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Uma análise dos estudos brasileiros, do campo da Saúde Coletiva, sobre racismo e sofrimento psíquico

Analysis of Brazilian studies, in the field of Collective Health, on racism and psychic suffering

Resumo

Este artigo tem como objetivo analisar como tem sido abordada, no campo da Saúde Coletiva, a relação entre um fato social – o racismo – e uma experiência marcada pelo imbricamento dos aspectos singulares e coletivos das experiências subjetivas - o sofrimento. O método consistiu numa revisão de literatura sobre o assunto, realizada a partir da abordagem qualitativa. Os estudos foram buscados nas plataformas Lilacs e Scielo, sendo analisados 12 artigos. O material revisado foi estudado a partir da técnica de análise de conteúdo. A discussão dos resultados se centrou em três categorias de análise: (1) Racismo, danos psíquicos e cuidados; (2) Políticas públicas – saúde e assistência; e (3) Afrocentricidade.

Palavras-Chave:
Saúde Coletiva; Racismo; Sofrimento psíquico

Abstract

This article aims to analyze how the relationship between a social fact - racism - and an experience marked by the overlapping of singular and collective aspects of subjective experiences – suffering - has been approached in the field of Collective Health. The method consisted of a literature review on the subject, based on a qualitative approach. The studies were searched on the Lilacs and Scielo platforms, and 12 articles were analyzed. The revised material was studied using the content analysis technique. Discussion of the results was centered on three categories of analysis: (1) Racism, psychological harm and care; (2) Public policies - health and care; and (3) Afrocentricity.

Keywords:
Collective Health; Racism; Psychic suffering

Introdução

No Brasil, país com o maior período de escravidão do mundo – 338 anos – mais da metade da população se considera negra, categoria composta por pretos e pardos (IBGE, 2012Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Brasileiro de 2010. Rio de Janeiro: IBGE, 2012.). Historicamente, a população negra ocupou os níveis mais baixos da pirâmide social e com o menor acesso aos recursos necessários para o desenvolvimento da qualidade de vida, o que tem relação direta com o fato da assinatura da Lei Áurea (1888) não ter garantido nenhuma condição de dignidade, inserção no mercado de trabalho e acesso a bens a essa população (COSTA, 2012COSTA, E. S. Racismo, política pública e modo de subjetivação em uma comunidade do Vale do Ribeira. 2012. p. 276. Tese (Doutorado em Psicologia Social). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.).

Como indica Costa (2012COSTA, E. S. Racismo, política pública e modo de subjetivação em uma comunidade do Vale do Ribeira. 2012. p. 276. Tese (Doutorado em Psicologia Social). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.), a abolição veio acompanhada do pensamento higienista que trazia o debate racial para o país a partir da perspectiva de que os negros eram inferiores, degenerados, com tendências ao vício e a imoralidades. O discurso de que tinham um perfil violento e tendencioso para as doenças mentais era, entre outras coisas, usado como justificativa para a internação da população negra nos hospitais psiquiátricos.

Almeida (2018ALMEIDA, S. L. de. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Letramento, 2018.) aborda o racismo estrutural apontando o racismo como essencial para se entender o estabelecimento da ordem social, na medida em que há um grupo social privilegiado e outros em demérito, sendo tal privilégio assegurado pelo próprio Estado a partir de sua configuração política, social e econômica. A desigualdade racial também é expressiva nas instituições e é marcada sobretudo pela hegemonização de determinados grupos raciais que empregam mecanismos institucionais para ditar seus interesses políticos e econômicos.

O privilégio racial pode ser também observado para a branquitude, uma vez que ela é vista enquanto a “régua” da normalidade e é lida enquanto um grupo não racializado, como se a raça fosse só do outro, não branco. Ser marcado por uma identidade, diz Preciado (2020PRECIADO, P. Lettre d’un homme trans à l’ancien régime sexuel. Libération, 15 jan. 2018. Disponível em: https://www.liberation.fr/debats/2018/01/15/lettre-d-un-homme-trans-a-l-ancien-regime-sexuel_1622570 Acesso em: 1º. out. 2020.
https://www.liberation.fr/debats/2018/01...
), significa não ter poder de nomear a própria identidade como universal, enquanto ter uma identidade invisível é resultado do privilégio da norma sexual, racial e de gênero.

Com o declínio do pensamento higienista, o processo de criação de uma identidade republicana brasileira passou pela negação coletiva do passado colonial fundada na ideia de que “a mestiçagem seria apenas uma fase transitória e intermediária no pavimento da estrada que levaria a uma nação brasileira presumidamente branca” (MUNANGA, 2004MUNANGA, K. Autor de uma obra complexa e ininterrupta sobre a história e o problema do negro brasileiro. In: MOURA, C. Fragmentos de vida e obra. Brasília-DF: Fundação Cultural Palmares/Ministério da Cultura, 2004., p. 56). Esse pensamento ecoa na interpretação de Moura (1989MOURA, C. História do negro brasileiro. São Paulo: Editora Ática. 1989.) ao afirmar que a ideologia racista anseia por um país eugênico, nesse sentido houve no Brasil a afirmação da ideologia do branqueamento que diz respeito ao conjunto de normas, atitudes e valores associados ao universo branco e que as pessoas não brancas utilizam e associam a si mesmas – consciente ou inconscientemente – para serem detentoras de uma identidade racial positiva. Assim, pessoas não brancas adotam essa ideologia por acreditarem que serem reconhecidas como “não tão negras ou quase brancas” é menos danoso do que serem apenas negras.

Freyre (1933FREYRE, G. Casa Grande e Senzala. Formação da Família Brasileira sob o Regime de Economia Patriarcal. 1. ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1933.) equipara a contribuição das raças fundantes da nação brasileira: indígenas, negros e brancos e exalta as trocas culturais e sexuais todas compreendidas como consensuais e benéficas a todos os envolvidos. O termo raça entra em desuso e cria-se a compreensão coletiva de que os diferentes povos vivem em harmonia no Brasil, isto é, que haveríamos superado de maneira tranquila os efeitos do racismo e do escravismo transformando-se em uma – suposta – nação coesa e igualitária.

Na contramão de Freyre (1933FREYRE, G. Casa Grande e Senzala. Formação da Família Brasileira sob o Regime de Economia Patriarcal. 1. ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1933.), estudiosos como Moura (1989MOURA, C. História do negro brasileiro. São Paulo: Editora Ática. 1989., 1994) identificam a democracia racial como um mito que desempenha uma função de controle social, transformando a abordagem do racismo e preconceito como algo inadequado e criando a proibição social e institucional de se falar em racismo no Brasil. Assim como a ideologia do embranquecimento, o mito da democracia racial é uma das facetas da estrutura racista que compõe até hoje a sociabilidade brasileira que insiste em negar as desigualdades raciais.

Neste cenário, preocupamo-nos com os efeitos subjetivos do racismo, entendendo, com Guatarri (1992), que o que se passa no mundo nos atravessa e produz subjetividade e, portanto, o sofrimento psíquico não é de origem exclusivamente intrapsíquica, mas efeito das relações que se estabelecem no mundo sendo, também, político. Fanon (2008FANON, F. Pele negra máscaras brancas. Salvador: EDUFBA, 2008.) marca com veemência a relação entre contexto social e sofrimento e afirma que o racismo ocidental penetra as estruturas psíquicas do sujeito de modo que opressor e oprimido terminam regidos por um mesmo movimento de recalque e repressão – que faz com que ambos respondam aos mesmos valores racistas.

Entendendo a Saúde Coletiva como um campo transdisciplinar (REIS FILHO, 2005REIS FILHO, J. T. R. Negritude e Sofrimento Psíquico: uma leitura psicanalítica. 2005. Tese (Doutorado em Psicologia Clínica) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2005.), tomando a saúde como um objeto complexo e multifatorial, em que há interconexões entre o biológico e o social, o coletivo e o individual e compreendendo que o sofrimento psíquico é uma experiência que marca todos os sujeitos, embora alguns grupos sociais sofram vivências comuns no campo social produtoras de tipos específicos de sofrimento, perguntamo-nos como se tem abordado a relação entre racismo e sofrimento no campo da Saúde Coletiva.

Em última instância, pretendemos investigar sob quais perspectivas a problemática do sofrimento mental na sua relação com o racismo tem sido trabalhada no campo da Saúde Coletiva. Configurou-se, assim, a necessidade de realizar uma revisão bibliográfica que teve como norte a seguinte pergunta guia: Como se aborda o sofrimento advindo do racismo na Saúde Coletiva brasileira?

Estratégias metodológicas

Realizamos uma análise crítica da literatura presente no campo da Saúde Coletiva, fazendo dialogar estudos do campo com outros estudos das Humanidades e, para tanto, optamos por analisar a produção bibliográfica sobre a relação racismo-sofrimento, no campo da Saúde Coletiva. Escolhemos trabalhar com os artigos por se tratar da forma de mais fácil acesso e de maior volume de publicação no meio científico. Trata-se de uma revisão bibliográfica realizada a partir de uma abordagem qualitativa.

Percurso metodológico

A primeira etapa metodológica foi delimitar as produções do campo da Saúde Coletiva. Haveria maneira segura de garantir que estaríamos analisando de forma satisfatória as produções do campo? Segundo Reis Filho (2005) há um entendimento consensual de que a Saúde Coletiva é um campo de saberes e práticas no sentido de campo dado por Bourdieu (1993BOURDIEU, P. O senso prático. Petrópolis: Vozes, 2009.) isto é, de que a Saúde Coletiva é regida por valores e dinâmicas sociais específicas, em constante movimento, mas havendo um habitus próprio, que se configura em determinadas formas de perceber, fazer e pensar a saúde. O campo da Saúde Coletiva pretende articular modos de ver e pensar as relações do sujeito com o seu corpo e com as práticas sociais e os outros, partindo da perspectiva de que a saúde é marcada num corpo que é simbólico, o que impede a sua representação como apenas uma máquina anátomo-funcional (BIRMAN, 1991BIRMAN, J. A physis da Saúde Coletiva. Physis, Rio de Janeiro, RJ, v. 1, n. 1, p. 11-16, abr. 1991.).

Segundo Ferreira Neto et al. (2011), a entrada da noção de subjetividade no campo da Saúde Coletiva aconteceu tardiamente, uma vez que o campo, era até então influenciado amplamente pelo marxismo tendo como foco as mudanças estruturais na sociedade. Campos (2014) identifica que foi no final dos anos 90 que o campo da Saúde Coletiva começou a trazer o tema do sujeito a partir de estudos interpretativos. O uso da noção de subjetividade na Saúde Coletiva realça o vínculo entre dimensões materiais e subjetivas nas práticas em saúde, objetivando construir pontes entre experiências coletivas e individuais (FERREIRA NETO et al., 2011FERREIRA NETO, J. L. et al. Usos da noção de subjetividade no campo da Saúde Coletiva. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 27, n. 5 p. 831-842, maio 2011.).

Seguindo estas perspectivas e entendendo, com Reis Filho (2005), que a consolidação da Saúde Coletiva enquanto campo se traduziu no desenvolvimento de pós-graduação e da ampliação da sua produção acadêmica indexada em bases nacionais e internacionais, buscamos captar a produção da área sobre racismo a partir das produções bibliográficas do campo. Sabe-se, no entanto, que determinar um locus de produção do campo não é tarefa fácil, sobretudo pelo caráter transdisciplinar da Saúde Coletiva que borra, em uma constante tensão, as suas próprias fronteiras enquanto espaço social e que se reflete na enorme variedade de revistas que são destinatárias dos trabalhos do campo.

Por esse motivo, entendendo que parte dos pesquisadores publicam nas revistas mais reconhecidas de acordo com a avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento do Ensino Superior (CAPES), optamos por realizar a busca em duas etapas: (1) levantamento de artigos através de palavras chaves nos buscadores Lilacs (Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde) e Scielo (Scientific Electronic Library On-line) (2) seleção dos artigos, encontrados na primeira busca, publicados em revistas que têm Qualis A1, A2, B1 e B2 em Saúde Coletiva na Plataforma Sucupira - Qualis Periódicos.

O levantamento dos artigos aconteceu no mês de fevereiro de 2022 e para a busca utilizamos as palavras chaves: 1) Racismo AND Saúde; 2) Racismo AND Saúde Mental; 3) Racismo AND Subjetividade; 4) Racismo e Sofrimento 5) População Negra AND Saúde; 6) População Negra AND Saúde Mental; 7) População Negra AND Subjetividade e 8) População Negra e Sofrimento. Selecionamos apenas os artigos com texto completo disponível e em idioma português, encontramos 542 produções acadêmicas.

No segundo momento, selecionamos dentre os artigos aqueles que foram publicados em revistas com Qualis de A1 a B2 em Saúde Coletiva, o resultado foi 92 estudos. Analisamos as revistas 1) brasileiras; 2) em português; 3) que tinham versões on-line.

Em seguida, foram estabelecidos critérios de exclusão: estudos duplicados, que fugissem ao tema, que não abordassem de maneira central a questão da subjetividade e do sofrimento; revisões de literatura; monografias; dissertações e teses. Portanto, os artigos analisados foram aqueles que abordavam a temática, que eram sobre a realidade brasileira; que estavam disponíveis integral e gratuitamente. Após a aplicação dos filtros, foram selecionados doze artigos que compõem a revisão, sendo que 10 artigos vieram da base de dados Scielo e 2 da Lilacs.

O trabalho analítico se deu através da análise de conteúdo temática, proposta por Bardin (2011). Foram realizados os seguintes passos na análise do conteúdo: (1) leitura exaustiva de cada artigo buscando a compreensão da estratégia abordada por cada autor (2) identificação das ideias centrais de cada material (3) classificação das ideias em núcleos de sentido e comparação dos sentidos apresentados em cada material analisado (4) classificação dos núcleos de sentido em eixos temáticos (5) redação das sínteses interpretativas de cada tema. Após a análise dos conteúdos dos artigos, buscou-se estabelecer uma conversa entre as temáticas encontradas e as demais literaturas que dialogam com o tema do racismo e subjetividade.

Resultados

Após a leitura das publicações selecionadas, reuniram-se as ideias centrais do material analisado em núcleos de sentido, chegando-se a três temas: (1) Racismo, danos psíquicos e cuidado (2) Políticas públicas: saúde e assistência social, e (3) Afrocentricidade (Tabela 1). Os temas abordados são prismas que compõem a discussão sobre a não existência de um sujeito universal e, em vários momentos, dialogam entre si e trazem apostas políticas semelhantes, que vão da inclusão de novos narradores dentro das atuais formas de oferecer cuidado ao sofrimento psíquico até um rompimento radical com a concepção do sujeito que porta o sofrimento psíquico. Poderiam ser compreendidos como expressões de um mesmo fenômeno, no entanto, a divisão permite aprofundar cada uma dessas problemáticas.

Tabela 1
Resultados encontrados

O material mais antigo encontrado sobre o assunto é do ano de 2007 e aponta para a necessidade dos profissionais psi de se atentarem às diversidades populacionais, sobretudo no que se refere aos processos subjetivos dos afro-brasileiros. André (2007ANDRÉ, M. da C. Processos de subjetivação em afro-brasileiros: anotações para um estudo. Revista Psicologia: Teoria e Pesquisa. Rio de Janeiro, v. 23, n. 2, p. 159-168, jun. 2007.) pontua diferentes traços culturais da sociedade brasileira e analisa como tais fatores podem estar associados ao sofrimento psíquico em sujeitos negros, devido aos efeitos subjetivos que causam.

O artigo mais recente é uma publicação de 2020, que consiste em uma análise das ações realizadas pelo Grupo de Trabalho (GT) sobre Racismo e Saúde Mental existente no Ministério da Saúde ao longo dos cinco anos anteriores. Através de leituras das atas das reuniões do GT foram analisadas as propostas realizadas e os questionamentos teóricos apontados pelo Ministério da Saúde sobre a temática.

Em relação aos locais de publicação dos artigos encontrados, a maioria foi realizada em capitais, sendo três no Rio de Janeiro, três em São Paulo, dois em Salvador, um em Vitória e dois em Brasília, apenas um estudo foi realizado fora das capitais. Ao observarmos a formação dos autores há uma maior prevalência de profissionais da Psicologia, embora a produção esteja vinculada também a autores com formação em Sociologia e Filosofia. Tal informação foi compilada a partir da leitura das pequenas apresentações dos autores contida no material analisado.

Discussão

Racismo, danos psíquicos e cuidado

Um dos temas centrais que identificamos nos artigos analisados refere-se à discussão sobre os efeitos subjetivos do racismo e sobre a clínica com pessoas negras. A pesquisa realizada por André (2007ANDRÉ, M. da C. Processos de subjetivação em afro-brasileiros: anotações para um estudo. Revista Psicologia: Teoria e Pesquisa. Rio de Janeiro, v. 23, n. 2, p. 159-168, jun. 2007.) foi a mais antiga encontrada e é bastante incisiva em afirmar os percalços causados à subjetividade negra devido aos acontecimentos sócio-históricos decorrentes do racismo e a transmissão geracional da experiência. A autora afirma o lugar dos afro-brasileiros no processo social brasileiro e, pontua os efeitos danosos à subjetividade causados pela ideologia do branqueamento, como por exemplo sentimentos de inferioridade, baixa autoestima, sentimento de vergonha, de culpa, de humilhação e o medo que se faz presente nos processos de subjetivação da população afro-brasileira. Ademais, ao longo do trabalho, aponta-se a responsabilidade que os profissionais de psicologia teriam em relação a desconstrução de suas próprias práticas racistas e que somente a partir disso poderiam efetuar um trabalho efetivo considerando as repercussões psíquicas advindas do sistema escravocrata ao qual o Brasil foi submetido.

O trabalho de Prestes e Paiva (2016PRESTES, C. et al. Abordagem psicossocial e saúde de mulheres negras: vulnerabilidades, direitos e resiliência. Saúde e Sociedade. Rio de Janeiro, v. 25, n 3. p. 673-678, 2016.), por sua vez, apresenta uma revisão crítica de teorias, técnicas e práticas que visam a potencialização da saúde mental de mulheres negras com foco na resiliência. As autoras afirmam que embora a negritude seja um fator que agrega vulnerabilidades gerando sofrimento, há também maneiras através das quais mulheres negras conseguem reparar os danos sofridos ao longo da vida pelo fato de serem negras. Um apontamento importante das autoras é a influência da transmissão psíquica de vivências de outras gerações, de simbolismos associados à negritude e significados compartilhados em manifestações negras que, segundo elas, impactam os sujeitos nos processos de superação do racismo interiorizado ao longo das gerações.

Tal pensamento está em consonância com as reflexões de bell hooks (2019) que afirma a potência do espaço de enunciação coletiva para a elaboração de vulnerabilidades. hooks aponta que o fato de uma mulher negra cultivar a narração de sua história já seria potencialmente produtor de cuidado com ela mesma e com as demais mulheres negras.

Nesta mesma direção, Guimarães e Podkameni (2008PODKAMENI, A. B.; GUIMARÃES, M. A. C. A Rede de Sustentação Coletiva, Espaço Potencial e Resgate Identitário: Projeto Mãe-Criadeira. Revista Saúde e Sociedade, v. 17, n. 1, p. 117-130, ago. 2008.) apontam que a exposição do indivíduo negro a um meio ambiente antinegro, impacta negativamente o campo subjetivo. Por outro lado, os autores nomeiam de “espaço potencial” o ambiente em que mulheres negras possam ser acolhidas em suas vulnerabilidades com a possibilidade de acolhimento e proposição de cuidado para essas questões. Os autores do artigo em questão desenvolveram uma roda de conversa e apoio a gestantes em que era realizado, também, cuidados em saúde para mãe e bebê. Portanto, os autores propõem a criação de um grupo de apoio às gestantes negras (Rede de Sustentação Coletiva) e observam a formação de um efeito de acolhimento que é capaz de cuidar de alguns sentimentos de inadequação derivados do racismo ao qual essas mulheres estão expostas.

Também preocupados com a maquinaria do racismo cotidiano, Tavares et al. (2019TAVARES, A. S. et al. Manejo clínico das repercussões do racismo entre mulheres que se “tornaram Nnegras”. Psicologia: Ciência e Profissão, v. 39, 869-880, fev. 2019.) pontuam as especificidades do “racismo à brasileira”, que é marcado pelo colorismo, ou seja, quanto mais negros forem os traços do sujeito mais vítima será do racismo. O artigo apresenta a experiência de atendimento clínico a duas mulheres autodeclaradas negras, no serviço de Psicologia da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia onde as autoras afirmam a importância de uma escuta sensível que leve em consideração os efeitos do racismo, para que o tema ao ser trazido pelos pacientes não seja mais uma vez invisibilizado. Certamente uma escuta que não permite a expressão do sofrimento oriundo do racismo (re)produz violência, uma vez que o ato de negar tamanha violência, como diz Tabacof (2017TABACOF, H. Dessemelhanças e preconceitos. In: KON, N. M. et al. (Orgs.). O racismo e o negro no Brasil: questões para a psicanálise. São Paulo: Perspectiva, 2017. p. 45-55.) produz sintomas; tem efeitos na subjetividade de quem o sofre, de quem o atua e em todo o universo social que atravessa.

Martins et al. (2020MARTINS, T. F.; LIMA, J. S.; SANTOS, W. S. O efeito das microagressões raciais de gênero na saúde mental de mulheres negras. Ciênc. Saúde Coletiva. São Paulo, v. 25, n. 7, p. 32-43, jul. 2020.) criticam as pesquisas que problematizam relações de gênero e usualmente tratam os negros como um grupo monolítico, sem considerar recortes de gênero e classe dentro dos grupos racializados e que, portanto, têm poucos elementos para pensar sobre os efeitos subjetivos do racismo. Os autores estão atentos para o que Lima e Gambetta (2020) apontam sobre raça e etnia serem construções imaginárias materializadas em diferentes processos corporais e subjetivos que estão no coração do exercício colonial de classificar, inferiorizar e violentar. Ao mesmo tempo, as autoras evocam Maria Lugones para apontar o sistema de gênero colonial moderno em que operam poderosas opressões contra as mulheres.

O artigo de Martins et al é o único de nossa revisão que aborda o efeito das constantes agressões de viés racista, que ocorrem no dia a dia, aquilo que Kilomba (2019) denomina de episódios cotidianos de racismo que compõem paisagens da vida cotidiana dentro e fora das instituições. Tais agressões contribuem para piores níveis de saúde mental e autoestima de mulheres negras, o que se agrava quando muitos eventos estressores são percebidos em contextos individuais ou sociais, como é o caso dos insultos verbais ou comportamentais, intencionais ou não, que comunicam ofensas raciais hostis, depreciativas ou negativas a uma pessoa ou a um grupo-alvo. Martins et al (2020) concordam, portanto, com Kilomba (2019) e Mbembe (2017MBEMBE, A. Políticas da inimizade. Lisboa, Antígona, 2017.) que novas práticas racistas são forjadas cotidianamente nos pequenos gestos e nas entrelinhas das práticas discursivas e que daí pode derivar importantes danos subjetivo sofrido pelas pessoas negras.

Os estudos apresentados ilustram intervenções em relação ao sofrimento psíquico de pessoas negras, nas quais a intersecção entre racismo e sofrimento psíquico é ponto de partida para a elaboração de ações. Neste grupo temático, pode-se perceber que a falta de sensibilidade cultural (habilidade de apreender as experiências das pessoas cuja formação cultural é diferente) e de competência cultural (estar adequadamente preparado e qualificado para tal) entre os profissionais da saúde mental pode causar disparidades na quantidade e qualidade do atendimento psicoterápico prestado a população negra (TAVARES; KURATANI, 2019).

O estudo realizado por Rosa e Alves (2020ROSA, E. G. et al. Estilhaçando a Máscara do Silenciamento: Movimentos de (Re)Existência de Estudantes Negros/Negras. Psicologia Ciência e profissão. v. 40, p. 1-14, maio 2020.) discorre sobre atendimentos realizados dentro de um projeto de extensão do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) buscando compreender o silenciamento dos estudantes negros no ambiente universitário. Os alunos relataram episódios de violência racista e seus impactos subjetivos; enfrentamento ao racismo na universidade e também sobre as estratégias de (re)existências, os alunos também discorreram sobre a dificuldade de encontrar espaços coletivos de discussão sobre raça dentro do ambiente universitário.

Prestes e Paiva (2016), atentos às estratégias de (re)existências, indicam que os laços de coesão entre as pessoas negras, as ações em rede, os movimentos de resistência e seu suporte social contribuem para a construção de uma identidade coletiva afirmativa, de um sentimento de pertencimento racial positivo, de autoconfiança e confiança no grupo de pertença. O sentimento de coletividade e a sensação de pertencimento foram observados também em outros estudos analisados – como os de Guimarães e Podakemi (2008), Rosa e Alves (2020) – como um dos principais fatores que atuam na reparação dos danos sofridos.

No encontro clínico entre negros e negras e aqueles que se prestam ao cuidado em saúde (mental), os trabalhos identificam que a direção de tratamento deva ser a desindividualização do sofrimento, apontando para as questões suscitadas pelo racismo estrutural e pelo benefício gerado pelo reconhecimento do coletivo e da grupalidade. Os trabalhos vão, portanto, ao encontro dos apontamentos de Chagas (2010CHAGAS, A. Comunidades populares, população negra, clínica e política: um outro olhar. 2010. p 114. Dissertação (Mestrado em Psicologia). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói (RJ), 2010.) que afirma a importância da escuta do profissional para a questão racial. Em sua concepção, a questão da violência racial deve ser incluída efetivamente no cuidado em saúde, à medida que os profissionais compreendam que o racismo é um risco para a saúde dos negros e está presente na sociedade em que vivemos, atravessando as relações em seus aspectos mais ínfimos.

Percebemos que estes trabalhos que tratam dos efeitos do racismo e da clínica dialogam profundamente – apesar de não indicarem diretamente – com a perspectiva de Fanon (2008FANON, F. Pele negra máscaras brancas. Salvador: EDUFBA, 2008.) sobre a relação entre colonialismo, racismo e a saúde mental, indicando que o sofrimento dos negros não diz respeito a uma questão individual mas, sim, de uma problemática socialmente construída.

Faustino (2017FAUSTINO, D. M. A universalização dos direitos e a promoção da equidade: o caso da saúde da população negra. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 22, n.12, p. 3831-3840, maio 2017.) afirma que o delírio colonial se faz presente quando a sociedade moderna elege a figura do branco, europeu como “o digno”, sendo que ao branco é atrelada a categoria de universalidade e a própria representação da humanidade, ou seja, ao se falar de humano compreende-se que é ao humano branco a que se está referindo. A população negra, por sua vez, dentro dessa racionalidade, se compreende como o oposto daquilo que é belo, bom e verdadeiro, de maneira que suas emoções são ligadas apenas àquilo que pode ser animalizado e fetichizado.

Uma vez que o racismo é estruturante da nossa sociedade, uma mulher negra poderá se sentir deslocada e inferiorizada ao não se ver representada positivamente no imaginário social. Nas palavras de Fanon (2008FANON, F. Pele negra máscaras brancas. Salvador: EDUFBA, 2008., p. 65): na realidade colonizada, homens e mulheres negras encontram dificuldades na elaboração de seu esquema corporal. O conhecimento do corpo é unicamente uma atividade de negação”.

Nos artigos estudados as propostas de manejo clínico com mulheres negras acabavam por propor a criação de espaços coletivos em que fosse possível produzir a sensação de sustentação coletiva dos sujeitos e também reflexão histórica sobre o negro no país. No caso do Projeto Mãe-Cirandeira (GUIMARÃES; PODAKEMI, 2008) a ideia de criar um grupo em que diversas mães negras pudessem trocar sobre as dificuldades que estavam vivenciando aliada ao suporte para o período gestacional criou um processo de coletivização da experiência. Tal fato dialoga com o que propõe Fanon (2008FANON, F. Pele negra máscaras brancas. Salvador: EDUFBA, 2008.) ao dizer que os possíveis enfrentamentos ao sofrimento psíquico causado pelo racismo passam pela descolonização do pensamento e a criação de ambientes seguros que propiciem a coletivização das experiências (NOGUERA, 2012NOGUERA, R. Ubuntu como modo de existir: elementos gerais para uma ética afroperspectivista. Revista da ABPN, Brasília, v. 3, n. 6. p. 147-150, 2012.).

Políticas públicas - Saúde e Assistência Social

Os estudos que compõem essa categoria abordam de diferentes maneiras questões que atravessam os equipamentos públicos de assistência à população. Santos et al. (2019SANTOS, K. L. et al. Ativando as engrenagens da educação permanente na rede de atenção psicossocial: os desafios no cuidado a pessoas em abuso de substâncias psicoativas. Interface, n. 29, p. 1-10, ago. 2019.), por exemplo, analisam rodas de Educação Permanente ocorrido na cidade de Vila Velha (ES) e afirmam que o tema do racismo foi escolhido pelos profissionais das redes Sistema Único de Saúde (SUS) e Sistema Único de Assistência Social (SUAS) para ser debatido. A razão da escolha estava atrelada ao incômodo ou dificuldade em abordar a temática para os profissionais. Ademais, as autoras apontam o racismo como um fator de impacto na saúde mental dos pacientes acompanhados na rede pública de assistência e saúde no município de Vila Velha.

O estudo realizado por Tavares, Oliveira e Lages (2009), por sua vez, investiga a percepção de psicólogos que atuam na saúde pública no município de Belo Horizonte sobre o racismo institucional. Alguns dos entrevistados nunca haviam se questionado sobre a existência de alguma relação entre racismo e sofrimento psíquico e não reconheciam a existência do racismo institucional. Para as autoras esse fato poderia ser resultado, entre outras coisas, da formação dos cursos de psicologia que insistem em “reduzir os sujeitos a questões psíquicas, tratando a subjetividade de maneira individualista”(TAVARES; OLIVEIRA; LAGES, 2009). O estudo também apontou para a naturalização de ideologias como o embranquecimento, na busca da evitação dos conflitos que poderiam surgir ao se pautar as questões raciais.

Barros et al. (2014BARROS, S. B. et al. Censo psicossocial dos moradores em hospitais psiquiátricos do estado de São Paulo: um olhar sob a perspectiva racial. Saúde e Sociedade, Rio de Janeiro, v. 23, n. 4, p. 1235-1257, out./dez. 2014.) analisaram o censo psicossocial realizado no estado de São Paulo em 2007 e, identificaram, entre outras coisas, a internação maciça de negros o que os levou a pergunta sobre o quanto do pensamento eugênico ainda impregna a formação na área da saúde contribuindo na representação social dos profissionais, sobre o louco e a loucura. Esse fato refletiria algo biológico para a prevalência de transtornos mentais ou ilustra como o racismo impregna a lógica manicomial ainda existente em nossa sociedade?

O trabalho realizado por Mattos e Ignácio (2019), por sua vez, observa o Grupo de Trabalho (GT) sobre racismo e saúde mental do Ministério da Saúde durante os anos de 2015 e 2016. É importante ressaltar que tal GT foi oficializado a partir da pressão exercida pelo Movimento Negro que compreendia a importância de que o Ministério acompanhasse mais de perto essa temática e tinha como proposta a produção de matérias sobre o assunto para maior popularização do debate. O artigo conclui que existe uma tímida inclusão da temática racial dentro do campo da saúde mental, não se convertendo necessariamente em políticas ou ações de destaque no que se refere ao enfrentamento ao racismo nesse contexto.

A falta de institucionalização do debate racial no âmbito dos órgãos oficiais do Estado brasileiro se expressa o cotidiano dos serviços e também no acolhimento prestado aos usuários dos Sistemas SUS e SUAS. Segundo Santos e Surjus (2019) a ausência de orientações oficiais do SUAS em relação a presença do racismo nas instituições culmina na necessidade de realização de cursos pelos próprios profissionais que se interessam pela temática, refletindo a escassez da oferta institucionalizada do debate. Por este motivo, afirmam a importância do protagonismo dos trabalhadores e a necessidade de que o mecanismo de Educação Permanente seja financiado pelo Ministério da Saúde para que as discussões sobre a temática racial sejam fomentadas de maneiras contundentes.

Nos artigos analisados identificamos ainda que a Reforma Psiquiátrica é acionada, ora servindo como marco teórico para a elaboração dos artigos (MATTOS; IGNACIO, 2019) ora como pano de fundo a partir das falas dos entrevistados (TAVARES; OLIVEIRA; LAGES, 2013TAVARES, N. V.; OLIVEIRA, L. V.; LAGES, S. R. A percepção dos psicólogos sobre o racismo institucional na saúde pública. Revista Saúde Debate, Rio de Janeiro, v. 37, n. 99, 123-146, dez. 2013.). Sevalho, Dias e Santos (2021SEVALHO, G; DIAS, J. V. dos S. Franz Fanon, descolonização e o saber em Saúde Coletiva: contribuições para a Saúde Coletiva brasileira. Cien Saude Colet. Rio de Janeiro, v. 3, n. 27, p. 937-946. 2022.) afirmam que, embora a Reforma psiquiátrica tenha se preocupado com o estabelecimento do tratamento em liberdade, com a desospitalização e com a integridade física dos sujeitos, a pauta racial não constituiu os questionamentos históricos fundantes do movimento antimanicomial brasileiro. Tal apontamento é de fundamental importância se considerarmos com Fanon (2008FANON, F. Pele negra máscaras brancas. Salvador: EDUFBA, 2008.) que a loucura é uma “patologia da liberdade” (p. 57) em que o Estado colonial é um dos atores que impedem o exercício da emancipação, donde o racismo – diríamos, estrutural – é pano de fundo para a subalternização e desumanização dos corpos negros.

Nesse caminho, se faz importante olhar novamente para os pontos que Fanon (2008FANON, F. Pele negra máscaras brancas. Salvador: EDUFBA, 2008.) apontava como intrínsecos ao sofrimento psíquico: o mal-estar teria uma dimensão colonial – por estar intimamente ligado ao contexto político em que a vida transcorre. Fanon pensa o sujeito e o sofrimento como diretamente relacionado com as condições concretas em que a vida transcorre. Faustino (2019) afirma, ao analisar a obra do psiquiatra, que os processos que compõem o sofrimento psíquico em uma sociedade absurdamente desigual só se tornam compreensíveis quando são consideradas as determinações históricas nas quais os sujeitos estão envolvidos.

Observa-se aqui, em conjunto com Moura (1994) e Nascimento (2016NASCIMENTO, A. O genocídio do negro brasileiro: processo de um racismo mascarado. São Paulo: Editora Perspectiva, 2016. p. 278.), que a institucionalização do racismo no Brasil foi, também, efeito da escravização e do impedimento do acesso dos negros libertos às terras. Dessa maneira, como forma inicial de reparação para tais acontecimentos, torna-se dever do Estado a institucionalização de políticas públicas de combate ao racismo.

Afrocentricidade e Saúde Coletiva

Um terceiro tema que nos pareceu fundamental na discussão sobre a relação entre sofrimento psíquico e racismo nos trabalhos da Saúde Coletiva foi a afrocentricidade. O estudo que tratou do tema foi realizado por Alves, Jesus e Scholz (2015ALVES, M.; JESUS, J.; SCHOLZ, D. Paradigma da afrocentricidade e uma nova concepção de humanidade em Saúde Coletiva: reflexões sobre a relação entre saúde mental e racismo. Revista Saúde Debate, Rio de Janeiro, v. 39, n. 106, p. 869-880, jul./set. 2015.). Tal paradigma é definido como: “um tipo de pensamento, prática e perspectiva que percebe os africanos como sujeitos e agentes de fenômenos atuando sobre sua própria imagem cultural e de acordo com seus próprios interesses humanos.” (ASANTE, 2009ASANTE, M. K. Afrocentricidade: notas sobre uma posição disciplinar. In: NASCIMENTO, E. L. (org.). Afrocentricidade: uma abordagem epistemológica inovadora. São Paulo: Selo Negro, 2009. p. 93-110, p. 93).

A noção de afrocentricidade retomada pelo artigo desta categoria é aquela defendida por Asante (2009ASANTE, M. K. Afrocentricidade: notas sobre uma posição disciplinar. In: NASCIMENTO, E. L. (org.). Afrocentricidade: uma abordagem epistemológica inovadora. São Paulo: Selo Negro, 2009. p. 93-110) que compreende a afrocentricidade como um sistema de pensamentos e práticas africanas que contemplam os africanos como sujeitos que produzem cultura e agem a partir de sua própria concepção de mundo, suas próprias crenças e valores. Conforme afirmam Reis et al. (2020) a teoria da afrocentricidade parte de uma perspectiva diametralmente oposta ao eurocentrismo, pois, naquele, o pensamento e o sistema cultural africano apresentam centralidade histórica que se torna a base da produção de conhecimentos promovendo a valorização da ancestralidade africana tanto para os africanos do continente quanto para os africanos da diáspora.

Nas palavras de Asante (2016, p. 13):

Afrocentricidade representa uma possibilidade de maturidade intelectual, uma forma de ver a realidade que abre novas e mais excitantes portas para a comunicação humana. É uma forma de consciência histórica, porém mais do que isso, é uma atitude, uma localização e orientação. Portanto, estar centrado é ficar em algum lugar e vir de algum lugar. Como uma ideia intelectual, o aspecto prático da Afrocentricidade é o contentamento de um sujeito, ativo, lugar de agente para as pessoas que interagem no contexto de suas narrativas.

Reafirmam Alves, Jesus e Scholz (2015) que o paradigma da afrocentricidade deve ser compreendido como uma perspectiva teórica e prática inovadora no campo da Saúde Coletiva por criar um conceito de humanidade em que visa a orientar africanos e suas culturas de uma posição periférica para uma posição centrada. Dessa forma o estudo busca problematizar a raiz eurocêntrica do campo da Saúde Coletiva e questiona o interesse sobre a população negra e a manutenção de sua saúde uma vez que os conceitos que norteiam o campo são de raízes eurocêntricas e tal fato dificulta a produção de cuidado para com negros e negras (ALVES; JESUS; SCHOLZ, 2015).

Os dados levantados por Alvez, Jesus e Scholz (2015) estão em consonância com o estudo realizado por Gonçalves et al. (2019GONÇALVES, L. A. et al. Saúde coletiva, colonialidade e subalternidades – uma (não) agenda? Saúde Debate, v.43, n. esp. 8, p. 160-174, dez 2019.), que afirma que o campo da Saúde Coletiva é construído a partir do paradigma da ciência moderna, que por sua vez é ancorado nos pressupostos da colonialidade reproduzindo clivagens entre raça e gênero (GONÇALVES et al., 2019GONÇALVES, L. A. et al. Saúde coletiva, colonialidade e subalternidades – uma (não) agenda? Saúde Debate, v.43, n. esp. 8, p. 160-174, dez 2019.). Assim, para que o campo da Saúde Coletiva possa de fato incluir negros e negras é preciso que sua base epistemológica seja ampliada e contemple também a produção de conhecimento que tem a afrocentricidade como norte.

Alvez et al. (2015) afirmam que a colonialidade não depende da existência concreta de colônias; ao contrário, ela se reatualiza permanentemente, produzindo novos arranjos institucionais e formas de expropriar, dividir, subalternizar e invisibilizar grupos, incorporando e intensificando graus de opressão e a isso associam o sofrimento psíquico das populações marginalizadas. Os autores concordam com Vilhena (2006VILHENA, J. Violência da cor: sobre racismo, alteridade e intolerância. Revista Psicologia Política. São Paulo, n. 12, v. 6, 2006.) ao afirmarem que a população negra, através da internalização do ideal do Eu branco adota modelos incompatíveis com seu próprio corpo o que levaria, frequentemente, à negação de sua própria identidade decorrendo em sofrimento psíquico. Os autores fazem uma observação contundente sobre o fato de que pensar saúde mental na população de ascendência africana significa a possibilidade de escolher livremente suas referências éticas, teóricas e espirituais, nesse sentido os autores estão em consonância com Nobles (2009NOBLES, W. Sakhu Sheti: retomando e reapropriando um foco psicológico afrocentrado. In: NASCIMENTO, E. (Org.). Afrocentricidade: uma abordagem epistemológica inovadora. São Paulo: Selo Negro, 2009. p. 277-298.).

A teoria da Afrocentricidade questiona o campo da Saúde Coletiva ao. buscar adentrar na criação de uma perspectiva teórica sobre o sofrimento psíquico de negros e negras, que vem a partir da produção de subjetividade que surge com a colonialidade. O desafio que esse estudo coloca para a Saúde Coletiva é o de inaugurar um novo processo de escuta e reconhecimento dos diferentes valores e práticas civilizatórias que constituem a sociedade brasileira. Dessa forma, os autores confiam que é possível dirimir o olhar preconceituoso e racista que ainda hoje é lançado às pessoas de ascendência africana (GONÇALVES et al., 2019GONÇALVES, L. A. et al. Saúde coletiva, colonialidade e subalternidades – uma (não) agenda? Saúde Debate, v.43, n. esp. 8, p. 160-174, dez 2019.).

Embora o estudo realizado por Alves, Jesus e Scholz de 2015 tenha proposto uma mudança e orientação radical para o campo da Saúde Coletiva, contendo propostas inovadoras e convocando a Saúde Coletiva a deslocar suas bases eurocêntricas e ancorá-las em uma teoria que reconheça a humanidade dos povos africanos, houve pouco eco em relação a essa produção nos meandros da Saúde Coletiva. Algo importante para reflexão.

Considerações finais

Tanto as fontes revisadas quanto a literatura que serviu de base para a realização deste estudo apontam para duas questões fundamentais para a discussão sobre racismo e sofrimento psíquico no âmbito da Saúde Coletiva: (a) a discussão sobre racismo e sofrimento ainda é incipiente nesse campo, (b) os efeitos do racismo são agravantes para a saúde mental e diminuem a qualidade de vida de pessoas negras.

Os estudos são relevantes para o campo da Saúde Coletiva, analisam políticas institucionalizadas no âmbito público brasileiro: Assistência Social e da Saúde. Entendemos que os problemas em termos de saúde mental são condições de saúde (1) de natureza multifatorial sendo influenciados tanto por questões da ordem da singularidade como por elementos sócio culturais como o racismo estrutural e institucional; (2) consideradas objeto de análise e intervenção de todos os profissionais do SUS e não apenas dos especialistas da saúde mental e (3) têm alta prevalência na população atendida pelas equipes da Estratégia de Saúde da Família (ESF) as quais não têm a capacitação necessária para este tipo de cuidado (FAGUNDES et al., 2021FAGUNDES, G. S.; CAMPOS, M. R. E.; FORTES, S. L. C. L. Matriciamento em Saúde Mental: análise do cuidado às pessoas em sofrimento psíquico na Atenção Básica. Ciênc. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 26, n.6, p. 22-36jul. 2021.). Todos estes aspectos são fundamentais no campo da Saúde Coletiva pois tratam da garantia do cuidado integral à população do SUS (FRANCO et al., 2004).

Apesar da estreita relação entre saúde mental e racismo (SOUZA, 1983SOUZA, N. S. Tornar-se negro. Rio de Janeiro: Graal, 1983.) o tema é ainda pouco explorado na produção científica brasileira. Como ilustração da ausência dessa temática nas discussões da Saúde Coletiva temos o fato que apenas no ano de 2016 a ABRASCO (Associação Brasileira de Saúde Coletiva) inaugurou o Grupo de Trabalho sobre racismo. Verificou-se que, na produção selecionada o encontro entre sofrimento e racismo vem se consolidando como objeto de pesquisa do campo da Saúde Coletiva, nos últimos anos. Cabe observar, que não há uma direção específica em relação às nuances abordadas dentro da temática, mas que a produção do ano de 2020 foi maior que a dos anos anteriores. Essa constatação ganha fôlego ao observarmos a literatura de apoio para a elaboração desse artigo, em que houve a utilização de importantes autores nacionais que abordam a saúde da população negra e a saúde mental da população negra.

Constatamos ainda que há uma extensa produção no campo da Saúde Coletiva sobre a temática do racismo e seus efeitos na saúde, no entanto, a intersecção do sofrimento psíquico e do racismo ainda é pouco abordada pelo campo. Lançamos o questionamento se o campo da Saúde Coletiva deveria incluir mais as questões subjetivas em sua produção, na medida em que falar de saúde implica necessariamente abordar a saúde mental.

Contudo, os autores dos textos analisados neste trabalho compreendem que os enfrentamentos ao racismo e seus efeitos na subjetividade passam por uma elaboração coletiva e pela necessidade de compreensão de que teoria e prática caminham juntas, de maneira que só será possível a existência de uma Saúde Coletiva antirracista se houver o processo de reconhecimento dos diferentes valores e práticas que constituem a sociedade brasileira. Por fim, pode-se afirmar que no campo da Saúde Coletiva ainda se fazem necessárias pesquisas para aprofundar o tema e para que sejam aprofundadas as relações entre racismo e sofrimento psíquico.

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Editor responsável: Martinho Silva

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    29 Jul 2022
  • Aceito
    06 Fev 2023
  • Revisado
    13 Dez 2022
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