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Para além do imaginável: experiências vividas por profissionais de saúde em UTI durante a pandemia da Covid-19

Resumo

Objetivou-se analisar experiências de profissionais relacionadas às mudanças no trabalho em saúde em Unidade de Terapia Intensiva, durante o período crítico da primeira onda da pandemia da Covid-19 no Maranhão. Estudo descritivo-exploratório, de abordagem qualitativa, desenvolvido nas Unidades de Terapia Intensiva de hospitais públicos no Maranhão, de novembro de 2020 a janeiro de 2021. Participaram do estudo 15 profissionais. A técnica utilizada para coleta de dados foi a entrevista semiestruturada, com amostra definida pelo critério de saturação dos sentidos. Utilizaram-se da análise de conteúdo e do software NVIVO® 12. Evidenciou-se que sobrecarga de trabalho, escassez de profissionais e o medo do contágio afetaram a qualidade da assistência e geraram novas formas de produção do cuidado. Naquele contexto, ofertar a assistência de “alto padrão” foi um desafio que perpassou os espaços social e técnico da terapia intensiva. Vivenciar as mortes em maior escala afetou as relações intersubjetivas nas esferas pessoal e profissional. As mudanças na organização do espaço, a assistência e as relações interprofissionais podem indicar caminhos para se repensar os efeitos desse fenômeno para agentes, usuários e serviços, além de fornecer maiores habilidades para lidar com cenários emergenciais futuros.

Palavras-Chave:
Covid-19; Unidades de Terapia Intensiva; Cuidados críticos

Abstract

The study aimed to analyze the experiences lived by professionals related to changes in health work in the Intensive Care Unit, during the critical period of the first wave of the Covid-19 pandemic in Maranhão. This is a descriptive-exploratory study with a qualitative approach, carried out in the Intensive Care Units of public hospitals in Maranhão, from November 2020 to January 2021. Fifteen professionals took part in the study. Data collection was done through semi-structured interviews, with the sample defined by the criterion of saturation of meanings. Content analysis and NVIVO® 12 software were used. It emerged that work overload, shortage of professionals and fear of contagion affected the quality of care and generated new ways of producing care. In that context, providing "high standard" care was a challenge cutting across the social and technical spaces of intensive care. Experiencing deaths on a larger scale affected intersubjective relationships in personal and professional spheres. Changes in the organization of space, care and interprofessional relationships may indicate ways to rethink the effects of this phenomenon on agents, users and services, as well as providing greater skills to deal with future emergency scenarios.

Keywords:
Covid-19; Intensive Care Units; Critical care

Introdução

A pandemia da Covid-19 desafiou o componente hospitalar com magnitude extraordinária, especialmente no período inicial (GRIFFIN et al., 2020GRIFFIN, K. M.; KARAS, M. G.; IVASCU, N. S.; LIEF, L. Hospital preparedness for COVID-19: a practical guide from a critical care perspective. Am J Respir Crit Care Med, v. 201, n. 11, p.1337-1344, 2020.; FEST; KREWULAK, 2021FEST, K. M.; KREWULAK, K. D. Space, staff, stuff, and system: keys to ICU care organization during the COVID-19 pandemic. Peito, v.160, n. 5, p. 1585-6, 2021.; ANDRADE et al., 2020ANDRADE, C. L. T.; PEREIRA, C. C. A.; MARTINS, M.; LIMA, S. M. L.; PORTELA, M. C. COVID-19 hospitalizations in Brazil’s Unified Health System (SUS). PLOS ONE., v. 15, n. 12, p. e0243126, 2020.). O cenário de morbimortalidade em larga escala e o fluxo de pacientes graves que demandaram cuidados intensivos revelaram que as Unidades de Terapia Intensiva (UTI) seriam um dos serviços mais afetados na crise sanitária que se instalava (KEENE et al., 2021KEENE, A.B. et al. Critical Care Surge During the Covid-19 Pandemic: implementation and feedback from frontline providers. J Intensive Care Med., v. 36, n. 2, p.233-240, 2021.; ROSENBAUM, 2020ROSENBAUM, L. Facing Covid-19 in Italy - ethics, logistics, and therapeutics on the epidemic’s front line. N Engl J Med., v. 382, n. 20, p. 1873-5, 2020.; GRASSELLI; PESENTI; CECCONI, 2020GRASSELLI, G.; PESENTI, A.; CECCONI, M. Critical care utilization for the Covid-19 outbreak in Lombardy, Italy: early experience and forecast during an emergency response. JAMA, v. 323, n. 16, p. 1545-6, 2020.).

Constatou-se que 5% a 16% das pessoas que desenvolveram a forma grave da doença requereram internação em UTI. Esta situação provocou aumento da demanda de pacientes críticos em curto espaço de tempo e, paralelamente, tensão nos sistemas de saúde em diferentes contextos socioeconômicos (GRASSELLI; PESENTI; CECCONI, 2020; WU; MCGOOGAN, 2020).

De 31 de dezembro de 2019, quando a China informou à Organização Mundial da Saúde sobre os primeiros casos (PHELAN; KATZ; GOSTIN, 2020PHELAN, A. L.; KATZ, R.; GOSTIN, L. O. The Novel Coronavirus Originating in Wuhan, China: Challenges for Global Health Governance. JAMA, v.323, n. 8, p. 709-710, 2020.), a 11 de outubro de 2022, o mundo contabilizou 622.340.197 casos confirmados e 6.559.629 mortes pela doença. O Brasil encontrava-se em segundo lugar no ranking dos países com maiores quantitativos de óbitos e em quarto com maior contingente de casos confirmados (JOHNS HOPKINS, 2022JOHNS HOPKINS UNIVERSITY & MEDICINE. COVID-19 Dashboard by the Center for Systems Science and Engineering (CSSE) at Johns Hopkins University (JHU). 2022. Disponível em: https://coronavirus.jhu.edu/map.html.
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). O estado do Maranhão, similar ao cenário mundial de emergência em saúde, deparou-se com o aumento escalonar do número de casos da doença que demandaram por cuidados críticos (CONASS, 2022CONSELHO NACIONAL DE SECRETÁRIOS DE SAÚDE (CONASS). Painel Nacional: Covid-19. Disponível em: https://www.conass.org.br/painelconasscovid19/ Acesso em: 17 jan 2022.
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), e contabilizou 473.580 casos e 10.993 óbitos até a data supracitada.

Dimensionar as repercussões desse evento para o trabalho em saúde e os profissionais da linha de frente, em especial, para os ambientes laborais das Unidades de Terapia Intensiva (UTI), não é uma tarefa fácil, sobretudo, quando se lança luz ao momento mais cruel vivido por elas: o período crítico da primeira onda (TEIXEIRA et al., 2020TEIXEIRA, C. F. S., et al. A saúde dos profissionais de saúde no enfrentamento da pandemia de Covid-19. Ciência & Saúde Coletiva, v. 25, n. 9, p. 3465-3474, 2020.; ROSE et al., 2021ROSE, L. et al. Communication and Virtual Visiting for Families of Patients in Intensive Care during the COVID-19 Pandemic: A UK Nation Survey. Ann Am Thorac Soc., v. 18, n. 10, p. 1685-1692, 2021. doi:10.1513/AnnalsATS.202012-1500OC
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).

O trabalho em UTI, por si só, é complexo. O ambiente estressante, os recursos tecnológicos, o regime de plantões, a gravidade dos pacientes, a proximidade com a morte e a sobrecarga de trabalho fazem parte da rotina do profissional intensivista (RODRIGUES; FERREIRA, 2011RODRIGUES, V. M. C. P.; FERREIRA, A. S. S. Fatores geradores de estresse em enfermeiros de Unidades de Terapia Intensiva. Rev. Latino-Am. Enfermagem., v. 19, n. 4, p. 1025-32, 2011.). No entanto, a Covid-19 surge agravando esse contexto, influenciando em medidas distintas a assistência à saúde e as relações de trabalho (KEENE et al., 2021KEENE, A.B. et al. Critical Care Surge During the Covid-19 Pandemic: implementation and feedback from frontline providers. J Intensive Care Med., v. 36, n. 2, p.233-240, 2021.). De forma repentina, o processo de trabalho em UTI precisou responder a esse novo cenário de doença desconhecida, com alta transmissibilidade e letalidade, de curso clínico e tratamento, até então, pouco conhecidos (HUANG et al., 2020HUANG, C.; WANG, Y.; LI, X.; REN, L.; ZHAO, J.; HU, Y. Clinical features of patients infected with 2019 novel coronavirus in Wuhan, China. Lancet., v. 395, n. 1, p. 497-506, 2020.).

Na UTI, assim como em outros serviços de saúde, a produção do cuidado interage a todo o tempo com diferentes tipos de tecnologias. Essa interação configura um sentido ao modo de produzir o cuidado (MERHY et al., 2003MERHY, E. E.; MAGALHÃES JÚNIOR, H. C. M.; RIMOLI, J.; FRANCO, T. B.; BUENO, W. S. O trabalho em saúde: olhando a experenciando o SUS no cotidiano: o debate no campo da saúde coletiva. São Paulo: Hucitec, 2003.). Por ser dinâmico, esse cuidado sofreu mudanças a partir das relações produtivas do “trabalho vivo em ato”, realizadas em cenário de excepcionalidade de pandemia. A literatura não é clara quanto aos aspectos intersubjetivos envolvidos nessas relações, indicando a necessidade de evidenciá-los em uma perspectiva que considere a UTI para além de um campo técnico, como de práticas sociais (FEST; KREWULAK, 2021FEST, K. M.; KREWULAK, K. D. Space, staff, stuff, and system: keys to ICU care organization during the COVID-19 pandemic. Peito, v.160, n. 5, p. 1585-6, 2021.; BAMBI et al., 2020BAMBI, S.; LOZZO, P.; RASERO, L.; LUCCHINI, A. Covid-19 in critical care units: rethinking the humanization of nursing care. Dimens Crit Care Nurs., v.39, n. 5, p. 239-41, 2020.).

Ao analisar a produção científica brasileira sobre vivências de profissionais de saúde que atuaram na linha de frente da assistência à saúde durante a pandemia, observou-se que os estudos, em maioria, estão concentrados em pesquisas de revisão (SILVA et al., 2020SILVA, M. O.; RIBEIRO, A. S. Enfermeiros na linha de frente do combate à Covid-19: profissionais da saúde e assistência ao usuário. Pesquisa, Sociedade e Desenvolvimento, [S.l.], v. 9, n. 8, p. e172985241, 2020. DOI: http://dx.doi.org/10.33448/rsd-v9i8.6471; MATTANA et al., 2022MATTANA, A. D. B. et al. Estresse em profissionais de enfermagem da linha de frente da Covid19. Research, Society and Development, v. 11, n. 7, e9011729669, 2022. DOI: https://doi.org/10.33448/rsd-v11i7.29669). Entre os estudos empíricos, poucos apresentam dados qualitativos sobre a temática em contexto de excepcionalidade (MASSETI; VERGARA, 2022MASSETI, M. M.; VERGARA, C. Vozes da pandemia: narrativas da linha de frente no atendimento a pacientes com Covid 19. The Brazilian Journal of Infectious Diseases, v.26, n.1, p.101817, 2022. doi.org/10.1016/j.bjid.2021.101817; OLIVEIRA, et al., 2022OLIVEIRA, S. S. et al. A saúde dos trabalhadores da saúde: a experiência do Centro Hospitalar do Instituto Nacional de Infectologia. In: Portela, M. C., Reis, L. G. C., e Lima, S. M. L., eds. Covid-19: desafios para a organização e repercussões nos sistemas e serviços de saúde [online]. Rio de Janeiro: Observatório Covid-19 Fiocruz, Editora Fiocruz, 2022, pp. 347-360. Informação para ação na Covid-19. https://doi.org/10.7476/9786557081587.0024.). Desta forma, evidenciou-se que estudos qualitativos sobre a temática são especialmente relevantes e necessários para compreensão desse fenômeno, tratando-se de campo a ser explorado.

Outrossim, a pandemia em curso convida a olhar o modo como se organizou o trabalho em UTI para além dos atos formais da assistência à saúde. Ao considerá-lo como espaço de relações técnico-sociais e de poder, em que a subjetividade do agente perpassa o campo de trabalho, mas não está limitado a ele (DESLANDES, 2001DESLANDES, S. F. O processo de trabalho na emergência. In: Frágeis deuses: profissionais de emergência entre os danos da violência e a recriação da vida. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2001. p. 45-94.), pode-se compreender a existência de arranjos no cuidado, que surgiram ou coexistiram com a pandemia. Além disso, espera-se, também, vislumbrar outras dimensões inerentes às relações de produção do cuidado, como a comunicação, as relações de cooperação e conflitos, os sentimentos, significados e sentidos que emergiram do contexto e da interação dos seus agentes.

A partir dessa perspectiva, este estudo objetivou analisar experiências de profissionais em relação às mudanças ocorridas no trabalho em saúde em UTI, durante o período crítico da primeira onda da pandemia da Covid-19, no Maranhão.

Métodos

Trata-se de estudo descritivo-exploratório, de abordagem qualitativa, realizado como parte do projeto matriz denominado “A pandemia da Covid-19 e seus efeitos na gestão e assistência à saúde no SUS”. Foi realizado em UTI de dois hospitais públicos do Maranhão, Brasil, que ofertaram leitos de UTI Covid-19, em dois municípios distintos em relação ao porte populacional.

As entrevistas iniciaram-se em novembro de 2020 e finalizaram em janeiro de 2021, e se referiram ao primeiro momento da pandemia da Covid-19, que ocorreu de abril a junho de 2020, no Maranhão, período mais crítico no estado, cujas taxas de ocupação em terapia intensiva alcançaram capacidade máxima (CONASS, 2022CONSELHO NACIONAL DE SECRETÁRIOS DE SAÚDE (CONASS). Painel Nacional: Covid-19. Disponível em: https://www.conass.org.br/painelconasscovid19/ Acesso em: 17 jan 2022.
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), levando o estado a decretar lockdown como medida mais severa de segurança, de 5 a 15 de maio de 2020, em toda a Região Metropolitana.

Para escolha da amostra, elaborou-se matriz com informações sociodemográficas e de serviço, extraídas da listagem de trabalhadores, médicos e enfermeiros, que atuaram na assistência aos pacientes internados em UTI Covid-19, fornecida pelos gestores das Unidades. Empregou-se amostragem intencional para seleção dos profissionais, considerando a diversidade dos perfis profissionais em relação aos critérios sociodemográficos e laborais, como idade, tempo de experiência profissional no serviço, formação acadêmica e turno de trabalho. Adotou-se uma amostra que, em seu conjunto, contemplasse as dimensões, conhecimentos e experiências relacionadas às mudanças provocadas pela pandemia da Covid-19 no trabalho em saúde em Unidade de Terapia Intensiva, que fosse a mais variada possível. Assim, selecionaram-se, dentro das categorias profissionais, os sujeitos sociais com diferentes tempos de formação e experiência profissional, que exerceram suas atividades em turnos diurno e noturno, com ou sem especialização em terapia intensiva, segundo sexo e distintas faixas etárias. Dessa forma, prosseguiu-se com as entrevistas até se obter uma heterogeneidade de relatos suficiente para análise do objeto de investigação.

Incluíram-se médicos e enfermeiros que atuaram na assistência aos pacientes internados em UTI, no decorrer da primeira onda da pandemia. Priorizaram-se essas duas categorias profissionais por conhecerem amplamente o processo do cuidado em UTI, contribuindo, assim, para compreensão das mudanças ocorridas no processo de trabalho nesse serviço. O critério de exclusão foi para profissionais afastados do ambiente de trabalho no decorrer desse período.

Para o fechamento amostral, utilizou-se o critério de saturação teórica dos dados, finalizando-se a coleta de dados quando os entrevistados não acrescentaram novas informações a serem analisadas. O número final da amostra foi de 15 participantes.

A técnica empregada para coleta de dados foi a entrevista semiestruturada. Elaboraram-se dois instrumentos: questionário estruturado com dados de identificação, formação e atuação dos profissionais; e roteiro de entrevista semiestruturada com questões norteadoras relativas ao processo de trabalho em UTI, no período inicial da pandemia. As entrevistas se iniciaram a partir da seguinte questão: como tem sido a rotina de trabalho com o surgimento da Covid-19? Assim, prosseguiu-se com a abordagem dos temas contidas no roteiro: mudanças ocorridas no espaço laboral, oferta e demanda por serviços, dinâmica e relações de trabalho, protocolos de biossegurança, disponibilidade e adequação do uso de EPI, arranjos na produção do cuidado, assim como perguntas relativas aos sentimentos, significados e sentidos atribuídos às experiências naquele contexto. Realizaram-se entrevistas piloto com médico e enfermeiras atuantes em UTI, para testar os instrumentos.

As entrevistas aconteceram presencialmente (14) nos locais e horários indicados pelos entrevistados e uma mediada por meio digital, utilizando-se do software Skype®, agendadas conforme conveniência do participante e realizadas pela autora principal. Foram gravadas após autorização dos entrevistados e, posteriormente, transcritas na íntegra. O tempo médio de duração foi de 40 minutos.

Realizou-se análise de conteúdo, na modalidade temática (BARDIN, 2011BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: 70, 2011.). Os passos utilizados foram a pré-análise, com leitura flutuante das transcrições; categorização do material, classificando os dados em busca das unidades temáticas, núcleos do sentido e os conceitos gerais que subsidiaram a análise dos dados produzidos. Os resultados encontrados foram interpretados a partir de diferentes contribuições teóricas da área da saúde coletiva, estudos e autores sobre a temática.

Observou-se que as perspectivas e experiências dos profissionais dos hospitais estudados foram similares. Desta forma, optou-se por categorizá-las conjuntamente. Além disso, o tempo de experiência no serviço foi codificado em três categorias: recente=T1 (até dois anos); intermediário=T2 (entre dois e cinco anos); e sênior=T3 (mais de cinco anos).

Empregou-se o software NVIVO® 12 para auxílio no gerenciamento, na organização e no tratamento dos dados. Ressalta-se que esta pesquisa seguiu os passos recomendados pelos Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ).

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão (CEP HUUFMA - 35645120.9.0000.5086). Como forma de assegurar o sigilo dos participantes, os nomes foram substituídos por iniciais: “E” para enfermeiro e “M” para médico, seguidas de número de acordo com a ordem de participação. Os entrevistados assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Resultados e Discussão

Dos 15 profissionais entrevistados, oito eram enfermeiros e sete médicos, com idades entre 25 e 53 anos, com maior frequência do sexo masculino (8), solteiros (8) e pardos (6). O tempo médio de formação (graduação) foi de 9,5 anos e a experiência em UTI variou de nove meses a 30 anos. Entre os participantes, 11 afirmaram ter título de especialista em terapia intensiva e três eram gestores das unidades, exercendo, também, atividades assistenciais.

Da análise das narrativas dos entrevistados sobre as experiências com as mudanças ocorridas no trabalho em saúde na UTI, emergiram três eixos temáticos: demanda elevada, cuidado prejudicado; cuidar e não se contaminar; e vivenciando a morte para além do imaginável.

Esses eixos e os respectivos subtemas estão representados na Figura 1 pelos três círculos internos e indicam que, apesar de serem categorias independentes, elas se complementam, articulam-se e marcam as experiências descritas pelos entrevistados.

Figura 1
Diagrama dos Eixos temáticos e subtemas obtidos a partir da análise dos dados.

Os círculos intermediários e externo delimitam as abordagens deste estudo. A maior densidade da linha tracejada (Figura 1) indica a intensidade das mudanças provocadas pela pandemia no trabalho em saúde em UTI. A partir da literatura (GRIFFIN et al., 2020GRIFFIN, K. M.; KARAS, M. G.; IVASCU, N. S.; LIEF, L. Hospital preparedness for COVID-19: a practical guide from a critical care perspective. Am J Respir Crit Care Med, v. 201, n. 11, p.1337-1344, 2020.; FEST; KREWULAK, 2021FEST, K. M.; KREWULAK, K. D. Space, staff, stuff, and system: keys to ICU care organization during the COVID-19 pandemic. Peito, v.160, n. 5, p. 1585-6, 2021.; VRANAS et al., 2021VRANAS, K. C. et al. The influence of the COVID-19 pandemic on ICU organization, care processes, and frontline clinician experiences. Peito, v. 160, n. 5, p. 1714-28, 2021.) e das informações apreendidas por meio das entrevistas, infere-se que as UTI foram um dos setores que mais sofreram os efeitos desse fenômeno no momento mais crítico, que gerou mudanças repentinas e generalizadas nesses serviços. Foi necessário mudar e ampliar espaços, treinar e gerenciar pessoas e reinventar a oferta do cuidado diante da sobrecarga de trabalho e escassez de profissionais.

Demanda elevada, cuidado prejudicado!

Diante do cenário de desequilíbrio provocado pela demanda crescente para internação em UTI e oferta insuficiente desses leitos, os profissionais referiram necessidade premente de reorganizar o ambiente hospitalar, fazendo com que as Unidades redirecionassem alguns setores hospitalares em UTI-Covid. Adicionada a essa medida, houve a abertura de leitos extras para o atendimento aos pacientes encaminhados, que eram alocados conforme a gravidade do quadro clínico. Ressalta-se que mudanças intensas na (re)organização e classificação dos pacientes ocorriam à medida que surgiam novas atualizações acerca dos protocolos de biossegurança, mecanismos de transmissão e conduta clínica da doença.

[...] (a demanda) foi tão alta que houve a necessidade de abrir outros leitos que tivessem todo o suporte de terapia intensiva fora da UTI [...] A ala amarela é para pacientes de enfermaria, a ala vermelha é uma ala para pacientes graves e tem todo o suporte de uma UTI. Tem bomba infusora, ventilador, monitores, tem tudo. Então, por conta da demanda ser alta, houve essa necessidade de abrir esses leitos, que são leitos de UTI, só que fora da UTI. (M1, T1)

A expansão desses leitos era acompanhada dos desafios inerentes ao cumprimento das exigências para oferta de cuidado de alta complexidade, a exemplo da disponibilidade de profissionais habilitados para cuidar de casos complexos e insumos médico-hospitalares suficientes para esses leitos (BRASIL, 2010BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Brasil). Resolução nº.7, de 24 de fevereiro de 2010. Dispõe sobre os requisitos mínimos para funcionamento de Unidades de Terapia Intensiva e dá outras providências. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/2010/res0007_24_02_2010.html Acesso em: 16 dez 2021.
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).

As experiências com as transformações nos elementos representativos da objetividade do trabalho em saúde na UTI, aqui compreendidos como a organização do espaço, do serviço ou dinâmica laboral, remetem às questões relacionadas ao acesso à saúde, sobretudo, à dimensão disponibilidade de serviços e recursos. A discussão acerca desse conceito é complexa e tem sido concebida como a oportunidade de utilização dos serviços de saúde nos diferentes níveis. Contudo, a acessibilidade pode apresentar-se mais complexa em setores e contextos de saúde do que em outros (SANCHEZ; CICONELLI, 2012SANCHEZ, R. M.; CICONELLI, R. M. Conceitos de acesso à saúde. Rev Panam Salud Publica, v. 31, n. 3, p. 260-8, 2012.).

Nessa direção, Noronha et al. (2020NORONHA, K. et al. Pandemia por Covid-19 no Brasil: análise da demanda e da oferta de leitos e equipamentos de ventilação assistida considerando os diferenciais de estrutura etária, perfil etário de infecção, risco etário de internação e distâncias territoriais. 2020. Nota Técnica, CEDEPLAR/UFMG; IPEA.) dedicaram-se a mapear a oferta de leitos hospitalares e equipamentos de ventilação assistida nas diferentes regiões do Brasil, no período inicial da pandemia da Covid-19. Os autores constataram vazios assistenciais importantes nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Além disso, identificaram que a distância percorrida para obtenção do cuidado apresentou-se desigual no país, o que, possivelmente, dificultou o acesso ao atendimento médico-hospitalar em algumas regiões do país.

Dessa forma, o cenário de crise global provocado pela Covid-19 trouxe sérios desafios para efetividade do acesso aos cuidados intensivos, tencionando o trabalho em saúde na alta complexidade. Observaram-se verdadeiros desdobramentos para responder à sobrecarga da infraestrutura de saúde, decorrente do importante fluxo de pessoas que ficaram gravemente doentes e que demandaram por cuidados intensivos (ROSENBAUM, 2020ROSENBAUM, L. Facing Covid-19 in Italy - ethics, logistics, and therapeutics on the epidemic’s front line. N Engl J Med., v. 382, n. 20, p. 1873-5, 2020.; GRIFFI et al., 2020).

Esse esforço para estruturar o ambiente laboral, sobrepujou, de algum modo, a capacidade de resiliência desses profissionais (WANG et al., 2020WANG, C. et al. Immediate Psychological Responses and Associated Factors during the Initial Stage of the 2019 Coronavirus Disease (COVID-19) Epidemic among the General Population in China. Int. J. Environ. Res. Public Health, v. 17, n. 1. p. 1729, 2020.; GROTBERG, 2006GROTBERG, E. H. La resiliencia en el mundo de hoy. Gedisa: Espanha, 2003.). Estudo brasileiro demonstrou baixos níveis de resiliência e maiores pontuações médias para depressão entre profissionais de enfermagem investigados no transcorrer da pandemia e alertaram para necessidade de estratégias que promovam a saúde mental desses agentes em cenários pandêmicos (GIR et al., 2022GIR, R. et al. Resiliência, depressão e autoeficácia entre profissionais de enfermagem brasileiros na pandemia de COVID-19: um estudo transversal. The Brazilian Journal of Infectious Diseases, 26 (supl. 1), 2022. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.bjid.2021.102070
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).

Paralelo a esse contexto, a rápida evolução na gravidade dos pacientes com Covid-19 exigia cuidado intenso que sobrecarregava os profissionais disponíveis e ocorria em um momento em que o curso da doença e o tratamento adequado não eram bem compreendidos:

A demanda de serviço era muito grande, até porque era uma doença nova, eram pacientes com nuances diferentes das quais a gente não estava acostumado. Era um tipo de complicação muito rápida, em questão de horas o paciente mudava rapidamente, drasticamente de estado. Então ele estava um paciente estável e de repente virava um paciente gravíssimo, né? Era uma demanda de serviço muito grande, com o período muito curto, com a quantidade de profissionais também muito pequena. Então a gente foi muito, muito sobrecarregado nessa época. A enfermeira saia do salão e ia para o banheiro chorar, porque não aguentava mais. (M8, T1).

Os entrevistados referiram que a dinâmica laboral e a rotina de cuidados em terapia intensiva foram drasticamente maximizadas diante do aumento do número de pacientes graves e da quantidade insuficiente de profissionais para responder à demanda, gerando sobrecarga de trabalho, exaustão física e emocional. Neste sentido, ofertar o habitual cuidado de alto padrão em UTI tornara-se um desafio diante dessa nova realidade (BAMBI et al., 2020BAMBI, S.; LOZZO, P.; RASERO, L.; LUCCHINI, A. Covid-19 in critical care units: rethinking the humanization of nursing care. Dimens Crit Care Nurs., v.39, n. 5, p. 239-41, 2020.).

Em consonância com a literatura (ROSENBAUM; FACING, 2020; HUH, 2020HUH, S. How to train health personnel to protect themselves from SARS-CoV-2 (novel coronavirus) infection when caring for a patient or suspected case. J Educ Eval Health Prof., v. 17, n. 1, 2020.; BERGMAN et al., 2021BERGMAN, L.; FALK, A. C.; WOLF, A.; LARSSON, I. M. Registered nurses’ experiences of working in the intensive care unit during the Covid-19 pandemic. Nurs Crit Care., v. 26, n. 6, p. 467-75, 2021.), entre os desafios relatados pelos entrevistados, estavam o desconhecimento da doença e da respectiva evolução, o maior tempo para prestar assistência a cada um dos pacientes, o número reduzido de profissionais para responder à excepcionalidade da situação e o aumento substancial da carga de trabalho.

A escassez de profissionais de saúde foi um relato comum entre os entrevistados que, ao atingir níveis críticos no pico da pandemia, deixou a sensação de não ter sido ofertado o cuidado adequado. Essa percepção foi relatada pelos profissionais de diferentes formas, quer pela ausência de profissional em quantidade suficiente para a demanda, quer na ausência de experiência dos novos profissionais contratados para ampliação dos leitos de UTI:

Algo que seja interessante, não só para a parte médica, mas foi o que eu vi na prática: a Covid mata muito, sim a mortalidade é alta sim. Mas, tivemos períodos críticos dentro da assistência. Eu não tinha técnico para aquela quantidade de paciente, eu não tinha enfermeiro, eu não tinha profissional para aquela quantidade. (M2, T3).

[...] porque nessa época entrou muito médico jovem totalmente inexperiente, não só do ponto de vista técnico, mas também do ponto de vista emocional, né, esses meninos entraram assim, de repente sem ter sido preparados nem emocionalmente. (M4, T3).

Evidenciou-se a necessidade de mais profissionais para prestar o cuidado em UTI naquele momento. Houve, então, a necessidade de remanejamento e contratações de profissionais, alguns com pouco ou nenhum treinamento, além da inexperiência em cuidados intensivos, experiências semelhantes foram observadas na Itália. Assim, na perspectiva dos profissionais entrevistados, a alta demanda de pacientes, somada à carência de profissionais para responder a esse novo cenário, comprometeu o cuidado naquele momento (BERGMAN et al., 2021BERGMAN, L.; FALK, A. C.; WOLF, A.; LARSSON, I. M. Registered nurses’ experiences of working in the intensive care unit during the Covid-19 pandemic. Nurs Crit Care., v. 26, n. 6, p. 467-75, 2021.).

Conforme sugerem Bambi et al. (2020BAMBI, S.; LOZZO, P.; RASERO, L.; LUCCHINI, A. Covid-19 in critical care units: rethinking the humanization of nursing care. Dimens Crit Care Nurs., v.39, n. 5, p. 239-41, 2020.) e Bergman et al. (2021BERGMAN, L.; FALK, A. C.; WOLF, A.; LARSSON, I. M. Registered nurses’ experiences of working in the intensive care unit during the Covid-19 pandemic. Nurs Crit Care., v. 26, n. 6, p. 467-75, 2021.), essas medidas, apesar de serem necessárias frente à expansão dos leitos, pareceram desequilibrar a “combinação de habilidades entre a equipe” e a qualidade da assistência.

Assim, diante das novas exigências imputadas pela doença, as equipes de trabalho precisaram somar esforços e decidir quais procedimentos seriam realizados durante o turno de trabalho, mais especificamente, as prioridades naquele contexto:

Teve determinados dias que não teve mais diferenças de técnico de enfermagem, enfermeiros e médicos. Então, todo mundo estava fazendo os mesmos serviços. Médico fazendo aspiração, dando banho no leito, dentistas fazendo administração de medicamentos, médico aplicando medicação, né? Então teve uma sobrecarga grande [...] teve dias que por exemplo que a gente tinha um técnico para 6, 8 pacientes. Então, demanda muito alta, então o que a gente podia fazer: -ah, mas ele vai ter que banhar. -Não! vamos fazer o que é de prioridade. A prioridade é medicação, prioridade isso, aquilo outro, então esse foi um momento muito crítico. (M2, T3).

[...]A gente via a exaustão no rosto de todo mundo, mas a gente via a vontade de trabalhar e a vontade de ajudar. (E13, T3).

Os relatos retrataram o empenho de profissionais em otimizar um cuidado, considerado prioritário para os pacientes internados, experiência nomeada de “racionamento de cuidados” em hospitais estadunidenses (VRANAS et al., 2021VRANAS, K. C. et al. The influence of the COVID-19 pandemic on ICU organization, care processes, and frontline clinician experiences. Peito, v. 160, n. 5, p. 1714-28, 2021.). A ponto, inclusive, de suspenderem a divisão do trabalho que caracteriza as distintas categorias profissionais no ambiente hospitalar. A qualidade do trabalho não estava no mesmo patamar daquela oferecida em tempo de normalidade. Era um momento crítico. Por isso, a despeito da exaustão, os trabalhadores seguiam com disposição para trabalhar e ajudar, cuidando.

O sentimento de colaboração profissional, a resiliência e o trabalho em equipe foram fundamentais, utilizando-se, para isso, de meios e habilidades próprias para enfrentar esse momento (GROTBERG, 2006).

Deslandes (2002), ao discutir o processo de trabalho em saúde, ponderou que o modo como se organiza o espaço e se produz o cuidado revelam as relações técnico-sociais e de poder entre os sujeitos, nas quais a fragmentação de responsabilidades caracteriza um modelo hierárquico de supervalorização de categorias profissionais, secundarizando outras. Por outro lado, cabe inferir, a partir das falas dos entrevistados, que os efeitos nefastos produzidos pela pandemia resultaram na ruptura transitória nessa configuração de trabalho, pautada no modelo médico-hegemônica, de modo que também secundarizou, nesse período, a dominação e a subordinação nos espaços social e técnico constitutivos da UTI.

Nesse sentido, os entrevistados expressaram que ofertar o cuidado humanizado, oportuno e de qualidade, nesse contexto, era um desafio quase intransponível, frente à insuficiente mão de obra e à alta demanda de pacientes graves (VRANAS et al., 2021VRANAS, K. C. et al. The influence of the COVID-19 pandemic on ICU organization, care processes, and frontline clinician experiences. Peito, v. 160, n. 5, p. 1714-28, 2021.). Essa insuficiência era decorrente do gradual adoecimento dos colegas, da escassez de profissionais para contratação imediata e da recusa direta dos profissionais em desenvolverem as atividades em UTI-Covid.

Estudo apontou que o cuidado de enfermagem e a qualidade da assistência, de forma geral, foram gravemente afetados nesse período. O termo “despriorizados” foi utilizado pela literatura para se referir à assistência de enfermagem que fora comprometida frente à carga de trabalho e ao número reduzido de profissionais (BERGMAN et al., 2021BERGMAN, L.; FALK, A. C.; WOLF, A.; LARSSON, I. M. Registered nurses’ experiences of working in the intensive care unit during the Covid-19 pandemic. Nurs Crit Care., v. 26, n. 6, p. 467-75, 2021.).

Ao considerar o contexto brasileiro, Rotenberg et al. (2022) acrescentam: “a sensação de não atender ao paciente em todas as suas necessidades leva o trabalhador a sofrer e, possivelmente, a adoecer, o que permite dizer que a má assistência é fator de sofrimento”. Essa constatação surge da difícil responsabilidade, percebida pelos profissionais de saúde da linha de frente de assegurar a humanização da assistência frente aos efeitos nefastos da pandemia para produção do cuidado em saúde.

Assim, diante da excepcionalidade vivenciada no ambiente hospitalar, emergiram novas formas de organização do trabalho para sistematizar a assistência. Para os entrevistados, esse novo arranjo na produção do cuidado era necessário para assegurar a assistência naquele momento, ao passo que reduzia o desconforto das longas horas de uso dos EPI e o risco do contágio pelo vírus, por minimizar o tempo de exposição na assistência aos pacientes.

Eu tive que montar estratégias: a gente dividia a equipe em duas que fazia o revezamento de horário e de serviços. No momento de receber o plantão pela manhã, entravam todos, recebiam o plantão, dava o banho no leito, curativos, trocando fixação, de tubo, o que tivesse que fazer com o paciente. Daí, fazia a divisão. A primeira equipe ficava do lado de fora por 2 a 4 horas e a outra dentro da UTI. Então, os de fora organizavam as medicações, materiais, faziam evolução, aprazavam as medicações e depois logo se paramentavam e entravam. (E7, T2).

O significado atribuído ao modo de produzir o cuidado naquele contexto estava relacionado ao próprio trabalho coletivo, construído a partir da perspectiva colaborativa entre esses profissionais, com a finalidade de “cuidar do usuário, o portador efetivo das necessidades de saúde”. Nesse aspecto, a potência criativa do trabalhador concebeu novas possibilidades para mudanças no processo de trabalho, tecendo novas ações no ato de cuidar (MENRY, 2003; VRANAS, 2021).

Cuidar e não se infectar!

Evidenciou-se que o período crítico da primeira onda da pandemia gerou um impacto na memória que emergia na narrativa dos profissionais, pois, mesmo quando abordavam os diferentes momentos da pandemia, os participantes se reportavam à fase crítica, estabelecendo conexão emocional com os fatos vividos naquele momento, a exemplo do medo do contágio com o vírus. Esse fenômeno foi mencionado recorrentemente pelos entrevistados, marcando as experiências vividas por esses profissionais.

O medo de infectar-se e infectar os colegas de profissão era permanente e perpassava toda a rotina de trabalho, especialmente quando se fazia necessário o procedimento de intubação orotraqueal. As incertezas sobre os mecanismos de transmissão e a própria doença naquele momento foram desafios enfrentados:

O protocolo que todo dia mudava: -Não, hoje a gente vai fazer assim; aí, amanhã é de outro jeito. A questão da intubação, né, que era diferente, todo um cuidado diferente. Só durante a pandemia, eu perdi a conta de quantos protocolos para intubação saíram. (E2, T2).

A pressão maior era na hora da intubação. A gente agir com calma, procurar manter a calma, principalmente, durante o procedimento, porque qualquer desespero entre a gente era um risco de contaminar um colega ou a gente mesmo se contaminar. (E3, T2).

O alto risco de transmissão viral no momento da intubação exigia equipe reduzida, orquestrada e composta por profissionais habilidosos (PHUA et al., 2020PHUA, J. et al. Intensive care management of coronavirus disease 2019 (Covid-19): challenges and recommendations. Lancet Respir Med., v. 8, n. 5, p. 506-17, 2020.). Estudo apontou que cerca de 77% dos profissionais de saúde perceberam alto risco de infecção por Covid-19 em espaços de saúde, devido à exposição frequente e à fadiga no trabalho (HAKIM et al., 2021HAKIM, M. et al. Perceptions of Covid-19-related risks and deaths among health care professionals during Covid-19 pandemic in Pakistan: a cross-sectional study. Inquiry., v. 58, n. 1. p. 469580211067475, 2021.).

Os entrevistados relataram que o medo do contágio aumentava, na medida em que os números de infectados e mortes entre os profissionais de saúde eram contabilizados (COFEN, 2022COFEN. Observatório da Enfermagem. Profissionais infectados com Covid-19 informado pelo serviço de saúde. Disponível em: http://observatoriodaenfermagem.cofen.gov.br/ Acesso em: 17 jan 2022.
http://observatoriodaenfermagem.cofen.go...
; CFM, 2022CFM. Memorial aos médicos que se foram durante a pandemia o combate ao Covid-Total de médicos que morreram. Disponível em: https://memorial.cfm.org.br/ Acesso em: 17 jan 2022.
https://memorial.cfm.org.br/...
). Por outro lado, embora o medo fosse uma constante, esses profissionais manifestavam admirável dedicação profissional (LIU et al., 2020LIU, Q., et al. The experiences of health-care providers during the Covid-19 crisis in China: a qualitative study. Lancet Glob Health., v. 8, n. 6, p. E790-E798, 2020.). No entanto, não se pode ignorar que esse medo pode ter sido potencializado pelos bombardeios midiáticos de informações, por vezes, subvertidas sobre a doença, influenciando negativamente a compreensão de risco pelos profissionais (OLIVEIRA; LUCAS; IQUIAPAZA, 2021OLIVEIRA, A. C.; LUCAS, T. C.; IQUIAPAZA, R. A. Percepção do risco de contaminação dos profissionais de saúde por Covid-19 no Brasil. Texto Contexto Enferm., v. 30, n. 1, p. e20210160, 2021. DOI: https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2021-0160).

Notou-se que o significado atribuído à segurança da equipe marcou a relação interpessoal da equipe de trabalho. Enfatiza-se que, naquele momento, o importante era a segurança de todos, condição que garantiria a continuidade dos cuidados aos pacientes:

A gente fica vigilante para não ter risco do profissional se contaminar, de um apoiar o outro durante a paramentação e na hora da retirada também dos EPIs. Sempre ficava um olhando para ver se não tinha risco de contaminação, a gente tinha todo esse cuidado. (E3, T2).

As evidências sobre o alto risco de contaminação na desparamentação (OLIVEIRA; LUCAS; IQUIAPAZA, 2021) elevaram a percepção de insegurança, produzindo o senso de responsabilidade com o outro. O medo de adoecer foram narrativas notáveis durante as entrevistas, a despeito dos treinamentos constantes sobre fluxos de serviços e protocolos de biossegurança recebidos antes e durante a pandemia. Assim, cuidar e não se infectar era um desafio persistente nesse novo cenário. Como sugere Huh (2020HUH, S. How to train health personnel to protect themselves from SARS-CoV-2 (novel coronavirus) infection when caring for a patient or suspected case. J Educ Eval Health Prof., v. 17, n. 1, 2020.), a segurança da equipe era um pressuposto garantidor da assistência aos pacientes internados, sendo, portanto, fundamental naquele contexto.

Somado a esse temor, esses profissionais estavam diante de problemas advindos da condicionalidade de novas rotinas, como do uso de equipamentos de proteção individual (EPI):

[...] E acaba que uma hora ou outra pode ter falha né? Nesse processo cansativo de você passar o dia todo com aquilo. E, às vezes, tinha paciente que descompensava de uma hora para outra que quando tu te espantava estava em cima do paciente e tu: -Meu Deus, E aí? Cadê minhas coisas? Porque você pensava em dar assistência, a prioridade na sua cabeça era de sempre cuidar. (M3, T3).

Chegava em casa com o nariz machucado, com a testa machucada do EPI que a gente tinha que ficar segurando o máximo de horas que a gente podia. (E11, T3).

A necessidade do uso prolongado dos EPI era um desafio recorrente. Como observado também por Liu et al. (2020LIU, Q., et al. The experiences of health-care providers during the Covid-19 crisis in China: a qualitative study. Lancet Glob Health., v. 8, n. 6, p. E790-E798, 2020.), além do cansaço físico, alguns entrevistados relataram desconforto respiratório, cefaleia e alterações de pele, decorrentes da pressão desses dispositivos. Até mesmo o atendimento das necessidades fisiológicas, como as de alimentação e eliminação, eram percebidas como estressor na rotina de trabalho, devido ao medo de contaminar-se durante as trocas dos artefatos para a entrada e saída da UTI. Ademais, Liu et al. (2020LIU, Q., et al. The experiences of health-care providers during the Covid-19 crisis in China: a qualitative study. Lancet Glob Health., v. 8, n. 6, p. E790-E798, 2020.) e Bergman et al. (2021BERGMAN, L.; FALK, A. C.; WOLF, A.; LARSSON, I. M. Registered nurses’ experiences of working in the intensive care unit during the Covid-19 pandemic. Nurs Crit Care., v. 26, n. 6, p. 467-75, 2021.) ponderaram que a comunicação com os pacientes foi afetada frente às condicionalidades do uso dos EPI e à demanda de trabalho.

O relato de M03 sugere que nesse contexto de exigência quanto à utilização de diversos EPI, a ocorrência de uma situação não programada poderia representar ameaça à segurança profissional que, na imprevisibilidade do chamado, renunciava ao autocuidado relacionado à biossegurança, demonstrando que a prioridade naquele momento era o cuidado imediato ao paciente.

Estudo apontou que a exposição dos profissionais de saúde ao risco do contágio estava relacionada a fatores como uso incorreto de EPI e exaustão pela carga horária de trabalho excessiva, colocando em risco a segurança ocupacional desses agentes (OLIVEIRA; LUCAS; IQUIAPAZA, 2021).

Mereceu atenção o temor de infecção pela doença que era intensamente vivido quando os profissionais se referiam aos familiares. O receio de infectá-los e assim correr o risco de reproduzir as cenas experienciadas em UTI, levaram muitos desses profissionais a deixarem os próprios lares, passando a residir coletivamente com outros profissionais ou permanecendo nas dependências do hospital:

Eu não tinha medo de me contaminar, eu tinha medo de contaminar meus pais, de trazer... entendeu? Os colegas alugaram um quartinho aqui perto do hospital para poder nem ir para casa, foi uma loucura... foi uma coisa que eu nunca pensei que fosse viver na minha vida, assim... nunca mesmo. (E12, T3)

Fiquei longe da minha família, passei 58 dias aqui no hospital. (M2, T3)

Dessarte, compreende-se que esses profissionais vivenciaram o medo duplicado, por eles mesmos, mas também pelas famílias (BAMBI et al., 2020BAMBI, S.; LOZZO, P.; RASERO, L.; LUCCHINI, A. Covid-19 in critical care units: rethinking the humanization of nursing care. Dimens Crit Care Nurs., v.39, n. 5, p. 239-41, 2020.), de modo estritamente individual e exclusivo de cada um (VIESENTEINER, 2013VIESENTEINER, J. Conceito de vivência (erlebnis) em Nietzsche: gênese, significado e recepção. Kriterion, n. 127. p. 141-155, 2013.). Estudos demonstraram efeitos graves à saúde mental e à vida desses profissionais, decorrentes do medo recorrente e do rompimento das relações intersubjetivas do mundo social (HIDIEBERE; TIBALDI; LA TORRE, 2020HIDIEBERE, O. E.; TIBALDI, L.; LA TORRE, G. The impact of COVID-19 pandemic on mental health of nurses. Clín Ter., v. 171, n. 5, p. e399-e400, 2020.; WANG et al., 2020).

A vida desses profissionais passou por profundas transformações. No âmbito privado, alguns deles vivenciaram rotina de isolamento, como alternativa de proteção da família, que era amortecida por mensagens e videochamadas. No âmbito profissional, os dias de folga eram marcados por trocas de experiências e evidências científicas com profissionais de outros hospitais. Assim, eles ficavam sempre imersos no “mundo da terapia intensiva”. Reconheceu-se que os profissionais de saúde assumiram a responsabilidade de cuidar do outro em contexto jamais vivido, sendo expostos à exaustão física e emocional (PHUA et al., 2020PHUA, J. et al. Intensive care management of coronavirus disease 2019 (Covid-19): challenges and recommendations. Lancet Respir Med., v. 8, n. 5, p. 506-17, 2020.; LIU et al., 2020LIU, Q., et al. The experiences of health-care providers during the Covid-19 crisis in China: a qualitative study. Lancet Glob Health., v. 8, n. 6, p. E790-E798, 2020.).

Vivenciando a morte para além do imaginável!

Nesta categoria, discutiram-se as dimensões subjetivas da experiência com a morte e o morrer em UTI. Sob a ótica dos profissionais, a quantidade elevada de mortes na UTI foi efeito dramático da pandemia na primeira onda:

[...] uma das coisas que mais me deixou traumatizado foi você ver oito corpos enfileirados, coisa que você está acostumado a lidar em UTI, lidar com a morte, mas você ver oito enfileirados, nesse momento, eu apaguei e não lembro de mais nada daquele plantão, apenas desse momento. Até hoje, é uma cena que não sai da minha cabeça, entendeu? Não tinha problemas com isso, mas foi uma coisa que me marcou. (E5, T3).

A Covid-19 trouxe grave cenário de morbimortalidade que tem desafiado os sistemas de saúde (GRIFFIN et al., 2020GRIFFIN, K. M.; KARAS, M. G.; IVASCU, N. S.; LIEF, L. Hospital preparedness for COVID-19: a practical guide from a critical care perspective. Am J Respir Crit Care Med, v. 201, n. 11, p.1337-1344, 2020.; ANDRADE et al., 2020ANDRADE, C. L. T.; PEREIRA, C. C. A.; MARTINS, M.; LIMA, S. M. L.; PORTELA, M. C. COVID-19 hospitalizations in Brazil’s Unified Health System (SUS). PLOS ONE., v. 15, n. 12, p. e0243126, 2020.). Os milhares de infectados e o número de mortes que aumentavam a cada dia foram escancarados nos meios midiáticos e chocaram o mundo (WESTPHAL, 2020WESTPHAL, E. R. Who deserves to live and who deserves to die: ethical dilemmas in times of Covid-19 pandemic 2. Estudos Teológicos São Leopoldo., v. 60, n. 2, p. 573-85, 2020.).

A taxa de mortalidade em UTI foi inicialmente alta, e a rápida evolução dos pacientes graves para o quadro de Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA) gerou preocupação nos profissionais (HUANG et al., 2020HUANG, C.; WANG, Y.; LI, X.; REN, L.; ZHAO, J.; HU, Y. Clinical features of patients infected with 2019 novel coronavirus in Wuhan, China. Lancet., v. 395, n. 1, p. 497-506, 2020.).

A estimativa de letalidade da Covid-19, no início da primeira onda da pandemia, apresentou-se de forma variada nos países (RAJGOR et al., 2020RAJGOR, C. D.; LEE, M. H.; ARCHULETA, S.; BAGDASARIAN, N.; QUEK, S. C. The many estimates of the COVID-19 case fatality rate. The Lancet, v. 20, n. 7, p. 776-7, 2020.). No Brasil, de 23 de fevereiro a 24 de abril de 2020, a taxa de letalidade foi de 6,9%. Os estados das Regiões Norte e Nordeste apresentaram taxas mais elevadas em comparação a outros estados. O Maranhão estava entre os 10 estados com as maiores taxas de letalidade no período de 5 a 11 de abril de 2020, com 6,10% (SOUZA et al., 2020SOUZA, C. D. F.; DE PAIVA, J. P. S.; LEAL, T. C.; DA SILVA, L. F.; SANTOS, L. G. Spatiotemporal evolution of case fatality rates of Covid-19 in Brazil, 2020. J. bras pneumol., v. 46, n. 4, p. 1-3, 2020.).

Apesar da morte ser um evento presente na vida dos profissionais intensivistas, a Covid-19 colocou-os de frente, de modo jamais concebido. As experiências com as sucessivas mortes eram compreendidas como inimagináveis, além de desafiador, do ponto de vista profissional e pessoal:

A partir do momento que eles ficavam internados lá (na UTI), a família não olhava mais, e quando o paciente vinha a óbito, a gente preparava o corpo dentro da UTI mesmo, colocava dentro de dois sacos, e já mandava para o morgue, e lá a funerária já vinha, e só colocava no caixão fechado e o familiar nunca mais o olhava. Então, foi um período um pouco complicado psicologicamente para todo mundo. Nós estávamos cansados fisicamente, mentalmente e, ainda, se deparava com essas situações. Situações que eu nunca tinha passado, nunca nem imaginava um dia passar, esse foi o pior momento que vivi na profissão. (E7, T2).

A pandemia impôs limitações drásticas aos rituais de despedida, rompendo com as liturgias funerárias, centradas na presença e no simbolismo invocados pelo corpo. Com a obrigatoriedade de caixões lacrados, os corpos não podiam ser vestidos, tocados e contemplados pela última vez. A despedida não concretizada traduz a ideia de “incompletude”, de “tarefa inacabada” ou mesmo de “missão não cumprida” (DANTAS et al., 2020DANTAS, C. R. et al. O luto nos tempos da Covid-19: desafios do cuidado durante a pandemia. Revista Latino-americana de Psicopatologia Fundamental, v. 23, n. 3, p. 509-33, 2020.).

Constatou-se que a separação dos familiares dos pacientes também gerou sofrimento para esses profissionais. A comunicação da equipe e desses pacientes com a família era limitada às visitas virtuais e aos boletins médicos, que eram realizados com os pacientes acordados ou diziam respeito ao paciente intubado. Vê-los morrer “sozinhos”, sem a companhia ou despedida de familiares e amigos, foram vivências relatadas como angustiantes para esses profissionais.

A experiência israelense com a internação sem visitas demonstrou que familiares manifestaram frustração e sensação de perda de controle, devido à impossibilidade de acompanhar seus entes. Adicionado a isso, havia o desconhecimento e o medo da doença que potencializavam a preocupação com a condição clínica do familiar. Para os profissionais, mediar as visitas virtuais e construir o vínculo sem a proximidade e empatia face a face eram vivências desafiadoras, que rompiam com o gerenciamento desse momento, que outrora, construía-se de forma presencial (LEVIN-DAGAN; STRENFELD-HEVER, 2020LEVIN-DAGAN, N.; STRENFELD-HEVER, S. Reflections on Israeli hospital-based social work with COVID-19 patients and their families. International Social Work, v. 63, n. 6, p.766-70, 2020.).

Assim, a exposição a mortes e ao luto em série e em curto espaço de tempo, também, são compreendidos como estressores vividos pelos profissionais da linha de frente no combate à pandemia, influenciando a perspectiva e o modo de encarar a morte nesse contexto (REIS et al., 2021REIS, L. B.; DE MIRANDA, A. A. W. R.; DE FREITAS, R.; CAZELLI, W.; DA SILVA, M. C.; BRITO, J. S. Luto em tempos de pandemia e os profissionais de saúde: algumas considerações. Braz J of Dev., v. 7, n. 12, p. 110276-91, 2021.).

Partindo do entendimento de que o cuidado em UTI envolve aspectos para além das tarefas técnica-especializadas, alguns profissionais se sentiram desafiados pelo desejo de ofertar o apoio emocional ao paciente, mas ter que cumprir com as “obrigações técnicas” da assistência em contexto de estresse e sobrecarga de trabalho. Apesar desse dilema, esses profissionais desdobraram-se em variados papéis nos momentos de angústia, na luta pela manutenção da vida ou nos momentos do último adeus.

Destaca-se que profissionais da linha de frente estão sujeitos a desenvolver sofrimento moral decorrente dos impactos negativos da pandemia para o trabalho em saúde. Ao vivenciarem sentimentos dolorosos, desencadeados por não realizar “um bom atendimento ao paciente” ou de sentir-se “desumanizados”, devido às restrições daquele momento, desvelam como esse fenômeno redesenhou o ambiente da terapia intensiva, assim como transformou as relações intersubjetivas do cuidado (CACCHIONE, 2020; SILVERMAN; KHEIRBEK; MOSCOU-JACKSON, 2021SILVERMAN, H. J.; KHEIRBEK, R. E.; MOSCOU-JACKSON, G. D. J. Moral distress in nurses caring for patients with Covid-19. Nursing Ethics., v. 28, n. 7-8, p. 1137-1164, 2021.).

Deixar o plantão e desconectar-se do “mundo da terapia intensiva” era percebido como tarefa difícil. Alguns profissionais relataram tristeza e fadiga durante o período de folga. Outros afirmaram lembrar de cada paciente, do rosto e do pedido para que não o deixasse morrer, levando-os a refletir sobre a efemeridade da vida, como em nenhum outro momento.

Essas vivências em UTI remetem ao que Viesenteiner (2013VIESENTEINER, J. Conceito de vivência (erlebnis) em Nietzsche: gênese, significado e recepção. Kriterion, n. 127. p. 141-155, 2013.), em Nietzsche, busca problematizar ao citar “sentido na pele”, de modo que cada uma dessas vivências “constrói a roupagem própria de cada pessoa, absolutamente única e individual”.

Partindo dessas discussões, infere-se que a grande quantidade de mortes durante o período da primeira onda em ambiente de terapia intensiva, provocou estresse psicológico, tanto em aspectos quantitativos, pelas experiências repetidas de vivenciar a morte e o morrer em quantidade elevada; quanto em aspectos qualitativos, pelo constante desgaste emocional decorrente da situação inusitada de dar esperanças aos pacientes, mesmo quando elas se esgotavam.

Nesse último ponto, Aredes e Modesto (2016AREDES, J. S.; MODESTO, A. L. “Entre vidas e mortes, entre máscaras e fugas”: um estudo sobre a prática médica hospitalar. Physis: Revista de Saúde Coletiva, v. 26, n. 2, p. 435-453, 2016. DOI: https://doi.org/10.1590/S0103-73312016000200006) apontam que diante de circunstâncias difíceis, como a ocorrência da morte ou de situações de impossibilidade de cura, o uso de “escudo ou máscara” para administrar o afeto e, assim, proteger-se do sofrimento do outro “não anula sua sensibilidade em relação aos problemas alheios, diante de vários fatos melindrosos inerentes à profissão, mas, de certo modo, obriga seu “eu” a resistir perante os acontecimentos”.

Por outro lado, as narrativas dos entrevistados evocaram um segundo olhar. Naquele contexto de exceção, de intensas mudanças no trabalho provocadas por uma nova doença, as relações entre profissionais e pacientes tornaram-se mais breves e, ao mesmo tempo, mais estreitas afetivamente. Relataram-se experiências como os pedidos e as confidências feitos pelos pacientes, além dos recados transmitidos para os familiares nas “visitas virtuais” ou durante a atualização do boletim médico, que produziram significado valorativo e aprendizado pessoal.

Assim, percebeu-se que esses agentes foram afetados ao vivenciarem a morte e o luto alheios de forma recorrente. Ao prestarem assistência ao paciente, foram “eles mesmos, com seu corpo, suas mãos, sua voz e ouvidos, os meios de interação do paciente com o mundo externo” (REIS et al., 2021REIS, L. B.; DE MIRANDA, A. A. W. R.; DE FREITAS, R.; CAZELLI, W.; DA SILVA, M. C.; BRITO, J. S. Luto em tempos de pandemia e os profissionais de saúde: algumas considerações. Braz J of Dev., v. 7, n. 12, p. 110276-91, 2021., p. 110284).

O impacto psicológico em profissionais da linha de frente havia sido relatado no surto de SARS, em 2003, chamando atenção para o alto nível de estresse e sofrimento psicológico, percebidos por 68% e 57% dos profissionais, respectivamente (TAM et al., 2004TAM, C. W.; PANG, E. P.; LAM, L. C.; CHIU, H. F. Severe acute respiratory syndrome (SARS) in Hong Kong in 2003: stress and psychological impact among frontline healthcare workers. Psychol Med., v. 37, n. 7, p. 1197-204, 2004.). Ademais, Lee et al. (2020) examinaram o impacto da MERS para saúde mental em profissionais, evidenciando risco elevado para sintomas de transtorno de estresse pós-traumático durante e após o surto (LEE et al., 2018LEE, S. M.; KANG, G. S.; CHO, A. R.; KIM, T.; KYUNG, P. J. Psychological impact of the 2015 MERS outbreak on hospital workers and quarantined hemodialysis patients. Comprehensive psychiatry., v. 87, n. 1, p.123-7, 2018.).

A partir dessas discussões e considerando que toda vivência é uma experiência ligada ao vivido, de modo que não se vivencia algo pelo legado nem por ouvir falar (VIESENTEINER, 2013VIESENTEINER, J. Conceito de vivência (erlebnis) em Nietzsche: gênese, significado e recepção. Kriterion, n. 127. p. 141-155, 2013.), este estudo lança luz sobre as relações intersubjetivas ocorridas no ambiente da UTI, que atravessam a reestruturação hospitalar e o processo do cuidado (em sentido amplo), revelando as transformações vividas pelos profissionais no período crítico da primeira onda da pandemia da Covid-19. Essas transformações perpassam os elementos objetivos do processo de trabalho em saúde, mas é no mundo social, do encontro ou desencontro com o outro, que esses agentes são desafiados a resistir e a reinventa-se, mediante ao confronto das tensões, medo e conflitos existenciais trazidos pela doença.

Considerações finais

A pandemia da Covid-19 provocou grandes transformações na organização do trabalho em saúde na UTI, impactou a produção do cuidado, os profissionais e as relações intersubjetivas. Os profissionais estavam diante de um cenário inusitado, que causava perplexidade. Os sentimentos de altruísmo e cooperação eram perceptíveis nas narrativas dos entrevistados e paradoxalmente se sobrepunham ao cansaço decorrente da alta demanda de trabalho, da escassez de profissionais e do medo de contaminar-se.

De modo particular, a escassez de profissionais habilitados ou com experiência para lidar com os casos graves da doença foi acentuadamente notada. Os profissionais disponíveis precisaram desdobrar-se para assegurar o cuidado naquelas circunstâncias, sob o ritmo frenético de escalas de trabalho imprevisíveis diante do adoecimento e afastamento de colegas. Nessa vertente, a pandemia da Covid-19 evidenciou a agudização da insuficiência de trabalhadores no Sistema Único de Saúde, demonstrando a importância de um sistema de saúde pública coeso e estruturado para o enfrentamento e controle de cenários de crise sanitária.

O cuidado intensivo foi construído sob o ritmo das incertezas e do desconhecimento da doença, sendo calibradas na tensão do cotidiano do labor em terapia intensiva. Ofertar o expectado cuidado de alto padrão foi um desafio que percorreu os espaços social e técnico da terapia intensiva.

A conexão emocional com as experiências vividas e o sentido ambivalente atribuído à vida e morte, cuidado e infecção, medo e coragem, acesso e indisponibilidade de recursos, influenciaram a dinâmica e o modo de pensar e prestar o cuidado em cenário de crise sanitária. Os profissionais foram afetados pela dor e perda de um modo considerado, por eles, inimaginável. Um sofrimento que permanece latente e que os impacta ainda hoje nos planos subjetivo e coletivo.

As mudanças ocorridas na organização do espaço, na assistência e nas relações interprofissionais podem indicar caminhos para se repensar os efeitos desse fenômeno para agentes, usuários, serviços do sistema de saúde brasileiro, além de fornecer maiores habilidades para lidar com cenários emergenciais futuros.

A pandemia teve dimensão global, cujos efeitos, mais ou menos adversos, estão ligados a ações de Estados e aos respectivos sistemas de saúde. Nesta pesquisa, de cunho qualitativo, discutiram-se mudanças na assistência e nos efeitos desta nas relações interprofissionais ocorridas no plano local. Espera-se que outros estudos possam contribuir para uma perspectiva comparativa. Como limitação, destaca-se que os desafios e as perspectivas identificadas podem diferenciar-se de outras realidades, o que impede a generalização dos resultados encontrados.

  • O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil Pessoal Educacional (CAPES) - Código de Financiamento 001 e Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA).

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Editora responsável: Tatiana Wargas

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    15 Mar 2022
  • Aceito
    22 Dez 2022
  • Revisado
    21 Out 2022
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