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Editorial

EDITORIAL

Kenneth Rochel de Camargo Jr.

O tema deste número, Sexualidade, Ciência e Profissão, é apresentado por seus organizadores, Jane Russo, Sérgio Carrara e Fabíola Rohden, após este texto. A reflexão sobre a produção científica sobre a sexualidade, numa conjuntura em que se cruzam, por um lado, tentativas de controle numa perspectiva medicalizada (reforçada após a emergência da epidemia de HIV/Aids), e por outro, o estímulo ao exercício de uma sexualidade reduzida à performance, amparada em fármacos focalizados nesta dimensão (e, portanto, também medicalizada), é um tema de enorme relevância, explorado de forma abrangente e criativa nos artigos respectivos.

Nos temas livres, temos percebido uma tendência à concentração em determinados temas. Com todas as limitações inerentes a uma visão tão enviesada e impressionista, parece-nos que há de qualquer forma nessa concentração uma expressão de questões relevantes para a comunidade nacional de pesquisadores em Saúde Coletiva.

Um destes temas recorrentes é a discussão sobre a atenção primária em saúde, em especial a Estratégia de Saúde da Família. Dada a relevância desta na política nacional de saúde, não é surpresa que tantos autores se debrucem sobre o tema em seus artigos, formando quase um segundo tema, espontâneo, nesta edição. Este bloco se abre com Martins et al., que abordam as possibilidades abertas pelo PSF como espaço de desenvolvimento de modos emancipatórios de relação com os serviços de saúde. Cordeiro et al. apresentam resultados de extenso survey realizado com médicos e enfermeiros de alguns estados das regiões Norte e Nordeste, como parte de estudo nacional ligado ao Projeto de Expansão do Programa de Saúde da Família (PROESF). A análise das respostas aos questionários mostra a necessidade de processos de educação permanente para a incorporação desses profissionais ao PSF, para que de fato se garanta alcançar suas metas. Souza e Merchán-Hamann utilizaram diversas técnicas qualitativas com grupos variados de indivíduos (gestores, usuários e equipe dos serviços de saúde) ligados ao PSF nos 12 municípios pioneiros em sua implantação, constatando a persistência de obstáculos à sustentabilidade a longo prazo do programa, sobretudo no que diz respeito ao financiamento e à capacitação dos profisisionais de saúde para os desafios dessa modalidade de atenção. Fechando este bloco, Finkelsztejn et al. analisaram os dados produzidos por uma ação destinada a reduzir a demanda reprimida por atenção especializada no nível primário em Porto Alegre. Focalizando os atendimentos de neurologia, observaram que embora os profissionais de referência concordassem com a necessidade de envio a especialistas na ampla maioria dos casos (85%), a revisão dos diagnósticos formulados apontou para uma parcela considerável - 41,7% - que poderia supostamente ser resolvida no nível primário. Outro achado relevante foi a necessidade de exames complementares em metade dos casos observados.

Outra questão bastante presente nos artigos que recebemos é a reflexão sobre a própria produção científica da área de Saúde Coletiva e de outros domínios afins. Castro e Figueiredo, com base em revisão de literatura nacional sobre o cuidado do idoso, reafirmam a necessidade de qualificação de trabalhadores voltados para esta área específica, tornada mais presente a cada momento pelas relevantes modificações na estrutura etária de nosso país. Santos et al. realizaram um estudo do perfil dos pesquisadores (bolsistas de produtividade científica) do CNPq, apresentando características como vinculação institucional, volume e qualificação de produção científica, e participação na formação de recursos humanos. O trabalho de Trad traz uma contribuição extremamente relevante para a área de Saúde Coletiva, com uma sistematização teórica e com exemplos da utilização da técnica de grupo focal para a investigação em Saúde Coletiva.

Por fim, um último bloco de artigos trata, com as mais variadas abordagens, de questões ligadas à atenção à saúde. Guedes et al. relatam as dificuldades expressas por médicos ligados a um hospital universitário do Rio de Janeiro na atenção a pacientes que apresentam sintomas de lesão orgânica ou causalidade reconhecível, correlacionando-as a certas lacunas da própria formação médica. A partir de um texto jornalístico, Pinto faz uma discussão sobre aspectos éticos da atenção aos portadores de distúrbios mentais, enfatizando a importância da criação de redes de assistência aos mesmos, sob pena de tornar os processos de desinstitucionalização mera dessassistência. Dimenstein e Bezerra descrevem a experiência de implantação de um projeto de alta assistida da instituição psiquiátrica como estratégia de superar as dificuldades de desinstitucionalização num contexto de fragilidade da atenção em saúde mental na comunidade. Carvalho et al. lançam mão de um conceito de Lévinas - alteridade radical - para discutir a inter-relação entre ética e cuidado no fazer dos profissionais de saúde.

A seção de temas livres se encerra com o artigo de Cohen, que estudou o processo de descentralização das ações de vigilância sanitária efetuado pela Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro no período 2002-2006, a partir de relatórios de avaliação da descentralização. Ao observar a fragilidade da própria SES no processo, o estudo apresenta requisitos para a estruturação de um órgão de vigilância sanitária, bem como esclarece os múltiplos entraves que se colocam no caminho da descentralização.

Na seção de resenhas, Paiva apresenta Protagonismo silencioso: a presença da Opas na formação de recursos humanos em saúde no Brasil, de Janete Lima de Castro, e Mendonça analisa Por uma filosofia empírica da atenção à saúde: olhares sobre o campo biomédico, coletânea organizada por Kenneth Camargo e Maria Inês Nogueira.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Jan 2010
  • Data do Fascículo
    2009
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