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Cuidado e gratidão em relatos de parto de sites ingleses

Care and gratitude in birth stories in English websites

Resumo

Neste trabalho, examino as percepções de mulheres sobre o cuidado recebido no parto através da presença ou ausência da gratidão em relatos de parto de dois sites ingleses. Nos relatos, nem sempre a gratidão é expressa e nem sempre ela se dirige à equipe de saúde – agradece-se às doulas ou aos próprios sites, cujos vídeos de preparação para o parto teriam sido importantes para uma experiência positiva. O bom cuidado no parto nesses relatos está associado a uma boa comunicação entre parturiente e midwife (parteira), especialmente nas informações recebidas sobre os procedimentos e sobre o que fazer ao longo do trabalho de parto. Assim, tanto nesses relatos quanto na literatura de saúde pública sobre o parto, a boa equipe é aquela que dá à mulher condições de tomar suas próprias decisões, de fazer suas escolhas informadas. Ao fazê-lo, empodera a mulher e reduz a assimetria na relação entre profissional e paciente. Ao contrário, informações contraditórias ou pouca informação podem produzir ansiedade e desconforto. Argumento, assim, que o sentimento de gratidão, ausente ou presente nos relatos de parto, ilumina as dinâmicas da assistência ao parto na Inglaterra, revelando o que se constitui um bom cuidado.

Palavras-Chave:
Parto; Cuidado; Gratidão; Inglaterra; Relatos de internet

Abstract

In this paper, I examine women´s perceptions of birth care through the presence or absence of gratitude in birth stories from two English websites. In these narratives, gratitude is not always expressed nor is it necessarily addressed to the health team – doulas or the websites themselves are thanked for helping prepare for childbirth and for a positive experience. Good birth care in these stories is associated with good communication between women and midwife, especially regarding the information they receive about the procedures and about what to do during labor. Thus, both in these narratives and in the public health literature on childbirth, a good care team is one that enables women to make their own decisions and informed choices. In doing so, it empowers women and reduces asymmetry in the professional-patient relationship. On the contrary, contradictory or little information can produce anxiety and discomfort. Therefore, I argue that the feeling of gratitude, absent or present in birth reports, illuminates the dynamics of childbirth care in England, revealing what constitutes good care.

Keywords:
Birth; Care; Gratitude; England; Internet stories

Introdução

A assistência em saúde pode ser entendida como uma atividade profissional de cuidado. Ainda que a distinção acadêmica entre curar e cuidar seja feita, na prática esses atos se sobrepõem (MOL, 2008MOL, A. The logic of care: health and the problem of patient choice. London: Routledge, 2008.). Na língua inglesa, esta sobreposição é explícita na expressão “health care”. No caso da assistência ao parto, o elemento do cuidado é ainda mais realçado, uma vez que, apesar de todos os discursos que lhe imputam riscos, não se trata de doença a ser curada. Portanto, ao discutir experiências da assistência ao parto na Grã-Bretanha, tomo o cuidado na sua dimensão de prática, deixando em segundo plano, neste trabalho, seu sentido como afeto e valor moral (LIMA, 2016LIMA, Antónia Pedroso de. O cuidado como elemento de sustentabilidade em situações de crise. Portugal entre o Estado providência e as relações interpessoais. Cadernos Pagu [online], v. 000, n. 46, 2016. pp. 79-105. Disponível em <https://doi.org/10.1590/18094449201600460079>. Acesso em: 10 maio 2022.).

Contudo, na medida em que a atividade de cuidado põe em foco a relação entre duas partes, quem cuida e quem é cuidado, produz também sentimentos variados, como vergonha e gratidão (LIMA, 2022LIMA, A. P. de. A política vivida e as emoções da precariedade: vivência quotidiana das políticas públicas em Portugal - 2010 e 2020. Conferência proferida no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPCIS) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ, Brasil), 23 mar. 2022.). A gratidão traz a consciência de algo que não pode ser retornado, daí a possibilidade do gosto da servidão na formulação de Simmel (1964SIMMEL, G. Faithfulness and gratitude. In: WOLFF, K. H. (org.). The Sociology of Georg Simmel. New York, The Free Press. 2a ed, 1964. p. 379-395.). Como o autor argumenta, na medida em que a pessoa recebe algo que lhe foi ofertado voluntariamente, a gratidão cria obrigação, assegura reciprocidade e assim gera continuidade de relações. Tomando como ponto de partida que as emoções revelam e reforçam dinâmicas das relações sociais, pretendo analisar aqui como a referência (ou não) à gratidão ilumina aspectos importantes da prática do cuidado no parto, buscando mostrar como as experiências de mulheres estão articuladas a aspectos estruturais dessa assistência.1 1 Este trabalho vem sendo desenvolvido no âmbito do projeto “Parto, subjetividade e maternidade na internet”, financiado pelo CNPq com bolsa produtividade e apoiado pelo programa ProCiência da UERJ.

Em pesquisa anterior com relatos de parto hospitalar de um site brasileiro a favor do parto humanizado (REZENDE, 2020REZENDE, C. B. Corpo, emoção e subjetividade em relatos de parto na internet In: SIQUEIRA, D. C. O. (org.). Corpos, imaginários e afetos nas narrativas do eu. Rio de Janeiro: E-papers/Faperj, 2020. p. 15-29.), a metade das dezenove narrativas agradece aos médicos e doulas assistentes. São agradecimentos destacados, com o nome dos profissionais e suas principais qualidades do cuidado que justificam a gratidão. Neles, sobressai-se a relação pessoalizada entre a mulher que relata o parto e o profissional que a acompanhou. Foi a partir da análise desse material que, ao começar o estudo comparativo com relatos de parto de sites ingleses, em vinte histórias examinadas, o sentimento de gratidão aparece em metade apenas. Destas menções, alguns agradecem de forma geral a oportunidade de terem tido uma boa experiência, enquanto outros destacam pessoas, em geral os organizadores dos sites e doulas. Em apenas uma narrativa há um agradecimento à parteira, única vez em que ela é nomeada. Embora todas as histórias examinadas falem de partos assistidos por parteiras (midwives), elas não são foco de agradecimento. Busco assim entender o porquê desta pequena presença e o que ela aponta em termos das dinâmicas do cuidado na assistência ao parto na Inglaterra. Sugiro que essa ausência relativa se deva à centralidade dada às mulheres no desenrolar do parto, deixando o sistema de saúde e as parteiras em papel coadjuvante.

Ambos os sites analisados foram organizados por doulas e têm como foco dar apoio a mulheres grávidas para que elas tenham experiências positivas de parto. O primeiro, Tell me a good birth story, foi criado há nove anos e o segundo, The Positive Birth Company, em 2016. Ambos divulgam cursos, vídeo e livros de preparação para o parto e contêm uma seção de venda destes materiais. Escolhi dez relatos de parto hospitalar de cada site, buscando os mais recentes ocorridos na pandemia de COVID. Embora os sites sejam públicos, optei por trocar todos os nomes para preservar o anonimato das mulheres cujos relatos analiso aqui.

As parteiras na assistência ao parto na Grã-Bretanha

O processo de hospitalização do parto aconteceu de um modo geral ao longo do século XX, de formas diferentes em cada país. Se nos Estados Unidos e no Brasil, os médicos obstetras se tornaram responsáveis pela assistência ao parto, com o recurso frequente a uma série de procedimentos para conduzir ativamente o processo (DAVIS-FLOYD, 1993DAVIS-FLOYD, R. The technocratic model of birth. In: HOLLIS, S. T.; PERSHING, L.; YOUNG, M. J. (orgs.). Feminist Theory in the Study of Folklore. Urbana: University of Illinois Press. 1ª ed. 1993. p 297-326.; DINIZ, 2005DINIZ, S. Humanização da assistência ao parto no Brasil: os muitos sentidos de um movimento. Ciência & Saúde Coletiva, vol. 10 no. 3, p.627-637, 2005. Disponível em http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232005000300019 Acesso em: 01 dez. 2019.), na Inglaterra eles entravam em cena apenas quando houvesse problemas.

Foi na década de 1960 que o parto, até então realizado em geral no ambiente doméstico por parteiras, foi sendo hospitalizado. O período pós-guerra na Grã-Bretanha assistiu à criação do National Health Service (NHS) em 1948 e com ele, uma política de oferecer “leitos para todos” (McCOURT; DYKES, 2009MCCOURT, C.; DYKES, F. From tradition to modernity: time and childbirth in historical perspective. In: McCOURT, C. (org.). Childbirth, midwifery and concepts of time. New York: Berghahn Books, 2009.p. 17-36.). Ainda que as parteiras continuassem responsáveis pela maioria dos partos, a transferência para o hospital impactou o modo de gestão deste evento.

As parteiras no hospital trabalhavam em sistema de plantões, com rotatividade para cobrir todas as enfermarias. Nesse sistema, elas cuidavam de muitas mulheres em períodos curtos e intensos, ao longo do trabalho de parto, compartimentalizando a atenção nesse processo. Embora o objetivo fosse garantir um bom fluxo das parturientes e dos profissionais durante todas as etapas do parto, a rigidez dos protocolos, especialmente do tempo previsto para cada estágio, levou a críticas e comparações com um modelo industrial fordista (McCOURT; DYKES, 2009MCCOURT, C.; DYKES, F. From tradition to modernity: time and childbirth in historical perspective. In: McCOURT, C. (org.). Childbirth, midwifery and concepts of time. New York: Berghahn Books, 2009.p. 17-36.; WALSH, 2009WALSH, D. ‘Waiting on birth’: management of time and place in a birth centre. In: McCOURT, C. (org.). Childbirth, midwifery and concepts of time. New York: Berghahn Books, 2009. p. 126-144.). O recurso mais frequente a procedimentos para indução do parto – desde o rompimento da bolsa d’água ao uso de hormônios como prostaglandina e ocitocina sintética – se ajustava a preocupação com o tempo de cada estágio do trabalho de parto. As parteiras viram seus papéis estreitados e restritos e as experiências de parto de muitas mulheres eram insatisfatórias, uma vez que o desenvolvimento de seus trabalhos de parto não necessariamente se encaixava no tempo previsto para cada etapa.

Como reação às críticas e recomendações de mudança, em 1994, o governo criou uma política de saúde que enfatizava a normalidade do parto e reconhecia as parteiras como as principais responsáveis pelo seu cuidado. A prática em que uma parteira acompanha uma mulher durante a gravidez, o parto e o pós-parto (caseload midwifery practice) seria uma mudança radical na organização da assistência a este evento no contexto do NHS (STEVENS, 2009STEVENS, T. Time and midwifery practice. In: McCOURT, C. (org.). Childbirth, midwifery and concepts of time. New York: Berghahn Books, 2009.p.104-125.). A parturiente deveria ter também mais informação, escolha e controle sobre os possíveis procedimentos usados no parto, refletindo o que McCourt chama de princípios do consumismo. Em particular, coloca-se uma preocupação maior com a evitação da indução e a consequente “cascata de intervenções”. Surge também uma valorização maior de centros de parto autônomos (freestanding midwifery units) e de unidades de maternidade dentro dos hospitais (alongside midwifery units), em contraste com a assistência hospitalar padrão (McCOURT et al., 2016MCCOURT, C. et al. Place of birth and concepts of wellbeing: an analysis from two ethnographic studies of midwifery units in England. Anthropology in Action, v. 23, n. 3, p. 17-29, 2016. Disponível em doi:10.3167/aia.2016.230303. Acesso em: 06 out. 2022.
https://doi.org/10.3167/aia.2016.230303...
). Na formulação dessas políticas, havia também a recomendação de que as mulheres poderiam escolher o local do parto, pondo em questão a visão de que o hospital é sempre o ambiente mais seguro.

Contudo, como discute McCourt (2014MCCOURT, C. Technologies of birth and models of midwifery care. Revista da Escola de Enfermagem da USP [on-line], v. 48, n. spe, 2014. p. 168-177. Disponível em https://doi.org/10.1590/S0080-623420140000600024. Acesso em: 11 ago. 2022.), embora essas mudanças tenham resultado em bons índices de desempenho e satisfação profissional e das parturientes, sua implementação ainda deixa a desejar. O governo conservador que assumiu em 2010 impôs um regime de austeridade financeira, com muitos cortes de recursos ao NHS. Há também resistência profissional, tanto das parteiras quanto de gestores, à mudança, revelando a estabilidade do modelo dos plantões, amparados em uma organização do trabalho pautada também em divisões de tempo e não na realização de tarefas (STEVENS, 2009STEVENS, T. Time and midwifery practice. In: McCOURT, C. (org.). Childbirth, midwifery and concepts of time. New York: Berghahn Books, 2009.p.104-125.). Essa normalização do parto produz um controle estrito do tempo de cada estágio do trabalho de parto (DOWNE; DYKES, 2009DOWNE, S.; DYKES, F. Counting time in pregnancy and labour. In: McCOURT, C. (org.). Childbirth, midwifery and concepts of time. New York: Berghahn Books, 2009. p. 61-83.; WALSH, 2009WALSH, D. ‘Waiting on birth’: management of time and place in a birth centre. In: McCOURT, C. (org.). Childbirth, midwifery and concepts of time. New York: Berghahn Books, 2009. p. 126-144.), que muitas vezes entra em conflito com experiências particulares de trabalho de parto. Não à toa, essas tensões geram preocupações nas parteiras com a segurança do trabalho e consequentemente com possíveis processos judiciais (STEVENS, 2009STEVENS, T. Time and midwifery practice. In: McCOURT, C. (org.). Childbirth, midwifery and concepts of time. New York: Berghahn Books, 2009.p.104-125.).

Nesse contexto, as políticas públicas de saúde têm enfatizado a comunicação das informações dadas pelas parteiras, tanto no atendimento pré-natal quanto durante o parto, como forma de dar mais escolha e controle às parturientes (McCOURT, 2005MCCOURT, C. Supporting choice and control? Communication and interaction between midwives and women at the antenatal booking visit. Social Science & Medicine, v. 62, n. 6, p. 1307-1318, 2005. Disponível em DOI: 10.1016/j.socscimed.2005.07.031. Acesso em: 06 out. 2022.). No pré-natal, a realização de um plano de parto na 34ª semana é comum e envolve escolhas em torno do tipo de procedimentos que as gestantes desejam ou aceitam, entre elas formas distintas de alívio de dor. Modos de induzir o parto são recursos igualmente discutidos, embora haja protocolos de indução referidos ao tempo máximo de espera para início do trabalho de parto. Quando este começa e se desenvolve sem problemas, as informações envolvem muitas vezes as passagens entre as diferentes etapas bem como a instrução sobre a forma de fazer força. McCourt chama atenção que no acompanhamento hospitalar padrão, a troca de informações é ritualizada nos moldes de uma relação profissional-cliente, enquanto que no modelo caseload midwifery há atenção e cuidado personalizados. A qualidade da comunicação entre parteiras e mulheres torna-se assim um elemento importante da assistência e da experiência do parto, apesar de revelar limites e conflitos de percepção como apontam McCourt (2009a) e Lally et al. (2014LALLY, J. E. et al. Pain relief in labour: a qualitative study to determine how to support women to make decisions about pain relief in labour. BMC Pregnancy Childbirth, v. 14, n. 6, p. 1-10, 2014. Disponível em https://doi.org/10.1186/1471-2393-14-6. Acesso em: 06 maio 2022.) e como mostro adiante nos relatos analisados.

É neste cenário de certa defasagem entre políticas públicas e sua implementação efetiva que os dois sites sobre parto devem ser compreendidos. Como dito anteriormente, ambos foram organizados por doulas, que oferecem apoio na gravidez e no parto, cuja presença no país cresce como reação aos impactos da austeridade no NHS, oferecendo um serviço de cuidado em geral particular. Ambos os sites se dedicam a preparar as gestantes para um bom parto através de produtos informativos e também por meio de histórias positivas. O site The Positive Birth Company apresenta abas sobre a concepção, a gestação, o parto e o pós-parto, oferecendo cursos em vídeos, workshops e livros, com destaque para a técnica de hypnobirthing. 2 2 Hypnobirthing consiste em técnicas de meditação, respiração e relaxamento para ajudar a trazer calma e foco no trabalho de parto, “com o objetivo de ensinar a gestante a confiar no processo natural do nascimento” (http://hypnobirthingnobrasil.com.br/hypno/). O site não advoga um modelo de parto específico e deixa claro que qualquer tipo de parto pode ser uma experiência positiva3 3 https://thepositivebirthcompany.co.uk/what-is-hypnobirthing . Seu pacote para gestantes (inclui vídeos de workshops, guias em pdf, arquivos de meditação, diário de gestação e participação em um grupo de Facebook pelo custo de 39 libras) busca oferecer orientação especializada para que a mulher vivencie sua gravidez de forma “informada, confiante e empoderada”. Já o site Tell me a good birth story tem como foco principal o parto e oferece dicas para o parto sugeridas por usuárias, links e livros diversos para auxiliar a mulher em suas escolhas e preparação para o parto. Os produtos à venda são dois livros, velas perfumadas e óleos essenciais. Como o nome diz, o foco do site é o compartilhamento de histórias de experiências positivas: “aprender de experiências de primeira mão constrói confiança para o seu parto”.4 4 “Learning from first-hand experience gifts you confidence for your birth”. http://www.tellmeagoodbirthstory.com/ Assim como o site anterior, neste tampouco há um modelo de parto recomendado. A proposta é que boas histórias são poderosas e tornam-se modelos a serem copiados.

As parteiras nos relatos de parto

Os relatos de parto de ambos os sites são em sua maioria acompanhados de fotografias das mulheres com seus bebês, às vezes também com seus companheiros ou companheiras. As mulheres têm origens étnicas diversas e, a julgar pelas imagens, têm entre 30 e 40 anos de idade. Poucas mencionam suas ocupações, com exceção daquelas que são profissionais de saúde. Alguns relatos falam dos primeiros partos, outros do segundo, em geral considerado melhor que a experiência anterior.

Todas as narrativas apresentam como as mulheres se prepararam para o parto, seja com exercícios e dietas, seja através dos recursos oferecidos pelos sites. Todas discutem quais escolhas foram feitas em termos do tipo de parto desejado e dos procedimentos que gostariam de evitar. O parto vaginal era o padrão esperado e a cesárea só figura como necessidade, seja por conta de uma condição de saúde específica, seja como recurso de emergência no trabalho de parto. Muitas histórias discutem a indução como intervenção indesejada, mas às vezes experimentadas, buscando mostrar que apesar de induzidas, puderam ter uma experiência positiva.

As narrativas passam rapidamente pela gestação, quando o fazem, e se detém no parto, do início ao fim. Em todos os vinte relatos, os partos foram acompanhados em algum momento por parteiras. Ainda que alguns mencionem uma cesárea como desfecho, que traz para a cena a figura do obstetra, as parteiras fizeram o acompanhamento do trabalho de parto até o momento em que foi preciso realizar a cirurgia. Em todas as narrativas, os maridos ou parceiros estiveram presente em parte do processo e há doulas em algumas delas. A maioria aconteceu em hospitais, ainda que algumas mulheres tivessem planejado um parto domiciliar, e poucos tiveram lugar em centros de parto. As histórias se dedicam assim a contar o início do trabalho de parto, sua evolução, o cuidado recebido, inicialmente em casa e depois no hospital, e o nascimento do bebê. Nesses relatos, há muitas vezes referência a um parto anterior que foi problemático ou mesmo traumático, mas todos enfatizam como conseguiram ter depois uma ótima experiência, mesmo quando há eventos inesperados.

Apenas um relato nomeia a parteira que fez a assistência, um dos poucos que agradece a boa experiência a esta profissional. De um modo geral, as parteiras aparecem como figuras com quem a mulher interage ao longo do parto, dizendo ou fazendo coisas, e nem sempre elas são qualificadas. Quando são, são descritas em geral como amáveis, gentis, que dão segurança e apoio. Há raras menções a parteiras pouco simpáticas nas histórias, ainda que várias delas comecem falando de uma experiência anterior traumática, por conta de atendimento ruim.

Dois aspectos são recorrentes nos relatos e apontam para a centralidade da comunicação nesta relação. Muitas parteiras são elogiadas por lerem os planos de parto com cuidado, ouvirem e respeitarem as preferências das mulheres. São igualmente destacadas quando explicam ou discutem alternativas de procedimentos ao longo do trabalho de parto. Em contraste, há crítica quando ocorre informação truncada, especialmente nas situações em que várias parteiras atendem uma parturiente. O segundo elemento comum em muitas histórias é o destaque dado à surpresa ou choque da parteira ao perceberem uma dilatação maior do que o esperado pelo tempo decorrido do trabalho de parto. Como apontam McCourt (2009MCCOURT, C. “How long have I got? Time in labour: themes from women´s birth stories”. In: McCOURT, C. (org.). Childbirth, midwifery and concepts of time. New York: Berghahn Books, 2009. p. 184-201.) e Downe e Dykes (2009DOWNE, S.; DYKES, F. Counting time in pregnancy and labour. In: McCOURT, C. (org.). Childbirth, midwifery and concepts of time. New York: Berghahn Books, 2009. p. 61-83.), a divisão das etapas de trabalho de parto em durações relativamente precisas nem sempre corresponde à sua evolução de fato, e acaba por produzir uma disjunção entre a avaliação das parteiras e a vivência das mulheres no parto. Nos relatos, as mulheres reforçam a visão de que muitas vezes são elas, e não as parteiras, que sabem o que está acontecendo com seus corpos.

A gratidão em quatro narrativas

Se as parteiras são figuras centrais nas histórias de parto, o modo como atuam recebe avaliações muito variadas e produz reações emotivas diversas. Trago a seguir quatro exemplos de relatos que mencionam o sentimento de gratidão. Escolhi dois relatos de cada site, para examinar com mais detalhes a relação das mulheres com as parteiras.

Kate começa seu relato contando os “aspectos negativos” de sua gravidez, por conta de um diagnóstico de hipertensão e sua classificação como alto risco. Em razão disso, viu seus planos de um parto domiciliar se desmancharem e perdeu a confiança em parir seu bebê. Por conta da ansiedade, buscou acompanhamento de uma doula, que junto com sua parteira foram fundamentais para adiar ao máximo a indução marcada para a 37ª semana. Kate relata todos os mecanismos “naturais” que usou para estimular o trabalho de parto, como remédios homeopáticos e a ingestão de óleo de castor. Depois de doze horas com contrações regulares, sua dilatação chegou aos oito centímetros, para a surpresa das parteiras do plantão, mas desacelerou. Kate recorreu então a ervas e massagens para evitar a ameaça feita por uma parteira sênior de entrar com ocitocina sintética. Conseguiu mobilizar tensão no corpo e fazer a força expulsiva para parir sua filha. Termina o relato agradecendo seu marido, sua parteira Anne e a doula Nicola, dizendo que seu corpo assumiu o parto e recomendando às leitoras que acreditem em si mesmas. O fato de ter parido durante a pandemia de Covid não impediu que tivesse uma experiência incrível.

Com pouco mais de 38 semanas, Laura sentiu que sua bolsa rompeu e foi ao hospital. Como não tinha ainda contrações, mandaram-na de volta para casa, com o prazo de retornar dois dias depois se elas não começassem. As contrações iniciaram ainda em casa, mas estacionaram quando estava no hospital, surgindo a possibilidade de haver indução. Apesar de estar chateada com a perspectiva, Laura se preparou mentalmente para o que viesse, esperando ter o menor número de intervenções. Mas passaram-se horas, não aparecia ninguém e ela se sentiu esquecida. Até que de repente, veio uma parteira que disse que haveria indução, sem nenhuma explicação. Laura e seu marido pediram para falar com alguém antes da transferência para a sala de parto, reclamando da falta de comunicação. Lá havia um time de parteiras e consultores, o que para Laura parecia uma emboscada e nada reconfortante. Depois de ouvirem as opções e pedirem mais informações, aceitaram a indução, que só começou após duas horas. Com seis horas, ouviu de uma parteira que estava indo tudo bem e que com mais três horas terminaria, o que para Laura foi um choque. Ao final, seu marido deu um apoio especial e as parteiras se tornaram mais engajadas, relaxando seus ombros e conduzindo a fase expulsiva. Laura se sentiu grata por não ter precisado tomar anestesia peridural. Encerra seu relato afirmando que a condução das parteiras para que não fizesse força demais foi fantástica e que mobilizou a força e energia que restavam para fazer sua filha nascer, considerando assim positiva sua experiência de indução.

Chloe teve uma gestação de gêmeos, que foi supervisionada de perto por obstetras que queriam induzir o parto na 36ª semana. Como os bebês estavam bem, ela não via razão para isso. Mas a perda do tampão mucoso sem contrações regulares levou à decisão de aceitar o rompimento da bolsa como forma de induzir o parto. Uma hora depois, as contrações começaram e aceleraram rapidamente. Seu companheiro correu para buscar ajuda e entrou na sala uma parteira que faz partos domiciliares e que estava de passagem no hospital. Ela guiou o segundo estágio do parto e o primeiro bebê nasceu depois de algumas forças. O segundo nasceu quinze minutos depois e Chloe se sentiu grata por esperar para cortar o cordão umbilical após ele parar de pulsar e ter expelido a placenta naturalmente. Apesar de sua bolsa ter sido rompida pela parteira, considera que foi um parto domiciliar no hospital, sem assistência nas etapas seguintes. Chloe afirma que ela conseguiu um parto tão rápido, com 39 semanas, porque teve os recursos oferecidos pelo site e seu corpo tomou conta do processo.

Jhumpa inicia sua narrativa elogiando os cursos de preparação para o parto oferecidos através do site, que a ajudaram a manter uma atitude positiva durante sua experiência. Com este material, ela e seu marido puderam tomar as melhores decisões para ela e para seu bebê. Com 39 semanas, as contrações surgiram e ela teve um sangramento. Por conta de plaquetas baixas, ela foi para o hospital e ao ser examinada, viram que já tinha oito centímetros de dilatação. Ela recusou a oferta da parteira de usar gás de óxido nitroso como analgesia e disse que não precisavam oferecer-lhe isso a cada contração. Por conta de falta de comunicação entre obstetras e parteiras, fizeram vários exames de sangue para acompanhar as plaquetas. O tempo foi passando, a dilatação estacionou e os batimentos cardíacos do bebê caíram, de forma que ela teve que ficar presa a cama para ser monitorada. A parteira admitiu que não leu seu plano de parto, que incluía manter mobilidade e ter um parto na água. Após fazer alguma força, perceberam que o bebê havia se deslocado e que seria necessária uma cesárea de emergência. Por conta da pandemia, seu marido não pode acompanhá-la na sala de cirurgia. Apesar do medo que sentiu, dos planos frustrados e das complicações, Jhumpa considera que teve uma experiência positiva e agradece ao site pelos por dar-lhe confiança em si mesma e prepará-la para as dificuldades.

Esses quatro exemplos refletem tanto a diversidade de histórias encontradas nos dois sites quanto a recorrência de certos elementos. Algumas mulheres falavam de seus primeiros partos, outras de um segundo ou terceiro. Muitas tiveram partos vaginais, mas nem todas. Algumas tinham condições de saúde que acrescentavam riscos à gestação, outras não. Doulas aparecem em várias narrativas, porém são os maridos ou companheiros e as parteiras que figuram em todas. Se a presença dos maridos foi de forma geral sempre elogiada e valorizada, o mesmo não acontece com as parteiras.

O relato de Kate é excepcional por nomear a parteira que a assistiu. Nos demais, elas são anônimas. Algumas vezes, elas vêm acompanhada do pronome possessivo “minha”, mostrando uma relevância especial dessas. Contudo é mais frequente encontrarmos menção às parteiras de uma forma imprecisa e impessoal, seja como um indivíduo, seja como um conjunto de profissionais. Como sugere McCallum ao analisar a relação médico-paciente em uma maternidade brasileira, o não uso do nome mostra que “não é considerado necessário personalizar as relações entre quem “cuida” e quem é “cuidada” (2007MCCALLUM, C. Sem Nome: pessoa como processo na dinâmica racial e de gênero brasileira. In: PINA CABRAL, J.; VIEGAS, S. M. (org.). Nomes: gênero, etnicidade e família. Lisboa: Almedina, 2007. p. 265-290., p. 268). Apesar deste tratamento impessoal, em muitas narrativas elas recebem adjetivos, como parteiras gentis, amáveis, fantásticas, que dão apoio e suporte. Poucas vezes foram mal qualificadas, como no relato de Aduke, que conta ter sido inicialmente atendida por uma parteira “não muito amigável”.

Como vemos nos quatro relatos, as interações com as parteiras aparecem em três momentos principais das narrativas: quando chegam no hospital e têm sua dilatação examinada e avaliada, no meio, quando surge a questão das intervenções (analgesia, indução, cesárea) e na fase final de expulsão do bebê. Em todos esses marcos, destaca-se o modo de comunicação entre parteira e parturiente. De um modo geral, no início é recorrente a referência ao choque das parteiras com uma dilatação mais adiantada do que suposta pelo tempo de trabalho de parto. A etapa intermediária é a que traz experiências mais variadas em termos da atenção dada aos planos de parto e das informações transmitidas sobre os procedimentos propostos. O final é consensualmente bem avaliado, quando as orientações das parteiras no modo de fazer força são elogiadas.

Analisando os exemplos de forma mais detida, os relatos de Kate e de Chloe trazem experiências mais positivas do que os de Laura e Jhumpa, mais ambivalentes. Kate teve uma parteira que a ajudou a adiar ao máximo a indução do parto, a quem é grata pela experiência incrível. Ainda assim, quando seu trabalho de parto desacelera, surge outra parteira que “ameaça” entrar com ocitocina sintética intravenosa para acelerar as contrações. Chloe é assistida por uma parteira que a fez sentir “desassistida”, no bom sentido, sem interferências. Por sua vez, Laura destaca o modo atrapalhado como recebeu informação sobre indução, gerando desconforto e ansiedade, mas também elogia o apoio recebido na fase expulsiva. Jhumpa também reclama da insistência da parteira em oferecer gás anestésico bem como da falta de comunicação sobre sua condição de saúde e seu plano de parto. O desfecho com a cesárea não é visto como resultando da ação ou falta de ação de nenhum profissional e por isso ela encerra seu relato qualificando sua experiência como positiva.

As histórias de Kate e Chloe, assim como muitas outras dos sites, destacam como seus corpos “assumem a condução” (take control/take over) do parto. Há nelas a percepção do parto como um processo natural, no qual a assistência médica é vista como uma “intervenção” que interfere no seu curso (MILLER, 2004MILLER, D. How infants grow mothers in North London. In: TAYLOR, J. S.; LAYNE, L. L.; WOZNIAK, D. F. (orgs). Consuming motherhood. New Brunswick: Rutgers University Press, 2004. p. 31-51.). São eles os responsáveis pelas boas experiências. Mas para que isso possa acontecer, as mulheres devem aprender a confiar em seus corpos, o que é feito com ajuda dos recursos oferecidos por ambos os sites. Ainda que o corpo apareça como uma dimensão destacada da mulher sujeito, com poder próprio, esta autonomia só se desenvolve com uma postura subjetiva especifica – com autoconfiança. Assim sendo, as próprias narrativas de parto, cheias de detalhes corporais sobre a evolução fisiológica do parto, tornam-se também ferramentas para mostrar a outras mulheres como podem desenvolver confiança em si mesmas para ter uma boa experiência.

Considerações finais: gratidão e cuidado nos relatos de parto

As histórias de parto analisadas apontam assim para certa ambiguidade no modo de qualificar a atuação das parteiras no parto. Por um lado, são as mulheres quem sentem e avaliam seu trabalho de parto melhor do que as parteiras, que são relatadas como surpresas ou chocadas. Por outro, elas recebem vários elogios – são em geral amáveis e gentis, mas poucos agradecimentos são dirigidos a elas, como se de fato o principal responsável pela boa experiência fosse o corpo da mulher. Em histórias como a de Chloe, o cuidado dispensado pela parteira é tão bom que “desaparece”, fazendo com que ela tenha tido um parto doméstico quase “desassistido” no hospital. Por isso, a gratidão não é um sentimento dirigido a elas em geral, porque a boa assistência é aquela que intervém o mínimo possível e com isso some de vista.

A pouca presença da gratidão aponta também para o modo como a relação com a parteira é concebida. Como mencionado no início do artigo, este é um sentimento que estabelece uma hierarquia entre quem é foco de gratidão e quem sente, que fica em posição de dívida para com o primeiro, tornando-o uma emoção importante para a manutenção dos laços sociais. Ora, a valorização de um cuidado no parto que deixa a mulher se sentir condutora do parto significa também uma relação mais simétrica do que aquela existente entre médicos obstetras e pacientes (SILVA et al., 2019SILVA, F. et al. Parto ideal: medicalização e construção de uma roteirização da assistência ao parto hospitalar no Brasil em meados do século XX. Saúde e Sociedade [on-line]. v. 28, n. 3, p. 171-184, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-12902019180819. Acesso em: 9 maio 2022.
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). Neste sentido, a relação entre parteira e parturiente torna-se mais refratária à desigualdade criada pela gratidão.

Este sentimento sugere também uma relação pessoalizada, ainda que desigual, que pouco aparece nos relatos. Em contraste com as relações entre mulheres e parteiras estudadas por Davis-Floyd (2004DAVIS-FLOYD, R. 2004. Consuming childbirth: the qualified commodification of midwifery care”. In: TAYLOR, J. S.; LAYNE, L. L.; WOZNIAK, D. F. (orgs.). Consuming motherhood. New Brunswick: Rutgers University Press. p. 211-248.) nos Estados Unidos, que se aproximam mais da amizade, nos relatos ingleses examinados, trata-se em geral de uma relação profissional, impessoal, não nomeada. Como expliquei anteriormente, o modelo de assistência em que uma mesma parteira cuida de uma mulher em sua gestação, parto e pós-parto ainda é recente e minoritário na Inglaterra e pouco presente nas narrativas. Deste modo, a lógica pessoalizada do cuidado dá lugar a uma relação mais impessoal que enfatiza mais o direto da escolha que cabe à parturiente, pautada na transmissão adequada das informações. O que a parteira pensa ou acha pouco aparece nos relatos.

A ênfase na transmissão das informações sobre o parto, presente nas políticas públicas de saúde e também nos sites, vem associada ao direito das mulheres de realizarem escolhas informadas. A ênfase neste direito e as práticas que decorrem dele integram o que Mol (2008MOL, A. The logic of care: health and the problem of patient choice. London: Routledge, 2008.) chama de lógica da escolha. A autora critica esta formar de pensar e agir na assistência à saúde, porque dentre outros aspectos, trata a escolha como ato discreto realizado em um momento específico no tempo e dissociado das relações sociais. As informações transmitidas tampouco são neutras, mas estão imersas em valores. A lógica do cuidado advogada por Mol implicaria em uma assistência compartilhada e pessoalizada, na qual médico e paciente discutem as melhores escolhas em um dado contexto. Ainda que a distinção feita por Mol seja mais heurística, nos relatos predomina um modo de pensar e agir que se aproxima da lógica da escolha, de forma que a relação de cuidado entre parteira e parturiente esteja pouco presente. A política do caseload midwifery, implementada na década de 90, se aproximaria da lógica do cuidado proposta por Mol.

Se há pouca gratidão dirigida às parteiras, os sites são foco importante desse sentimento. Aqui é importante lembrar que as narrativas são sempre produzidas para um público específico em um contexto particular, afetando assim o que é contado sobre uma experiência (BRUNER, 1986BRUNER, E. Experience and its Expressions. In: TURNER, V. W.; BRUNER, E. M. (org.). The Anthropology of Experience. Chicago: University of Chicago Press, 1986. p. 3-30.). Assim, o fato dessas histórias de parto serem compartilhadas em sites de preparação para o parto implica no elogio frequente aos que eles oferecem. Ademais, em contraste com redes sociais nas quais as usuárias postam o que querem, os relatos compartilhados são enviados para os administradores dos sites, que só então os publicam. Neste sentido, retomando a proposta de Abu-Lughod e Lutz (1990ABU-LUGHOD, L.; LUTZ, C. Introduction. In: LUTZ, C.; ABU-LUGHOD, L. (orgs.). Language and the Politics of Emotion. Cambridge: Cambridge University Press, 1990. p. 1-23.) de atentarem para os contextos nos quais os discursos emotivos são produzidos e acionados, as narrativas analisadas destacam experiências positivas de acordo com uma proposta de empoderar as mulheres no parto via o compartilhamento de boas histórias. Não à toa, nelas os sites se tornam uma fonte de informações e conhecimento mais útil do que a comunicação com as parteiras, nem sempre clara.

Assim, os relatos de parto destacam experiências positivas que são explicadas em grande parte pela preparação das mulheres com os recursos – cursos, vídeos, artigos, livros – apresentados e/ou vendidos pelos sites. São eles que ajudam a desenvolver a confiança das mulheres em seus corpos, vistos como responsáveis principais pelo desenrolar do parto. Por isso, muitas vezes a gratidão expressa nos relatos dirige-se aos sites acima de tudo, em contraste com as narrativas de sites brasileiros, que agradecem também os profissionais de saúde, apontando para uma relação médico-paciente mais pessoalizada. A assistência oferecida pelo sistema público de saúde, através das parteiras principalmente, ocupa um lugar coadjuvante na avaliação final, ainda que figure de forma central nas narrativas. Do modo como se realiza na atual sociedade inglesa, com os desafios de mudança nas políticas públicas de saúde, o cuidado no parto, como uma relação que une duas pessoas e pode ser expresso na gratidão, transforma-se em um serviço que pode ser elogiado ou criticado, mas que pouco é agradecido.

  • 1
    Este trabalho vem sendo desenvolvido no âmbito do projeto “Parto, subjetividade e maternidade na internet”, financiado pelo CNPq com bolsa produtividade e apoiado pelo programa ProCiência da UERJ.
  • 2
    Hypnobirthing consiste em técnicas de meditação, respiração e relaxamento para ajudar a trazer calma e foco no trabalho de parto, “com o objetivo de ensinar a gestante a confiar no processo natural do nascimento” (http://hypnobirthingnobrasil.com.br/hypno/).
  • 3
    https://thepositivebirthcompany.co.uk/what-is-hypnobirthing
  • 4
    Learning from first-hand experience gifts you confidence for your birth”. http://www.tellmeagoodbirthstory.com/

Referências

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Editora responsável: Jane Russo

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    29 Jul 2022
  • Aceito
    06 Fev 2023
  • Revisado
    13 Dez 2022
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