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O USO DE ENXERTO AUTÓGENO CÓRTICO-ESPONJOSO HETEROTÓPICO NA OSTEOSÍNTESE DE MANDÍBULA COM PERDA DE SEGMENTO EM CÃES

EXPERIMENTAL HETEROTOPIC AUTOLOGOUS CORTICOCANCELLOUS BONE GRAFTING ON CANINE MANDIBLES DISCONTINUITY DEFECTS

Resumos

RESUMO Vinte e um cães sem raça definida com idade entre 6 meses e 7 anos, peso médio de 10kg foram submetidos à fratura iatrogênica da mandíbula com perda de segmento de aproximadamente 1cm. A reconstituição foi feita mediante transplante autógeno heterotópico e imobilização com pino intramedular ou diferentes tipos de circlagem. A principal causa relacionada às falhas foi a necrose térmica conseqüente à secção da mandíbula com serra vibratória.

fratura de mandíbula; enxerto ósseo; cirurgia de cão


SUMMARY Reconstruction of 1cm descontinuity iatrogenic defects using autologous corticocancellous bone graft was evaluated on 21 canine mandibles. The corticocancellous bone graft was obtained from the ilium. The imobilizant devices bridging the graft bone and mandible consisted of cerclage or insertion of intramedullary pin. Possible explanation about unsuccess on bone incorporation was related to thermal necrosis produced by oscillating electro-surgical osteokut.

canine surgery; mandible fractures; bone grafting


O USO DE ENXERTO AUTÓGENO CÓRTICO-ESPONJOSO HETEROTÓPICO NA OSTEOSÍNTESE DE MANDÍBULA COM PERDA DE SEGMENTO EM CÃES

EXPERIMENTAL HETEROTOPIC AUTOLOGOUS CORTICOCANCELLOUS BONE GRAFTING ON CANINE MANDIBLES DISCONTINUITY DEFECTS

Alceu Gaspar Raiser1 1 Médico Veterinário, Professor Adjunto no Curso de Pós-Graduação em Medicina Veterinária da Universidade Federal de Santa Maria. 97.119 - Santa Maria, RS. Sheila Canevese Rahal2 1 Médico Veterinário, Professor Adjunto no Curso de Pós-Graduação em Medicina Veterinária da Universidade Federal de Santa Maria. 97.119 - Santa Maria, RS. Murilo Nogueira dos Santos3 1 Médico Veterinário, Professor Adjunto no Curso de Pós-Graduação em Medicina Veterinária da Universidade Federal de Santa Maria. 97.119 - Santa Maria, RS.

RESUMO

Vinte e um cães sem raça definida com idade entre 6 meses e 7 anos, peso médio de 10kg foram submetidos à fratura iatrogênica da mandíbula com perda de segmento de aproximadamente 1cm. A reconstituição foi feita mediante transplante autógeno heterotópico e imobilização com pino intramedular ou diferentes tipos de circlagem. A principal causa relacionada às falhas foi a necrose térmica conseqüente à secção da mandíbula com serra vibratória.

Palavras-chave: fratura de mandíbula, enxerto ósseo, cirurgia de cão.

SUMMARY

Reconstruction of 1cm descontinuity iatrogenic defects using autologous corticocancellous bone graft was evaluated on 21 canine mandibles. The corticocancellous bone graft was obtained from the ilium. The imobilizant devices bridging the graft bone and mandible consisted of cerclage or insertion of intramedullary pin. Possible explanation about unsuccess on bone incorporation was related to thermal necrosis produced by oscillating electro-surgical osteokut.

Key Words: canine surgery, mandible fractures, bone grafting.

INTRODUÇÃO

As fraturas da cavidade oral são difíceis de estabilizar devido à ação de grupos musculares poderosos sobre ossos relativamente curtos. Dos ossos da cavidade oral, a mandíbula é o mais freqüentemente comprometido. Geralmente está envolvida a sínfise e na seqüência aquelas do corpo mandibular que tendem a ser compostas (THOLEN, 1982). O tratamento das fraturas de mandíbula, além da estabilização e alinhamento ósseo, tem por objetivo a restauração adequada da oclusão, mantendo assim a função mastigatória.

Fraturas do corpo mandibular têm sido reparadas com pino intramedular, aparelhos de Ehmer-Kirshner, placas, fios de aço e artifícios de acrílico (BRINKER et al, 1986). Quando ocorre perda de segmento ósseo, como nas fraturas compostas ou complicações como não-união e união retardada há necessidade de transplantação óssea.

Tem sido demonstrado que o enxerto fresco autógeno é superior aos outros, porém, existem situações em que um banco de ossos torna-se importante pois reduz o tempo operatório, elimina a morbidade associada com a obtenção do enxerto, evita múltiplos locais operatórios e é versátil em termos de tamanho e formato do enxerto obtido (HENRY, 1983).

O transplante autógeno fresco associa a força estrutural do córtex às propriedades osteogênicas e de osteocondutividade do osso lamelar. Esta especialmente indicado para proporcionar suporte e cobrir defeitos nas fraturas de ossos longos. Pode ser moldada uma porção da asa do ílio para aproximar sua forma à da área receptora sendo, então, usada intacta (WILSON, 1986).

Segundo STEVENSON (1985) o enxerto autógeno esponjoso apresenta as vantagens da histocompatibilidade, células vivas e excelente potencial osteogênico. Se houver necessidade de estabilidade mecânica, ou quando se fizer necessário cobrir grandes defeitos, é preferível o osso cortical. O autor citou que a reabsorção do osso cortical ocorre duas semanas após a transplantação, aumentando até a sexta semana e depois declinando gradativamente até 1 ano.

BRINKER et al (1986) citaram que nos enxertos corticais a invasão vascular e substituição serpiginosa ocorrem mais lentamente que no osso esponjoso, porém, o osso cortical apresenta a vantagem da rigidez estrutural.

ENNEKING et al (1980) afirmaram que muitas áreas, no interior de enxertos corticais, nunca são revascularizadas ou repostas por osso viável tornando-se, então, sujeitos à fraturas de extresse.

Dentre os fatores que afetam a incorporação do enxerto, STEVENSON (1985) relacionou a técnica cirúrgica, a imunogenicidade e o método de preservação. O primeiro e principal requerimento para incorporação e a absoluta estabilidade, embora pequenos fragmentos esponjosos possam ser estabilizados pelo desenvolvimento de calo ósseo. Durante a vascularização os capilares não conseguem penetrar a cortical e inicia-se a reabsorção dos sistemas de Havers devido ao trauma pelo movimento persistente resultando em seqüestro. Este autor citou, ainda, que a radiografia é útil para avaliar a incorporação dos ossos esponjosos e menos precisa com enxertos corticais porque a densidade do córtex pode dificultar a visualização de variações mais sutís.

MEDINA & MORGAN (1984) afirmaram que a necrose térmica, induzida por perfuradora de alta rotação interfere com a regeneração óssea. Citaram que a ampliação da linha de fratura é achado esperado quando ocorre atividade osteoclástica.

DULISH (1985) efetuou estabilização de fraturas do corpo da mandíbula, anteriores ao 4° pré-molar, com moldagem de acrílico e após circlagem, mantida por 4 a 6 semanas. Segundo o autor, na adaptação de circlagem deve-se dar tensão adequada, colocar o fio o mais próximo possível da borda alveolar, sem envolver as raízes dentárias e observar que o fio esteja perpendicular à linha de fratura para evitar deslocamento. Quando da utilização de pino intramedular, para estabilizar fraturas do corpo da mandíbula DULISH (1985) recomendou que o implante fosse introduzido no canal mandibular, do segmento rostral da área fraturada, e conduzido em direção craneal de modo a penetrar o córtex ventral à raiz do dente canino. Após redução da fratura a ponta do implante deve ser conduzida até o primeiro molar. Para sutura da mucosa oral indicou o categute cromado 3-0 em síntese contínua.

BLASS et al (1985) testaram as propriedades mecânicas de três diferentes configurações com fios de aço na circlagem de fraturas. Constataram que a configuração em X proporcionou maior eficiência e resistência à rotação.

SCHWARTZ et al (1987) efetuaram reconstituição de defeitos de 2cm na mandíbula de cães utilizando osso esponjoso autógeno e uma prótese de dacron e uretano, a qual foi fixada por dois pontos de circlagem. Todos os fragmentos ósseos foram incorporados e a imobilização eficiente.

BRADNEY et al (1987), corrigindo neoplasias orais com mandibulectomia e enxertia de osso autógeno obtido da asa do ílio, observaram que a técnica não é factível quando a lesão for caudal ao 4° pré-molar. Os animais receberam alimentação macia a partir de 48 horas de pós-operatório e estavam aptos à preensão e mastigação de alimentos sólidos no 4° mês após a cirurgia.

Dos diferentes métodos de conservação de enxertos, a glicerina parece o menos dispendioso e de fácil manutenção. MARQUES et al (1980) efetuaram estudo experimental em cobaias utilizando osso alógeno conservado em glicerina. Concluíram que o transplante demonstrou condições biológicas semelhantes às dos enxertos alógenos frescos. Assim, em uma primeira etapa foi preparado um banco de ossos, experimentada a transplantação e, em razão dos resultados, optou-se por comparar dois métodos de circlagem e a introdução de pino intramedular na transplantação de osso córtico-esponjoso autógeno fresco. Foram efetuadas observações clínica, radiológica e histopatológica da incorporação ou não do enxerto.

MATERIAL E MÉTODOS

Em uma primeira etapa foi feita colheita de costela alógena em animais clinicamente sadios, com idade de 5 meses, sacrificados imediatamente antes da ressecção costal em condições cirúrgicas assépticas. Os enxertos obtidos tiveram remoção dos tecidos circunjacentes, incluindo periósteo. Fora lavados com água destilada, secados com gase e mergulhados em solução de glicerina pura onde foram mantidos por período variável de 45 a 60 dias à temperatura ambiente. Antes de ser transplantado o enxerto foi mantido em solução salina isotônica durante duas horas para rehidratação.

Na fase pré-experimental foi procedida a transplantação de porção da costela alógena conservada em glicerina, em três cães, e de costela fresca em outros três. Em razão dos resultados obtidos a pesquisa propriamente dita foi efetuada como segue:

Foram utilizados 21 cães sem raça definida, machos ou fêmeas, com idades variando entre 6 meses e 7 anos, provenientes do Biotério Central da Universidade Federal de Santa Maria. Após terem sido considerados aptos para o experimento foram distribuídos aleatoriamente em três grupos de igual número e classificados quanto a estrutura da mandíbula.

Nas últimas 16 horas que precederam o ato cirúrgico foram privados de alimentos sólidos e tiveram as regiões da mandíbula e ílio esquerdo tricotomizadas. Neste período receberam Penicilina benzatínica na dose de 40.000UI/kg de peso corporal, por via muscular.

A medicação pré-anestésica constou de acetilpromazinaa na dose de 0,5mg/kg de peso corporal, via venosa, 15 minutos antes da indução anestésica. A anestesia cirúrgica foi induzida pela administração venosa de pentobarbital sódicob, via venosa até perda dos reflexos interdigital e laringotraqueal. A manutenção foi feita com o mesmo anestésico, por via venosa, em quantidade suficiente para permanecer em plano anestésico. Imediatamente após a perda do reflexo laríngeo foi efetuada intubação orotraqueal com tubo de balonete inflável. A antissepsia da cavidade oral foi feita com solução de iodo povidine a 0,1%.

Cada paciente foi posicionado em decúbito lateral direito para ser procedida a colheita do enxerto córtico-esponjoso. Estando a área preparada para cirurgia asséptica, foi realizada incisão semilunar na pele, diretamente sobre a crista ilíaca esquerda. O tecido subcutâneo, fáscia glútea e tecido adiposo foram incisados seguindo a mesma direção. Os músculos glúteo médio e sacroespinhal foram afastados das regiões lateral e média da crista do ílio. Para obtenção do enxerto foi removida uma porção da asa ilíaca de aproximadamente 1,5 x 1,0cm que foi imediatamente colocada em recepiente com solução de cloreto de sódio 0,9% até o momento da transplantação. A seguir foram aproximadas as fáscias do músculo glúteo médio com a do músculo sacroespinhal, seguido pela sutura da fascia do glúteo superficial com categute cromado 3-0 em síntese contínua simples. O tecido subcutâneo foi aproximado com o mesmo fio e a pele com poliéster trançado siliconizado n° 2-0.

Com a região da mandíbula preparada para cirurgia asséptica, cada animal foi contido em decúbito dorsal. Foi efetuada incisão da pele sobre o ramo horizontal esquerdo da mandíbula, estendendo-se da altura do dente canino até a altura do 1° molar. Foram seccionados, a seguir, a fáscia subcutânea, músculo platisma e periósteo, sendo este descolado com elevador periostal de Langenbeck expondo assim o corpo da mandíbula. Com auxílio de serra vibratóriac foi efetuada mandibulectomia de aproximadamente 1,0cm, compreendendo o segmento entre o segundo e quarto pré-molares. Durante a secção da mandíbula a região foi irrigada com solução de iodo povidine diluído a 0,1% em salina isotônica. A gengiva foi incisada próxima ao colo dentário. A hemostasia quando necessária foi feita por compressão. Os dentes comprometidos durante a mandibulectomia sofreram exodontia.

A porção do ílio foi apreendida com pinça de Allis e preparada com cisalha de modo que o comprimento fosse 2 a 3mm maior que o fragmento removido da mandíbula, porém, com altura inferior para evitar tensão sobre a gengiva. O enxerto foi adaptado entre os dois segmentos da mandíbula fraturada e imobilizado de três maneiras diferentes: Grupo I: adaptação intramedular de um pino de Steinmann que foi orientado na face ventral do segmento rostral, entre os dentes canino e primeiro molar e introduzido no canal medular. Seguiu pela porção esponjosa do enxerto e finalmente penetrou no canal medular do segmento posterior até a altura do primeiro molar. A boca era mantida fechada para facilitar a oclusão; Grupo II: foram efetuados dois orifícios no enxerto e dois em cada segmento da mandíbula, com um pino de Steinmann de 1,0mm de diâmetro adaptado à perfuradeira elétricac. Durante a perfuração o local foi irrigado com solução de iodo povidine a 0,1% em salina isotônica. Para estabilizar o enxerto foram passados dois fios de aço monofilamento n° 2, no orifício superior do enxerto para fixar o mesmo aos orifícios superiores de cada segmento da mandíbula. Outros dois fios de aço foram adaptados ao orifício inferior do enxerto para fixá-lo aos correspondentes orifícios inferiores dos segmentos craneal e caudal da mandíbula; Grupo III: foi efetuado um orifício no enxerto e dois em cada segmento da mandíbula, um mais próximo a borda gengival e outro à borda oposta. Para estabilização foram passados quatro fios de aço n° 2 no orifício do enxerto, sendo dois deles ligados aos dois orifícios inferiores dos segmentos mandibulares e os demais aos orifícios superiores tomando, assim, a configuração de X.

A síntese do músculo platisma, fáscia subcutânea e períosteo foi efetuada com fio mononáilon 3-0 agulhado em sutura contínua simples. A pele foi reconstituída com pontos isolados simples de poliéster trançado siliconizado n° 2-0 em pontos simples isolados. A cavidade bucal foi aberta e feita aproximação dos músculos com mononáilon 3-0 em pontos tipo Sultan seguido de síntese da mucosa oral com o mesmo fio em pontos simples isolados.

As feridas cutâneas foram tratadas com antisséptico tópico e os pontos removidos entre o 7° e 10° dias de pós-operatório. Todos os dias, após alimentação, a cavidade oral era irrigada com solução de iodo povidine 0,1% em salina para remover as sujidades. Os pontos de mucosa foram removidos ao 7° dia de pós-operatório.

A avaliação dos animais foi efetuada por exames físicos, radiológicos e histológicos pós-morte. Diariamente a região da mandibulectomia foi examinada e quando necessário procedida cultura e antibiograma das secreções. As tomadas radiográficas foram efetuadas imediatamente após a cirurgia, aos 30, 60 e 90 dias de evolução. As projeções foram dorso-ventral e oblíqua com a boca aberta.

Aos 90 dias cada cão foi sacrificado e a mandíbula submetida a exame microscópico óptico da área de enxertia. As peças foram fixadas em formol neutro a 10% e posteriormente descalcificadas em ácido fórmico tamponado com citrato de sódio. O material foi processado, incluído em parafina,seccionado com micra de espessura e corado pela hemactoxilina-eosina.

Durante todo experimento a alimentação era constituída de ração granulada para cães, umidecida em água e liberada 48 horas após a cirurgia.

RESULTADOS

As costelas colhidas para transplante alógeno apresentavam consistência macia na colheita e eram seccionadas facilmente com cisalha de Liston. Após conservação tornaram-se enrijecidas e quebradiças. Fraturavam no momento da secção ou perfuração para adaptação na mandíbula.

Nos cães que se transplantou costela alógena fresca a transplantação foi de fácil execução, porém, a forma tubular da mesma, em suas bordas dificultava a estabilização com pino intramedular ou circlagem. Em todos os cães houve migração do pino e expulsão do enxerto.

No local em que foi colhido o enxerto córtico-esponjoso apenas um cão teve rejeição de um ponto com categute cromado. O sinus formado cicatrizou logo após remoção do fio. Todos os animais apresentaram deambulação adequada logo após a recuperação anestésica.

Nos cães do Grupo I, em que foi feita estabilização com pino intramedular, foi necessário manter a boca fechada para que no momento da introdução do pino fosse mantida a oclusão. Quando o pino penetrava mais dorsal ou ventral, no canal medular, ocorria má-oclusão. A imobilização foi adequada apresentando estabilidade no momento da operação. Um cão exteriorizou o enxerto aos 17 dias e outro aos 27, devido solução de continuidade na gengiva que os recobria. Nos demais os tecidos moles cicatrizaram bem. Em três cães ocorreu migração do pino após 40 dias. O enxerto manteve-se no local. Em todos os animais a mandíbula apresentava instabilidade aos 90 dias de evolução pós-operatório. Naqueles em que houve migração do pino e o enxerto permaneceu estável havia presença de tecido fibroso englobando o enxerto, mas sem características de ossificação. Pela histologia verificou-se que o osso estava unido ao enxerto por tecido fibroso denso com áreas de metaplasia óssea. Em alguns pontos as bordas dos ossos apresentavam-se necróticas. Em um dos animais deste grupo as extremidades ósseas estavam quase unidas e o epitélio gengival recobria totalmente o espaço entre eles.

Nos cães do Grupo II o enxerto sofreu exposição através de solução de continuidade na gengiva em cinco cães requerendo reintervenção já nos primeiros dez dias de pós-operatório. Neste grupo os enxertos eram mais altos, comparados aos demais e formavam saliência na área gengival. Aos 90 dias todos os cães apresentaram instabilidade do enxerto. Os achados histológicos mostravam espaço inter-ósseo preenchido por tecido de granulação com intensa vascularização e infiltrado inflamatório histiocitário. Em um cão foram encontradas colônias de bactérias filamentosas. As bordas dos ossos eram necróticas e recobertas por tecido fibroso denso em fina faixa.

No Grupo III houve exposição do enxerto em um cão por solução de continuidade na gengiva e outro apresentou trato purulento na porção ventral da mandíbula. Nos demais o enxerto permaneceu, porém aos 90 dias 4 cães apresentavam instabilidade óssea. Num dos cães a área de enxertia era estável e pela histologia verificou-se que havia áreas de formação de fina camada de tecido conjuntivo fibroso e cartilaginoso com transformação em tecido ósseo. Nos demais os espaços interósseos estavam preenchidos por tecido fibroso denso e tecido de granulação rico em vasos e infiltrado neutrocitário. Na submucosa da gengiva ocorreu intensa reação inflamatória plasmocitária e hiperplasia. Na área do enxerto encontravam-se restos ósseos.

Naqueles animais que evidenciaram deiscência da síntese gengival ou formação de sinus o exame bacteriológico indicou Staphylococcus sp e/ou Escherichia coli. Apresentaram sensibilidade à gentamicina, cloranfenicol e tetraciclinas. Foi efetuada antibioticorerapia sem evolução do processo.

Pelo controle radiológico verificou-se que os animais dos diferentes grupos apresentaram oclusão e redução adequadas nas incidências radiográficas imediatas à cirurgia (Figura 1). Aos 30 dias já se observava má-oclusão em três animais do Grupo II e quatro do Grupo III. Todos os cães apresentaram linha de radioluscência entre o enxerto e a mandíbula a partir de 30 dias, a qual aumentou progressivamente aos 60 (Figura 2) e 90 dias (Figura 3) de evolução, exceto para um cão do Grupo III. Paralelamente houve diminuição progressiva na radiopacidade dos enxertos. Em um cão do Grupo I, dois do Grupo III e quatro do Grupo II foi constatada fragmentação do enxerto já aos 60 dias de pós-operatório.




Em nenhum dos cães verificou-se reação proliferativa com características radiopacas ligando os enxertos à mandíbula. Exceção observada em um cão do Grupo III. Nos demais pacientes havia má-oclusão aos 90 dias de evolução pós-operatório.

DISCUSSÃO E CONCLUSÃO

O objetivo original do trabalho consistia na formação de um banco de ossos, visando aproveitar as vantagens citadas por HENRY (1983), somadas ao baixo custo quando a conservação fosse feita em glicerina, como salientaram MARQUES et al (1980). Na etapa inicial em que se efetuou a transplantação desse enxerto conservado, a primeira dificuldade que se apresentou foi a preparação e fixação do mesmo que, em virtude da rigidez , tornou-se quebradiço. É possível que o tempo em que a costela permaneceu mergulhada na solução salina tenha sido insuficiente para compensar a desidratação determinada pela glicerina. Enquanto se procurava contornar esse imprevisto resolveu-se desenvolver a experimentação utilizando apenas enxerto autógeno fresco, com diferentes métodos de fixação, procurando minimizar o custo dos artifícios de imobilização. Procurou-se eleger a região entre o primeiro e segundo pré-molares, para mandibulectomia, por ser a de maior incidência de fraturas compostas como relatou THOLEN (1982).

A alimentação macia foi liberada no pós-operatório imediato seguindo-se indicação de BRADNEY et al (1987) verificando-se boa aceitação sem sintomatologia de dor durante mastigação.

Nos animais em que se empregou o pino intramedular como método de fixação do enxerto procurou-se seguir a técnica recomendada por DULISCH (1985) para redução das fraturas mandibulares. Foi necessário, no entanto, manter a boca fechada para obtenção da oclusão adequada de vez que, dependendo da posição de entrada do pino no canal medular da porção caudal à fratura, ocorria má-oclusão com deslocamento ventral ou dorsal.

Os modelos de circlagem utilizados nos animais do Grupo III aproximam-se da configuração proposta por BLASS et al (1985) e oferecem estabilização adequada. O mesmo ocorreu naquelas do Grupo II. Dentre as possíveis causas para explicar as falhas na incorporação do enxerto pode-se relacionar a necrose térmica citada por MEDINA & MORGAN (1984), que no caso foi causada pela serra vibratória utilizada para seccionar a mandíbula. Este fenômeno ocorreu a despeito de fluxo copioso de solução salina durante a secção. A reabsorção na linha de fratura, caracterizada por um alargamento radioluscente na visualização radiográfica, associada ao ato mastigatório afrouxa o enxerto, embora rigidamente fixado por ocasião da cirurgia. O tempo de aparecimento da instabilidade do enxerto esta de acordo com o período de reabsorção óssea citado por STEVENSON (1985). No caso da mandíbula a movimentação pelo ato mastigatório contribuiu para a reabsorção óssea, gerando instabilidade na linha de fratura. A instabilidade associada ao processo de reabsorção que se constata radiograficamente favoreceu a má-oclusão e determinou movimentos estressantes nas linhas de contato da mandíbula com o enxerto prejudicando a vascularização, como já citou STEVENSON (1985), e acelerando a osteoclasia. Este fenômeno explica o aumento de radioluscência nas linhas de fratura e do próprio enxerto. A ausência de vascularização aliada ao fenômeno de osteoclasia são as razões de fratura dos enxertos que fragmentaram conforme já relataram ENNEKING et al (1980).

Como não houve diferença de comportamento entre os animais dos diferentes grupos, quanto ao método de imobilização, o pino intramedular não deve ter prejudicado a vascularização do canal medular em grau significativo, de vez que alguns trabalhos clássicos não consideram significante o trauma iatrogênico produzido por este método de osteosíntese. Nos cães que se adaptou circlagem, para estabilizar o enxerto, a colocação dos fios seguiu os pré-requisitos citados por DULISCH (1985).

A escolha de um segmento cortiço-esponjoso do ílio, para reconstruir o segmento perdido da mandíbula, visou aproveitar as vantagens do enxerto de osso esponjoso, citadas por STEVENSON (1985) e a rigidez estrutural do córtex, citados por BRINKER et al (1986) e WILSON (1986). Desta forma seria obtido um enxerto com as mesmas características osteogênicas (osso esponjoso) e estruturais (córtex) obtidas no método empregado por SCHWARTZ et al (1987) onde o implante sintético onera a intervenção. Naquele caso, no entanto, a prótese não sofre a ação de osteoclasia evoluindo rapidamente, demonstrando que apenas com o uso de circlagem pode-se conseguir estabilidade.

Nos cães em que foram observadas exposição e expulsão do enxerto, as causas foram a necrose do transplante, migração do implante ou enxertos que ficaram muito salientes na porção gengival da mandíbula, favorecendo a deiscência. A utilização de fio mononáilon na reparação dos tecidos moles em seus planos internos, em pontos de Sultan ou simples isolados, ao invés do categute cromado recomendado por DULISCH (1985), justifica-se pelas vantagens do náilon monofilamento em tecidos sujeitos à contaminação e por oferecer redução estável por período mais prolongado.

A persistência de infecção nos casos de contaminação, apesar da antibioticoterapia, caracteriza o processo de expulsão e necrose do enxerto onde a infecção era secundaria. Isto se comprova pela falta de vascularização do enxerto e pelas cepas bacterianas encontradas que são saprófitas na cavidade oral do cão.

Considerando os resultados obtidos, onde somente um cão do Grupo III teve incorporação do enxerto, os métodos de imobilização mostraram-se inadequados em função da área de osteoclasia decorrente da necrose térmica, gerando afrouxamento e instabilidade do enxerto. Em relação a fraturas com perda de segmento, segundo THOMAS MULLIGAN (1989 - informe verbal), nos Estados unidos da América tem-se procedido a hemimandibulectomia, nos cães que apresentem fraturas desse osso com perda de segmento, em virtude da impossibilidade de obter-se imobilização rígida mesmo nos casos de acidentes, onde não ocorre a necrose térmica.

FONTES DE AQUISIÇÃO

a - ACEPRAN: Univet S.A. Indústria Veterinária. Rua Clímaco Barbosa, 700 - São Paulo. SP.

b - NEMBUTAL: Abbott laboratórios do Brasil Ltda. Rua Nova Iorque, 245 - São Paulo, SP.

c - STRYKER: Electro-surgical Osteokut. kalamazoo. Michigan, USA.

2Médico Veterinário, pós-graduando no Curso de Pós-Graduação em Medicina Veterinária da Universidade Federal de Santa Maria. 97.119 - Santa Maria, RS.

3Médico Veterinário, Professor Titular no Curso de Pós-Graduação em Medicina Veterinária da Universidade Federal de Santa Maria. 97.119 - Santa Maria, RS.

Aprovado para publicação em 10.04.91.

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  • 1
    Médico Veterinário, Professor Adjunto no Curso de Pós-Graduação em Medicina Veterinária da Universidade Federal de Santa Maria. 97.119 - Santa Maria, RS.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Set 2014
    • Data do Fascículo
      Abr 1991

    Histórico

    • Aceito
      10 Abr 1991
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