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Comercialização de agrotóxicos e desfechos de saúde no Estado do Paraná: uma associação não linear

Marketing of Pesticides and Health Outcomes in the State of Paraná: A Nonlinear Association

Resumo

Este estudo ecológico teve por objetivo analisar a associação entre a quantidade de comercialização de agrotóxicos e alguns agravos e causas de mortalidade no estado do Paraná no período de 2013 a 2017. Desta forma, realizou-se um comparativo entre as 22 regiões de saúde, identificando a relação entre a taxa de comercialização de agrotóxicos por habitante com as seguintes variáveis: taxa de intoxicações exógenas relacionadas ao trabalho, taxa de intoxicações exógenas por agrotóxicos relacionadas ao trabalho, taxa de tentativas de suicídio e taxas de mortalidade por neoplasias, malformação congênita e suicídio. Para estes três últimos desfechos de saúde, os modelos não lineares selecionados tiveram seus R-quadrado acima de 0,500. A Regional de Saúde de Cascavel se destacou com mais municípios com altas taxas de comercialização de agrotóxicos e desfechos de saúde, ao contrário da Regional de saúde Metropolitana. Observa-se que o perfil dos municípios que têm maiores taxas dos agravos estudados é rural e com produção majoritariamente de soja, milho, trigo, fumo, pastagens e feijão. Dessa forma, ressalta-se a necessidade de rever o modelo agroalimentar convencional e promover políticas públicas rigorosas para controle dos agrotóxicos, além de prevenção de agravos à saúde, fortalecendo os serviços de Vigilância Epidemiológica.

Palavras-Chave:
Agrotóxicos; Segurança Alimentar e Nutricional; Saúde; Paraná

Abstract

This ecological study aimed to analyze the association between the amount of pesticide commercialization and some diseases and causes of mortality in the state of Paraná from 2013 to 2017. In this way, a comparison was made between the 22 health regions, identifying the relationship between the rate of commercialization of pesticides per inhabitant with the following variables: rate of exogenous intoxication related to work, rate of exogenous intoxication by pesticides related to work, rate of suicide attempts and mortality rates from neoplasms, congenital malformation and suicide. For these last three health outcomes, the selected nonlinear models had their R-squared above 0.500. The Cascavel Health Region stood out with more municipalities with high rates of pesticide marketing and health outcomes, unlike the Metropolitan Health Region. It is observed that the profile of the municipalities that have the highest rates of the diseases studied is rural and with production mainly of soy, corn, wheat, tobacco, pastures, and beans. Thus, the need to review the conventional agri-food model and promote rigorous public policies to control pesticides, in addition to preventing health problems, strengthening Epidemiological Surveillance services is highlighted.

Keywords:
Pesticides; Food and Nutritional Security; Health; Paraná state

Introdução

Ao longo dos anos a agricultura e a forma de produzir alimentos vêm se modificando, passando do trabalho braçal para a dependência por tecnologia, associando cada vez mais a produtividade agrícola à utilização de insumos e agrotóxicos.

Consequência de um modelo de desenvolvimento baseado na modernização e industrialização da agricultura, que balizou o latifúndio e as monoculturas para produção de commodities para exportação, o Brasil se tornou um país que mais consome agrotóxicos no mundo. Somente em 2018, a indústria de agrotóxicos registrou aqui, faturamento de 10,8 bilhões de dólares, um acréscimo de 20% comparado a 2017 (SESA, 2020Secretaria de Saúde do Estado do Paraná - SESA. Divisão do estado por regional de saúde. Disponível em: www.saude.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=2752. Acesso em: 23 fev. 2020.
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). Dentre os estados, o Paraná é um dos que mais se adequou ao modelo do agronegócio se destacando em vários cultivos, principalmente de soja, milho, feijão, cana-de-açúcar, trigo e batata. Neste contexto, se tornou o terceiro maior consumidor de agrotóxicos do Brasil.

Políticas que alavancaram ainda mais o comércio dos agrotóxicos no país foram as isenções fiscais e tributárias, as quais reduzem o preço final e favorecem a comercialização, a exemplo do acordo 100/97 do Confaz que reduz a base do ICMS em 60% e foi renovado pelo menos 17 vezes desde que foi promulgado em 1997 (ABRASCO, 2020ABRASCO. Uma política de Incentivo fiscal a agrotóxicos no Brasil é injustificável e insustentável. Rio de Janeiro: Abrasco, 2020, 58p.).

Observa-se também uma flexibilização para liberação destes produtos, pois somente em 2019 foram aprovados 474 novos agrotóxicos. Entre estes, 42 são produtos banidos na União Europeia (UE), o que evidência as diferenças entre a regulação de Agrotóxicos no Brasil e na UE (44% das substâncias registradas no Brasil são proibidas na UE) (CASTRO et al., 2020CASTRO, L. B. et al. Agrotóxicos perigosos Bayer e BASF – um negócio global com dois pesos e duas medidas. Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Khanyisa, Rosa-Luxemburg-Stiftung, INKOTA e MISEREOR, 2020, 24p.; BOMBARDI, 2017BOMBARDI, L. M. Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia. São Paulo: FFLCH - USP, 2017; p:32-61.).

Por sua vez, os impactos do uso de agrotóxicos para a saúde pública são amplos, atingem vastos territórios e envolvem diferentes grupos populacionais, como trabalhadores de diversos ramos de atividades. Os agrotóxicos estão entre os mais importantes fatores de risco à saúde da população geral, especialmente dos trabalhadores e ao meio ambiente (MALASPINA et al., 2011MALASPINA, F. G.; ZINILISE, M. L.; BUENO, P. C. Perfil epidemiológico das intoxicações por agrotóxicos no Brasil, no período de 1995 a 2010. Cadernos de Saúde Coletiva, v. 19, n. 4, p. 425-34, 2011.). Em decorrência da toxicidade intrínseca, os agrotóxicos impactam sobre a saúde humana, produzindo efeitos que variam conforme o princípio ativo, a dose absorvida e a forma de exposição (MARTINS, 2020). A toxicidade dos agrotóxicos é variável e depende das propriedades dos ingredientes ativos e inertes do produto (TAVELLA et al., 2011TAVELLA, L. B. et al. Uso de agrotóxicos na agricultura e suas consequências toxicológicas e ambientais. Rev. Agropecuária Científica do Semi Árido, v. 7, n. 2, p. 6-12, abr-jun. 2011.).

Dentre as consequências do contato com o agrotóxico, está o desenvolvimento de cânceres por sua possível atuação como iniciadores – substâncias capazes de alterar o DNA de uma célula, podendo originar o tumor – e/ou como promotores tumorais – substâncias que estimulam a célula alterada a se dividir de forma desorganizada (KOIFMAN; HATAGIMA, 2003KOIFMAN, S.; HATAGIMA, A. Exposição aos agrotóxicos e câncer ambiental. In: PERES, F.; MOREIRA, J. C. (orgs.). É veneno ou é remédio? agrotóxicos, saúde e ambiente. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2003. p. 75-99.). Além disso, pesquisas evidenciam que os agentes tóxicos envolvidos com maior frequência nos casos de tentativa de suicídio registrados pelo Centro de Assistência Toxicológica (CEATOX) foram, primeiramente, os praguicidas e, em sequência, os medicamentos e os saneantes de uso doméstico. Entre os agrotóxicos, o “chumbinho” chamou a atenção por estar implicado na maior proporção dos casos de tentativa que evoluíram a óbito (GONDIM et al., 2017).

Alguns estudos ecológicos já foram realizados no Brasil, buscando identificar relações entre uso de agrotóxicos e agravos em saúde (DUTRA; FERREIRA, 2017DUTRA, L. S.; FERREIRA, A. P. Associação entre malformações congênitas e a utilização de agrotóxicos em monoculturas no Paraná, Brasil. Saúde Debate, v. 41, n. esp., p. 241-253, 2017.; DUTRA; FERREIRA, 2019DUTRA, L. S.; FERREIRA, A. P. Tendência de malformações congênitas e utilização de agrotóxicos em commodities: um estudo ecológico. Saúde Debate, V. 43, N. 121, P. 390-405, 2019.; SIQUEIRA et al., 2010SIQUEIRA, M. T. et al. Correlation Between Pesticide Use in Agriculture and Adverse Birth Outcomes in Brazil: An Ecological Study. Bulletin of Environmental Contamination and Toxicology, v. 84, p. 647-651, 2010.; PIGNATI et al., 2017PIGNATI, W. A. et al. Distribuição espacial do uso de agrotóxicos no Brasil: uma ferramenta para a Vigilância em Saúde. Ciênc. saúde coletiva, v. 22, n. 10, p. 3281-3293, 2017.; CREMONESE et al., 2014; ASMUS et al., 2017ASMUS, C. I. R. et al. Positive correlation between pesticide sales and central nervous system and cardiovascular congenital abnormalities in Brazil. International Journal of Environmental Health Research, v. 27, n. 5, p. 420-426, 2017.) em locais e períodos distintos. Todos vêm mostrando relações importantes entre agrotóxicos e malformações congênitas, prematuridade, baixo peso ao nascer, morte infantil por anormalidade, morte fetal, câncer infanto-juvenil e intoxicação por agrotóxicos. Diante destes resultados, é importante realizar mais estudos de cunho ecológico que investiguem a relação entre a agricultura convencional e morbimortalidade em diversos períodos e locais para direcionar ações de mitigação e prevenção e providenciar evidências para estudos mais aprofundados.

Portanto, buscou-se neste artigo realizar um estudo ecológico no estado do Paraná, analisando a associação entre a quantidade de comercialização de agrotóxicos e alguns agravos e causas de mortalidade de 2013 a 2017. Desta forma, se fez um comparativo entre as 22 regionais de saúde e seus municípios, identificando a relação entre a taxa de comercialização de agrotóxicos por habitante com as seguintes variáveis: taxa de intoxicações exógenas relacionadas ao trabalho, taxa de intoxicações exógenas por agrotóxicos relacionadas ao trabalho, taxa de tentativas de suicídio e taxas de mortalidade por neoplasias, malformação congênita e suicídio.

Método

Esta pesquisa é uma pesquisa quantitativa de abordagem ecológica, abrangendo inicialmente os 399 municípios localizados no Estado do Paraná, que estão divididos em 22 regionais de saúde. Foram utilizadas fontes secundárias de dados históricos de cinco anos (2013 a 2017), coletando-se as seguintes variáveis anuais (SESA-PR, 2020): a) quantidade de agrotóxicos comercializados por município [QA] (em toneladas); b) incidência de intoxicações exógenas relacionadas ao trabalho [IERT] (em unidades); c) incidência de intoxicações exógenas por agrotóxicos relacionadas ao trabalho [IEART] (em unidades); d) incidência de óbitos por anomalias congênitas [IOAC] (em unidades); e) mortalidade por neoplasia maligna [MNM] (em unidades); f) notificações de lesões autoprovocadas – tentativas de suicídio [NLA] (em unidades); g) óbitos por lesões autoprovocadas - suicídio [OLA] (em unidades). Estes dados foram obtidos através do sistema de informações da Secretaria de Estado da Saúde do Paraná (SESA/PR) e o volume de comercialização de agrotóxicos no Paraná consta do Sistema de Controle do Comércio e Uso de Agrotóxicos no Estado do Paraná (SIAGRO).

O primeiro tratamento realizado nestas variáveis foi realizar a soma acumulada de seus valores, entre 2013 e 2017, por município, dado que, nesse formato, elas funcionam analogamente a um “estoque” de resultados, permitindo assim que possíveis efeitos temporais sejam incluídos em seu valor final.

Para permitir a comparabilidade entre os municípios de suas variáveis acumuladas, estas foram divididas por sua respectiva população estimada em 2017, cujos dados foram obtidos no Sistema IBGE de Recuperação Automática (SIDRA) pelo EstimaPop (tabela 6579, variável 9324), com o auxílio da biblioteca sidrar (SIQUEIRA, 2021), disponível no software livre R. Assim, a variável QA passa a indicar a quantidade de toneladas de agrotóxicos a cada 100 habitantes, enquanto que as demais variáveis de desfechos de saúde passam a indicar sua ocorrência a cada 100 mil habitantes para o período de 2013 a 2017.

A Figura 1 mostra os gráficos de dispersão entre a variável QA e as demais variáveis de desfechos de saúde, cujos pontos representam os municípios paranaenses. Adicionalmente, traçou-se as medianas dos pares de variáveis (linhas tracejadas vertical e horizontal), que delimitaram quatro grupos: ‘Baixa taxa de casos - Alta comercialização de agrotóxico’, ‘Baixa taxa de casos – Baixa comercialização de agrotóxico’, ‘Alta taxa de casos - Baixa comercialização de agrotoxicos’ e ‘Alta taxa de casos - Alta comercialização de agrotoxico’.

Figura 1
Dispersão dos municípios paranaenses pela quantidade de agrotóxicos e os desfechos de saúde (2013 a 2017)

A partir da inspeção visual da Figura 1, os municípios classificados nos grupos ‘Baixo-Alto’ e ‘Alto-Baixo’ foram retirados da amostra final por causa das seguintes situações: o primeiro mostra altas ocorrências nos desfechos de saúde com baixas quantidades de agrotóxicos, enquanto que o último mostra baixas ocorrências nos desfechos de saúde com altas quantidades de agrotóxicos. Em suma, nestes grupos, haveria uma relação inversa entre a variável QA e os desfechos de saúde, indicando outros fatores intervenientes nesta relação que não apenas os agrotóxicos.

Nesses termos, somente os municípios nos grupos ‘Baixo-Baixo’ e ‘Alto-Alto’ foram considerados para a amostra final, divididos por desfecho de saúde, não necessariamente aparecendo em todos eles: 223 para IERT; 241 para IEART; 195 para IOAC e NLA; 233 para MNM; e 209 para OLA. Ademais, esses grupos sugerem uma relação direta, porém não-linear, entre QA e os desfechos em saúde.

A partir desse pressuposto, foram escolhidos cinco modelos não-lineares para estimar a relação entre QA e os desfechos de saúde, mostrados no Quadro 1. Um modelo de regressão linear também foi estimado como benchmarking, de maneira a verificar o quão os modelos não-lineares conseguem ser melhores do que esta referência.

Quadro 1
Modelos selecionados para estimação da relação entre QA e os desfechos de saúde (2013 a 2017)

Com exceção da regressão linear, os modelos não-lineares apresentam hiperparâmetros que precisam ser encontrados, com o objetivo de se obter a melhor configuração possível que minimize o resultado de certa função de perda. Assim, a técnica da validação cruzada (com 05 folds) foi aplicada em cada um dos modelos não-lineares para se evitar o problema do overfitting, com a amostra final de cada desfecho de saúde dividida em ¾ para treino e ¼ para teste do modelo, em conjunto com a técnica grid max entropy (SANTNER; WILLIAMS; NOTZ, 2003SANTNER, T. J.; WILLIAMS, B. J.; NOTZ, W. I. Space-Filling Designs for Computer Experiments. In: SANTNER, T. J.; WILLIAMS, B. J.; NOTZ, W. I. The Design and Analysis of Computer Experiments. Springer Series in Statistics. New York: Springer, 2003. DOI: 10.1007/978-1-4757-3799-8_5) para encontrar tais hiperparâmetros. A função de perda selecionada foi o R-quadrado (ou coeficiente de determinação): quanto maior, melhor os dados são explicados pelo modelo em questão, aplicada em todas as amostras de teste. As bibliotecas tidymodels (KUHN; WICKHAM, 2020KUHN, M.; WICKHAM, H. Tidymodels: a collection of packages for modeling and machine learning using tidyverse principles, 2020. Disponível em: https://www.tidymodels.org.
https://www.tidymodels.org...
), gamclass (MAINDONALD, 2020MAINDONALD, J. Gamclass: functions and data for a course on modern regression and classification. R package version 0.62.3., 2020. Disponível em: https://CRAN.R-project.org/package=gamclass.
https://CRAN.R-project.org/package=gamcl...
) e mgcv (WOOD, 2017WOOD, S. N. Generalized Additive Models: An Introduction with R (2nd ed.). Boca Raton: Chapman and Hall/CRC, 2017. DOI: 10.1201/9781315370279.) do software livre R foram utilizadas na construção do algoritmo para se obter os hiperparâmetros dos modelos não-lineares do Quadro 1.

Resultados

A Figura 2 mostra, em cada desfecho de saúde, os valores do R-quadrado para cada modelo testado, considerando QA como variável preditora. Em todos os desfechos de saúde analisados, foi vista a prevalência dos modelos não-lineares, com as Florestas aleatórias (Random Forest) [para IOAC e NLA] e as Árvores de decisão (Decision tree) [para MNM e IEART] sendo os modelos mais recorrentes, seguidas pela Máquina de Vetores de Suporte radial (SVM RBF) [para IERT] e pelo Xgboost [para OLA].

Figura 2
Valores de R-quadrado para a quantidade de agrotóxicos e os desfechos de saúde (2013 a 2017), para os modelos não-lineares e o linear

Para os desfechos de saúde OLA, MNM e IOAC, os modelos não lineares selecionados tiveram seus R-quadrado acima de 0,500; para IEART, IERT e NLA, os modelos não-lineares selecionados possuíam seus R-quadrado entre 0,232 e 0,414. Dessa forma, a quantidade de agrotóxicos comercializados por município [QA], sozinha, tem um melhor poder de explicação para os indicadores de mortalidade - incidência de óbitos por suicídio [OLA], mortalidade por neoplasia maligna [MNM], incidência de óbitos com anomalias congênitas [IOAC] do que para os indicadores de morbidade - incidência de intoxicações exógenas por agrotóxicos relacionadas ao trabalho [IEART], incidência de intoxicações exógenas relacionadas ao trabalho [IERT] e incidência de tentativas de suicídio [NLA].

A Figura 3 mostra a relação não-linear entre QA e os desfechos de saúde, a partir do melhor modelo selecionado em cada caso, conforme visto na Figura 2. Considerando os pares de medianas apresentados na Figura 1, foi visto que, a partir de 7,27 ton./100 hab., os desfechos de saúde mudavam do grupo ‘Baixo-Baixo’ para o grupo ‘Alto-Alto’.

Figura 3
Estimação dos desfechos de saúde (2013 a 2017), a partir da quantidade de agrotóxicos, por seus respectivos modelos não lineares

Todavia, isso não implica que à medida em que a QA aumenta, os desfechos de saúde necessariamente vão aumentar. Os resultados vistos na Figura 3 indicam que os maiores valores por desfecho de saúde ocorreram com QA variando entre 7,99 e 29,06 ton./100 hab., e que a partir desses limiares, a tendência dos valores dos desfechos de saúde era diminuir e estabilizar, conforme mostrado nas linhas pretas tracejadas na Figura 3. Especialmente para os modelos Florestas aleatórias (Random Forest) e Árvores de decisão (Decision tree), as linhas de tendência têm um comportamento similar à uma função de passo (step function).

A Tabela 1 mostra a quantidade de municípios pelas Regionais de Saúde que se destacaram no Estado do Paraná, pertencentes aos grupos ‘Baixo-Baixo’ e ‘Alto-Alto’, por desfecho de saúde.

Tabela 1
Quantidade de municípios por grupo, região e desfecho de saúde no Estado do Paraná entre 2013 e 2017

Nessa tabela, somente foram consideradas as regionais de saúde com maior quantidade (proporção) de municípios nos grupos selecionados. Destacaram-se a Região de Saúde de Cascavel, com aparição no grupo ‘Alto-Alto’ com altas proporções de municípios em quase todos os desfechos de saúde, enquanto que a Região de Saúde Metropolitana aparece no grupo ‘Baixo-Baixo’.

A Tabela 2 mostra os municípios que tiveram as maiores taxas de desfechos de saúde. Em comum, são municípios cuja mediana e média populacional foram, em 2017, de 7.360 e 9.105 habitantes, respectivamente, sendo Cruzmaltina o menor (3.110 habitantes) e Coronel Vivida (21.666 habitantes) o maior. Para efeitos de comparação, a mediana e a média populacional dos municípios paranaenses, em 2017, foi de 10.039 e 28.373 habitantes, nessa ordem. Logo, tais municípios podem ser considerados de pequeno porte, em termos populacionais.

Tabela 2
Municípios com as maiores taxas de desfechos de saúde no Estado do Paraná (2013-2017).

Discussão

Observou-se neste estudo, a partir do tratamento dos dados e do uso de diversos modelos de regressão não-linear, que a quantidade de comercialização de agrotóxicos responde sozinha por mais de 50% da variabilidade das taxas de mortalidade por anomalias congênitas, suicídio e neoplasias malignas nos municípios paranaenses. Para os desfechos relativos às variáveis de morbidade, este poder explicativo é menor, o que leva a crer que outros fatores não considerados nesta pesquisa também interfiram para a ocorrência destes agravos. Outra questão relevante é a subnotificação das intoxicações e das tentativas de suicídio. Estudos apontam que os registros de intoxicações agudas são bastante limitados e para os casos crônicos ainda é pior, devido à subnotificação e a automedicação, não permitindo revelar a magnitude do problema no país (FARIA et al., 2009FARIA, N. M. X.; RODRIGUES, J. A. R.; FACCHINI, L. A. Intoxicações por agrotóxicos entre trabalhadores rurais de fruticultura, Bento Gonçalves, RS. Revista de Saúde Pública, v. 43, n. 2, p. 335-344, 2009.; ALMEIDA et al., 2017ALMEIDA, M. D. et al. A flexibilização da legislação brasileira de agrotóxicos e os riscos à saúde humana: análise do Projeto de Lei no 3.200/2015. Caderno de Saúde Pública, v. 33, n. 7, p. e00181016, 2017.).

Uma das maiores preocupações em relação à exposição aos agrotóxicos é a da exposição materna a estes agentes, devido às preocupações relacionadas a perturbações no desenvolvimento do feto, evidenciando a possibilidade de transferência placentária, por isso tem sido associado a malformações congênitas (RIBAS; MATSUMURA, 2009RIBAS, P. P.; MATSUMURA, A. T. S. A química dos agrotóxicos: impacto sobre a saúde e meio ambiente. Rev.Liberato, v. 10, n. 14, p. 149-158, 2009.). Alguns estudos têm relacionado essas malformações congênitas à exposição materna aos agrotóxicos no período gestacional, devido ao fato da mãe residir em lugares próximos às áreas de lavoura e apresentar alto índice de contaminação (BENITEZ-LEITE; MACCHI; ACOSTA, 2009BENÍTEZ-LEITE, S.; MACCHI, M. L.; ACOSTA, M. Malformaciones congénitas asociadas a agrotóxicos. Revista de la Sociedad Boliviana de Pediatría, Sucre, v. 48, n. 3, p. 204-217, 2009.). Dutra e Ferreira (2017), ao estudarem a relação entre malformações congênitas e a utilização de agrotóxicos em monoculturas no Paraná, afirmam que a maior associação encontrada foi referente à malformação classificada como “testículo não descido”. Por serem disruptores endócrinos, muitos agrotóxicos são suspeitos de influenciar a diferenciação sexual do feto e outros desfechos dependentes de hormônios sexuais.

O estudo desenvolvido por Oliveira et al (2014) onde foram selecionados oito municípios com a maior utilização/comercialização de agrotóxicos por área de cultivo na região de estudo do Mato Grosso, constataram que a exposição materna ao agrotóxico foi significativamente associada à maior incidência de malformações congênitas. Em um estudo realizado por Camargo (2010CAMARGO, A. Defeitos congênitos e exposição a agrotóxicos no Brasil. Dissertação (Mestrado). Rio de Janeiro: UFRJ/ Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, 2010.), houve correlação positiva entre consumo per capita de agrotóxicos e as taxas de mortalidade por malformações do Sistema Nervoso Central (SNC) e Sistema Cardiovascular (SCV) em menores de um ano. Ao se avaliar o risco de morte por malformações do SNC ou SCV, neste mesmo público, observou-se maior risco para os residentes em regiões com alto consumo de agrotóxicos. Estas informações sugerem que a atividade agrícola e a frequente exposição aos agrotóxicos podem estar relacionadas ao aparecimento de defeitos congênitos na população infantil. Essa consideração é importante, levando-se em conta a alta participação das mulheres no trabalho agrícola, acompanhando os maridos ou limpando o material utilizado na lavoura, muitas vezes, sem a percepção de que estão sendo expostas. Estudo ecológico, realizado nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, de 1996 a 2000, comprovou correlações significativas e positivas entre o consumo de pesticidas per capita nas regiões rurais e as taxas de mortalidade por defeitos congênitos do SNC e do SCV. Em geral, com elevações entre 10% a 30% dos casos (CREMONESE et al., 2014CREMONESE, C.; FREIRE, C.; CAMARGO, A. M. et al. Pesticide consumption, central nervous system and cardiovascular congenital malformations in the South and Southeast region of Brazil. Int. J. Occ. Med. Env. Health, v.27, n.3, p. 474-86, 2014.). Outro estudo de caso-controle realizado no estado do Mato Grosso, entre 2000 a 2009, também comprovou a associação entre o aumento do número de nascidos vivos com anomalias congênitas e o uso de agrotóxicos (OLIVEIRA et al., 2014OLIVEIRA, N. P. et al. Malformações congênitas em municípios de grande utilização de agrotóxicos em Mato Grosso, Brasil. Ciência e Saúde Coletiva, v. 19, n. 10, p. 4123-4130, 2014.).

Relativo ao suicídio, fatores sociais, culturais, psicológicos e outros podem interagir, conduzindo o indivíduo a um comportamento suicida. No entanto, muitos suicídios acontecem impulsivamente e, em tais circunstâncias, o fácil acesso aos meios para esse fim pode fazer a diferença para a pessoa viver ou morrer. Mundialmente, a ingestão de agrotóxicos, o enforcamento e as armas de fogo estão entre os métodos de suicídio mais comuns, embora a escolha do método varie de acordo com o grupo populacional. O uso de agentes tóxicos situa-se entre os principais métodos utilizados na tentativa de suicídio. No Brasil, 137.189 casos de tentativa de suicídio pelo uso de agentes tóxicos foram registrados pelos Centros de Informação e Assistência Toxicológica existentes no país, no período de 1997 a 2005. Embora os medicamentos tenham se envolvido com maior frequência (57,3%) nessas ocorrências, a letalidade associada aos medicamentos (0,5%) foi menor quando comparada à de outras classes de agentes tóxicos, tais como os raticidas (1,97%) e demais praguicidas (4,9%) (GONDIM et al., 2017, p.110). Estima-se que a autointoxicação com pesticidas seja responsável por pelo menos 110.000 mortes anuais em todo o mundo, ou um em cada sete de todos os suicídios, e é mais prevalente em países com populações rurais significativas em toda a Ásia, África, América Latina e Ilhas do Pacífico (MEW et al., 2017MEW, E. J. et al. The global burden of fatal self-poisoning with pesticides 2006-15: Systematic review. Journal of Affective Disorders, v. 219, p. 93-104, 2017. https://doi.org/10.1016/j.jad.2017.05.002).

Já em relação ao câncer, a exposição aos agrotóxicos pode ser considerada como uma das condições potencialmente associadas ao seu desenvolvimento por sua possível atuação como iniciadores – substâncias capazes de alterar o DNA de uma célula, podendo originar o tumor – e/ou como promotores tumorais – substâncias que estimulam a célula alterada a se dividir de forma desorganizada (KOIFMAN; HATAGIMA, 2003KOIFMAN, S.; HATAGIMA, A. Exposição aos agrotóxicos e câncer ambiental. In: PERES, F.; MOREIRA, J. C. (orgs.). É veneno ou é remédio? agrotóxicos, saúde e ambiente. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2003. p. 75-99.). Na literatura, segundo Pluth, Zanini e Battisti (2017PLUTH, T. B.; ZANINI, L. A. G.; BATTISTI, I. D. E. Pesticide exposure and cancer: an integrative literature review. Saúde Debate, v. 43, n. 122, p. 906-924, 2019.), os cânceres mais ilustrados são o câncer de próstata, linfoma não-Hodgkin, leucemia, mieloma múltiplo, bexiga e câncer de cólon e recomendam-se estudos que investiguem mais a relação entre agrotóxicos e neoplasmas de testículos, mama, esôfago, rim, tireoide, lábio, cabeça e pescoço e osso.

Outro achado importante deste estudo é que o mesmo demonstra que a relação entre os desfechos e a quantidade de agrotóxicos não é uma relação linear/proporcional, em que aumentando a comercialização de agrotóxicos, os casos aumentam na mesma proporção. No entanto, esta relação existe e é bastante importante, principalmente nos casos de mortalidade estudados, onde o R2 foi maior que 0,5. Assim, verificou-se que há uma mudança a partir de 7,27 ton./100 hab., em que os desfechos de saúde mudam do grupo ‘Baixo-Baixo’ para o grupo ‘Alto-Alto’ e que os maiores valores por desfecho de saúde ocorreram com QA variando entre 7,99 e 29,06 ton./100 hab. A partir desses limiares, a tendência de incidência dos desfechos de saúde foi de diminuir ou estabilizar. Estudo ecológico realizado na Califórnia por Reynolds et al (2002REYNOLDS, P. et al. Childhood Cancer and Agricultural Pesticide Use: An Ecologic Study in California. Environmental Health Perspectives, v. 110, n. 3, p. 319-324, 2002.) utilizando Regressão de Poisson evidenciou que não havia relação entre a maiores incrementos de densidade de uso de agrotóxicos e as taxas de incidência de câncer infantil. Ou seja, não houve tendência de dose-resposta com o aumento da quantidade de agrotóxicos utilizada. Este dado leva a crer que modelos lineares não são os mais adequados para avaliar estas relações. Além disso, há que se considerar que outros fatores estão envolvidos na incidência de crescimento de taxas de morbimortalidade que não apenas a quantidade de agrotóxicos comercializados/usados nos municípios. Considerando que não se está apenas analisando os profissionais que lidam diretamente com os agrotóxicos, mas a população em geral, estudos que buscam entender os fatores que podem afetá-los remetem a questões outras que não apenas à quantidade. Portanto, o tipo de agrotóxicos utilizado, a distância entre as lavouras e os locais onde as pessoas moram, trabalham e estudam, a facilitação da deriva relativa à pulverização das culturas, a inalação, ingestão (por via de alimentos e água) e exposição dérmica aos agrotóxicos, além do período e da duração da exposição, são alguns dos fatores interferentes (TEYSSEIRE et al., 2020TEYSSEIRE, R. et al. Assessment of residential exposures to agricultural pesticides: A scoping review. PLoS ONE, v. 15, n. 4, p. e0232258, 2020.).

Tomando como fator de análise a proximidade da população às áreas de utilização dos agrotóxicos, pode-se supor que as regiões/municípios de perfil econômico voltado à agricultura, principalmente de commodities e com maior proporção de pessoas vivendo no meio rural, sejam mais afetados por estes agravos de saúde do que outros. Verifica-se, nos dados apresentados, que as regionais de saúde com maior número de municípios com taxas maiores de casos e de comercialização de agrotóxicos são Cascavel, Toledo, Maringá, Pato Branco, Campo Mourão e Cornélio Procópio. Estas regionais de saúde se localizam no oeste (Toledo e Cascavel), norte central (Maringá), sudoeste (Pato Branco), centro ocidental (Campo Mourão) e norte pioneiro (Cornélio Procópio) do estado. Estas regiões são as principais produtoras de soja e milho, respondendo por 73% da quantidade total produzida em 2018 (IPARDES, 2022). Segundo dados do Sistema de Monitoramento do Comércio e Uso de Agrotóxicos do Estado do Paraná (SIAGRO), do total de agrotóxicos comercializados nos anos de 2013 a 2017, 49,72% foi utilizado para a cultura da soja e 18,70% do milho. Segundo SIAGRO (2022) os agrotóxicos mais comercializados em 2017 foram em ordem decrescente Glifosato, Paraquate, Atrazina e 2,4-D, utilizados principalmente para lavouras de soja, milho e trigo. Friedrich et al (2021FRIEDRICH, K. et al. Situação regulatória internacional de agrotóxicos com uso autorizado no Brasil: potencial de danos sobre a saúde e impactos ambientais. Caderno de Saúde Pública, v. 37, n. 4, p. e00061820, 2021.) apontam que o Glifosato está classificado como provável (grupo 2A) e o 2,4-D como possível (grupo 2B) cancerígeno. Além disso, o 2,4-D também estaria associado à desregulação endócrina, assim como a Atrazina. Ambos proibidos em pelo menos dois países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Já o Paraquate foi proibido de ser comercializado em 2020 no país, sendo fatal se inalado, ou seja, com alto poder de letalidade.

Já as regionais de saúde com maior concentração de municípios com menos casos e menor comercialização de agrotóxico são Metropolitana, Paranavaí, Jacarezinho e Umuarama. Estas regionais de saúde pertencem às regiões metropolitana, noroeste (Paranavaí e Umuarama) e norte pioneiro (Jacarezinho). Em comparação com as regionais anteriores, estas comercializam menos agrotóxicos, dado que a região metropolitana tem baixa produção agrícola e Paranavaí, Umuarama e Jacarezinho têm como culturas prevalentes a cana de açúcar e a mandioca. Segundo SIAGRO (2022), a média de uso de agrotóxico para cana de açúcar no período de 2013 a 2017 foi 0,40% e para mandioca de 0,05%. Além disso, conforme o Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES, 2022), estas são regiões com concentração de municípios com maiores graus de urbanização (acima de 85,31%) e, portanto, com mais população vivendo na zona urbana, que, a princípio, seria mais distante dos locais onde estes agrotóxicos são aplicados.

Discutindo um pouco mais esta questão, observa-se que o município com maior taxa de intoxicações exógenas – Paulo Frontin, se caracteriza por ter um alto percentual de pessoas vivendo na zona rural (68,5%) e, consequentemente, trabalhando com agricultura (64,5% da população ocupada trabalha com agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura) (IPARDES, 2022). Além disso, o município tem como principais lavouras, soja, fumo, milho e feijão. Para além do que já foi referido em relação ao uso de agrotóxicos nas plantações de soja e milho, a produção fumageira também é conhecida por uso extensivo dos mesmos. Em estudo de Murakami et al (2017MURAKAMI, Y. et al. Intoxicação crônica por agrotóxicos em fumicultores. Saúde Debate, v. 41, n. 113, p. 563-576, 2017.), um terço dos fumicultores de Rio Azul investigados apresentaram transtornos psiquiátricos menores, perdas auditivas neurossensoriais, polineuropatia tardia induzida por organofosforados, configurando intoxicação crônica.

Este perfil rural se repete nos casos do município de Cruzmaltina e de Mercedes. A primeira tem 52,5% de população no meio rural e 56,1% das ocupações de trabalho são nesta área. Mercedes possui 51,7% da população no rural e 50,8% trabalham com atividades relacionadas (IPARDES, 2022). É necessário considerar que nestes casos, são locais que tiveram as mais altas taxas de mortalidade por anomalias congênitas e neoplasias malignas, respectivamente. Outro fator relevante é a quantidade de agrotóxicos comercializados nestes municípios neste período (Cruzmaltina - 29,06 e Mercedes - 25,98 toneladas por 100 habitantes), que é bastante superior aos demais municípios da tabela 2 e, que, segundo os modelos não lineares utilizados, é a faixa de quantidade de comercialização onde se evidencia considerável aumento destas taxas.

Assim como Mercedes, o município de Boa Vista da Aparecida, também pertence à região oeste do estado, onde estão as maiores quantidades absolutas de comercialização de agrotóxicos neste período (OLIBONI; TRICHES; OLIVEIRA, 2020OLIBONI, K. C.; TRICHES, R. M.; OLIVEIRA, A. M. B. Associação entre comercialização de agrotóxicos e desfechos de saúde no estado do Paraná: um estudo ecológico. In: Anais do 58º Congresso da Sober, 2020, Foz do Iguaçu.). Embora a comercialização neste município específico é o menor dentre os apresentados na tabela 2, o mesmo se destaca pela taxa de suicídios. Já Coronel Vivida, na região sudoeste, pelas tentativas de suicídio. Em Boa Vista da Aparecida, 39,3% da população trabalha no meio rural e em Coronel Vivida 32,1% (IPARDES, 2022). Já há evidências de estudos realizados no Brasil e no mundo (GIACOMET; DOMENICO; MARCARENHAS, 2021GIACOMET, C. T.; DI DOMENICO, C. R.; MASCARENHAS, M. Agrotóxicos e alterações neurocomportamentais: uma revisão de literatura. Perspectiva, Erechim. v. 45, n. 169, p. 7-19, 2021.) de que os trabalhadores agrícolas têm maior risco de letalidade por suicídio e que moradores de áreas rurais têm maiores taxas de internação por suicídio, tentativas, depressão e transtornos de humor do que observado em populações de comparação. Estes estudos também mostram que o risco de morte por suicídio é significativamente maior entre os trabalhadores agrícolas que vivem em áreas com maiores taxas de gastos com agrotóxicos por trabalhador agrícola.

Portanto, verifica-se que o perfil dos municípios que têm maiores taxas dos agravos estudados é rural (29% a 68% da população vivendo nesta zona de residência), se tomarmos como base o percentual de pessoas morando nesta zona de residência no Paraná, que é de apenas 14,67%. Também é muito perceptível que nestes locais há produção majoritariamente de soja, milho, trigo, fumo, pastagens e feijão, os seis produtos que mais receberam agrotóxicos no estado no mesmo período (86% do total do total comercializado).

Considerações finais

O uso de agrotóxicos pela agricultura convencional tem sido bastante polêmico, já que muitas evidências científicas têm reportado efeitos negativos na saúde pública e no meio ambiente. Os resultados deste estudo indicam uma relação não-linear forte entre a quantidade comercializada e desfechos de saúde relativos à mortalidade por neoplasias malignas, anomalias congênitas e suicídios nas diferentes regionais de saúde e seus municípios e uma relação mais fraca com intoxicações e tentativas de suicídio.

Também se destacam os achados relativos às características dos municípios e das regionais de saúde que estão mais associadas à incidência destes problemas. Locais com maior proporção de pessoas vivendo no rural, se ocupando com atividades agrícolas relacionadas a lavouras que utilizam mais agrotóxicos como soja, milho e trigo, parecem ser mais suscetíveis aos agravos analisados. Regiões mais urbanizadas e que produzem culturas que utilizam menos agrotóxicos, por outro lado, parecem estar mais protegidas.

Destes dados depreende-se que o modelo produtivista escolhido para ser seguido no país desde meados do século passado, calcado na modernização conservadora, na financeirização e na superexploração dos recursos naturais e do trabalho do agricultor não trouxe o desenvolvimento rural e social tão esperado. Portanto, optou-se por um modelo de produção de alimentos-mercadorias cujo um dos propósitos propalados era o de garantir a segurança alimentar, mas, para além de não alcançar este objetivo, também tem cobrado caro à saúde da população. Não só a exposição penaliza o agricultor ou trabalhador rural, mas o consumidor destes produtos e as pessoas que convivem próximas aos locais que os utilizam, pois poluem o ar que respiram e a água que bebem.

Estudos ecológicos não têm o poder de oferecer conclusões de causa e efeito, já que não estudam uma série de outras variáveis confundidoras que podem estar afetando o desfecho e cair em falácias ecológicas. Há que se considerar também que a eficiência das notificações destes desfechos de saúde é diferente em cada local o que pode causar problemas de subnotificações que afetam em algum grau os resultados de estudos ecológicos. No entanto, estes estudos são importantes para comparações geográficas e para orientar ações de intervenção e outras pesquisas.

Portanto, novos estudos com este delineamento sobre o tema devem ser realizados, buscando identificar no longo prazo se a flexibilização da regulamentação do uso de agrotóxicos, bem como o aumento de seu consumo tem elevado realmente o número de casos destes desfechos nas diferentes regiões. Também deve-se realizar estudos de cunho individual para corroborar estas evidências no nível coletivo.

Tem-se visto no país que as políticas públicas têm ido de encontro à maior regulação e controle de uso dos agrotóxicos e às evidências científicas de seus riscos à saúde e ao meio ambiente em prol da manutenção da produtividade agrícola e da geração de divisas econômicas. No entanto, este estudo aponta para a necessidade de políticas que determinem maior rigor no uso e comercialização destes produtos, bem como, melhor preparo dos profissionais de saúde para a vigilância epidemiológica que abrange a vigilância de saúde, ambiental e de trabalho para ações de diagnóstico correto, orientação à população exposta sobre medidas de prevenção de intoxicações.

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Editor responsável: Francisco Ortega

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    30 Ago 2021
  • Aceito
    31 Maio 2022
  • Revisado
    28 Fev 2022
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