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Práticas de ajuda oferecidas às famílias em programas de Intervenção Precoce na Infância em Centros Especializados em Reabilitação

Resumo

Pesquisas apontam os benefícios da prática da Intervenção Precoce Centrada na Família, a qual propõem que é imprescindível oferecer apoio às necessidades dos familiares. O objetivo deste artigo é analisar as práticas de ajuda oferecidas aos familiares em três serviços públicos de intervenção precoce, localizados na Baixada Santista-SP. O estudo foi realizado com a participação de nove familiares de crianças de zero a três anos, com atraso no desenvolvimento neuropsicomotor e outros diagnósticos, atendidas nos serviços e de 15 profissionais. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas através de dois roteiros, um para familiares e outro para profissionais. Os dados foram analisados sob a perspectiva da análise de conteúdo, na modalidade de análise temática. Os resultados indicaram mais práticas de ajuda relacional do que participativa; contudo, ambas são realizadas com baixa frequência e por apenas alguns profissionais. Além disso, o apoio oferecido nos serviços pelos profissionais está mais voltado às necessidades das crianças, e em apenas alguns casos são direcionados aos familiares. Espera-se com este artigo salientar a importância de práticas de ajuda relacional e participativa, bem como a oferta de apoio aos familiares em serviços de intervenção precoce.

Palavras-chave:
Intervenção Precoce; Família; Centro de Reabilitação; Primeira Infância

Abstract:

Research points out the benefits of the Family-Centered Early Intervention practice, which proposes that it is essential to offer support to the needs of family members. This paper aims to analyze the helpgiving practices offered to family members in three public centers of early intervention, located in Baixada Santista-SP, Brazil. The study was conducted with nine relatives of children aged zero to three years, with delayed neuropsychomotor development and other diagnoses, and with 15 professionals. Semi-structured interviews were conducted through two scripts, one for family members and one for professionals. The data were analyzed from the perspective of content analysis, in the thematic analysis modality. As a result, it was possible to identify more relational than participatory helpgiving practices; however, both were little identified in the participants' statements. In addition, the support offered by the service is more focused on the needs of children, and only in some cases it is directed to the needs of family members. This paper aims to emphasize the importance of providing support to the needs of family members in early childhood intervention services through helpgiving practices.

Introdução

Cada vez mais, as pesquisas e práticas sobre Intervenção Precoce na Infância (IPI) apontam para a necessidade e importância de apoio aos familiares com a proposta de uma mudança de paradigma na forma de atuar, que deixa de centrar a intervenção apenas na criança, conforme o modelo tradicional de atuação, e passa a centrar o foco da atuação na família. Essa mudança de paradigma é atualmente representada pela abordagem de Intervenção Precoce Centrada na Família (IPCF), a qual preconiza práticas individualizadas, flexíveis e prioriza a participação ativa e o protagonismo dos familiares em todo o processo de intervenção, de forma a fortalecer a família e promover novas capacidades (ALMEIDA, 2011ALMEIDA, I. C. A intervenção centrada na família e na comunidade: O hiato entre as evidências e as práticas. Análise Psicológica, v. 1, n. 29, p. 5-25, 2011.; CARVALHO et al., 2016CARVALHO, L. et al. Práticas recomendadas em Intervenção Precoce na infância. Um guia para profissionais. Coimbra: Associação Nacional de Intervenção Precoce, 2016.; DUNST, 2000DUNST, C. J. Revisiting “Rethinking early intervention”. Topics in Early Childhood Special Education, v. 20, n. 2, p. 95-104, 2000.; DUNST; TRIVETTE, 2009DUNST, C. J.; TRIVETTE, C. M. Capacity-building family systems practices. Journal of Family Social Work. v. 12, p.119-143, 2009.; DUNST; TRIVETTE; HAMBY, 2007DUNST, C. J.; TRIVETTE, C. M.; HAMBY, D. W. Meta-analysis of family-centered helpgiving practices research. Mental retardation and developmental disabilities research reviews, v. 1, p. 370-378, 2007.; FRANCO, 2015FRANCO, V. Introdução à Intervenção Precoce no desenvolvimento da criança, com a família, na comunidade e em equipe. Edições Aloendro, 2015.; PEREIRA; SERRANO, 2014PEREIRA, A. P.; SERRANO, A. M. Early intervention in Portugal: Study of professionals’ perceptions. Journal of Family Social Work, n. 17, v. 3, p. 263-282, 2014. ; MCWILLIAM; WINTON; CRAIS, 2003MCWILLIAM, P. J.; WINTON, P.; CRAIS, E. (Eds.). Estratégias práticas para a intervenção precoce centrada na família. Porto: Porto Editora, 2003.). Pereira e Serrano (2014PEREIRA, A. P.; SERRANO, A. M. Early intervention in Portugal: Study of professionals’ perceptions. Journal of Family Social Work, n. 17, v. 3, p. 263-282, 2014. ) afirmam que direta ou indiretamente o apoio oferecido à família tem grande impacto na criança, sendo mais poderoso do que os exclusivamente centrados na criança.

A IPCF, que representa a abordagem teórico-prática na qual se fundamenta o presente estudo, propõe aos profissionais um novo olhar e uma nova forma de atuação. Na abordagem centrada na família, os profissionais são convidados a realizar uma mudança de papéis, na qual a família passa a participar ativamente como protagonista, possui autonomia nas tomadas de decisões e para isso recebe informações dos profissionais mediante suas demandas. Para essa mudança de lógica de atuação, e para que de fato a prática centrada na família aconteça, a intervenção necessita ter como objetivo principal o apoio aos familiares (CARVALHO et al., 2016CARVALHO, L. et al. Práticas recomendadas em Intervenção Precoce na infância. Um guia para profissionais. Coimbra: Associação Nacional de Intervenção Precoce, 2016.; DUNST, 2000DUNST, C. J. Revisiting “Rethinking early intervention”. Topics in Early Childhood Special Education, v. 20, n. 2, p. 95-104, 2000.; FRANCO, 2015FRANCO, V. Introdução à Intervenção Precoce no desenvolvimento da criança, com a família, na comunidade e em equipe. Edições Aloendro, 2015.; MCWILLIAM; WINTON; CRAIS, 2003MCWILLIAM, P. J.; WINTON, P.; CRAIS, E. (Eds.). Estratégias práticas para a intervenção precoce centrada na família. Porto: Porto Editora, 2003.).

Carvalho et al. (2016CARVALHO, L. et al. Práticas recomendadas em Intervenção Precoce na infância. Um guia para profissionais. Coimbra: Associação Nacional de Intervenção Precoce, 2016.), Division for Early Childhood (2014)DIVISION FOR EARLY CHILDHOOD(DEC) . DEC recommended practices in early intervention/early childhood special education, 2014. Disponível em: Disponível em: http://www.dec-sped.org/recommendedpractices . Acesso em: 11 nov. 2019.
http://www.dec-sped.org/recommendedpract...
, Dempsey e Dunst (2004)DEMPSEY, I.; DUNST, C. J. Helpgiving styles and parent empowerment in families with a young child with a disability. Journal of Intellectual and Developmental Disability, v. 29, n. 1, p. 40-51, 2004., Dunst (2000)DUNST, C. J. Revisiting “Rethinking early intervention”. Topics in Early Childhood Special Education, v. 20, n. 2, p. 95-104, 2000., Dunst, Trivette e Hamby (2007)DUNST, C. J.; TRIVETTE, C. M.; HAMBY, D. W. Meta-analysis of family-centered helpgiving practices research. Mental retardation and developmental disabilities research reviews, v. 1, p. 370-378, 2007., Dunst e Trivette (2009)DUNST, C. J.; TRIVETTE, C. M. Capacity-building family systems practices. Journal of Family Social Work. v. 12, p.119-143, 2009. e García-Sánchez et al. (2014) apontam que o apoio aos familiares deve ser realizado através de práticas de ajuda eficazes, buscando reforçar as capacidades parentais já existentes, identificar preocupações e prioridades da família, identificar os apoios e recursos que podem ser usados, promover oportunidades que permitam a aquisição de novos conhecimentos e competências, bem como fortalecer a confiança e o sentimento de autoeficácia dos pais, para que possam lidar com suas responsabilidades no cuidado e promover oportunidades de aprendizagem para as crianças. A IPCF propõe dois tipos de práticas de ajuda para oferecer o apoio necessário para as famílias, a relacional e a participativa.

A prática de ajuda relacional se baseia na construção e no fortalecimento das relações, promovendo uma escuta ativa e reflexiva, empatia, autenticidade, credibilidade, compreensão, colaboração, confiança mútua, com atitudes calorosas e interessadas. As práticas relacionais são a base para o profissional reconhecer e validar os pontos fortes existentes e assim poder usar as capacidades da família para melhorar seu funcionamento (CARVALHO et al., 2016CARVALHO, L. et al. Práticas recomendadas em Intervenção Precoce na infância. Um guia para profissionais. Coimbra: Associação Nacional de Intervenção Precoce, 2016.; DEMPSEY; DUNST, 2004DEMPSEY, I.; DUNST, C. J. Helpgiving styles and parent empowerment in families with a young child with a disability. Journal of Intellectual and Developmental Disability, v. 29, n. 1, p. 40-51, 2004.; DUNST; TRIVETTE, 2009DUNST, C. J.; TRIVETTE, C. M. Capacity-building family systems practices. Journal of Family Social Work. v. 12, p.119-143, 2009.; DUNST; TRIVETTE; HAMBY, 2007DUNST, C. J.; TRIVETTE, C. M.; HAMBY, D. W. Meta-analysis of family-centered helpgiving practices research. Mental retardation and developmental disabilities research reviews, v. 1, p. 370-378, 2007.).

A prática de ajuda participativa apoia a escolha informada, a participação da família e essencialmente potencializa as competências da família, ao invés de criar dependências. Refere-se aos comportamentos do profissional em busca do envolvimento dos membros da família no processo terapêutico, do fortalecimento da família para desenvolver novas capacidades e do incentivo ao aumento do grau de controle que os pais possuem no funcionamento familiar. São exemplos de práticas de ajuda participativa: o envolvimento dos familiares na tomada de decisão e na execução dos objetivos; a promoção de autonomia aos familiares; o auxílio para que possam identificar suas prioridades; o desenvolvimento de capacidades para que façam escolhas informadas; e a partilha de estratégias de intervenção (CARVALHO et al., 2016CARVALHO, L. et al. Práticas recomendadas em Intervenção Precoce na infância. Um guia para profissionais. Coimbra: Associação Nacional de Intervenção Precoce, 2016.; DEMPSEY; DUNST, 2004DEMPSEY, I.; DUNST, C. J. Helpgiving styles and parent empowerment in families with a young child with a disability. Journal of Intellectual and Developmental Disability, v. 29, n. 1, p. 40-51, 2004.; DUNST; TRIVETTE, 2009DUNST, C. J.; TRIVETTE, C. M. Capacity-building family systems practices. Journal of Family Social Work. v. 12, p.119-143, 2009.; DUNST; TRIVETTE; HAMBY, 2007DUNST, C. J.; TRIVETTE, C. M.; HAMBY, D. W. Meta-analysis of family-centered helpgiving practices research. Mental retardation and developmental disabilities research reviews, v. 1, p. 370-378, 2007.).

Estudos afirmam que, embora as práticas relacionais sejam uma condição necessária para qualificar as relações entre família e profissionais, não são suficientes para fortalecer a família ou promover novas capacidades. Para isso, é essencial que tenham práticas participativas, as quais visam a um envolvimento mais ativo da família em todo processo de intervenção. Portanto, para uma atuação eficaz no apoio aos familiares, as duas práticas de ajuda, relacional e participativa, devem ser realizadas simultaneamente (CARVALHO et al., 2016CARVALHO, L. et al. Práticas recomendadas em Intervenção Precoce na infância. Um guia para profissionais. Coimbra: Associação Nacional de Intervenção Precoce, 2016.; COSTA et al., 2017COSTA, C. M. F. et al. Práticas centradas na família e os resultados familiares: avaliação de práticas de intervenção precoce na perspectiva da família. Revista de Estudios e Investigación en Psicología y Educación. Vol. extr 11, p. 274-278, 2017.; DEMPSEY; DUNST, 2004DEMPSEY, I.; DUNST, C. J. Helpgiving styles and parent empowerment in families with a young child with a disability. Journal of Intellectual and Developmental Disability, v. 29, n. 1, p. 40-51, 2004.; DUNST, 2000DUNST, C. J. Revisiting “Rethinking early intervention”. Topics in Early Childhood Special Education, v. 20, n. 2, p. 95-104, 2000.; DUNST; TRIVETTE; HAMBY, 2007DUNST, C. J.; TRIVETTE, C. M.; HAMBY, D. W. Meta-analysis of family-centered helpgiving practices research. Mental retardation and developmental disabilities research reviews, v. 1, p. 370-378, 2007.).

Na revisão da literatura realizada por Dempsey e Kenn (2008DEMPSEY, I.; KEEN, D. A review of processes and outcomes in family-centered services for children with a disability. Topics in early childhood special education, v. 28, n. 1, p. 42-52, 2008.), é demonstrado que serviços que oferecem a prática de ajuda participativa estão mais fortemente associados ao alcance dos resultados desejados pela família, bem como os familiares se consideram mais satisfeitos perante o apoio recebido. A pesquisa de Wade, Mildon e Matthews (2005)WADE, C. M.; MILDON, R. L.; MATTHEWS, J. M. Service delivery to parents with an intellectual disability: Family‐centred or professionally centred? Journal of applied research in intellectual disabilities, v. 20, n. 2, p. 87-98, 2007. aponta que os pais consideram as práticas centradas na família mais benéficas do que práticas centradas nos profissionais/crianças, e ainda mais benéficas quando oferecidas através de práticas de ajuda relacional e participativa.

Pesquisas americanas, australianas, portuguesas e espanholas também buscaram identificar, analisar e comparar as práticas de ajuda oferecidas aos familiares, entre elas: Dunst et al. (2002DUNST, C. J.; BOYD, K.; TRIVETTE, C. M.; HAMBY, D. W. Family‐oriented program models and professional helpgiving practices. Family relations, v. 51, n. 3, p. 221-229, 2002.) analisaram a relação entre os diferentes tipos de programas de IPI (centrados no profissional e centrados na família) e apontam que os centrados na família oferecem mais práticas de ajuda relacional e participativas; Campos (2018CAMPOS, C. M. Competências relacionais e participativas do profissional de intervenção precoce: perspectivas de mães e de profissionais da zona norte de Portugal. 2018. Tese (Doutoramento) - Universidade do Minho, Braga, 2018 . ) apontou que as práticas relacionais e participativas promovem qualidade no apoio prestado às famílias na IPI; Carvalho (2015CARVALHO, J. C. Estudo das ELI dos distritos de Braga e Bragança: um contributo para a avaliação das práticas centradas na família. 2015. Tese (Doutoramento). Universidade do Minho, Braga, 2015. ) e Pinto e Serrano (2017PINTO, M. J. S.; SERRANO, A. M. Caracterização da participação das famílias no apoio pelas equipas locais de intervenção. Revista de Estudios e Investigación en Psicología y Educación, v. extr., n. 11, 2017. ) identificaram maior frequência das práticas relacionais do que das participativas, entre outros fatores. Demais resultados e pesquisas serão apontados na discussão do presente artigo.

No Brasil, as pesquisas mais recentes sobre IPI apontam forte prevalência de práticas voltadas à estimulação de habilidades, baseadas nos déficits, com enfoque centrado na criança e estruturadas a partir de um modelo reabilitativo de cuidado (FERNANDES; SERRANO; DELLA BARBA, 2016FERNANDES, P. R. S.; SERRANO, A. M. S. P. H; DELLA BARBA, P. Diálogos sobre a Intervenção Precoce. Journal of Research in Special Educational Needs, v. 16, n. s1, p. 373-377, 2016.; FERREIRA et al., 2019FERREIRA, T.S. et al. Intervenção precoce e a participação da família: relato de profissionais de APAES. Revista Educação Especial, v. 32, n. 47, p. 1-20, 2019. ; MARINI; LOURENÇO; DELLA BARBA, 2017MARINI, B. P. R.; LOURENÇO, M. C.; DELLA BARBA, P. C. S. Revisão sistemática integrativa da literatura sobre modelos e práticas de intervenção precoce no Brasil. Revista Paulista de Pediatria, v. 35, n. 4, p. 456-463, 2017.; MARINI; LOURENÇO; DELLA BARBA, 2018MARINI, B. P. R.; LOURENÇO, M. C.; DELLA BARBA, P. C. S. Perspectiva brasileira das ações de intervenção precoce na infância. In: FUERTES, M. et al. (org.). Teoria, práticas e investigação em intervenção precoce. Lisboa: CIED, p. 27-49, 2018.).

Cabe apontar que, até 2012, o atendimento de IPI no Brasil era realizado predominantemente por instituições filantrópicas. Apenas após a criação, pelo Governo Federal, da “Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência” para implantação de ações de reabilitação, foram criados os Centros Especializados em Reabilitação (CER) em diversas cidades brasileiras, oficializando a oferta do serviço de IPI no Sistema Único de Saúde (SUS) (BRASIL, 2013BRASIL. Secretaria de Direitos Humanos, Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Viver sem Limite - Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Brasília, 2013.).

Em 2016, é lançada a primeira portaria relacionada diretamente à IPI, sendo uma Portaria do Ministério da Saúde nº 355, de 8 de abril de 2016, que inclui como procedimento oferecido pelo SUS a estimulação precoce para o desenvolvimento neuropsicomotor de crianças de até três anos de idade (BRASIL, 2016bBRASIL. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. Portaria do Ministério da Saúde nº 355, de 8 de abril de 2016. Inclui o procedimento de estimulação precoce para desenvolvimento neuropsicomotor para atendimento na Atenção Básica na Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses, Próteses e Materiais Especiais do SUS. Diário Oficial da União, seção 1, p. 63. Brasília, 2016b.). São publicadas também as “Diretrizes de estimulação precoce para crianças de zero a 3 anos com atraso no desenvolvimento neuropsicomotor” (BRASIL, 2016aBRASIL. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. Diretrizes de estimulação precoce: crianças de zero a 3 anos com atraso no desenvolvimento neuropsicomotor. Brasília: MS, 2016a.). Apesar de esses documentos buscarem fundamentar e direcionar as ações e os serviços oferecidos, não é possível identificar claramente de que forma na prática essas ações em IPI devem acontecer.

Mediante o exposto na literatura internacional sobre a importância da mudança da oferta de apoio nos programas de IPI, deixando de centrar a atuação apenas nas crianças, transformando em uma atuação centrada na família por meio de práticas de ajuda, este artigo tem por objetivo analisar o apoio oferecido aos familiares através das práticas de ajuda relacionais e participativas em programas de IPI de três serviços públicos localizados na Baixada Santista-SP, a partir da percepção de familiares e profissionais, e propor reflexões correlacionando os dados encontrados aos pressupostos da abordagem de IPCF.

Método

Este artigo é parte de uma dissertação de mestrado. Trata-se de um estudo descritivo e exploratório, de abordagem qualitativa. A escolha dos programas de IPI a serem estudados foi definida através dos seguintes critérios de elegibilidade: ser um serviço público municipal de saúde localizado na região da Baixada Santista-SP; atender crianças de 0 a 3 anos com risco de atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, e/ou atraso no desenvolvimento neuropsicomotor e/ou com diagnóstico definido e possuir uma equipe que atuasse com essa faixa etária, incluindo os seguintes profissionais: Terapeuta Ocupacional, Fonoaudiólogo, Fisioterapeuta, Psicólogo e Assistente Social. Sendo assim, a realização da pesquisa ocorreu nos serviços municipais das cidades de Santos, São Vicente e Praia Grande e, portanto, a coleta das informações foi realizada em três serviços públicos. Os serviços de Santos e Praia Grande são CER criados em meados de 2017; já o de São Vicente é um serviço municipal existente há mais de 17 anos.

Participantes

Participaram do estudo nove mães de crianças de 0-3 anos de idade. Apesar de o estudo ser aberto à participação de mães e pais, apenas mães participaram, e sua idade variou de 22 a 44 anos. Também participaram 15 profissionais de saúde, sendo um homem e 14 mulheres, cujas idades variaram entre 27 e 62 anos. Em cada serviço foram entrevistadas 3 mães e 5 profissionais, sendo um profissional de cada profissão descrita acima.

Instrumentos

Para a coleta dos dados, foram elaborados dois roteiros de entrevista semiestruturados, um para os familiares, e outro para os profissionais. A elaboração dos roteiros foi realizada de acordo com a literatura estudada sobre a prática da IPCF e com base em dois instrumentos: Family FOCAS - Versão experimental traduzida por Isabel Chaves de Almeida (ALMEIDA, 2007ALMEIDA, I. C. Estudos sobre a intervenção precoce em Portugal: Ideias dos especialistas, dos profissionais e das famílias. 2007. Tese (Doutoramento em Psicologia) - Universidade do Porto Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Porto, 2007. ) e Avaliação das Práticas Centradas na Família na Intervenção Precoce - BRASS TACKS - Versão experimental, traduzida e adaptada por Ana Paula da Silva Pereira (PEREIRA, 2009PEREIRA, A. P. Práticas centradas na família em intervenção precoce: Um estudo nacional sobre práticas profissionais. 2009. Tese (Doutoramento) - Universidade do Minho, Instituto de Estudos da Criança, Braga, 2009. ).

Ambos os roteiros de entrevistas foram testados através de um estudo piloto que contou com a participação de três familiares e três profissionais de outras instituições, os quais deram seus pareceres sobre a compreensibilidade, qualidade e adequação dos roteiros ao tema do estudo.

Procedimentos de coleta dos dados

Solicitou-se inicialmente a aprovação das Secretarias Municipais de Saúde de cada município, e após aprovação, foi solicitado aos gestores de cada serviço que indicassem familiares e profissionais que estivessem enquadrados nos critérios de inclusão do estudo. Então, os profissionais e familiares foram abordados e convidados a participar da pesquisa.

As entrevistas foram realizadas nos Centros de Reabilitação, de acordo com a disponibilidade dos profissionais e familiares. Todas as entrevistas foram gravadas e transcritas para posterior análise.

Procedimentos éticos

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de São Paulo, parecer sob o número 0339.0016.04/2018, CAAE número 86600218.1.0000.5505. Na coleta de dados, foi entregue, lido e assinado pelos participantes o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

A identidade dos participantes foi preservada, utilizando como identificação dos familiares a sigla “FA” seguida da numeração de 0 a 9, conforme número de participantes, e dos profissionais utilizando como identificação as siglas: “AS”, que corresponde aos profissionais Assistentes Sociais; “FT” para Fisioterapeutas; “FO” para Fonoaudiólogo; “PS” para Psicólogos e “TO” para Terapeutas Ocupacionais, sendo que as siglas foram seguidas dos números 1 a 15, compondo o número total de profissionais participantes.

Procedimentos de análise dos dados

De acordo com Bardin (2016BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Tradução de Luís Antero Reto e Augusto Pinheiro. São Paulo: Edições 70, 2016.), a Análise do Conteúdo é um conjunto de técnicas de análise de comunicações que permite a inferência de conhecimentos comuns e que tem como função primordial o desvendar crítico de um tema. Os dados coletados a partir das entrevistas foram organizados e analisados sob a perspectiva da Análise de Conteúdo, na modalidade de Análise Temática, seguindo os pressupostos de Bardin (2016)BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Tradução de Luís Antero Reto e Augusto Pinheiro. São Paulo: Edições 70, 2016. e de Gomes (2009GOMES, R. Análise e Interpretação de dados de pesquisa qualitativa. In: MINAYO, M. C. S. (org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 28. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. p. 79-108.), através da abordagem indutiva, sendo que as categorias surgiram da leitura e releitura dos dados, com agrupamentos dos temas em comum encontrados nas falas dos participantes e codificação dos dados.

A análise de conteúdo possibilitou a síntese interpretativa das informações, possibilitando o diálogo dos temas, objetivos e pressupostos teóricos do estudo. O tema relacionado às práticas de ajuda relacional e participativa, do qual trata este artigo, enquadra-se como duas das categorias definidas na pesquisa de mestrado. As análises são resultantes, portanto, de um processo de sistematização progressivo e analógico, com a problematização de ideias explícitas e implícitas nas falas dos participantes, de forma a criar diálogos entre as ideias problematizadas, com informações de outros estudos relativos à abordagem centrada na família.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A apresentação dos resultados e discussão com a literatura tem como intuito fazer uma leitura das falas dos participantes, buscando entender o contexto atual das práticas de ajuda relacionais e participativas existentes em relação às necessidades das crianças e dos familiares e fomentar reflexões com embasamento no que é preconizado pela abordagem centrada na família, no sentido de evidenciar quais as práticas de apoio encontradas e os desafios a serem superados em relação ao oferecimento de apoio às famílias.

Práticas de ajuda relacionais

Uma das práticas de ajuda relacional abordada com os profissionais deste estudo foi o reconhecimento de pontos fortes das crianças. Carvalho et al. (2016CARVALHO, L. et al. Práticas recomendadas em Intervenção Precoce na infância. Um guia para profissionais. Coimbra: Associação Nacional de Intervenção Precoce, 2016.) e McWilliam, Winton e Crais (2003)MCWILLIAM, P. J.; WINTON, P.; CRAIS, E. (Eds.). Estratégias práticas para a intervenção precoce centrada na família. Porto: Porto Editora, 2003. referem que realçar as capacidades associadas às áreas dos pontos fortes, além de compensar as limitações em outras áreas do desenvolvimento, permite que as famílias observem resultados dos seus esforços e sintam orgulho dos avanços do seu filho. No entanto, parece ser um aspecto que por vezes é negligenciado, isto porque a maior parte dos profissionais de IPI são ensinados a reconhecer e a melhorar os déficits no desenvolvimento e concentram seus esforços nos aspectos que as crianças apresentam maior atraso. Ao perguntar aos profissionais, alguns dizem que procuram salientar as capacidades das crianças para seus familiares, contudo, parte dos profissionais mencionam que também é necessário mostrar as dificuldades das crianças aos pais, apresentando uma atuação tradicional que se baseia nos déficits como planejamento:

Eu procuro enfatizar o que a criança consegue fazer, mas [...]preciso falar que a criança tem de atraso, porque é com base no que a criança tá em atraso e não consegue fazer que a gente vai elaborar a intervenção né, o planejamento. (PS10)

Outra prática de ajuda relacional mencionada foi o reconhecimento dos esforços dos familiares e a realização de elogios. Sobre este tema, McWilliam, Winton e Crais (2003) MCWILLIAM, P. J.; WINTON, P.; CRAIS, E. (Eds.). Estratégias práticas para a intervenção precoce centrada na família. Porto: Porto Editora, 2003.afirmam que reconhecer os esforços dos pais é muito importante e tornar um hábito dizer algo de positivo sobre os pais sempre que os encontra, pode auxiliar muito na relação entre pais e profissionais, como também aumentar a autoconfiança e autoestima dos pais.

Dos dados recolhidos, apenas alguns profissionais e uma das mães comentam a existência e importância dessa prática de ajuda:

Eu acho que tinha que elogiar sempre, mas as vezes a gente tá correndo e não fala. Até para valorizar o trabalho que eles estão fazendo em casa (FT5)

Sempre me elogiam. Me deixam exercícios, e veem a diferença e me parabenizam. E é muito importante porque eu me esforço". (FA3)

Outra prática de ajuda relacional apontada foi a escuta. Para Carvalho et al. (2016CARVALHO, L. et al. Práticas recomendadas em Intervenção Precoce na infância. Um guia para profissionais. Coimbra: Associação Nacional de Intervenção Precoce, 2016.), Dunst, Trivette e Hamby (2007DUNST, C. J.; TRIVETTE, C. M.; HAMBY, D. W. Meta-analysis of family-centered helpgiving practices research. Mental retardation and developmental disabilities research reviews, v. 1, p. 370-378, 2007.) e McWilliam, Winton e Crais (2003)MCWILLIAM, P. J.; WINTON, P.; CRAIS, E. (Eds.). Estratégias práticas para a intervenção precoce centrada na família. Porto: Porto Editora, 2003., a escuta é uma capacidade essencial do profissional para identificar as prioridades da família, para mostrar às famílias que se está interessado, que aceita e respeita suas opiniões. Ao serem convidados a relatar sobre, metade dos profissionais mencionaram que sempre oferecem espaço para escuta, outra metade que apenas as vezes, e apenas um profissional relatou não oferecer. Contudo, parte dos profissionais aponta maior importância para orientar ao invés de escutar:

Eu escuto, mas também preciso questionar, fica no meio termo, se não, não consigo orientar. (PS10)

Não, não, não acontece a escuta. É uns 10 minutos no fim do atendimento, e se a gente tem muita orientação para passar a gente chama antes e já passa todas. (FT6)

De acordo com algumas falas, parece que muitas vezes a escuta acontece de forma espontânea a partir de uma demanda exposta pelos familiares, de maneira informal no dia a dia, sendo que a escuta não parece ser considerada como parte do planejamento terapêutico dos profissionais e da equipe, como preconizado na abordagem centrada na família:

[...]a gente planeja o que fazer na terapia, mas pergunta uma questão e vem outras, aí a gente acaba nem fazendo o atendimento e fazendo essa escuta. (FO9)

Além da escuta de questões relacionadas às crianças, espera-se também que os profissionais realizem a escuta de questões relacionadas aos próprios familiares, conforme explicitado por Carvalho et al. (2016CARVALHO, L. et al. Práticas recomendadas em Intervenção Precoce na infância. Um guia para profissionais. Coimbra: Associação Nacional de Intervenção Precoce, 2016.) e McWilliam, Winton e Crais (2003)MCWILLIAM, P. J.; WINTON, P.; CRAIS, E. (Eds.). Estratégias práticas para a intervenção precoce centrada na família. Porto: Porto Editora, 2003., que afirmam que ao receber as famílias muitas dúvidas e necessidades podem surgir, muitas vezes estas estão mais relacionadas aos familiares, problemas pessoais, na dinâmica da família, financeiros, entre outros. Ao ser levantado este tema junto aos profissionais, alguns mencionaram que apenas algumas famílias citam questões que não são relacionadas ao cuidado de seu filho.

McWilliam, Winton e Crais (2003)MCWILLIAM, P. J.; WINTON, P.; CRAIS, E. (Eds.). Estratégias práticas para a intervenção precoce centrada na família. Porto: Porto Editora, 2003. explicam que geralmente os pais não falam automaticamente sobre o que sentem, o que os preocupa e sobre acontecimentos recentes ocorridos no seio familiar, isto porque, muitos educadamente acreditam que não devem ocupar o tempo dos profissionais, ao menos que de alguma forma, o profissional demonstre que está disposto a escutar e convide os pais a falarem.

Apenas uma mãe referiu já ter levado questões além das necessidades de seu filho:

Eu já trouxe problemas além do meu filho, e foi muito bom porque elas me escutaram, conversaram, acalentaram. (FA8)

As demais mães relatam trazerem apenas assuntos relacionados aos seus filhos. De acordo com suas falas, os atendimentos acontecem para serem direcionados a questões relacionadas às crianças, e que outras demandas da família não são o objetivo dos serviços. Alguns profissionais referem dar abertura e escuta quando as famílias trazem necessidade de falar sobre outras questões. Em contrapartida, outros profissionais apontam que, para questões trazidas além da necessidade da criança, procuram encaminhar para o psicólogo e/ou assistente social, do próprio serviço, ou de fora do serviço, bem como orientam a busca por apoio na sua própria rede de apoio e comunidade, como demonstrado na fala a seguir:

[...] mas também eles trazem muita coisa que não tem a ver com a criança, então nós temos a assistente social, a psicóloga, então quando eu vejo que a conversa foge da criança, eu direciono. (TO13)

O trecho acima citado parece apontar para uma perspectiva de abordagem mais tradicional a qual possui como foco apenas a criança, como também aponta para a inexistência de prática de ajuda relacional, que promova a escuta perante a demanda trazida. Esses dados também vão ao encontro dos resultados apontados em uma pesquisa realizada em um serviço da Baixada Santista por Valverde e Jurdi (2020VALVERDE, B. B. D. R.; JURDI, A. P. S. Análise das Relações entre Intervenção Precoce e Qualidade de Vida Familiar1. Revista Brasileira de Educação Especial, v. 26, n. 2, p. 283-298, 2020.), no qual afirmam existir um percurso percorrido pelas famílias através de encaminhamentos aos serviços especializados de forma desarticulada, com pouco espaço para escuta, valorização, diálogo, discussão e trocas entre os profissionais e familiares.

McWilliam, Winton e Crais (2003)MCWILLIAM, P. J.; WINTON, P.; CRAIS, E. (Eds.). Estratégias práticas para a intervenção precoce centrada na família. Porto: Porto Editora, 2003. relatam que alguns profissionais temem que a conversa possa conduzir a assuntos que estejam além do seu âmbito de competência, como também receiam que as famílias esperem ajuda em necessidades que estão além das tradicionais oferecidas pelo serviço. No entanto, se o papel do profissional for encarado como o de trabalhador da rede de apoio, disposto a ajudar as famílias a criarem as suas próprias soluções ou a direcionar aos recursos comunitários relacionados às suas preocupações, talvez facilite ao profissional ser mais receptivo.

Aprofundando ainda mais sobre a parceria desenvolvida entre profissionais e familiares, as mães foram convidadas a falar se ao longo do processo terapêutico escolhem um profissional como referência. Uma parte das mães relatou que sim, e explicaram que este acaba sendo escolhido por apresentar escuta, abertura para conversas, empatia, afinidade, por passar segurança e confiança, ou seja, por oferecer apoio através de práticas de ajuda relacional.

De acordo com Carvalho et al. (2016CARVALHO, L. et al. Práticas recomendadas em Intervenção Precoce na infância. Um guia para profissionais. Coimbra: Associação Nacional de Intervenção Precoce, 2016.) e McWilliam, Winton e Crais (2003)MCWILLIAM, P. J.; WINTON, P.; CRAIS, E. (Eds.). Estratégias práticas para a intervenção precoce centrada na família. Porto: Porto Editora, 2003., as percepções e formas de relacionamento entre as famílias e os profissionais podem ser determinadas por um conjunto de variáveis como: experiências passadas, valores, expectativas e estilos de interação pessoal. Com isso, espera-se que um profissional seja sensível e compreensivo perante possíveis necessidades da família, adapte sua interação às diferentes situações, e evite de fazer julgamentos precipitados e injustificados sobre a família. A prática de ajuda relacional requer mais do que conhecimento técnico específico, e está relacionada a postura e empatia construída na relação profissional e familiar.

Práticas de ajuda participativas

Entre as práticas de ajuda participativas a mais mencionada foi a orientação. De acordo com as entrevistas, os profissionais dão muita importância para orientar, e para que os familiares sigam suas orientações em casa são criadas diferentes estratégias buscando a participação e o entendimento dos pais, como permitir que os pais assistam ao atendimento, ou fazer algumas manobras e simulações de exercícios nos próprios familiares para que aprendam como se faz, pedir para família registrar o que realizou com a criança para posterior conversa, ou ainda pedir que os familiares realizem as orientações dadas na frente deles.

Eu chamo o pai e a mãe aqui junto e faço a orientação, mostro como fazer na criança, faço neles também, os alongamentos faço nos pais para mostrar como tem que pegar, como tem que fazer. (TO15)

A partir do exposto, é possível observar que essa prática de ajuda participativa dos profissionais em relação às famílias está relacionada a oferecer-lhes informações acerca do que devem fazer com suas crianças através de orientações, as quais parecem apresentar como foco as crianças, e a família é vista como minimamente capaz de implementar e desenvolver as orientações prescritas e decididas pelos profissionais.

Os resultados vão ao encontro da pesquisa de Almeida (2010ALMEIDA, I. C. O Modelo de Intervenção centrado na família: da teoria à prática. Revista Diversidades, v. 27, p. 12-16, 2010. ), de Dias e Cadime (2019DIAS, P. C.; CADIME, I. Child and family-centered practices in early childhood education and care services: An empirical study with families and practitioners in Portugal. Child and Adolescent Social Work Journal, v. 36, n. 3, p. 285-294, 2019.) e do levantamento bibliográfico realizado por Marini, Lourenço e Della Barba (2017MARINI, B. P. R.; LOURENÇO, M. C.; DELLA BARBA, P. C. S. Revisão sistemática integrativa da literatura sobre modelos e práticas de intervenção precoce no Brasil. Revista Paulista de Pediatria, v. 35, n. 4, p. 456-463, 2017.), os quais apontam um avanço no processo de inserção da família no cuidado a partir do reconhecimento da criança como integrante de um contexto que influencia o desenvolvimento dela. No entanto, as práticas mais frequentes são centradas no fornecimento de informações/orientações para a família em relação às necessidades das crianças, principalmente sobre estratégias para lidar e ensinar a criança, e não são responsivas às necessidades da família. Apesar de a família ser incentivada a estar envolvida e a participar, os profissionais ainda aparecem no centro do cuidado, como responsáveis pelas intervenções, detentores do conhecimento, sendo que as necessidades das crianças e escolhas dos profissionais é que norteiam a intervenção.

Também é considerado como uma prática de ajuda participativa responder aos pais suas dúvidas, envolvê-los no planejamento e execução dos objetivos, e partilhar as estratégias de intervenção, de forma que compreendam o que se deseja alcançar com seus filhos (CARVALHO et al., 2016CARVALHO, L. et al. Práticas recomendadas em Intervenção Precoce na infância. Um guia para profissionais. Coimbra: Associação Nacional de Intervenção Precoce, 2016.; DUNST; TRIVETTE, 2009DUNST, C. J.; TRIVETTE, C. M. Capacity-building family systems practices. Journal of Family Social Work. v. 12, p.119-143, 2009.; DUNST; TRIVETTE; HAMBY, 2007DUNST, C. J.; TRIVETTE, C. M.; HAMBY, D. W. Meta-analysis of family-centered helpgiving practices research. Mental retardation and developmental disabilities research reviews, v. 1, p. 370-378, 2007.). A maioria das mães deste estudo mencionou ausência deste tipo de apoio. Algumas apontaram também que gostariam de compreender melhor sobre o prognóstico de seus filhos e sobre o que se pretende alcançar com os estímulos orientados:

[...] ‘onde que eu posso chegar, está sendo isso feito porque?’ [...], eu achava que ela tava movimentando o braço, mas não, são movimentos involuntários, e eu fui entendendo isso porque eu fui perguntando, eu fui buscando essa informação. (FA9)

Assim como neste estudo as mães apontaram sentir falta de receber respostas suas demandas, na pesquisa realizada por Almeida (2010ALMEIDA, I. C. O Modelo de Intervenção centrado na família: da teoria à prática. Revista Diversidades, v. 27, p. 12-16, 2010. ), as mães também exprimiram algumas insatisfações relacionadas à necessidade da existência de informação sobre a problemática do seu filho e de terem um prognóstico.

Uma mãe aponta diretamente que gostaria que os profissionais aprofundassem mais individualmente para conhecerem as particularidades das famílias, ou seja, questões além das necessidades das crianças:

Eu acho que essa questão de aprofundar mais individualmente, saber se tem com quem deixar, conhecer a família também, e não exatamente só a criança, porque você percebe assim, [...] a profissional tem que atingir primeiro os cuidadores e os pais, porque isso que vai ter um reflexo direto na criança (FA7)

Cabe aqui ressaltar que, na prática desenvolvida nos serviços estudados, em alguns casos, os profissionais acabam não respondendo às dúvidas e necessidades da família, e a atuação realizada parece ser sempre similar, centrada na criança, independentemente das demandas dos familiares. Em uma perspectiva centrada na família, Carvalho et al. (2016CARVALHO, L. et al. Práticas recomendadas em Intervenção Precoce na infância. Um guia para profissionais. Coimbra: Associação Nacional de Intervenção Precoce, 2016.) salientam que cada família é única, por isso a importância de atuações individualizadas, direcionadas para a necessidade de cada família. Sendo assim, explicam que é crucial a identificação das prioridades da família e dar resposta a suas demandas, para que a intervenção aconteça de forma a ajudar a família a conquistar e a responder o que é importante para ela, e não o que os profissionais julgam ser importante.

Outro ponto abordado com os familiares foi sobre como se sentem para os cuidados de seus filhos no futuro. Assim como no estudo de Almeida (2011ALMEIDA, I. C. A intervenção centrada na família e na comunidade: O hiato entre as evidências e as práticas. Análise Psicológica, v. 1, n. 29, p. 5-25, 2011.), a maioria das famílias parece sentir angústia e insegurança quando o assunto é o futuro, tanto em relação às dificuldades de seus filhos, como também sobre suas próprias capacidades em estimulá-los.

Ao perguntar se o futuro é um tema abordado dentro dos programas de IPI, algumas mães relatam que a fala dos profissionais sempre está relacionada a esperar para compreender como será o futuro:

Eu tenho medo do futuro, porque justamente assim, tudo que eu pergunto, que eu trago as dúvidas é ‘vamos esperar’, eu só escuto isso [dos profissionais], vamos esperar, vamos esperar, vamos esperar, eu não tenho respostas. (FA9)

De forma complementar, os profissionais também foram questionados sobre quais as estratégias utilizadas para preparar e capacitar as famílias para o futuro. Alguns relatam que as orientações realizadas frequentemente já preparam as famílias; no entanto, alguns profissionais afirmam não ser um assunto conversado geralmente. A partir desses dados, é possível constatar que o futuro não é um assunto muito abordado, e parece que o trabalho oferecido nos serviços estudados busca orientar os familiares para demandas do presente, e não se preocupam em fortalecê-los para que se sintam capacitados para guiar a vida de seus filhos no futuro sem a necessidade de apoio de uma rede formal.

Em relação ao apoio sobre questões mais relacionadas às demandas dos próprios familiares, os psicólogos e assistentes sociais foram os profissionais que mais demonstraram oferecer essa ajuda participativa com a indicação de recursos da comunidade para que estes possam cuidar de sua própria saúde psicológica. No entanto, essas práticas de ajuda também não parecem frequentes e tampouco preconizadas pelos serviços ou pela equipe de profissionais:

[...]muitas trazem que estão exaustas psicologicamente, baqueadas, e eu falo ‘precisa cuidar da senhora, faz uma caminhada, vai no horto, vai em alguma atividade, [...] a questão da saúde dela mesmo e a questão de uma geração de renda, como ela fazer para ganhar algum dinheiro. (AS2)

Apesar do exposto, mães mencionam sentir falta do apoio do serviço social:

[...] do vale transporte eu não sabia, e muitas vezes eu vinha a pé, as meninas mesmo aqui que trazem os filhos falou pra mim, falou da aposentadoria dele (FA2)

O desconhecimento e a desinformação de familiares podem estar associados à fato que o assistente social só é solicitado por demanda. Assim, em algumas situações, acabam passando despercebidas pela equipe as demandas e necessidades da família, tendo em vista que o levantamento de queixas e prioridades da família não são objetivos estipulados pelos programas oferecidos nos serviços estudados. Isto instiga a refletir sobre a importância do assistente social como membro atuante na equipe para oferecer as informações aos familiares de todos os seus direitos e possibilidades de apoio, assim como a importância de uma anamnese e avaliação inicial mais aprofundada sobre as condições socioeconômicas e contextos em que as famílias vivem, incluindo retaguarda de transporte, emprego, moradia, renda e rede de apoio formal e informal.

Corroborando o exposto e encontrado neste estudo, na pesquisa de Almeida (2011ALMEIDA, I. C. A intervenção centrada na família e na comunidade: O hiato entre as evidências e as práticas. Análise Psicológica, v. 1, n. 29, p. 5-25, 2011.), um grupo de famílias também revelou que perante suas preocupações e insatisfações com suas condições de habitação, condições econômicas e indisponibilidade de tempo para estar com o filho, o programa de IPI parece não ter oferecido apoio. Contudo, quando mencionado sobre melhorar o apoio para as prioridades e necessidades dos próprios familiares, a maioria das mães relatou que não sente necessidade de maior apoio:

Eu não sinto falta de nada de assistência para mim. (FA5)

Tais dados também vão ao encontro da pesquisa de Almeida (2011ALMEIDA, I. C. A intervenção centrada na família e na comunidade: O hiato entre as evidências e as práticas. Análise Psicológica, v. 1, n. 29, p. 5-25, 2011.), a qual aponta que apesar de existirem lacunas no apoio oferecido aos familiares, as famílias estão satisfeitas com os serviços que receberam. Isto ocorre aparentemente porque o que as famílias desejam em primeiro lugar é um trabalho direcionado ao desenvolvimento de seu filho, e esta é a prática que normalmente os profissionais que atuam pautados em uma abordagem tradicional estão bem treinados a realizar.

No entanto, em um estudo de McWilliam et al. (2000)MCWILLIAM, R. A. et al. Professionals’ and families’ perceptions of Family-Centered Practices in Infant-Toddler Services. Early Education and Development, v. 11, n. 4, July, 2000., quando uma mãe teve conhecimento das possibilidades de apoio com práticas centradas na família, apontou que estava feliz com as práticas que recebia até então, porque desconhecia a possibilidade de apoio ampliado à família. McWilliam, Winton e Crais (2003)MCWILLIAM, P. J.; WINTON, P.; CRAIS, E. (Eds.). Estratégias práticas para a intervenção precoce centrada na família. Porto: Porto Editora, 2003. salientam que, para que a atenção à família se aplique, é necessário que fique claro para os familiares que tratar suas próprias questões também é uma opção dentro do serviço de IPI.

Esse fato também aconteceu nesta pesquisa, sendo que ao longo da entrevista alguns participantes, tanto os profissionais como os familiares, realizaram comentários sinalizando situações que não aconteciam e que acreditavam ser relevante acontecer, principalmente relacionados à participação dos familiares na construção dos objetivos terapêuticos e reavaliações, bem como em relação a oferecer mais espaço de escuta, reconhecer os pontos fortes dos familiares e apoiar as necessidades dos próprios familiares:

Acho que procurando cada vez mais o contato direto com a família, procurando proporcionar cada vez mais esse momento de escuta, proporcionar momentos que eles possam dividir com a gente os momentos de angústia. (FO8)

[...] eu tô revendo minha atuação assim, tudo. [...]estudando a temática [abordagem centrada na família] eu entendo que não adianta ver o que a criança precisa e não ver o que a família precisa, que aquele pai está desempregado, e aquela mãe que trabalha até de noite (AS1)

Diante do exposto, cabe apontar que, de acordo com os resultados, os três serviços estudados estão distantes da abordagem de IPCF, suas práticas de intervenção estão mais relacionadas às necessidades da criança, do que às necessidades dos familiares e estruturadas a partir de um modelo reabilitativo de cuidado, como apontam outros estudos brasileiros (FERNANDES; SERRANO; DELLA BARBA, 2016FERNANDES, P. R. S.; SERRANO, A. M. S. P. H; DELLA BARBA, P. Diálogos sobre a Intervenção Precoce. Journal of Research in Special Educational Needs, v. 16, n. s1, p. 373-377, 2016.; FERREIRA et al., 2019FERREIRA, T.S. et al. Intervenção precoce e a participação da família: relato de profissionais de APAES. Revista Educação Especial, v. 32, n. 47, p. 1-20, 2019. ; MARINI; LOURENÇO; DELLA BARBA, 2017MARINI, B. P. R.; LOURENÇO, M. C.; DELLA BARBA, P. C. S. Revisão sistemática integrativa da literatura sobre modelos e práticas de intervenção precoce no Brasil. Revista Paulista de Pediatria, v. 35, n. 4, p. 456-463, 2017.; MARINI; LOURENÇO; DELLA BARBA, 2018MARINI, B. P. R.; LOURENÇO, M. C.; DELLA BARBA, P. C. S. Perspectiva brasileira das ações de intervenção precoce na infância. In: FUERTES, M. et al. (org.). Teoria, práticas e investigação em intervenção precoce. Lisboa: CIED, p. 27-49, 2018.).

Valverde e Jurdi (2020VALVERDE, B. B. D. R.; JURDI, A. P. S. Análise das Relações entre Intervenção Precoce e Qualidade de Vida Familiar1. Revista Brasileira de Educação Especial, v. 26, n. 2, p. 283-298, 2020.) relatam a necessidade de suporte e de ações voltadas aos familiares, tendo em vista que a discrepância na percepção do apoio recebido destinado à criança e ao familiar pode influenciar na participação dos familiares, no cuidado de suas crianças, e consequentemente no desenvolvimento das crianças.

De maneira geral, os resultados desta pesquisa apontam que a atuação nos serviços estudados é centrada na criança, e não prioriza práticas de ajuda através de práticas relacionais e participativas. Isto porque, apesar de serem mencionadas pontualmente algumas práticas de ajuda relacionais e participativas, estas acontecem sem os profissionais se darem conta e valorizarem a importância de que elas aconteçam constantemente. Sendo assim, as práticas de ajuda não parecem ser consideradas necessárias e indicadas como base na atuação dos profissionais participantes desta pesquisa. Do mesmo modo, parece não existir por parte dos serviços nenhuma exigência ou diretividade em relação ao tipo e forma de prática de ajuda a ser oferecida pelos profissionais.

Tais dados corroboram também os resultados do estudo de Almeida (2004ALMEIDA, I. C. Intervenção Precoce: Focada na criança ou centrada na família e na comunidade? Análise Psicológica, v. 1, n. XXII, p.59-66, 2004.) e de Dunst et al. (2002DUNST, C. J.; BOYD, K.; TRIVETTE, C. M.; HAMBY, D. W. Family‐oriented program models and professional helpgiving practices. Family relations, v. 51, n. 3, p. 221-229, 2002.), os quais apontam que os profissionais que não estão integrados em programas centrados na família referem maior enfoque do seu trabalho exclusivamente na criança. Já os programas centrados na família apresentam maior participação dos familiares, devido aos profissionais envolvidos desenvolverem práticas de ajuda relacionais e participativas e possuírem melhores condições em termos de formação e de supervisão.

Outro fator importante a ser salientando, entre as práticas de ajuda mencionadas neste estudo, as práticas de ajuda relacionais, apesar de não serem realizadas por todos os profissionais, foram mencionadas com maior frequência do que as práticas de ajuda participativa.

Esses dados vão ao encontro dos resultados apresentados por Dunst, Trivette e Hamby (2007DUNST, C. J.; TRIVETTE, C. M.; HAMBY, D. W. Meta-analysis of family-centered helpgiving practices research. Mental retardation and developmental disabilities research reviews, v. 1, p. 370-378, 2007.), Almeida (2010ALMEIDA, I. C. O Modelo de Intervenção centrado na família: da teoria à prática. Revista Diversidades, v. 27, p. 12-16, 2010. ), Almeida (2011)ALMEIDA, I. C. A intervenção centrada na família e na comunidade: O hiato entre as evidências e as práticas. Análise Psicológica, v. 1, n. 29, p. 5-25, 2011., Carvalho (2015CARVALHO, J. C. Estudo das ELI dos distritos de Braga e Bragança: um contributo para a avaliação das práticas centradas na família. 2015. Tese (Doutoramento). Universidade do Minho, Braga, 2015. ) e Pinto e Serrano (2017PINTO, M. J. S.; SERRANO, A. M. Caracterização da participação das famílias no apoio pelas equipas locais de intervenção. Revista de Estudios e Investigación en Psicología y Educación, v. extr., n. 11, 2017. ), que apontam que práticas de ajuda relacionais são comumente mais realizadas e constroem relações autênticas com as famílias; contudo, os profissionais apresentam maiores dificuldades para desenvolver as práticas de ajuda participativas e ainda estão iniciando sua implementação através da promoção de escolhas, de decisão e envolvimento da família. Almeida (2010)ALMEIDA, I. C. O Modelo de Intervenção centrado na família: da teoria à prática. Revista Diversidades, v. 27, p. 12-16, 2010. complementa afirmando que a prática participativa depende, além de mudanças na atuação dos próprios profissionais, de mudanças de atitudes das famílias, que já estão habituadas com um papel secundário e mais passivo durante a intervenção.

Outros estudos recentes evidenciaram um aumento das práticas de ajuda participativas em relação a estudos anteriores, sendo que essas práticas se encontram mais consolidadas pelos profissionais visando a um trabalho adequado com as famílias. Este fato foi correlacionado com a formação, desenvolvimento profissional e supervisão dos profissionais nos serviços de IPI, dado apontado por Costa et al. (2017COSTA, C. M. F. et al. Práticas centradas na família e os resultados familiares: avaliação de práticas de intervenção precoce na perspectiva da família. Revista de Estudios e Investigación en Psicología y Educación. Vol. extr 11, p. 274-278, 2017.), Campos (2018CAMPOS, C. M. Competências relacionais e participativas do profissional de intervenção precoce: perspectivas de mães e de profissionais da zona norte de Portugal. 2018. Tese (Doutoramento) - Universidade do Minho, Braga, 2018 . ), García-Sánchez et al. (2014)GARCÍA-SÁNCHEZ, F. A. et al. Atención temprana centrada en la familia. Siglo Cero, v. 45, n. 3, p. 6-27, 2014., e no estudo de Dunst, Espe-Sherwindt e Hamby (2019DUNST, C. J.; ESPE-SHERWINDT, M.; HAMBY, D. W. Does Capacity-Building Professional Development Engender Practitioners’ Use of Capacity-Building Family-Centered Practices? European Journal of Educational Research, v. 8, n. 2, p. 515-526, 2019.).

Já nos serviços brasileiros estudados na presente pesquisa, a prática de IPCF não é preconizada e evidencia-se baixa referência de práticas relacionais e menos ainda das participativas. Desta maneira, o apoio oferecido aos familiares apresenta lacunas, principalmente relacionadas às necessidades dos próprios familiares. Este fato revela a necessidade de mudanças na atuação em IPI no Brasil e de capacitação dos profissionais para conseguirem transformar suas práticas, oferecendo maior apoio às famílias e utilizando como embasamento a abordagem centrada na família. Nesse sentido, também se faz necessária a existência de uma legislação brasileira bem fundamentada e diretiva de boas práticas e condutas em IPI.

Considerações finais

Diante do propósito de analisar o apoio oferecido às famílias em três serviços públicos que possuem programas de intervenção precoce na infância, parece que os profissionais compreendem a importância de apoiar as necessidades das famílias. No entanto, a predominância do trabalho desenvolvido na prática do dia a dia está relacionada diretamente à intervenção junto à criança e perante as necessidades da criança, as quais na maior parte das vezes são determinadas pelo próprio profissional. O apoio oferecido aos familiares está relacionado primordialmente à prática de orientações, com o propósito de capacitá-los para a realização de estímulos em suas crianças. Estas também são determinadas pelos profissionais, sem levar em consideração as prioridades, necessidades e possibilidades da família.

Desta maneira, é possível refletir sobre a importância de mudanças de atitudes dos profissionais e dos familiares, favorecendo a realização de práticas de ajuda, não apenas as relacionais, como principalmente as de ajuda participativa, promovendo assim oportunidades para que os familiares sejam protagonistas no processo de IPI de seus filhos. Para transformar a atuação tradicional em práticas de ajuda eficaz, se faz necessário um conjunto de habilidades por parte dos profissionais. Portanto, é imprescindível refletir sobre a necessidade de formação dos profissionais e supervisores para atuarem pautados em práticas centradas na família, assim como uma mudança na organização dos serviços e criação de políticas públicas, de forma que estes preconizem, incentivem e valorizem práticas de apoio aos familiares no processo de IPI.

Espera-se que este artigo possa despertar nos profissionais de IPI o interesse pela abordagem centrada na família e práticas de ajuda relacionais e participativas, incentivando que ofereçam às famílias, de acordo com suas realidades atuais: abertura de espaços de escuta; demonstração de compaixão, empatia e respeito durante as práticas; fortalecimento da confiança e do sentimento de autoeficácia dos pais; apoio emocional; fortalecimento das relações entre profissionais e familiares; auxílio para fortalecer as capacidades dos familiares já existentes e desenvolver novas competências necessárias; oportunidades que permitam a aquisição de novos conhecimentos; oferta de informações; envolvimento aos membros da família no processo terapêutico, incluindo avaliação, planejamento e execução dos objetivos, reavaliações e atendimentos; envolvimento dos familiares na tomada de decisão; partilha de estratégias de intervenção; e portanto, oferecendo práticas de ajuda individualizadas, flexíveis e responsivas às preocupações e prioridades da família.

Acredita-se na necessidade de o tema ser mais aprofundado nos serviços brasileiros através de novas pesquisas, de forma a estudar caminhos para operacionalizar a prática centrada na família nos programas de IPI.

Portanto, este estudo pretende salientar a importância da oferta de apoio às necessidades dos familiares dentro dos programas de IPI no Brasil, e assim avançar na adoção e no aprofundamento da abordagem centrada na família entre profissionais e serviços de IPI, transformando a atuação centrada na criança para práticas de apoio centradas na família.1 1 C. P da C. Vida: concepção do texto; coleta e análise de dados; organização das fontes. C. C. B. da Silva: orientação e revisão crítica do estudo.

Agradecimentos

Agradecemos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES), pelo financiamento desta pesquisa.

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  • 1
    C. P da C. Vida: concepção do texto; coleta e análise de dados; organização das fontes. C. C. B. da Silva: orientação e revisão crítica do estudo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    10 Jul 2021
  • Revisado
    26 Out 2021
  • Aceito
    05 Jan 2022
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