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"A gente só quer ser atendida com profissionalismo”: experiências de pessoas trans sobre atendimentos de saúde em Curitiba-PR, Brasil

“We just want to be treated with professionalism”: Experiences of trans people about health care in Curitiba-PR, Brazil

Resumo

Introdução: Pessoas trans pertencem a um grupo marginalizado e vulnerável na sociedade e sofrem com dificuldades no atendimento no sistema de saúde. Este estudo objetivou compreender o processo saúde-doença-cuidado dessas pessoas e seu acesso aos serviços de saúde na cidade de Curitiba-PR, Brasil. Metodologia: Pesquisa qualitativa hermenêutica, por meio de dez entrevistas semiestruturadas com pessoas trans de Curitiba, que foram gravadas, transcritas e codificadas. Apreenderam-se as experiências e percepções sobre a saúde desses sujeitos e suas trajetórias de atendimento no sistema de saúde, analisando-se pela perspectiva hermenêutica. Resultados: As narrativas mostram que ainda há muito despreparo dos profissionais da saúde, e isso gera situações de desconforto à população trans. Essas experiências moldam a conduta dessa população frente aos serviços de saúde, muitas vezes evitando-os. Toda essa dificuldade no acesso à saúde gera questões de saúde mental e sentimentos de ideação suicida. Conclusão: O estudo evidenciou a falta de reconhecimento e de aceitação da forma que pessoas trans se expressam e a existência de uma série de ações discriminatórias por parte dos trabalhadores da saúde. A compreensão dessas dificuldades aponta para o que pode ser modificado para garantir um acesso à saúde de maior qualidade para essa população.

Palavras-Chave:
Pessoas Transgênero; Pesquisa Qualitativa; Acesso aos Serviços de Saúde

Abstract

Introduction: Trans people belong to a marginalized and vulnerable group in society and suffer from difficulties in receiving care in the health system. This study aimed to understand the health-disease-care process of trans people and their access to health services in Curitiba, PR, Brazil. Methodology: Qualitative hermeneutic research, through semi-structured interviews with ten trans persons from Curitiba. The interviews were recorded, transcribed, coded and submitted to hermeneutic analysis. Analysis enabled to understand participants’ experiences and perceptions about their health and trajectories of care in the health system. Results: The narratives showed that there is still a lot of unpreparedness of health professionals and this produces discomfortable care for the trans persons. These experiences shape the behavior of the trans population towards health services, often avoiding them. All this difficulty in accessing health care generates mental health issues and feelings of suicidal ideation. Conclusion: The study highlighted the lack of recognition and acceptance of the way trans people express themselves and the existence of several discriminatory actions practiced by health workers. Understanding these challenges points to what need to be improved, such as increasing access and the healthcare quality for this population.

Keywords:
Transgender Persons; Qualitative research; Health Services Accessibility

Introdução

No Brasil, o acesso à saúde é garantido universalmente, e essa prerrogativa permite que qualquer pessoa, independente da nacionalidade, credo, cor, raça, gênero e orientação sexual possa ter acesso à saúde. O Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) apontou que há, em todo o mundo, práticas de violência e discriminação contra pessoas trans, ocorrendo no mercado de trabalho, atendimento médico e educação (UN, 2015; OAS, 2015ORGANIZATION OF AMERICAN STATES (OAS). Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Violência contra pessoas lésbicas, gays, bissexuais, trans e intersexo nas Américas. 2015. Disponível em http://www.oas.org/pt/cidh/docs/pdf/violenciapessoaslgbti.pdf.). Esses grupos sociais à margem da sociedade não têm o mesmo acesso aos serviços de saúde que o resto da população, determinando condições de vulnerabilidade, que interferem diretamente na qualidade de vida (ROCON et al., 2016ROCON, P. C. et al. Dificuldades vividas por pessoas trans no acesso ao Sistema Único de Saúde. Ciência & Saúde Coletiva, v. 21, n. 8, 2016.)

Conceitualmente, o termo transgênero (abreviado como “trans”) abrange todas as pessoas que transcendem a dicotomia tradicional de gênero e que não se identificam inteiramente com o sexo biológico atribuído no nascimento. O termo “trans” costuma ser utilizado para indistintamente se referir a transgêneros e transexuais (MONTEIROMONTEIRO, S.; BRIGEIRO, M.; BARBOSA, R. M. Saúde e direitos da população trans. Cadernos de Saúde Pública, v. 35, n. 4, 2019. et al., 2019) e essas pessoas se reconhecem, independentemente do sexo biológico, em alguma(s) posição dentro de um espectro variável de gênero. Portanto, não importando a terminologia, transexuais, transgêneros, não binários, queers e travestis transcendem as expressões sociais tradicionais dicotômicas de gênero (SOLL, 2016SOLL, B. M. B. Incongruência de gênero: um estudo comparativo entre os critérios diagnósticos CID-10, CID-11 e DSM-5. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2016.) e compõem um grupo diverso de sujeitos, que neste estudo serão denominados de “pessoas trans”.

A World Professional Association for Transgender Health (WPATH)WORLD PROFESSIONAL ASSOCIATION FOR TRANSGENDER HEALTH. Standards of Care for the Health of Transexual, Transgender and Gender non-Conforming People. 7th Version; World Professional Association for Transgender Health, 2012. emitiu uma declaração em 2010, na qual encorajava a despatologização da variabilidade de gênero (WPATH, 2012). A WPATH e vários estudos acadêmicos (Suess-Schwend, 2020SUESS-SCHWEND, A. Trans health care from a depathologization and human rights perspective. Public Health Rev., v. 41, n. 3, 2020.) entendem que as diversas características de identidade de gênero são fenômenos comuns de expressão do ser humano e não estariam ligadas ao sexo biológico de nascimento e que essa diversidade não deve ser assumida como patológica. O CID-11, aprovado pela Assembleia Mundial da Saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS) em 25 de maio de 2019 (WHO, 2019WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). World Health Assembly Update. International Statistical Classification of Diseases and Related Health Problems (ICD-11), 25 May 2019. Disponível em: https://www.who.int/news-room/detail/25-05-2019-world-health-assembly-update.
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), a ser implantado a partir de 2022, já apresenta visão diferente sobre a condição trans, focando numa abordagem mais humana e menos patológica, procurando criar um caminho para um melhor entendimento da sociedade. No CID-11, os códigos diagnósticos relacionados à transexualidade foram removidos do capítulo “Transtornos Mentais e Comportamentais” e o código “Incongruência de gênero” foi incluído em um novo capítulo chamado “Condições relacionadas à saúde sexual” (WHO, 2018WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). ICD-11, International Statistical Classification of Diseases and Related Health Problems, 11th Revision. Geneva: WHO; 2018.).

Apesar dos recentes avanços, isso ainda não se traduz na realidade cotidiana das pessoas trans. A sociedade cis-heteronormativa pressupõe que as pessoas devem se ajustar a um modelo binário de gênero, e esse modelo não serve para as pessoas trans, que fogem à regra do binarismo e que por isso costumam ser segregadas dentro da família, na escola, no emprego, nos serviços públicos, gerando condições sociais muito desfavoráveis (SOUZA et al., 2015SOUZA, M. H. T. et al. Violência e sofrimento social no itinerário de travestis de Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil . Cadernos de Saúde Pública, v. 31, n. 4, p. 767-776, 2015.). Zucchi et al. (2019) apontam que uma em cada três pessoas trans já sofreram algum tipo de violência em decorrência da sua expressão e identidade de gênero. A inexistência ou ineficácia de políticas públicas protetivas para pessoas trans repercute em piores indicadores de saúde e de qualidade de vida, consequentemente com menor expectativa de vida (ZUCCHI et al., 2019ZUCCHI, E. M.; BARROS, C. R. DOS S.; REDOSCHI, B. R. L.; DEUS, L. F. A. DE; VERAS, M. A. DE S. M. Bem-estar psicológico entre travestis e mulheres transexuais no Estado de São Paulo, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, v. 35, n. 3, 2019.). O desamparo e a vulnerabilidade são reforçados quando faltam apoio e suporte do Estado.

É comum que pessoas trans procurem os serviços de saúde mental por questões relacionadas à sua experiência trans, mas sobretudo pelo preconceito e falta de aceitação da sociedade, o que ocasiona situações como depressão, ansiedade, estresse, uso de substâncias, automutilação, ideação suicida e tentativas de suicídio (SU et al., 2016; BOUMAN et al., 2019, 2016; REISNER et al., 2016REISNER, S. L.; POTEAT, T.; KEATLEY, J.; et al. Global health burden and needs of transgender populations: a review. The Lancet, v. 388, p. 412-436, 2016.; WARRENWARREN, J. C.; SMALLEY, K. B.; BAREFOOT, K. N. Psychological well-being among transgender and genderqueer individuals. International Journal of Transgenderism, v. 17, n. 3-4, p. 114-123, 2016. et al., 2016; HENG et al., 2018; WITCOMB et al., 2018WITCOMB, G. L.; BOUMAN, W. P.; CLAES, L. et al. Levels of depression in transgender people and its predictors: Results of a large matched control study with transgender people accessing clinical services. Journal of Affective Disorders, v. 235, p. 308-315, 2018.; BELL; PURNEY, 2019; BOWLONG et al., 2019; SAFER; TANGPRICHA, 2019SAFER, J. D.; TANGPRICHA, V. Care of the Transgender Patient. Annals of Internal Medicine, v. 171, n. 1, p. ITC1, 2019.). Estudos apontam que, mesmo que em alguns espaços pareça haver tolerância e aceitação, isso muitas vezes é superficial e esconde uma incapacidade de lidar com outras formas de sexualidade (Cerqueira-Santos et al., 2010CERQUEIRA-SANTOS, E.; CALVETTII, P. U.; ROCHA, K. B.; MOURA, A.; BARBOSA, L. H.; HERMEL, J. Percepção de Usuários Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros, Transexuais e Travestis do Sistema Único de Saúde. Revista Interamericana de Psicologia, v.44, n. 2, p. 235-245, 2010.; SILVA et al., 2020SILVA, A. C. A et al. Implementação da Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (PNSI LGBT) no Paraná, Brasil. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, v. 24, 2020.).

O atendimento em saúde para a população trans mudou de um modelo focado em cirurgias afirmativas, nome dado às cirurgias que visavam modificar a genitália (transgenitalização) e outras cirurgias, para um modelo de atendimento mais personalizado e integral, incluindo cuidados a qualquer pessoa cujo gênero seja diferente daquele que lhe foi atribuído no nascimento, mesmo que essa pessoa não queira se submeter a procedimentos de modificação corporal (COSTA et al., 2016COSTA, A. B.; DA ROSA FILHO, H. T.; PASE, P. F. et al. Healthcare Needs of and Access Barriers for Brazilian Transgender and Gender Diverse People. Journal of Immigrant and Minority Health, v. 20, n. 1, p. 115-123, 2016.; ARAN; MURTA, 2009ARÁN, M.; MURTA, D. Do diagnóstico de transtorno de identidade de gênero às redescrições da experiência da transexualidade: uma reflexão sobre gênero, tecnologia e saúde. Physis, Rio de Janeiro, v. 19, n. 1, p. 15-41, 2009.). Essa visão está próxima do entendimento descrito no DSM-5 de que nem todos têm o mesmo nível de disforia e também da visão da WPATH sobre a despatologização da transexualidade e o atendimento integral. Portanto, o atendimento no sistema de saúde deveria ser altamente personalizado para cada pessoa trans, e o principal objetivo é a melhora da autoestima, da saúde, tanto física como mental, e da condição social, acarretando aumento da qualidade de vida (NOBILINOBILI, A.; GLAZEBROOK, C.; ARCELUS, J. Quality of life of treatment-seeking transgender adults: A systematic review and meta-analysis. Reviews in Endocrine and Metabolic Disorders, v. 19, n. 3, p. 199-220, 2018. et al., 2018).

O caminho é longo para a efetiva ampliação da atenção primária à saúde (APS) da população trans conforme relatado por vários autores (BELL; PURKEY, 2019BELL, J.; PURKEY, E.; Trans individuals’s experience in primary care. Can Fam Physician, v. 65, n. 4, e147-154, 2019.; SNELGROVE et al., 2012SNELGROVE, J. W.; JASUDAVISIUS, A. M.; ROWE, B. W.; HEAD, E. M.; BAUER, G. R. “Completely out-at-sea” with “two-gender medicine”: A qualitative analysis of physician-side barriers to providing healthcare for transgender patients. BMC Health Services Research, v. 12, n. 1, 2012.). A APS deve ser vista não só como uma política pública, mas deve ter um compromisso com a promoção e a prevenção em saúde (EDMISTON et al., 2016EDMISTON, E. K.; DONALD, C. A.; SATTLER, A. R. et al. Opportunities and Gaps in Primary Care Preventative Health Services for Transgender Patients: A Systematic Review. Transgender Health, v. 1, n. 1, p. 216-230, 2016.). Ainda faltam pesquisas consistentes para identificar as necessidades da população trans e com isso há limitações no cuidado em saúde a esse grupo (REISNER et al., 2016REISNER, S. L.; POTEAT, T.; KEATLEY, J.; et al. Global health burden and needs of transgender populations: a review. The Lancet, v. 388, p. 412-436, 2016.; EDMISTON et al., 2016EDMISTON, E. K.; DONALD, C. A.; SATTLER, A. R. et al. Opportunities and Gaps in Primary Care Preventative Health Services for Transgender Patients: A Systematic Review. Transgender Health, v. 1, n. 1, p. 216-230, 2016.; ROSSROSS, K. A. E.; LAW, M. P.; BELL, A. Exploring Healthcare Experiences of Transgender Individuals. Transgender Health, v. 1, n. 1, p. 238-249, 2016. et al., 2016; WINTER et al., 2016WINTER, S.; DIAMOND, M.; GREEN, J., KARASIC, D; REED, T.; WHITTLE, S.; WYLIE, K. Transgender people: health at the margins of society. The Lancet, v. 388, p. 390-400, 2016.). Enquanto grupo marginalizado, em geral, as políticas de saúde costumam ser centradas em atenção seletiva como campanhas antitransmissão de HIV e ISTs. Além disso, as necessidades desse grupo são diferentes de gays, lésbicas e bissexuais. É notório que para melhorar o acesso à saúde, diminuindo barreiras, são necessárias leis e políticas públicas que versem sobre os direitos da população trans, criminalizem a discriminação e a transfobia e promovam medidas protetivas da identidade de gênero, visando diminuir a marginalização sistematizada desse estrato social (REISNER et al., 2016REISNER, S. L.; POTEAT, T.; KEATLEY, J.; et al. Global health burden and needs of transgender populations: a review. The Lancet, v. 388, p. 412-436, 2016.).

A ampliação da atenção à saúde para a população LGBTQIA+ é uma conquista mais recente na história brasileira e do SUS e foi impulsionada principalmente pelo aumento da visibilidade dada pelos movimentos sociais com a garantia da aplicação dos direitos constitucionais. Mas somente em 2011 o Ministério da Saúde, através da Portaria n°2.836/2011, publicou a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (PNSI-LGBT), visando melhorar o cuidado em saúde a esse grupo. Nessa Portaria, constava para a população trans a garantia ao direito do uso do nome social e a ampliação do processo transexualizador. Dez anos após este documento, não houve melhora significativa na forma como pessoas trans são tratadas no sistema de saúde (MONTEIRO et al., 2019), sendo as ações de cuidado muito heterogêneas nas diferentes regiões do país. No Paraná, a Secretaria de Estado da Saúde disponibiliza um local de atendimento especializado à população trans, em nível secundário, denominado “Centro de Pesquisa e Atendimento a Travestis e Transexuais” (CPATT), em Curitiba. O acesso é feito através de encaminhamento pelas Unidades Básicas de Saúde (UBS).

Antes mesmo da PNSI-LGBT já havia uma regulamentação dos procedimentos de atenção à população trans, embora de forma limitada. A Portaria n° 457/2008, do Ministério da Saúde, regulamentou o processo transexualizador, tendo como base a Resolução n°1.652/2002 do Conselho Federal de Medicina (CFM), e incluía atendimento psicológico, hormonioterapia e cirurgias, mas somente para as mulheres trans. Foi somente em 2013, através da Portaria n°2.803/2013, do Ministério da Saúde, que o processo transexualizador passou a a abranger os homens trans. A última atualização do CFM sobre a matéria é a Resolução n° 2.265/2019, e que apresenta o tema como “cuidados à pessoa com incongruência de gênero ou transgênero”, uma aproximação com a nomenclatura do CID-11 e que abarca todo o espectro transgênero.

Segundo SantosSANTOS, M. A.; SANTOS DE SOUZA, R.; ALVES DA SILVA, L. et al. Transexualidade, ordem médica e política de saúde: controle normativo do processo transexualizador no Brasil. Estudos Interdisciplinares em Psicologia, v. 10, n. 1, p. 3, 2019. et al. (2019), existem ainda muitos problemas para a efetivação dessa política, e que isso seria uma barreira que ampliaria as desigualdades. Costa et al. (2016) citam que a terapia hormonal por ser um atendimento de nível secundário, de acordo com o Processo Transexualizador, gera uma dificuldade de acesso pois a implantação de um serviço especializado requer recursos financeiros e por isso não haveria garantias de atendimento à população trans. Já Rocon et al. (2016) criticam a regulamentação do processo transexualizador, pois a implementação das regras tem um caráter altamente seletivo nos critérios de elegibilidade, forçando que a pessoa trans se enquadre nos critérios de diagnóstico de homem ou mulher.

Diante deste complexo cenário, este estudo buscou compreender em profundidade o processo saúde-doença-cuidado de pessoas trans e seu acesso aos serviços de saúde em uma grande cidade brasileira (Curitiba-PR). Análises como esta permitem oportunizar um melhor planejamento das ofertas de serviços de saúde para essa população, minimizando o impacto social da marginalização.

Metodologia

Pesquisa qualitativa, de cunho hermenêutico, que reconhece a voz do outro e produz uma interpretação contextualizada, privilegiando os discursos dos sujeitos, de onde surgem novos sentidos expressivos dos conteúdos base da investigação (LEAL; SERPA, 2013LEAL, E. M.; SERPA J. R.; Acesso à experiência em primeira pessoa na pesquisa da saúde mental. Ciência e Saúde Coletiva, v. 18, n. 10, p. 2939-2948, 2013.). A partir de então, desenha-se um caminho metodológico, com suporte na hermenêutica interpretativa, para conhecer, a partir de experiências e práticas cotidianas, como determinados sujeitos conjugam individualmente normas, valores, expectativas sociais, culturais e coletivas e desenvolvem formas específicas de pensar, explicar, sentir e agir nas situações do dia a dia (TURATO, 2005TURATO, E. R. Discrimination and violence against individuals based on their sexual orientation and gender identity. Report of the Office of the United Nations High Commissioner for Human Rights. General Assembly, 4 May 2015. Disponível em: https://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/HRC/29/23.
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).

Segundo Turato (2005), a análise dos significados permite traçar como o processo saúde-doença-cuidado interfere na vida da pessoa e permite ao pesquisador entender profundamente as dificuldades pessoais que prejudicam o acesso à saúde. Ainda nesta linha, entende-se o próprio pesquisador como parte dos instrumentos de pesquisa, pois é ele que durante as entrevistas, e mesmo posteriormente na análise, que apreende os significados e atribui a eles sentidos.

O estudo foi conduzido em Curitiba, capital do estado do Paraná, que contabiliza população de quase dois milhões de habitantes, com Índice de Desenvolvimento Humano considerado muito alto e dispondo inclusive de um ambulatório trans especializado (CPATT) no Sistema Único de Saúde (SUS) (SILVA et al, 2020). O recrutamento dos e das participantes utilizou a sistemática da bola de neve (snowball), em que a partir de um entrevistado, novos participantes foram sugeridos e convidados à participação na pesquisa, até que foi atingida a saturação dos dados (Liamputtong, 2010LIAMPUTTONG, P. Research methods in health: foundations for evidence-based practice. Melbourne: Oxford, 2010.). Esse método é utilizado quando se quer recrutar uma parcela da população que é de difícil acesso ou pela pouca representatividade, como é o caso de pessoas trans. O ponto de saturação é atingido quando novos entrevistados passam a repetir conteúdos já obtidos em entrevistas anteriores, sem acrescentar novas informações relevantes à pesquisa. Pela primeira autora deste artigo ser uma mulher trans, o convite para participar da pesquisa foi feito através de contatos pessoais, de grupos de WhatsApp, Facebook e de Ongs e foi direcionado a pessoas declaradamente trans e maiores de 18 anos. A pesquisa foi realizada com dez mulheres e homens trans, com perfil descrito no Quadro 1, que concordaram com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Setor de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Paraná (CEP/SD CAAE: 80355317.0.0000.0102).

Quadro 1
Características dos e das participantes

As entrevistas foram conduzidas pela primeira autora e realizadas seguindo um padrão semiestruturado, que contou com algumas questões disparadoras, permitindo a livre expressão dos entrevistados. As entrevistas foram todas áudio-gravadas com autorização dos entrevistados; e posteriormente foram transcritas ipsis literis. As transcrições foram organizadas em narrativas, ou seja, em discurso em primeira, assume-se, desta forma, uma postura hermenêutica, enquanto comportamento de compreensão do texto. Retiraram-se fragmentos de fala repetidos e vícios de linguagem, mantendo o sentido da fala do participante. A partir de leituras sucessivas das narrativas, extraiu-se os sentidos e significações emergidos dos relatos, organizando então uma grade com categorias de análise. Narrativas e categorias de análise passaram por validação de outro pesquisador integrante do grupo de pesquisa em processo de mediação da compreensão do texto, como nos propõe a abordagem hermenêutica (FONSECA, 2009FONSECA, M. J. M. Introdução à Hermenêutica de Paul Ricoeur. Millenium Journal of Education, Technologies and Health, v. 36, n. 14, p. 1-27, 2009.).

A construção das grades de análise foi realizada através de um método intuitivo, mas calcado nos pontos principais da pesquisa: conceitos sobre saúde física e mental, experiências nos atendimentos de saúde, percepções sobre e sentimentos sobre o acesso à saúde e o sofrimento mental da pessoa trans. Dentro dessas categorias principais, subcategorias emergiram e fundamentaram a argumentação principal. Por fim, as categorias e subcategorias de análise são discutidas à luz da literatura nacional e internacional.

Resultados e Discussão

O conceito de saúde e adoecimento

As noções de saúde e doença trazidas pelos e pelas participantes evidenciaram dimensões a partir de expressões mais abrangentes e não apenas atreladas a uma perspectiva da biomedicina. Pelo contrário, foram destacados aspectos subjetivos e psicossociais como fundantes do processo saúde-doenças de pessoas trans. Como por exemplo, na fala seguinte:

Compreendo por saúde, também qualidade de vida. Para me manter saudável eu tento executar projeto de vida, tento cuidar de alimentação, do bem-estar, de promover um ambiente saudável, onde eu possa habitar, viver, construir, me relacionar com outras pessoas. Isso é para além de medicação, isso é para além de saúde mental, é uma perspectiva mais completa, mais global. (mulher transexual, 30 anos).

Essa visão contrasta com a abordagem que vem sendo tradicionalmente observada e inclusive preconizada às pessoas trans, com foco no chamado “processo transexualizador”. Tal processo é bastante centrado em procedimentos da biomedicina, como a hormonização, medicalização, cirurgias e procedimentos estéticos invasivos, como injeção de silicone (ROCON et al., 2016). Muitas das políticas de saúde do Ministério da Saúde voltadas às pessoas trans também vinham sendo materializadas a partir desse processo transexualizador centrado na biomedicina (POPADIUK et al., 2017POPADIUK, G. S.; OLIVEIRA, D. C.; SIGNORELLI, M. C. Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros (LGBT) e o acesso ao Processo Transexualizador no Sistema Único de Saúde (SUS): avanços e desafios. Ciência & Saúde Coletiva, v. 22, n. 5, p. 1509-1520, 2017.). Entretanto, em nosso estudo, outras dimensões mais subjetivas da saúde, como as relações humanas, o ambiente e a qualidade de vida foram dimensões mais emergentes, que se sobrepuseram nas narrativas das pessoas trans às dimensões centradas na biomedicina.

A questão da saúde mental foi recorrente nas entrevistas, significando que esse aspecto está muito presente no cotidiano dos entrevistados. Essa percepção não é diferente da literatura que cita que a prevalência de problemas mentais, como depressão e ansiedade (BOUMAN et al., 2016BOUMAN, W. P.; CLAES, L.; BREWIN, N.; et al. Transgender and anxiety: A comparative study between transgender people and the general population. International Journal of Transgenderism, v. 18, n. 1, p. 16-26, 2016.; WITCOMB et al., 2018WITCOMB, G. L.; BOUMAN, W. P.; CLAES, L. et al. Levels of depression in transgender people and its predictors: Results of a large matched control study with transgender people accessing clinical services. Journal of Affective Disorders, v. 235, p. 308-315, 2018.) é muito maior na população trans quando comparada à população cis.

Sousa e Iriart (2018)SOUSA, D.; IRIART, J. “Viver dignamente”: necessidades e demandas de saúde de homens trans em Salvador, Bahia, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, v. 34, n. 10, 2018. citam que o simples fato da pessoa trans se entender como tal e passar a viver a identidade de gênero expressada, leva a uma melhor autoestima e consequentemente a melhores cuidados com a saúde. Portanto, reconhecer e elaborar a sua própria identidade tem papel importante como promotora de saúde mental. O mesmo se percebeu neste estudo, conforme a seguinte fala:

Foi ao sair do armário, que me trouxe uma autoestima e aí eu comecei a aprender a me cuidar, ir atrás de saúde. (sem gênero, 44 anos)

A saúde mental de pessoas trans está intimamente ligada ao viver em sociedade. Como um grupo à margem da sociedade vivendo num país que tem um viés conservador em muitas áreas, pessoas trans ainda sofrem com o preconceito e discriminação. No trecho abaixo se percebe a transfobia como um fator limitante no acesso à saúde plena:

Eu estou satisfeita com meu estágio atual, mas poderia estar melhor, se não fosse a transfobia em diversos aspectos. Se não fosse a transfobia, eu poderia já ter alcançado condições maiores na vida. (mulher transexual, 28 anos)

Portanto, o que se percebe nos relatos é que as pessoas trans têm plena ciência do que é saúde e entendem que essa percepção depende de outros condicionantes que não só a saúde do corpo (seja física ou mental), sendo de grande importância o viver e ser aceito em sociedade integralmente.

As experiências no atendimento à saúde

Observou-se recorrência nas falas a respeito de não procurarem o serviço de saúde imediatamente quando se sentem mal. Diferentemente de pessoas cis, as trans relatam que há sempre dúvida se devem procurar ou não um atendimento, pois acumulam experiências prévias constrangedoras nos serviços. A busca por atendimento é um ponto de reflexão na vida da pessoa trans, de se realmente vale a pena passar por um sistema que não está preparado para atendê-la, conforme relatado:

Eu vou ter que ir no médico e esse médico e eu vou precisar passar algumas coisas que podem ser chatas para mim. (homem transexual, 23 anos)

No caso das pessoas trans, o primeiro aspecto, e um dos mais importantes no atendimento, é a observância do nome social, o que também é corroborado na literatura (SILVA et al., 2017SILVA, L. K.M. et al. Uso do nome social no Sistema Único de Saúde: elementos para o debate sobre a assistência prestada a travestis e transexuais. Physis, v. 27, n. 3, p. 835-846, 2017.; COSTA et al., 2016COSTA, A. B.; DA ROSA FILHO, H. T.; PASE, P. F. et al. Healthcare Needs of and Access Barriers for Brazilian Transgender and Gender Diverse People. Journal of Immigrant and Minority Health, v. 20, n. 1, p. 115-123, 2016.) e pelos entrevistados:

Eu não escondo pra ninguém que eu sou trans, e mesmo assim o médico começa a te tratar no masculino. Uma vez eu fui fazer um exame e o médico tinha assinalado na ficha como homem, isso que tinha [as opções] mulher transexual, travesti e homem trans na ficha. (mulher transexual, 30 anos)

Um estudo no Brasil mostra que aproximadamente 43% das pessoas trans já evitaram procurar o sistema de saúde pelo simples fato de se identificarem como trans e aproximadamente 58% passaram a evitar o sistema de saúde após sofrerem um ato de discriminação (COSTA et al., 2016COSTA, A. B.; DA ROSA FILHO, H. T.; PASE, P. F. et al. Healthcare Needs of and Access Barriers for Brazilian Transgender and Gender Diverse People. Journal of Immigrant and Minority Health, v. 20, n. 1, p. 115-123, 2016.). Num estudo norte-americano, 28% dos entrevistados postergaram a procura de um atendimento no sistema de saúde depois de episódios prévios de discriminação (SU et al., 2016SU, D.; IRWIN, J. A.; FISHER, C. et al. Mental Health Disparities Within the LGBT Population: A Comparison Between Transgender and Nontransgender Individuals. Transgender Health, v. 1, n. 1, p. 12-20, 2016.). Os obstáculos no acesso ao sistema de saúde geram um risco adicional à vida da pessoa trans, pois as dificuldades no atendimento apontadas podem levar a quadros de saúde debilitados.

Foi ponto comum nas entrevistas a negação do atendimento baseado em pré-conceitos pessoais dos profissionais de saúde. Wanta e Unger (2017) citam que, nos EUA, 19% das pessoas relataram que lhes foi negado atendimento por serem trans. A fala seguinte exemplifica uma situação:

Eu fui numa psicóloga, que negou atendimento. Ela falou que era um tratamento muito específico e que o tempo dela era muito curto para ela cuidar. (mulher transexual, 31 anos)

As pessoas trans estão expostas a múltiplas violações de direitos humanos na prática clínica e em atendimentos de saúde. A partir de 1975, os processos de transição de gênero passaram a ser classificados como transtorno mental nos manuais de classificação diagnóstica, classificação que foi retirada recentemente da CID (Classificação Internacional de Doenças), porém continua no DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais). Em muitos países, as leis de identidade de gênero incluem requisitos médicos, como diagnóstico psiquiátrico, tratamento hormonal, cirurgia genital ou esterilização; na literatura científica, ainda se identifica frequente patologização das experiências trans, por meio da patologização de conceituações, terminologias, representações visuais e práticas (BUTLER; RIOS, 2009BUTLER, J.; RIOS, A. Desdiagnosticando o gênero. Physis, v. 19, n. 1, p. 95-126, 2009.; WINTERWINTER, S.; CHALUNGSOOTH, P.; THE, Y. K.; ROJANALERT, N.; MANEERAT, K.; WONG, Y. W. Transpeople, transprejudice and pathologization: a seven-country factor analytic study. Int J Sex Health, v. 21, n. 2, p. 96-118, 2009. et al., 2009; Swess-Schwend, 2020).

As percepções no acesso à saúde

Através da recorrência de narrativas foi possível identificar uma categoria emergente sobre quando a pessoa trans pensa em procurar um serviço de saúde, que é o receio em consultar. Repetidamente surgiu esse receio, que mistura um pouco de ansiedade com medo de como será o atendimento e como os profissionais vão se comportar se descobrirem que estão atendendo uma pessoa trans. Vários autores trazem que o receio de sofrer preconceito numa consulta é muito frequente na vida da pessoa trans (COSTA et al., 2016COSTA, A. B.; DA ROSA FILHO, H. T.; PASE, P. F. et al. Healthcare Needs of and Access Barriers for Brazilian Transgender and Gender Diverse People. Journal of Immigrant and Minority Health, v. 20, n. 1, p. 115-123, 2016.; BRAZ, 2019BRAZ, C. Vidas que esperam? Itinerários do acesso a serviços de saúde para homens trans no Brasil e na Argentina. Cadernos de Saúde Pública, v. 35, n. 4, 2019.). Essa mesma inferência também foi apontada no trabalho qualitativo de Braz (2019) com trans em Goiás, Brasil. A fala seguinte exemplifica o apontamento também em nosso estudo:

[...] É mais difícil pra gente ter esse acesso, porque a gente não sabe como a gente vai ser atendido, a gente não sabe como vai ser tratado. (mulher transexual, 30 anos)

O maior medo narrado foi o de sofrer preconceito, que acaba sendo uma atitude hostil perante uma pessoa que já vai fragilizada ao atendimento. Nos EUA, 63% das pessoas trans já tinham sofrido algum tipo de ato de preconceito durante um atendimento na área de saúde (SU et al., 2016SU, D.; IRWIN, J. A.; FISHER, C. et al. Mental Health Disparities Within the LGBT Population: A Comparison Between Transgender and Nontransgender Individuals. Transgender Health, v. 1, n. 1, p. 12-20, 2016.). No Brasil, um estudo aponta que aproximadamente 62% das pessoas trans entrevistadas se sentiram desconfortáveis em falar com profissionais de saúde sobre suas necessidades (SOUZA; IRIART, 208).

Eu não fui e não irei no médico para tratar meu sexo biológico. Eu sei que eu preciso ir, mas eu não vou, porque eu não me sinto confortável, eu tenho medo de procurar algum profissional e sofrer algum preconceito. (homem transexual, 23 anos)

As pessoas trans como não têm seus direitos plenamente atendidos pelo poder público e pela sociedade civil, e acabam por ter dificuldades no acesso e trânsito no sistema de saúde. O mesmo apontamento é reportado na literatura (BOUMAN et al., 2016BOUMAN, W. P.; CLAES, L.; BREWIN, N.; et al. Transgender and anxiety: A comparative study between transgender people and the general population. International Journal of Transgenderism, v. 18, n. 1, p. 16-26, 2016.; BOWLINGBOWLING, J.; BALDWIN, A.; SCHNARRS, P. W. Influences of health care access on resilience building among transgender and gender non-binary individuals. International Journal of Transgenderism, v. 20, n. 2-3, p. 205–217, 2019. et al., 2019; COSTA et al., 2016COSTA, A. B.; DA ROSA FILHO, H. T.; PASE, P. F. et al. Healthcare Needs of and Access Barriers for Brazilian Transgender and Gender Diverse People. Journal of Immigrant and Minority Health, v. 20, n. 1, p. 115-123, 2016.; SNELGROVE et al., 2016; EDMISTON et al., 2016EDMISTON, E. K.; DONALD, C. A.; SATTLER, A. R. et al. Opportunities and Gaps in Primary Care Preventative Health Services for Transgender Patients: A Systematic Review. Transgender Health, v. 1, n. 1, p. 216-230, 2016.; CARRARA et al., 2019CARRARA, S.; HERNANDEZ, J. de G.; UZIEL, A. P.; et al. Body construction and health itineraries: a survey among travestis and trans people in Rio de Janeiro, Brazil. Cadernos de Saúde Pública, v. 35, n. 4, 2019.; BAUER et al., 2015BAUER, G. R.; ZONG, X.; SCHEIM, A. I.; HAMMOND, R.; THIND, A. Factors Impacting Transgender Patients’ Discomfort with Their Family Physicians: A Respondent-Driven Sampling Survey. (J. L. Clark, Org.) PLOS ONE, v. 10, n. 12, p. e0145046, 2015.). Apesar de entenderem a necessidade dos cuidados em saúde com profissionais de saúde, o que a pessoa trans mais quer é passar desapercebida nos encontros com profissionais, para evitar situações constrangedoras. Esse “passar despercebido” vem sendo relatado em outros estudos com grupos marginalizados, que tentam diminuir seu desconforto psicossocial diante de suas diferenças, sendo descrito como “passing” em inglês, exemplificado por grupos étnicos minoritários que tentam clarear sua pele (DIAS et al., 2021DIAS, C. K.; DA ROCHA, L. R. L.; TATEO, L.; MARSICO, G. “Passing” and its effects on Brazilian transgender people's sense of belonging to society: A theoretical study. Journal of Community & Applied Social Psychology, v. 31, n. 6, 690-702, 2021.), e como “passabilidade” em português, referindo-se a, no limite, a garantia da possibilidade de uma pessoa trans ser reconhecida como cisgênera (PONTES; SILVA, 2017PONTES, J. C.; SILVA, C. G. Cisnormatividade e passabilidade: deslocamentos e diferenças nas narrativas de pessoas trans. Periódicus. n. 8, v. 1 nov.2017.-abr. p. 396-417, 2018.). Em outras palavras, não ser identificado como trans, retoma a passabilidade como estratégia de ‘esquiva’ diante das violências que sofrem nas experiências cotidianas (SILVA, 2013SILVA, J. S. Espaço interdito e a experiência urbana travesti. In: SILVA, J. M.; ORNAT, M. J.; CHIMIN JUNIOR, A. B. (Orgs.). Geografias malditas: corpos, sexualidades e espaços. Ponta Grossa: Toda Palavra, p. 143-182, 2013.). A passabilidade, portanto, implica uma performatividade de gênero que dispõe de um conjunto de atos regulados e repetidos que asseguram uma imagem de gênero inscrita em uma gramática heteronormativa e cisgênera.

Em geral, as pessoas trans têm condições de avaliar desafios no sistema de saúde, exatamente pela vivência repetida com as mesmas situações. No Brasil, aproximadamente 60% das pessoas trans tiveram que explicar/ensinar seus profissionais sobre suas necessidades individuais de saúde (COSTA et al., 2016COSTA, A. B.; DA ROSA FILHO, H. T.; PASE, P. F. et al. Healthcare Needs of and Access Barriers for Brazilian Transgender and Gender Diverse People. Journal of Immigrant and Minority Health, v. 20, n. 1, p. 115-123, 2016.), não muito diferente do que ocorre no Canadá (BELL e PRUKEY, 2019).

Os relatos das pessoas trans também foram propositivos, apontando possibilidades de solução para esses problemas: entendimento de profissionais de saúde sobre o que é a transexualidade; compreensão da realidade e experiências da pessoa trans, incluindo desde questões de saúde física e mental até relações familiares; conhecimento por parte dos profissionais sobre especificidades do atendimento dessas pessoas; respeito no tratamento, inclusive com reforço do uso do nome social e pronomes adequados, sem julgamentos morais, entre outros aspectos.

Quando a gente procura o serviço de saúde, a gente só quer ser atendido com profissionalismo, eu acho que essa é uma palavra-chave. (mulher transexual, 30 anos)

Quando se juntam as experiências ruins e as percepções negativas sobre o sistema de saúde, consegue-se entender por que a pessoa trans procura menos o sistema de saúde, afetando a saúde geral o que leva a um sofrimento mental mais evidente, como analisaremos na categoria seguinte.

O sofrimento mental da pessoa trans

Como já comentado, pessoas trans estão muito mais expostas a fatores estressores, por viverem uma situação ainda mal-entendida pela sociedade e por isso esse grupo social apresenta maiores prevalências de transtornos mentais que a população geral. O sofrimento mental está muito presente nas falas das pessoas entrevistadas, independentemente da idade atual ou da idade no início da transição.

Uma parte do tempo das entrevistas focou no relato individual de como foi a descoberta de ser uma pessoa trans e como isso afetou a vida - nos campos pessoal, familiar, social e laboral – e como foi o processo de transição. Através da história pessoal de cada participante, observamos que foram recorrentes os obstáculos enfrentados e o desafio de manter a integridade física e mental durante esse processo Conforme Zucchi et al. (2019) apontam, uma em cada três pessoas trans já sofreram algum tipo de violência em decorrência da sua expressão e identidade de gênero. Esta violência nem sempre é explícita, sendo muitas vezes simbólica, como um tipo invisível de agressão impetrado por influência de uma sociedade cis-heteronormativa gerando situações de transfobia; e infelizmente as políticas públicas não têm sido suficientes para coibir essas ações, resultando em prejuízos à saúde mental dessas pessoas.

Quadros de depressão e ansiedade são muito comuns nesse grupo (BOUMAN et al., 2016BOUMAN, W. P.; CLAES, L.; BREWIN, N.; et al. Transgender and anxiety: A comparative study between transgender people and the general population. International Journal of Transgenderism, v. 18, n. 1, p. 16-26, 2016.; WITCOMB et al., 2018WITCOMB, G. L.; BOUMAN, W. P.; CLAES, L. et al. Levels of depression in transgender people and its predictors: Results of a large matched control study with transgender people accessing clinical services. Journal of Affective Disorders, v. 235, p. 308-315, 2018.), mas não são as únicas condições encontradas. Sem o objetivo de diagnosticar quadros de depressão ou ansiedade com base apenas na única entrevista dada pelas pessoas, utilizou-se da afirmação pessoal de cada participante sobre sua situação mental, como a seguinte:

Eu falei assim, eu não vou aguentar, eu não vou suportar isso... Assim é toda uma dificuldade, então isso vai te corroendo por dentro. Eu tenho medo de morrer, sensações de morte o tempo todo, de estar doente, de não estar bem. Tem várias coisas, de acelerar coração, de tremedeira e desestabilidade total. (mulher transexual, 31 anos)

Uma questão preocupante nesse grupo é o alto índice de ideação suicida e de tentativas de suicídio (BELL; PURKEY, 2019BELL, J.; PURKEY, E.; Trans individuals’s experience in primary care. Can Fam Physician, v. 65, n. 4, e147-154, 2019.; SAFER; TANGPRICHA, 2019SAFER, J. D.; TANGPRICHA, V. Care of the Transgender Patient. Annals of Internal Medicine, v. 171, n. 1, p. ITC1, 2019.; WANTA; UNGER, 2017WANTA, J. W.; UNGER, C. A. Review of the Transgender Literature: Where Do We Go from Here? Transgender Health, v. 2, n. 1, p. 119-128, 2017.). Na pesquisa, quase todos e todas participantes já tiveram ideação suicida em algum momento após o início da transição e três relataram tentativas de suicídio. Num estudo dos EUA aproximadamente 41% das pessoas trans já tentaram suicídio, comparado com 1,6% da população geral (WINTER et al., 2016WINTER, S.; DIAMOND, M.; GREEN, J., KARASIC, D; REED, T.; WHITTLE, S.; WYLIE, K. Transgender people: health at the margins of society. The Lancet, v. 388, p. 390-400, 2016.). Mesmo quando a pessoa não chega a tentar suicídio, os atos de automutilação não suicida estão presentes. Em outro estudo, 45% de adultos trans nos EUA já se autoprovocaram lesões pela disforia de gênero sentida (LITTMAN, 2018LITTMAN, L. Parent reports of adolescents and young adults perceived to show signs of a rapid onset of gender dysphoria. (D. Romer, Org.). PLOS ONE, v. 13, n. 8, p. e0202330, 2018.).

Na adolescência eu tinha a questão de me cortar bastante, de me queimar e de me machucar mesmo, para tentar tirar o que eu sentia de dentro de mim. (homem transexual, 30 anos)

Não faz parte deste trabalho analisar a fundo os motivos que levaram as pessoas entrevistadas a essa condição, mas faz parte da pesquisa qualitativa levantar essas questões como relevantes no espectro da saúde da pessoa trans e mostrar que as barreiras no acesso à saúde podem deixar essas pessoas sem o devido acompanhamento, Tais conclusões também são reportadas na literatura (SU et al., 2016SU, D.; IRWIN, J. A.; FISHER, C. et al. Mental Health Disparities Within the LGBT Population: A Comparison Between Transgender and Nontransgender Individuals. Transgender Health, v. 1, n. 1, p. 12-20, 2016.; BELL; PURKEY, 2019BELL, J.; PURKEY, E.; Trans individuals’s experience in primary care. Can Fam Physician, v. 65, n. 4, e147-154, 2019.), que ainda traz um dado de que as taxas de suicídio entre pessoas trans diminuem após iniciar acompanhamento nos serviços de saúde (BELL; PURKEY, 2019BELL, J.; PURKEY, E.; Trans individuals’s experience in primary care. Can Fam Physician, v. 65, n. 4, e147-154, 2019.).

O trecho da entrevista supramencionada também chama atenção para uma fase decisiva na vida dos participantes: a adolescência. Embora nosso estudo tenha sido conduzido com sujeitos adultos, as narrativas sobre o período de adolescência e juventude como um período crítico em suas vidas foi uma categoria marcante. É o momento que a maioria começa a se perceber enquanto trans e o processo de autoaceitação é tão desafiador quanto o de aceitação pelas outras pessoas. Em comparação com jovens cisgêneros, jovens cuja identidade de gênero não corresponde ao sexo atribuído no nascimento têm chances: de 42% a 80% maiores de uso de substâncias ao longo da vida, de 470% a 1130% mais chances de sintomas depressivos e tendências suicidas, e de 90% a 350% mais chances de vitimização por violência (COULTER COULTER, R. W. S.; EGAN, J. E.; KINSKY, S. Mental Health, Drug, and Violence Interventions for Sexual/Gender Minorities: A Systematic Review. Pediatrics, v. 144, n. 3, 2019.et al., 2019; COULTER et al., 2018COULTER, R. W. S.; BERSAMIN, M.; RUSSELL, S. T.; MAIR, C. The effects of gender- and sexuality-based harassment on lesbian, gay, bisexual, and transgender substance use disparities. J Adolesc Health, v. 62, n. 6, p. 688–700, 2018.; REISNER et al., 2015REISNER, S. L.; GREYTAK, E. A.; PARSONS, J. T.; YBARRA, M. L. Gender minority social stress in adolescence: disparities in adolescent bullying and substance use by gender identity. J Sex Res., v. 52, n. 3, p. 243-256, 2015.; CLARKCLARK, T. C.; LUCASSEN, M. F.; BULLEN, P. The health and well-being of transgender high school students: results from the New Zealand adolescent health survey (Youth’12). J Adolesc Health.; v.55, n. 1, p. 93-99, 2014. et al., 2014).

A literatura aponta que o atraso no acompanhamento das necessidades de saúde da população trans – hormonização e cirurgias – afetam a qualidade de vida, mas o acompanhamento no serviço de saúde apresenta melhores indicadores gerais de satisfação própria (BELL; PURKEY, 2019BELL, J.; PURKEY, E.; Trans individuals’s experience in primary care. Can Fam Physician, v. 65, n. 4, e147-154, 2019.; COSTA et al., 2016COSTA, A. B.; DA ROSA FILHO, H. T.; PASE, P. F. et al. Healthcare Needs of and Access Barriers for Brazilian Transgender and Gender Diverse People. Journal of Immigrant and Minority Health, v. 20, n. 1, p. 115-123, 2016.). Por isso a importância de serviços acolhedores e éticos, acesso amplo aos serviços de saúde e rapidez no trânsito dentro do sistema. O atraso para o primeiro atendimento especializado é uma reclamação recorrente dos entrevistados nessa pesquisa. Tal reclamação também foi reportada em outro estudo brasileiro (ZUCCHI et al., 2019ZUCCHI, E. M.; BARROS, C. R. DOS S.; REDOSCHI, B. R. L.; DEUS, L. F. A. DE; VERAS, M. A. DE S. M. Bem-estar psicológico entre travestis e mulheres transexuais no Estado de São Paulo, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, v. 35, n. 3, 2019.) e no Reino Unido (JONES et al., 2018JONES, B. A.; BOUMAN, W. P.; HAYCRAFT, E.; ARCELUS, J.; The Gender Congruence and Life Satisfaction Scale (GCLS): Development and validation of a scale to measure outcomes from transgender health services. International Journal of Transgenderism, v. 20, n. 1, p. 63-80, 2018.).

Para profissionais de saúde, é muito importante que além do entendimento haja a busca por conhecimento mais formal das particularidades das pessoas trans e quais as necessidades desse grupo social, para que possam auxiliá-los da melhor maneira possível. O que se percebe nos currículos acadêmicos é que não há um aprofundamento nas questões da sexualidade e nas necessidades da população LGBTQIA+, como registrado na literatura (REISNER et al., 2016REISNER, S. L.; POTEAT, T.; KEATLEY, J.; et al. Global health burden and needs of transgender populations: a review. The Lancet, v. 388, p. 412-436, 2016.; HENG et al., 2018; SAFER; TANGPRICHA, 2019SAFER, J. D.; TANGPRICHA, V. Care of the Transgender Patient. Annals of Internal Medicine, v. 171, n. 1, p. ITC1, 2019.; NOBILI et al., 2018; SNELGROVE et al., 2012SNELGROVE, J. W.; JASUDAVISIUS, A. M.; ROWE, B. W.; HEAD, E. M.; BAUER, G. R. “Completely out-at-sea” with “two-gender medicine”: A qualitative analysis of physician-side barriers to providing healthcare for transgender patients. BMC Health Services Research, v. 12, n. 1, 2012.; CARRARA et al., 2019CARRARA, S.; HERNANDEZ, J. de G.; UZIEL, A. P.; et al. Body construction and health itineraries: a survey among travestis and trans people in Rio de Janeiro, Brazil. Cadernos de Saúde Pública, v. 35, n. 4, 2019.).

Conclusão

A OMS considera que saúde não é só a ausência de doença, pois as interações sociais entre os indivíduos e como o próprio indivíduo se vê, impactam na forma de viver. Viver, então, não depende só de como a pessoa se cuida ou se vê, pois é também influenciado pelo outro. O preconceito e a discriminação contra grupos sociais específicos geram uma pior qualidade de vida. O sistema de saúde deveria minimizar isso, mas existem barreiras impostas pelo sistema e/ou pelos profissionais. Nesse caminho as pessoas trans sofrem, física, mental e socialmente, e passam a repensar o seu papel na vida e na morte.

Identificaram-se, pela recorrência das falas dos entrevistados, três motivos pelos quais os profissionais de saúde têm dificuldades no atendimento às pessoas trans: falta de conhecimento das questões vividas pela população trans por parte dos profissionais de saúde; falta de reconhecimento e aceitação da pessoa trans da forma que ela se expressa; e a existência de uma série de ações discriminatórias por parte dos trabalhadores da saúde. Esses três aspectos estão intimamente interligados. A falta de conhecimento relaciona-se em saber o que é uma pessoa trans. Ela está, por sua vez, também relacionada em reconhecer a pessoa trans como parte da sociedade e como um ser humano com os mesmos direitos. Para esta população, distante do binarismo social de gênero, o reconhecimento é ainda mais difícil, pois acabam não se encaixando no que a sociedade aceita como normal.

Tanto as barreiras de acesso, como a ausência de acolhimentos sensíveis às condições das populações trans geram consequências importantes para saúde mental. Enquanto população marginalizada, todo preconceito social e violência vivida demandaria que os serviços e profissionais de saúde não fossem mais uma fonte de violência. Ao identificarem este segmento do Estado, não como um elemento de suporte, mas sim um ponto agressor, afasta ainda mais este grupo populacional da atenção que poderia ser oferecida.

O estudo apresentou limitações, muitas delas inerentes aos estudos qualitativos, afinal não é possível tecer afirmações generalizantes que difiram das experiencias do público estudado. Outra limitação foi o fato de não conseguirmos discutir e abordar os impactos da raça e da ocupação/atividade laboral na intersecção com as demais categorias apresentadas. Ponto importante para ser mais bem analisado em outras pesquisas.

Outro ponto a ser destacado refere-se a conjuntura atual de políticas públicas relacionadas ao SUS, que rumam em direção contrária do que se espera de um sistema de saúde universalmente inclusivo. Subfinanciamento e desfinanciamento do sistema, agravado pelas atuais medidas neoliberais na economia, impedem investimento tanto para qualificação dos profissionais de saúde como para manutenção de serviços com uma lógica de acolhimento integral e universal. A melhoria da saúde geral das pessoas trans, portanto, perpassa não apenas por um bom acolhimento em serviços de saúde, mas depende de justiça social e leis impositivas para a consolidação dos direitos humanos. Conforme os próprios relatos das pessoas entrevistadas somente com a conscientização de que a liberdade na formação da identidade de gênero é uma expressão normal do ser humano que será possível aumentar o conhecimento sobre o assunto, diminuir a falta de entendimento e com isso assegurar o respeito com o outro.

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Editor responsável: Rogério Azize

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Set 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    29 Jul 2022
  • Aceito
    08 Out 2022
  • Revisado
    05 Set 2022
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