função normalizadora e integradora. Em primeiro lugar, como os nervios são uma condição que pode afetar qualquer pessoa que esteja sofrendo um alto grau de stress, nenhuma distinção qualitativa nítida será feita entre o paciente e o resto da comunidade. Ao definir seu sofrimento como nervios, os informantes não se definiram a si próprios como pacientes psiquiátricos" (M. Swerdlow, "'Chronicity', 'Nervios', and ... ", op. cit., p. 221). Ou ainda: "O fato de identificar um problema de uma forma menos estigmatizante, como 'nervoso' e não como alguma forma de 'doença mental', por exemplo, pode permitir diferenciadamente que haja incorporação continuada da pessoa doente nos grupos sociais" (1. Jenkins, "Conceptions of Schizophrenia ... ", op. cit., p. 1234). Essa característica do nervoso também atraiu a atenção dos que trabalham com saúde mental no Brasil, no contexto da luta antimanicomial. Os trabalhos de Vertzman e de Vasconcelos são um bom exemplo de expressão dessa atenção a um modo de representação popular que permitiria visualizar outras formas mais integradas de trato com a "doença mental" (1. S. Vertzman, Pensando nos Problemas da Vida. Os Discursos sobre Tristeza e Depressão numa População Favelada Atendida em Posto de Saúde no Rio de Janeiro, Tese de Mestrado, Instituto de Psiquiatria/UFRJ, 1992; E. M. Vasconcelos, The New Alienists of the Poor: Developing Community Mental Health Services in Brazil -1978/1989, Ph.D . Thesis, London School of Economics and Politicai Science/University of London, 1992, p. 305; E. M . Vasconcelos, Do Hospício à Comunidade, Belo Horiwnte, SEGRAC, 1992).

92 M. H. Clark, "Nevra in a Greek ... ", op. cit., p. 206.

93 Essa "simulação", com toda as ambigüidades que comporta nas situações concretas, esteve na raiz de meu interesse pelo assunto. dado o seu peso nas interavaliações locais relativas ao "encosto no INPS" (obtenção de licenças médicas ou aposentadorias precoces por meio do sistema nacional de saúde e previdência) (Ct'. L. F. Duarte. "Doença dos Nervos ...... op. dr. : L. F. Duarte. Da Vida Nervosa. Pessoa e .. .. op. cit. : L. F. Duarte, What it Means .... op. cit.). Outro dos primeiros textos brasileiros de Ciências Sociais a se ocupar diretamente do nervoso também se incluía na perspectiva manipuladora. mencionando -enquanto "estratégias" -os complexos comportamentos do "encosto" (M. C. G. Souza, '''Doença dos Nervos'. uma Estratégia de Sobrevivência". A Saúde no Brasil, vol. 1. nO 3,1983, pp. 131-9).

94 Cf. D. L. Davis. "George Beard and ... ". op. cit .. p. 111.

95 D. L. Davis, "The Variable Characrer of...... op. cit., p. 75.

96 Ou, de forma ainda mais explícita: "Nos dados sobre a Costa Rica, há provas consideráveis de que, tanto de um ponto de vista analítico quanto do ponto de vista do informante, os problemas familiares freqüentemente acarretam sofrimento [distressl tisico e mental. muitas vezes expresso sob a forma sintomática dos nervios" (S. M. Low, "The Meaning of... ", op. cit .. pp. 34-5).

97 Ver a revisão parcial disponível em D. L. Davis e P. 1. Guarnaccia, "Health, Culture and .. " op. cit., p. 4.

98 L. F. Duarte, Da Vida Nervosa (Nas Classes ... , op. cit.. pp. 212 e ss.

99 "O nervoso representa uma doença [sickness] elaborada na sociocêntrica cultura latina, na qual as identidades das pessoas são formadas por suas conexões com a família, com a comunidade e com o país" (P. J. Guarnaccia e P. Farias, "The Social Meaning ... ", op. cit .. p. 1229). Ver, ainda, M. Swerdlow. '''Chronicity', 'Nervios', and ...... op. cit .. p. 26.

100 E. Van Schaik, "Paradigms Underlying ... ", op. cit., p. 26.

101 M. Swerdlow, '''Chronicity', 'Nervios', and ... ", op. cit., p. 217.

102 Há inclusive o curioso caso etnográfico de Grey Rock Harbour em que o nervoso parecia servir de expressão à forte singularidade da identidade local: "o nervoso é [ ...] uma poderosa metáfora, que serve como um princípio de organização dos símbolos na cultura comportamental e expressiva de Grey Rock Harbour" (D. L. Davis e R. Whitten, "Medical and Popular. .. ", op. cit., p. 1218). Há notáveis homologias, nesse sentido, entre esse porto pesqueiro da Terra Nova canadense e o bairro pesqueiro de Jurujuba (RI), que serviu como foco etnográfico primeiro de L meus trabalhos sobre esse assunto (L. F. Duarte, Da Vida Nervosa (Nas Classes ... , op. cit.).

103 A especificidade da construção do feminino nas culturas populares ocidentais é reduzida na literatura estudada a pouco mais do que a questão da menopausa, como em D. L. Davis, Blood and Nerves: An Ethnographic Focus on Menopause, s/I, St. John's Memorial University of Newfoundland, 1983 e E. A. Barnett, "Notes on Nervios ... ", op.cit. (que inclui também o sistema c1assificatório do quente/frio). A riqueza semântica do par de oposição força/fraqueza (cf. L. F. Duarte, Da-Vida Nervosa (Nas Classes ... , op. cit., pp. 145 e ss.) é tematizada por Nancy Scheper-Hughes apenas no que reforça sua leitura de "dominação" nas relações entre "ricos" e "pobres" (cf. N. Scheper-Hughes, "The Madness ofHunger. .. ", op. cit., p. 444 e N. Scheper-Hu~hes, Death without Weeping ... , op. cit., p. 188).

104 Os fundamentos teóricos dessa proposta se encontram, sobretudo, na teoria da hierarquia e na análise do individualismo de Louis Dumont (L. Dumont, Homo Hierarchicus, Londres, Palladin, 1972; L. Dumont, Homo /Equaüs: Génese et Epanouissement de l'ldéologie Économique, Paris, Gallimard, 1977; L. Dumont, O Individualismo. Uma Perspectiva Antropológica da Ideologia Moderna, Rio de Janeiro, Rocco, 1985), mas abarcam sugestões fundamentais de Durkheim, Simmel, Tõnnies, Weber e Foucault. As referências sobre a crescente literatura contemporânea a esse respeito, inclusive brasileira, se encontram em meus trabalhos já citados. Convém realçar no contexto dessa discussão que a dicotomia "hierarquia"/" individualismo " não é uma reprodução da dicotomia "tradicional"/"moderno", no sentidoqe que não endossa a dimensão evolutiva necessária desta última.

105 Philippe Corcuff analisa, por exemplo, como os ferroviários franceses se vêem obrigados a verter seus "problemas nervosos" para a linguagem psicologizada do sistema de perícias psicotécnicas da empresa e a lidar com essaa lógica a ponto de montar em seu sindicato um contrasistema psicológico e psiquiátrico (P. Corcuff, "Sécurité et Expertise Psychologique dans les Chemins de Fer", in L. Boltanski e L. Thévenot, eds., Justesse et Justice dans te Travai/, Paris, PUF, 1989).

106 D. L. Davis e PJ. Guarnaccia, "Health, Culture and ... ", op. cit., p. 11.

107 O fato de o léxico contemporâneo do nervoso derivar seguramente dos saberes fisiológicos eruditos setecentistas, confere plena ininteligibilidade à afirmação de M. Lock de que "nerveslnevralnervios dificilmente podem ser consideradas palavras novas, e certamente não palavras de que os povos oprimidos tenham se reapropriado daqueles que detêm o poder" (M. Lock, "Words of Fear ... ", op. cit., p. 86).

108 Cf. F. Solmsen, "Greek Philosophy and the Discovery of the Nerves", Museum Helveticum, vol. 18, nO 4, 1961; J. Pigeaud, La Maladie de ... , op. cit.; P. Lain-Entralgo, Historia Universal de la Medicina, Barcelona, Salvat, 1972.

109 Cf. M . Foucault. História da Loucura na Idade Clássica, São Paulo, Perspectiva, 1978, caps. 8 e 9; M. Gauchet e G. Swain, La Pratique de l'Esprit Humain (l'Institution Asilaire et la Révolution Démocratique) , Paris, Gallimard, 1980; L. F. Duarte, Da Vida Nervosa (Nas Classes ... , op. cit., cap. I1Ib. Sobre diversos aspectos dessa interpretação é preciso agregar os importantes textos de E. Carlson e M. Simpson, "Models ofthe Nervous System in Eighteenth Century Psychiatry", Bulletin of the History of Medicine, voI. 63, nO 2, 1969, pp. 101-15; K. M. Figlio, "Theories ofPerception and the Physiology ofMind in the Late Eighteenth Century" , History of Science, nO 13, 1975, pp. 177-212; C. J. Lawrence, "The Nervous System and Society in the Scottish Enlightenment", in B. Barnes e S. Shapin, eds., Natural Order, Londres, Sage Publications, 1979, a que só tive acesso mais recentemente e que corroboram plenamente a correção de minha proposta. Como diz Figlio, por exemplo: "a inteireza do sentido do eu [wholeness of the sense of seifl implicava a unidade do órgão dos fenômenos mentais" (K. M. Figlio, "Theories of Perception ... ", op. cit., p. 179). Ou ainda Lawrence: "Na teoria fisiológica, a medicina escocesa [do século XVIII] se caracterizava pela ênfase na integração total das funções corporais, pela capacidade perceptiva ou sensibilidade do organismo e pela preocupação com o sistema nervoso enquanto base estrutural dessas propriedades" (C . 1. Lawrence, "The Nervous System ... ", op. cit., p. 19).

110 Cf. M . H. Clark. "Nevra in a Greek ... ". op. cit.; L. Krieger, "Nerves and Psychosomatic ..... , op. cit.

111 E. Van Schaik, "Paradigms Underlying ... ", op. cit.

112 J. Jenkins, "Conceptions of Schizophrenia ... ", op. cit.

113 M. Kay e C. Portillo, "Nervios and Dysphoria ... ", op. cit.

114 G. Lagadec, "Discours des Malades ... ", op. cit.

115 Há , hoje, toda uma literatura histórica e etnográfica: sobre o modo de funcionamento das representações psicologizadas da Pessoa no Brasil . cujas referências bibliográficas podem ser encontradas em L. F. Duarte, "Freud e a Imaginação Sociológica Moderna", in J. Birman, ed., Freud -50 Anos Depois, Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 1989 e L. F. Duarte, What it Means ... , op.cit.

116 N. Scheper-Hughes, "The Madness ofHunger ... ", op.cit. e N. Scheper-Hughes, Death without Weeping ... , op.cit. 117 Cf. D. L. Davis e R. Whitten, "Medical and Popular. .. ", op.cit.

118 Cf. L. F. Duarte, "A Representação do Nervoso na Cultura Literária e Sociológica do Século XIX e Começo do .Século XX", Anuário Antropológico 87, Rio de Janeiro. Ed. UnB/Tempo Brasileiro, 1990, pp. 93-116.

119 à exceção, possivelmente, de situações nacionais muito específicas, como a da China (cf. A. Kleinman, "Neurasthenia and Depression ... ", op.cit. e A. Kleinman, Social Origins of. .. , op. cit.); de saberes francamente marginalizados, como as caracterologias da Antropologia Física; ou das literaturas de "divulgação científica" e "auto-ajuda" (mencionadas, no tocante ao nervoso, em D. L. Davis, "George Beard and ... ", op. cit.; e em L. F. Duarte, Da Vida Nervosa (Nas Classes ... , op. cit.).

120 S. M. Low, "The Meaning oL.", op. cit., pp. 36 e 39; C. S. Wolf-Dresp, "Nervios as a Culture-Bound.. .", op. cit. , p. 132; P. Dunk, "Greek Women and ... ", op. cit., p. 41; P. J. Guarnaccia, V. De la Cancella e E. Carrillo, "The Multiple Meanings ... ", op. cit., p. 59; J. D. Koss-Chioino, "Experience of Nervousness... ", op. cit., p. 261; L. A. Camino, "Nerves, Worriation ... ", op. cit., p. 306.

121 J. A. Sluka, "Living on their ... ", op.cit.

  • 1 D. L. Davis e S. M. Lmv. eds.. Gender. Health and Iltness. The Case of Nerves. Nova Iorque, Hemísphere Publistiing Corporation, 1989. p, IX, 2 L. F. Duarte, "Doença dos Nervos; Um Estudo de Representações e Visão de Mundo de um Grupo de Trabalhadores", in L.M. Rodrigues et alli, eds.. Trabalho e Cultura no Brasil, Brasília, Anpocs/CNPq, 1982. pp. 368-76: L. F. Duarte, Da Vida Nervosa. Pessoa e Modernidade entre as Classes Trabalhadoras Urbanas, Tese de Doutorado, PPGAS/Museu Nacio-nal/UFRJ, 1985; L, F. Duarte, Da Vida Nervosa (Nas Classes Trabalhadoras Urbanas), Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor/CNPq, 1986; L, F. Duarte, Whai it Means to Be Nervous, Corn-peting Concepts of the Person in Brazilian Urban Soeiety, trabalho apresentado no XIII International Congress of the Latin American Studies Association LASA, Boston, 1986. 3 S. M. Low, "The Meaning of Nervios: A Socio-Cuítural Analysis of Symptom Presentation in San Jose, Costa Rica", Culture. Medicine and Psychiatry, vol, 5, n° !, 1981, pp, 25-47. 4 Estarei tratando aqui de uma produção muito diversificada na qualidade e distendida no tempo como se fosse uma única "escola" ou "movimento" dentro da Antropologia Médica norte-americana, A isso me autoriza possivelmente contra as representações dos "informantes" o parentesco das questões que movem os autores resenhados no trato com o referente nervos (ainda que entre eles possa haver dissenso) e as marcas de um campo de trabalho comum: referências bibliográficas cruzadas, recorrência nas revisões temáticas, co-autorias, publicação no mesmo universo de revistas etc. 5 S. M. Low, "The Meaning of...", op.cit. 6 Cf., por exemplo, R. D. Mehlman, "The Puerto Rican Syndrome", American Journal of Psychiatry, n° 118, 1961, pp. 328-32; com uma boa resenha, P. J. Guarnaccia, V. De la Cancella e E. Carrillo, "The Multiple Meanings of Ataques de Nervios in the Latino Commu-nity", Medicai Anthropology, vol. 11, n° 1, 1989, pp. 47-62.
  • 7 Cf. V. Garrison, "The Puerto Rican Syndrome in Psychiatry and Espiritismo", in V. Crapan-zano e V. Garrison, eds., Case Studies in Spirit Possession, Nova Iorque, John Wiley and Sons, 1977. 8 Cf., por exemplo, a crítica a M. Rubio, M. Urdanetae J. L. Doyle, "Psychopathologic Reaction Patterns in the Antilles Command", U.S. Armed Forces Medicai Journal, n° 6, 1955, pp. 1767-72, em P. J. Guarnaccia, V. De la Cancella e E. Carrillo, "The Multiple Meanings...", op. cit., p. 48. 9 "Os enfoques biomédicos nos Apalaches dedicam-se aos sintomas e traduzem esse termo para a nosologia psiquiátrica convencional (C. Wiesel e M. Arny, "Psychiatric Study of Coal Miners in Eastern Kentucky", American Journal of Psychiatry, n° 108, 1952, pp. 617-24; M. Arny, "My Nerves Are Busted", Mountain Life and Work, n° 3, 1955, pp. 24-9; A. M. Ludwig e R. Forrester, "The Condition of 'Nerves'", Journal of the Kentucky Medicai Association. n° 79, 1981, pp. 333-6; A. M. LudwigeR. Forrester, "Nerves, but not Mental ly ", Journal of Clinicai Psychiatry, vol. 43, n° 5, 1982, pp. 187-90; A. M. Ludwig, "Nerves: A Sociomedical Diag-nosis of Sorts", American Journal of Psychotherapy, n° 36, 1982, pp. 350-7). Há uma preocupação em obter uma definição clínica dos nervos, quase sem atenção à experiência quotidiana dos nervos ou aos significados compartilhados pelos usuários do termo." (E. Van Schaik, "Paradigms Underlying the Study of Nerves as a Popular Illness Term in Eastern Kentucky", Medicai Anthropology, vol. 11, n° 1, 1989, p. 17). 10 Cf. a crítica a A. M. Ludwig, "Nerves; A Sociomedical...", op. cit., em E. Van Schaik, "Paradigms Underlying...", op.cit., p. 23. 11 S. M. Low, "Ttle Vleaninj; t>f...". op.cil. 12 S. M. Low. "Clilturally Imerpreted Symploms nf Culture-Bound Syndrumes: A Cross-Cultural Review of Nerves". Social Science & Medicine, vol. 21. 187, 1985

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Out 2011
  • Data do Fascículo
    1993
PHYSIS - Revista de Saúde Coletiva Instituto de Medicina Social Hesio Cordeiro - UERJ, Rua São Francisco Xavier, 524 - sala 6013-E- Maracanã. 20550-013 - Rio de Janeiro - RJ - Brasil, Tel.: (21) 2334-0504 - ramal 268, Web: https://www.ims.uerj.br/publicacoes/physis/ - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: publicacoes@ims.uerj.br