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Percepção da Estratégia Saúde da Família em um município do interior do Rio Grande do Sul: da fala da equipe ao eco das famílias

Perception of the Family Health Strategy in an inland city of Rio Grande do Sul State, Brazil: from the team's speech to the families' echoes

Resumos

Pesquisa de natureza descritiva, do tipo exploratório com abordagem qualitativa, cujo objetivo foi conhecer a percepção da Estratégia Saúde da Família na visão da equipe e das famílias atendidas em um município do interior do Rio Grande do Sul. A coleta de dados abrangeu a totalidade do município, com dez microáreas, onde foram sorteadas duas famílias de cada, em setembro e outubro de 2003. Foram utilizadas entrevistas semi-estruturadas, que foram gravadas e transcritas. Os resultados foram ordenados, agrupados, categorizados tematicamente e analisados. Obteve-se como resultado uma boa aceitação do programa e dos membros da equipe, bem como as famílias concordaram com a melhora obtida na assistência à saúde após a implantação do programa. Da fala da equipe ao eco dos usuários, houve sons consoantes e alguns dissonantes.

percepção; equipe; família; ESF


Research of descriptive nature, exploratory and with qualitative approach, which aims to know the perception about the Family Health Strategy from the team's and families' viewpoints, in an inland city of Rio Grande do Sul State, Brazil. Data was collected in the municipality's ten micro-areas, and two families were drawn from each, in September and October 2003. Interviews were semi-structured, and were recorded and transcribed. Results were ordered, grouped, categorized according to themes and then analyzed. The result was that both program and teams are welcome, and families agreed that health care services improved after the program started. From the team's speech to the users' echoes, there were both agreeing and some disagreeing sounds.

Perception; team; family; Family Health Strategy


Percepção da Estratégia Saúde da Família em um município do interior do Rio Grande do Sul: da fala da equipe ao eco das famílias

Perception of the Family Health Strategy in an inland city of Rio Grande do Sul State, Brazil: from the team's speech to the families' echoes

Neusa da Silva EckerdtI; Eliane MorettoII; Maristela TagliariIII; Fátima BücheleIV

IEnfermeira, professora substituta no Departamento de Saúde Pública da UFSC; mestranda em Saúde Pública pela UFSC; especialista em Saúde Pública, em Saúde da Família e em Formação Pedagógica em Educação Profissional na Área da Saúde. Endereço eletrônico: eckerdtt@yahoo.com.br

IIEnfermeira; professora titular III do Curso de Enfermagem UPF; mestre em Assistência de Enfermagem da UFSC/URI/UNC

IIIEnfermeira; professora titular III do Curso de Enfermagem UPF; mestre em Filosofia, Saúde e Sociedade UFSC

IVProfessora doutora no Programa de Pós–Graduação em Saúde Pública, Departamento de Saúde Pública, área de Ciências Sociais, Universidade Federal de Santa Catarina

RESUMO

Pesquisa de natureza descritiva, do tipo exploratório com abordagem qualitativa, cujo objetivo foi conhecer a percepção da Estratégia Saúde da Família na visão da equipe e das famílias atendidas em um município do interior do Rio Grande do Sul. A coleta de dados abrangeu a totalidade do município, com dez microáreas, onde foram sorteadas duas famílias de cada, em setembro e outubro de 2003. Foram utilizadas entrevistas semi–estruturadas, que foram gravadas e transcritas. Os resultados foram ordenados, agrupados, categorizados tematicamente e analisados. Obteve–se como resultado uma boa aceitação do programa e dos membros da equipe, bem como as famílias concordaram com a melhora obtida na assistência à saúde após a implantação do programa. Da fala da equipe ao eco dos usuários, houve sons consoantes e alguns dissonantes.

Palavras–chave: percepção; equipe; família; ESF.

ABSTRACT

Research of descriptive nature, exploratory and with qualitative approach, which aims to know the perception about the Family Health Strategy from the team's and families' viewpoints, in an inland city of Rio Grande do Sul State, Brazil. Data was collected in the municipality's ten micro–areas, and two families were drawn from each, in September and October 2003. Interviews were semi–structured, and were recorded and transcribed. Results were ordered, grouped, categorized according to themes and then analyzed. The result was that both program and teams are welcome, and families agreed that health care services improved after the program started. From the team's speech to the users' echoes, there were both agreeing and some disagreeing sounds.

Key words: Perception; team; family; Family Health Strategy.

Introdução

Este trabalho objetivou registrar a percepção da Estratégia Saúde da Família (ESF) por sua equipe e pelas famílias atendidas, servindo como registro do mesmo e como base para a solicitação da implantação de mais uma equipe no município. A ESF é de cunho federal, com participação e responsabilidade das esferas estaduais e municipais, tendo sido criada em 1994 pelo Ministério da Saúde.

A equipe mínima chamada de Equipe de Saúde da Família é constituída por um enfermeiro, um médico, um auxiliar ou técnico de enfermagem e até no máximo 12 agentes comunitários de saúde. Pode ser implantada, ainda, a Equipe de Saúde Bucal, constituída de um dentista e um auxiliar de consultório dentário, quando modalidade I, e acrescida de um técnico em higiene bucal quando da modalidade II, sendo responsável por até quatro mil pessoas adscritas numa área predeterminada, contemplando hoje mais de 5.110 municípios brasileiros (BRASIL, 2004 e 2006).

As Equipes de Saúde da Família atuam nas unidades de saúde, na maioria das vezes no lugar dos antes centros de saúde ou postos de saúde. Têm como objetivo identificar os problemas e necessidades das famílias e comunidades, com condições de solucioná–los em até 85% em seu próprio local (BRASIL, 2001). Para que a ESF passe a fazer parte do sistema municipal de saúde dentro desta nova lógica, é necessário haver vontade política, determinação e competência. A implantação dessa estratégia leva a uma reorganização do sistema de saúde, substituindo antigas diretrizes hospitalocêntricas por atividades voltadas à prevenção de riscos e doenças e promoção à saúde com a participação das comunidades.

Essa nova prática leva a população a mudar antigos hábitos e a reaprender a valorizar a prevenção e o autocuidado. Da mesma forma, acarreta uma mudança no perfil dos profissionais de saúde, que deverão trabalhar em equipe e promover atividades com a comunidade, isto é, ir além dos domínios do tratamento clínico prestado nas unidades de saúde.

Metodologia

O presente trabalho desenvolveu–se em um município do interior do Rio Grande do Sul, com uma população aproximada de 3.750 habitantes e contando com a atuação de uma ESF modalidade I em todo seu território. Destaca–se o fato de que não há hospital no referido município, sendo sua população encaminhada ao município vizinho, através de convênio entre os mesmos.

A execução se deu no período de setembro a outubro de 2003 e utilizou a pesquisa qualitativa, sendo os dados obtidos através de uma entrevista semi–estruturada que foi gravada e, após, transcrita. Realizaram–se leituras e releituras com ordenamento dos dados em duas categorias: a fala da equipe e o eco das famílias – este subdividido em ecos harmônicos, ecos dissonantes e ecos direcionados à equipe, representados por notas musicais, e depois analisados tematicamente (MINAYO, 1994).

A escolha dos entrevistados envolveu as dez microáreas, de cada qual foram sorteadas duas famílias. Foram respeitados os direitos de participação na pesquisa, e todos os sujeitos foram informados sobre o objetivo do estudo, tendo–lhes sido garantidos anonimato e direito de desistir de participar do estudo a qualquer momento. Ao aceitar, assinavam o termo de consentimento que informava o teor da pesquisa, de acordo com a Resolução nº 196/96, do Conselho Nacional de Saúde. As fitas gravadas foram destruídas após sua transcrição. O presente trabalho passou pela Comissão de Ética da Universidade de Passo Fundo–RS.1 1 O presente trabalho foi desenvolvido durante o curso de Pós–Graduação em Saúde da Família, na Universidade de Passo Fundo – RS.

Análise e discussão dos resultados

No intuito de conhecer a visão das famílias assistidas pela ESF, bem como a visão da equipe frente à adaptação da implantação de uma sistemática diferenciada de trabalho na saúde, realizou–se o presente trabalho.

Após leitura e releitura dos dados, foram obtidas duas categorias: a fala da equipe e o eco das famílias, este subdividido em ecos harmônicos, ecos dissonantes e ecos direcionados à equipe. Após análise, obtiveram–se os seguintes resultados.

A fala da equipe

Percebe–se que o trabalho em equipe exige de cada membro uma participação, a qual deve ser conduzida com profissionalismo e consideração a todos, onde o diálogo é fundamental: "Acho que melhorou [...] porque com a equipe as pessoas sempre estão mais bem orientadas..." (RÉ 9).

Observa–se que a maioria acorda com a melhora do atendimento em saúde após a implantação da ESF, principalmente pela maior aproximação e contato com as famílias. Conforme o Ministério da Saúde (BRASIL, 2001), o agente comunitário de saúde é capacitado a trazer informações de saúde sobre as famílias visitadas por ele e levar orientações de prevenção de riscos e doenças e manutenção da saúde às mesmas, e se espera que os profissionais estejam preparados para solucionar os problemas: "[...] é um programa bem diferente [...] é melhor [...]" (DÓ 2) e "[...] gosto mais porque tem o atendimento direto nas comunidades e nas casas das famílias [...]" (RÉ 6).

Destaca–se também, na fala da equipe, que após a implantação da estratégia houve maior resolutividade com a presença de outros profissionais, com maiores conhecimentos e manejos. Os agentes comunitários de saúde se sentiram mais seguros com o maior acompanhamento do profissional médico e enfermeiro nas visitas domiciliares, principalmente aos acamados e de difícil acesso à unidade de saúde (BRASIL, 2001): "[...] há o acompanhamento do médico nos grupos e visitas [...]" (RÉ 9) e "[...] os problemas de uma maneira ou outra são resolvidos pela equipe [...]" (MI 8).

Entre os pontos negativos apontados nas falas, percebe–se a angústia, por parte da equipe, com a falta de tempo para cumprimento da agenda. Esse fato está relacionado ao elevado número de pessoas a serem atendidas por somente uma equipe em todo o município, onde os equipamentos de saúde se resumem à unidade de saúde e às hospitalizações realizadas no município vizinho: "[...] deveria ter mais profissionais [...] mais uma equipe do PSF no município [...]" (MI 4).

Como se constata nas falas a seguir, e concordando com o Ministério da Saúde (BRASIL, 2001), é preciso vontade política e competência tanto para decidir pela implantação como manutenção da estratégia. Muitos administradores públicos ainda não dão o devido valor aos resultados alcançados e poucos valorizam os profissionais que abraçam a causa em defesa da Estratégia Saúde da Família e da Saúde Pública, quando se sabe que é importante que a equipe se sinta amparada e estimulada pela gestão municipal: "[...] falta de tempo [...] falta de organização por parte da Secretaria de Saúde" (LÁ 1) e "[...] por falta de recursos financeiros e humanos, dificulta o atendimento mais completo [...] não conseguindo cobrir a demanda" (LÁ 2).

Em outro momento, a falta de remédio também se caracteriza como preocupação para a equipe, pois é sabido que algumas famílias não têm condições de comprar a medicação e que o tratamento não será realizado, o que compromete a reabilitação dos mesmos e faz com que retornem à unidade de saúde para uma re–consulta: "[...] muitas vezes não ter medicação disponível [...] não seguem o tratamento médico" (RÉ 9).

Aparece também, em uma das falas, o que preconiza o programa em relação à diminuição das consultas médicas e distribuição indiscriminada de remédios: "[...] ainda há idéia de que a cura persiste no medicamento e não na socialização do conhecimento na comunidade com palestras preventivas [...]" (LÁ 2).

Como relatado pelo Ministério da Saúde (BRASIL, 2001), muitas famílias nunca tiveram acesso a informações sobre cuidados básicos de saúde, por esse motivo pode ocorrer aumento na demanda, um acompanhamento mais urgente pela equipe, para que se possa tratar as doenças já implantadas, combater os fatores de risco e intervir na prevenção de riscos e doenças e manutenção da saúde, manter uma assistência contínua no tempo oportuno com tratamento e acompanhamento regular. Isso pode sobrecarregar e exigir paciência do profissional para estabelecer metas para reavaliação de valores culturais e condutas presentes nas famílias.

Percebe–se que, por parte de alguns membros da equipe, há entendimento sobre a estratégia e que os mesmos realmente se comprometem em mudar o sistema de atendimento. Reportamo–nos ao Ministério da Saúde (BRASIL, 2001), que relata maior impacto no processo saúde–doença quando os profissionais têm o entendimento do que preconiza a estratégia em conformidade com a seguinte fala: "[...] não transformar o Programa Saúde da Família em consultas médicas dentro das Unidades de Saúde [...]" (LÁ 2).

Como estratégia de mudanças, deve–se assegurar procedimentos ou atitudes profissionais, adquirindo–se maior conhecimento das famílias acompanhadas na própria comunidade. Isso requer novas habilidades de convencimento à população de que vale a pena prevenir e não adoecer ou depender de medicamentos: "[...] mais atendimento fora da unidade de saúde [...]" (LÁ 1).

Observou–se o desejo de que a equipe seja valorizada financeiramente e incentivada a buscar novos conhecimentos, salientando–se a importância da participação em cursos de especializações fora do município, bem como da educação continuada dentro da equipe, pois faz parte compartilhar conhecimentos e informações e respeitar as atribuições de cada profissional na equipe: "[...] que haja mais qualificação profissional [...]" (LÁ 1) e "[...] vamos continuar melhorando cada dia mais [...]" (RÉ 6).

O eco das famílias

Os dados obtidos junto às famílias participantes desta pesquisa, sobre a implantação da ESF, apontaram para uma significativa diferença no sistema municipal de saúde. Essa diferença pode ser traduzida como ecos harmônicos desta trajetória.

Ecos harmônicos

Pode se dizer que a implantação da ESF no município foi bem aceita pelas famílias. Percebeu–se uma melhora significativa na assistência prestada pela equipe após a implantação da estratégia: "[...] recebi os cuidados em casa após uma cirurgia, e isto foi muito bom [...]" (SOL 6). Assim, percebe–se não ser fato isolado a fala aqui relatada, pois esta encontra reflexos em textos publicados pelo Ministério da Saúde (BRASIL, 2001 e 2002). Isso reforça a consolidação da substituição de programas com cunho curativista e hospitalocêntrico por estratégias voltadas à prevenção de riscos e doenças e promoção à saúde com a participação da comunidade, e abre possibilidades a novas práticas em saúde.

Ainda segundo o Ministério da Saúde (2001), uma das estratégias é a visita domiciliar, a busca ativa, o conhecer a realidade e dificuldades enfrentadas pelas famílias adscritas na área de abrangência: "[...] recebemos a visita domiciliar juntamente com o médico em casa [...]" (FÁ 10). E "[...] é bom a visita nas casas com todos os profissionais [...]" (SOL 4).

Concordamos com a revista do Ministério da Saúde (BRASIL, 2001), que relata a importância regular da visita domiciliar para ver de perto as condições em que vivem as famílias. Isto é relatado também, nas falas das famílias entrevistadas, como um eco harmônico, pois se nota que estas se sentem valorizadas quando da visita domiciliar e da assistência prestada pela equipe. Ao conhecermos a realidade, conseguimos entender o porquê da dificuldade de alguns em retornar à consulta ou em seguir o tratamento, seja por falta de condições financeiras, de difícil acesso ou compromissos pessoais: "[...] porque pelo menos vocês sabem como a gente é, conhecem nossos problemas, conhecem bem a família da gente" (DÓ 10); "É bom que são visitadas as pessoas que não podem caminhar mais [...]" (SOL 3) ; e "Acho que mudou, ficou melhor..." (FÁ 8).

Aqui é demonstrado que, com a implantação da ESF – na qual, segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2001), a equipe deve trabalhar em conjunto com as famílias – a assistência melhorou. Isso consolida a idéia da realização de práticas interdisciplinares, como a contemplação e incorporação de recursos humanos qualificados e o rompimento do comportamento passivo das unidades básicas de saúde para estender suas ações junto às famílias: "Para nós melhorou muito desde que começou o programa [...]" (FÁ 10).

A estratégia preconiza, ainda, a importância de fortalecer o vínculo entre os profissionais da equipe e as famílias. É interessante ressaltar também que todos os profissionais da equipe conheçam as famílias e possam realizar um trabalho multidisciplinar, assim como proceder ao acolhimento dessas famílias nas unidades de saúde, gerando uma atenção sob o entendimento de sua situação de vida. Ao conhecermos a família em sua casa, nos tornamos mais próximos dela, e ao recebê–la na unidade de saúde, a acolhemos como se esta fosse parte da mesma: "[...] melhorou a assistência no trabalho da equipe [...]" (FÁ 7).

O Ministério da Saúde (BRASIL, 2001) faz a ressalva de que é necessário criar espaços alternativos para atendimento, principalmente em regiões de difícil acesso. Assim, a formação de vários grupos de atividade educativa no segmento rural deste município tem proporcionado melhor acompanhamento de pacientes com patologias crônicas e tem–se o apoio dos participantes, conforme a fala a seguir: "[...] tem diversos grupos funcionando e com boas explicações [...]" (FÁ 8).

De acordo com o Ministério da Saúde (BRASIL, 2002), as equipes assumem o desafio árduo de transformar velhos modelos, em assistência com resolutividade pautada em princípios de promoção de saúde. Atribuem um peso de tarefas maior que a simples promoção de saúde, a possível transformação de hábitos culturais incrustrados na população, que acredita que o remédio fará o "milagre da saúde".

Para a ESF, as reuniões dos grupos educativos nas comunidades, como o dos hipertensos, são formas de repassar informações, realizar aferição da pressão arterial e revisar o uso correto das medicações. Para alguns usuários, o dia da reunião é a busca do remédio, têm que participar do grupo para ganhar a medicação: "[...] eu acho boas as reuniões, pois ganho meus remédios [...]" (SOL 3).

A equipe deve sempre ter a consciência de que mudanças de comportamento ou hábitos de vida levam tempo; deve sempre enfocar e fazer as famílias tomarem consciência da importância de se obter conhecimentos de prevenção de riscos e doenças e promoção à saúde para auxiliar no tratamento. Deve haver, ainda, cumplicidade na manutenção da saúde entre os profissionais e as famílias, cada qual se responsabilizando por parte do tratamento. A tentativa de cativar as pessoas a participar de atividades educativas deve ser entendida como uma tarefa não muito fácil, mas em momento algum a equipe deve deixar de ter esperança na aderência dos usuários, assim como na colheita de bons resultados.

Segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2001), os agentes comunitários de saúde são considerados vínculo entre o serviço de saúde e as famílias. Aqui se percebe que há uma cumplicidade fortalecida no acompanhamento das famílias pelos agentes comunitários de saúde, através das visitas domiciliares. Nestas se percebe uma relação maior do contato feito entre o agente comunitário e a família, mas não relatado como atendimento da equipe, e sim o agente elemento de identificação e de tradução da realidade de sua comunidade: "[...] a visita do agente ajuda, pois se a gente precisa de informações dá para perguntar [...]" (FÁ 3); "[...] é muito boa a comunicação com o agente, pois ficamos informados sobre saúde [...] (FÁ 1); e "[...] pois o agente nas visitas orienta a gente [...] passa os avisos das reuniões dos grupos [...]" (SOL 2).

O agente comunitário de saúde pode ser considerado a chave mestra da estratégia, devido a sua importância no relacionamento com as famílias de sua microárea, onde seu trabalho é reconhecido e valorizado. Para desempenhar um bom trabalho, ele deve ser bem capacitado, orientado e acompanhado, assim como supervisionado de perto pelo enfermeiro. A valorização de seu trabalho também deve ser realizada pela análise dos dados por ele coletados e avaliados pela equipe, e seus resultados utilizados como base para o planejamento estratégico das atividades da mesma.

Vale aqui ressaltar a importância da qualidade e competência dos profissionais, bem como a necessidade de uma adequada estrutura física para que se possa prestar atendimento básico com resolutividade. Tem–se o compromisso do acompanhamento, encaminhamento, quando necessário, assim como retorno do usuário, que deve ser tratado pela equipe em tempo integral, fazendo parte aqui o processo de referência e contra–referência.

Cabe salientar a importância do trabalho intersetorial, até porque muitos são os problemas levantados durante uma visita domiciliar. Às vezes o trabalho, sobretudo do agente comunitário de saúde, se torna frustrante, quando da não–resolutividade da administração municipal: "[...] o povo é pobre [...] então fica resolvido o problema ali mesmo" (SOL 2); "[...] os agentes de saúde deveriam ser atendidos pela Secretaria de Saúde quando levam os problemas de água e poço negro [...]" (SOL 5); e "[...] a Secretaria de Saúde deveria dar mais atenção, mais valorização aos agentes de saúde, pois não adianta levar os problemas das famílias e não ser atendido" (FÁ 5).

A equipe, ao realizar o trabalho intersetorial, tem uma gama de alternativas para resolver os problemas. O apoio pode partir das várias secretarias da administração municipal, como de entidades não–governamentais, mas que façam parte da realidade da comunidade e estejam comprometidas com ela. O apoio da administração municipal não se resume a uma remuneração digna e merecida, mas pode ser classificado como infinito, pois abrange um reconhecimento através da resolutividade dos problemas levantados pelos membros da equipe, principalmente pelo agente comunitário de saúde, que conhece como ninguém a realidade da comunidade visitada mensalmente por ele.

Ecos dissonantes

Uma minoria dos participantes da pesquisa aponta para alguns ecos dissonantes na ESF. Merece destaque, já que aqui se propôs a avaliação, a mudança na forma de atendimento, que gera adaptação, aceitação ou não, por parte dos usuários. Isto aparece na fala a seguir sobre a resolutividade, bem como maior disponibilidade de tempo, caso houvesse a implantação de mais uma equipe: "[...] deveria ter mais um médico e mais um dentista [...]" (FÁ 1); "[...] deveria ter mais um dentista no PSF" (SOL 5); "[...] deveria ter mais um dentista [...] mais nas escolas [...]" (FÁ 5); e "[...] mais uma equipe de PSF ficaria melhor" (FÁ 4).

Segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2001), deve–se lembrar que as unidades de saúde não podem ser centros de triagem que se limitam a encaminhar a serviços especializados, e que a maioria das unidades de saúde tem condições de resolver até 85% de casos de saúde de sua área. Para maior resolutividade na atenção básica, esta deve estar contemplada com um número adequado de profissionais capacitados e engajados com o programa, através de um perfil profissional diferenciado, cujas convicções e afirmações pessoais sejam condizentes com a ESF.

Fica evidente que a principal queixa é o número reduzido de fichas para consulta médica. Isto nos leva a refletir: será que realmente as pessoas têm entendimento sobre o programa, o qual visa justamente a diminuir o número de consultas médicas e a centralização na figura médica e hospitalocêntrica? – "Tem que ir muito cedo para conseguir uma ficha..." (SOL 2).

Sabe–se também que, com a implantação da ESF, a demanda aumenta e, segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2001), nos primeiros dias há aumento de problemas antes ignorados ou não–considerados, problemas que podem ter se aglomerado por falta de atenção ou resolutividade.

A busca ativa aumenta a demanda que não existia; são pessoas que não tiveram encaminhamentos adequados ou adoeceram por causas que poderiam ser evitadas. Há também a falta de acompanhamento regular da equipe, e isso tudo faz parecer que existem mais doentes após a implantação da estratégia: "[...] que as pessoas que vêm do interior não voltem sem serem atendidas [...]" (DÓ 10).

Percebe–se que as famílias entrevistadas ainda têm a imagem da assistência vinculada à figura do profissional médico, sobretudo uma preocupação com a consulta médica. A reflexão sobre o papel da equipe, quando na fala se evidencia o não–atendimento médico, nos leva a pensar numa maior conscientização e reconhecimento do papel desenvolvido pelos demais membros da equipe – executado já no próprio acolhimento, num possível encaminhamento a um agendamento ou redirecionamento de profissional, mas com atendimento realizado e resultado alcançado por um integrante da equipe com outra formação e que ainda não é percebido pelo usuário como atendimento dentro de uma unidade de saúde: "[...] falta atendimento, deveria ter mais um médico no PSF" (FÁ 8); "[...] difícil conseguir atendimento por causa da grande demanda [...]" (FÁ 9); e "[...] muito poucos dias de atendimento médico no posto de saúde [...]" (SOL 6).

Constata–se também a preocupação com o horário do atendimento, que deve ser levada em conta, pois a intenção da estratégia é estar à disposição das famílias, respeitando seu modo de vida. Como o município é, na sua maioria, do segmento rural, e as famílias têm seus afazeres na maior parte pela manhã, algumas relatam dificuldade de ir cedo para conseguir ficha, o que atrasaria suas atividades domésticas.

Ainda segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2001), as ações da equipe devem ser planejadas, com conhecimento prévio das necessidades da população e adequação da assistência à comunidade em que atuam. Isto acarreta também mudanças nas habilidades dos profissionais, pois se espera que a equipe esteja preparada para solucionar problemas, estabelecer prioridades, conhecer o perfil epidemiológico – enfim, conhecer as famílias para então se adequar às reais necessidades da área adscrita onde irá atuar: "[...] o atendimento médico pela parte da manhã é ruim [...]" (SOL 3); "Atendimento médico à tarde, acho melhor do que de manhã, pois a gente tem muito serviço em casa [...]" (DÓ 10).

O documento do Ministério da Saúde (BRASIL, 2001, p. 71) afirma que "pessoas que nunca tinham recebido atendimento adequado, digno, vão se tornar exigentes, vão querer seus direitos iguais aos dos outros cidadãos". Uma das falas reflete exatamente o fato de que, quando não se tem acesso e quando se adquire conhecimento sobre alguns direitos, a cidadania é exercida e traz aumento de trabalho para a equipe e de gastos para a Secretaria Municipal de Saúde. Mas isso tudo faz parte da organização da atenção básica e, após um período, a estabilidade é alcançada: "Às vezes as pessoas ganham demais e não se preocupam com nada, não sabem valorizar [...]" (FÁ 3); "[...] antigamente tinha que pagar tudo e às vezes vender uma criação para pagar uma consulta médica [...] hoje pagam tudo pra nós [...]" (SOL 3).

O Ministério da Saúde (BRASIL, 2001) preconiza que o financiamento da estratégia é de responsabilidade das três esferas – federal, estadual e municipal –, cada qual com uma porcentagem de recursos para aplicações em assistência em saúde.

Sabe–se que a Lei nº 8.080, que rege o Sistema Único de Saúde, estabelece que todo cidadão tem direito à saúde, ao atendimento integral, à eqüidade e integralidade. No entanto, não pode se deixar de atentar para o fato de que os recursos destinados à saúde são insuficientes e que fica difícil manejar e resolver todos os problemas, o que é sentido e até às vezes compreendido pelas famílias assistidas: "[...] mais recursos para a saúde [...]"(FÁ 4). E ainda: "[...] mais verbas para SMS, pois é a secretaria mais importante [...]" (FÁ 5).

A escassez de recursos é sentida pelo usuário quando este não consegue realizar algum procedimento especializado, é privado do encaminhamento a exames mais complexos ou não tem acesso à distribuição de medicamentos. A equipe se ressente da não–continuidade do tratamento do usuário, devido à limitação de recursos financeiros ou pela dificuldade que passa a maioria das administrações municipais, assim como sente a falta de maior incentivo financeiro na remuneração salarial dos profissionais. Vale ressaltar que, sendo uma das secretarias mais importantes e mais abrangentes dentro de um município, cabe um maior valor de recursos, que sejam bem aplicados dentro da conformidade da lei e da necessidade dos participantes na reestruturação do modelo de saúde vigente no país.

Ecos direcionados à equipe

Os dados obtidos nesta pesquisa abordam também a relação estabelecida entre os usuários e a equipe de saúde da família, que pode ser estereotipada como eco produzido pela equipe frente a seus usuários. Esse eco recebe destaque por sua fundamental importância sobre a trajetória da estratégia.

Tendo em vista que essa prática não é sistemática e que pouca importância ou escuta é fornecida aos ruídos que surgem rotineiramente, acredita–se que a equipe terá subsídios para refletir sobre o impacto do cotidiano produzido. Assim como houve elogios, percebeu–se carência e desejo de maior aproximação entre os profissionais da equipe e as famílias.

O Ministério da Saúde (BRASIL, 2002) afirma que a consolidação da ESF depende da existência de profissionais de saúde com perfil diferenciado, voltado para a saúde pública. Assim, começa a investir em pólos de capacitação, formação e educação permanente de recursos humanos para a saúde da família: "[...] os profissionais são muito competentes [...]" (SOL 2). O profissional da ESF é diferenciado pela visão holística e disponibilidade de envolvimento com a situação da vida das famílias atendidas por ele, assim como a aproximação com suas culturas e diversidades, para melhor entendê–las. Desta forma, pode proporcionar realmente um atendimento diferenciado: "[...] deveria ter mais profissionais para atender as famílias [...]" (FÁ 4).

Às vezes, por mais que se tente melhorar e fazer o melhor, notam–se falhas, até por ser um processo ainda em constante construção. No entanto, são falas como a seguinte que fazem a equipe parar para redirecionar, reorganizar as atividades desenvolvidas, e agregar mais esforços para realmente consolidar as estratégias: "[...] mais diálogo entre as famílias e profissionais [...]" (FÁ 8).

Vale ressaltar a importância da coleta de opiniões e participação das famílias assistidas, para que se esteja atento ao processo de implantação e identificação de eventuais necessidades e problemas a serem corrigidos. O ato de sentar junto à família assistida, encarando o olhar cheio de expectativas e escutar o que vem da alma do usuário, faz a diferença.

Considerações finais

Por ser uma estratégia em expansão em todo o território nacional, especificamente no município em questão, houve intenção de registrar aqui a percepção da equipe e das famílias, e realizar a avaliação, de modo a identificar o impacto sobre a comunidade do município. Pode se evidenciar que, na visão da equipe, houve melhoras na qualidade da assistência prestada, com mais resolutividade e apoio dos demais profissionais.

Notou–se uma queixa geral na falta de valorização dos profissionais que atuam na equipe, e sentimentos de sobrecarga afloraram e foram visualizados tanto pela equipe como pelas famílias. Não se pode deixar de mencionar que a satisfação profissional abrange tanto o ambiente de trabalho, a relação com seus colegas e chefias, o reconhecimento através de elogios e uma remuneração digna, assim como a satisfação com resultados positivos alcançados.

Tanto as famílias como a equipe perceberam a diferenciação dos profissionais que têm perfil para trabalhar em saúde pública, mais especificamente na ESF. Estes devem ter disponibilidade de envolvimento e responsabilização para com as famílias atendidas. O comprometimento, sem sombra de dúvida, é maior, e talvez por isso alguns profissionais se tornem tão apaixonados pelo que fazem, pois vale a pena colher os resultados, mesmo que estes demorem a emergir.

Ficou evidenciado que no processo de mudanças ainda há muitas conquistas a serem batalhadas, e que as famílias ainda não estão completamente inseridas na filosofia da Estratégia Saúde da Família. O caminho da prevenção é árduo e a saúde deve ser construída no dia–a–dia.

Muito há o que se caminhar, aprender em conjunto, para uma melhora na assistência; muitas aspirações ainda estão engatinhando, e todos devem se esforçar para alcançar os propósitos do programa. Mas todos acreditam na ESF e esperam melhoras também com a implantação de mais uma equipe, para realizar maior acompanhamento, desvendando com profundidade os problemas enfrentados pelas famílias, e em conjunto poder tratar de forma ampla e concreta cada situação.

Notas

Recebido em: 03/04/2007.

Aprovado: 23/06/2007.

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  • REVISTA BRASILEIRA DE ENFERMAGEM. Brasília: Associação Brasileira de Enfermagem, v. 53, dez. 2000. Número especial.
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    O presente trabalho foi desenvolvido durante o curso de Pós–Graduação em Saúde da Família, na Universidade de Passo Fundo – RS.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Jul 2008
    • Data do Fascículo
      2008

    Histórico

    • Aceito
      23 Jun 2007
    • Recebido
      03 Abr 2007
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